domingo, 24 de janeiro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Povo e sociedade civil: prudência e vontades; voto e palavras de ordem

Permitam-me, essa semana, fazer pouca análise. Há momentos em que de tão abundantes, elas se tornam contraproducentes, em seu objetivo de criar uma base racional comum para a discussão política. Quero, como muitos de nós neste instante, fazer uma exortação. Parto da premissa de que a mensagem pode se dirigir tanto a governantes quanto a governados, sem minimizar a óbvia diferença de papeis de uns e outros. Numa república democrática, todos fazem escolhas políticas, embora sejam bem distintas suas aplicações.

Faz menos de dois meses que brasileiros e brasileiras foram às urnas e deixaram um claro recado. Valorizaram bom governo em suas cidades e a política da moderação. Puseram em segundo plano a retórica e as performances populistas, bem como a polarização ideológica.

O que fazer diante disso? Seguir o recado ou tentar modificá-lo? Ambas as opções são possíveis e têm sua legitimidade e sua justificação racional.  Seguir o recado das urnas tem como argumento o respeito a um senso comum, que deve orientar a conduta de qualquer democrata genuíno e dotado de bom senso. Tentar modificá-lo pode ter como argumento a razão fundada num dever ser alternativo a tudo isso que aí está a exigir mais contestação que moderação, e o objetivo, derivado dessa razão, de mobilizar a sociedade para essa luta.

Optar por um caminho ou outro depende, é claro, de circunstâncias. Mas não só. Existem diferentes modos de encarar a política que, uma vez adotados por uma pessoa, ou por uma organização, levam essa pessoa, ou organização, a tender para esse ou aquele caminho. Há quem deseje realizar suas ideias no mundo e, assim, encara a política como instrumento de uma causa projetada ao futuro, como alternativa abrangente aos males do presente. Há quem assume, como causa, a preservação do nosso mundo construído em comum, sendo a política uma atividade mais contida, capaz, porém, de aperfeiçoá-lo, de modo sustentável. Para os primeiros a palavra-chave é vontade. Para os segundos, prudência. O que não quer dizer que toda vontade política é imprudente nem que todo prudente abdica da vontade.

Para entender isso, distingamos o que são visões sobre a política (como instrumento de uma causa ou como ferramenta de melhoria), do que são atitudes políticas - modos, prudente ou voluntarista, de intervir politicamente, decidindo ou influindo sobre decisões. Assim, a visão política pode ser cheia de vontade, no sentido forte do progressismo e isso levar, de fato, a uma atitude voluntarista, mas é possível que um progressista adote uma atitude prudente, submetendo sua vontade a uma gradação, para mudar construindo. Já uma visão política de conteúdo prudencial pode assumir um sentido conservantista, até reacionário, o que constitui atitude política imprudente quando uma situação clama por mudanças. E pode ser prudencial no sentido moderado, acolhendo a mudança sustentável, aquela que não destrói o edifício, caso em que se combinam visão e atitude prudentes.   

Merval Pereira - Bode expiatório

- O Globo

Tudo indica que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, será escolhido para bode expiatório da crise sanitária que o país passou a viver a partir do Amazonas, onde pessoas morreram por falta de oxigênio, o que qualifica como criminosa a inação dos governos estadual e federal. O procurador-geral da República, Augusto Aras, mais uma vez tira o presidente Bolsonaro da Linha de tiro, colocando Pazuello como responsável direto pelo descalabro que tomou conta do país na atuação contra a COVID 19. 

É claro que o ministro Pazuello tem culpa na história, pois não deveria assumir a Saúde sem condições técnicas para tal, mas quem nomeou foi Bolsonaro, que deve ser culpado por essa escolha infeliz. Além disso, quem orientou Pazuello para dar força ao tratamento precoce da COVID 19, com invermectina e cloroquina como a prioridade do ministério da Saúde foi o presidente, e o ministro apenas seguiu na tese de que “um manda, e o outro obedece”. O que pode dar muito certo nos quartéis, mas na vida real não funciona. 

O procurador-geral foi pressionado pelos procuradores a investigar o descaso em Manaus e saiu pela tangente, para colocar a culpa toda em Pazuello, livrando Bolsonaro, o que é um despaupério, já que a responsabilidade final é sempre de quem nomeia um auxiliar incompetente. Sobretudo quando o próprio presidente vive desclassificando a vacinação como solução para a doença.

Míriam Leitão - Impeachment pelo passado e futuro

- O Globo

Dos argumentos contra o impeachment do presidente Jair Bolsonaro, o mais fraco é o de que não podemos “banalizar” esse instrumento. A lei é para ser usada, e em nenhum outro caso anterior a este fez tanto sentido iniciar o processo de punição que é previsto na Constituição e em lei de 1950 para o caso de o presidente cometer crime de responsabilidade. Bolsonaro incorreu em vários crimes, inclusive comuns, desde que assumiu o cargo.

Não é a primeira vez que escrevo isso neste espaço. Em maio do ano passado escrevi que era necessário não ter medo de encarar o impedimento, sempre traumático, mas agora necessário para salvar vidas. Em outras colunas, listei os artigos das leis do país que ele tem ferido constantemente. No ano passado ele escalou nos ataques às instituições justamente quando o Brasil começava o enfrentamento a um vírus mortal. É uma dupla perversidade.

O impeachment da presidente Dilma não foi apenas por um preciosismo fiscal, por uma singela pedalada, como ficou na memória de muita gente, da mesma forma que Collor não foi abatido por um Fiat Elba. Com seus erros de decisão, sequenciais, Dilma desmontou a economia. A recessão destruiu 7% do PIB em dois anos, a inflação voltou a dois dígitos, o desemprego escalou, o déficit e a dívida deram um salto. Tudo isso derrubou sua popularidade e ela não teve sustentação política. Não foi um golpe. Foi o uso do impeachment por crime de responsabilidade fiscal, e num contexto de descobertas de assalto aos cofres da Petrobras para financiamento político.

Os crimes de Jair Bolsonaro estão em outro patamar de gravidade, porque atentam contra a vida. A falta de coordenação federal da pandemia matou brasileiros. Ele estimulou o agravamento da pandemia por atos, palavras e omissões. Se permanecer intocado e com o seu mandato até o fim, a história será reescrita naturalmente. O impeachment da presidente Dilma parecerá injusto e terá sido. E isso porque diante de crimes muito mais graves do que os que provocaram a desordem econômica, as instituições cruzaram os braços e lavaram suas mãos deixando Bolsonaro protegido.

Ricardo Noblat - Imunizar o Brasil a galope é uma aposta arriscada do governo

- Blog do Noblat | Veja

À espera de avalanche de ofertas de vacinas

De duas, uma. Ou o presidente Jair Bolsonaro e seus ineptos auxiliares acreditam que o Brasil, em breve, estará sujeito a uma avalanche de ofertas de vacinas como em seus delírios prevê o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, ou pensam que continuarão a governar o país na base só do gogó.

Foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quem disse ter atravessado seu primeiro ano de governo levando o país na conversa, no que ele era bom de fato. Mas Bolsonaro, Pazuello e companhia limitada não se destacam pela oratória, nem pelo carisma. Tampouco pelo apoio que Fernando Henrique dispôs.

O número de pessoas por aqui que pretendem se vacinar contra a Covid-19 aumentou, ao mesmo tempo em que 62% da população afirmam que a pandemia está fora de controle. É o que mostra a pesquisa Datafolha aplicada nos últimos dias 20 e 21. Apenas 3% dos entrevistados acham que ela foi totalmente controlada.

Janio de Freitas – Uma saída urgente

- Folha de S. Paulo

Impeachment de Bolsonaro ganhou mais exposição agora do que em dois anos

O impeachment não apenas como solução, mas sobretudo como necessidade, avançou mais e ganhou mais exposição nos últimos dias do que nos dois anos de Bolsonaro até a tragédia pandêmica em Manaus.

Temores e dúvidas esvaneceram em grande escala, pulverizados pela visão imaginada das mortes por asfixia à falta de oxigênio hospitalar, causada por incúria e suspeita indiferença do governo Bolsonaro. E, por horror ou por cautelas tardias, nem foram ainda relatadas, como devido, essas mortes em hospitais, casas, em fila para socorro.

Bolsonaro combate o avanço do impeachment, de início, com gigantesca atividade de corrupção política. É o velho compra-e-vende de deputados, agora para eleger o futuro presidente da Câmara, em fevereiro.

Nessa operação encontram-se, ao lado de velhos embolsadores antes desprezados pelos militares, generais como Luiz Eduardo Ramos, na função de coordenador político e intermediário com os congressistas.

Bruno Boghossian - Bolsonaro perdeu a âncora

- Folha de S. Paulo

Deterioração do apoio na pandemia deve expor o presidente a riscos significativos a partir de agora

No primeiro ano de mandato, Jair Bolsonaro já não ostentava uma popularidade notável. Ainda assim, apesar dos índices vacilantes, o presidente se escorava em sua famosa base ideológica e, especialmente, nos grupos mais ricos e escolarizados do país. Em 2020, algumas dessas âncoras foram perdidas.

Há pouco mais de um ano, Bolsonaro respirava tranquilo no topo da pirâmide de renda. Sua popularidade nesse grupo era o dobro da registrada entre os mais pobres, e a rejeição parecia estável em 30%. A conduta do governo na pandemia e decisões que frustraram esse eleitorado levaram a reprovação para 47%.

A conquista de apoio nos segmentos mais pobres, com o pagamento do auxílio emergencial, foi a grande salvação de Bolsonaro no primeiro ano do coronavírus. A deterioração dos índices positivos do governo entre os mais ricos, por outro lado, deve expor o presidente a riscos significativos a partir de agora.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro é louco?

- Folha de S. Paulo

Segundo psiquiatras, o presidente apresenta comportamentos compatíveis com critérios de transtornos de personalidade

Como Jair Bolsonaro se sairia numa avaliação psiquiátrica? Ou, numa linguagem mais bolsonariana, ele é doido? Inspirado no livro “The Dangerous Case of Donald Trump”, que já comentei aqui, um grupo de ilustres psiquiatras brasileiros decidiu perscrutar a ficha corrida e as atitudes mais recentes do presidente. Chegou a conclusões que, se não permitem um diagnóstico definitivo, servem de alerta para o perigo que ele representa.

Na opinião desses profissionais, que pediram anonimato (o Código de Ética Médica faz restrições a diagnósticos sem exame direto do paciente), Bolsonaro não pode ser classificado como louco inimputável (ele sabe o que faz), mas apresenta comportamentos compatíveis com critérios de transtornos de personalidade descritos tanto no CID-11 como no DSM-5.

O que se destaca são traços de personalidade narcísica e paranoide, evidenciados por falta de empatia, agressividade, desconfianças (com o sistema eleitoral, por exemplo) e alguma desconexão com a realidade.

Elio Gaspari - Amanda Gorman arrastou as fichas ao encantar o mundo na posse de Biden

- O Globo / Folha de S. Paulo

E Aras da aval a extravagâncias institucionais

A geração de Greta Thunberg (18 anos) e Malala Yousafzai (23 anos) trouxe Amanda Gorman (22 anos), a poeta que encantou o mundo na festa da posse de Joe Biden. A “menina magra, descendente de escravos, criada por uma mãe solteira (que) pode sonhar em se tornar presidente, apenas para se descobrir recitando para ele.”

Criada em Los Angeles, Amanda chegou à cena como figura conhecida num mundo de poetas jovens e ativistas. Escolhida por Jill Biden, a mulher do presidente, ela estava com o poema entalado até a tarde do dia 6, quando Donald Trump soltou sua milícia contra o Capitólio. Foi o que bastou:

“Uma nação não está quebrada, mas apenas inacabada.”

“Embora olhemos para o futuro, a história está de olho em nós.”

Outros poetas já marcaram as posses de presidentes. Aos 86 anos, Robert Frost, não conseguiu ler o poema que fez para John Kennedy e recitou outro, de memória. Maya Angelou iluminou a posse de Barack Obama, e Amanda homenageou-a com um anel onde havia um pássaro preso numa gaiola.

O poema de Amanda Gorman (“A Colina que Escalamos”) foi dissecado na sua beleza por Dwight Garner, crítico do “The New York Times”. É uma exaltação dos Estados Unidos, com pouco a ver com a colina no alto da qual brilhava a cidade de Ronald Reagan. A inspiração da jovem veio do motim miliciano, da história dos Estados Unidos e também da genialidade de Lin-Manuel Miranda, o criador do musical “Hamilton”. Miranda é um descendente de porto-riquenhos e recebeu a centelha lendo a biografia do pai do capitalismo americano. Alexander Hamilton era um imigrante caribenho, educado por judeus expulsos do Recife. O Thomas Jefferson de Miranda é negro.

Amanda Gorman tornou-se uma celebridade vestindo Prada, mas veio de uma nascente que não produz fama. Malala tomou um tiro, Amanda entrou no mundo dos livros porque tinha uma limitação neurológica que lhe afetava a audição e a fala. (É hipersensível ao som e não conseguia pronunciar os “rr” dobrados.) Formou-se em Harvard e foi premiada pela rede de estímulos que a nação americana oferece à cultura. Era famosa antes de se tornar celebridade. Fundou e dirige uma organização destinada a promover a leitura entre os jovens. É militante de quase todas as causas: igualdade racial, de gênero, ambientalismo, uma vida melhor para todos, enfim.

Seu poema celebrou a alma americana:

“Enquanto sofríamos, crescíamos.

Mesmo sofrendo, esperávamos

Mesmo cansados, tentávamos.”

Amanda quer ser eleita presidente dos Estados em 2036. Boa sorte.

Entrevista | Yascha Mounk: 'Conflito com a democracia persistirá'

Yascha Mounk, cientista político alemão e autor do livro 'O Povo Contra a Democracia'

Para escritor, disputa entre líderes populistas e democráticos é um fenômeno que deve durar décadas

 Paulo Beraldo / O Estado de S. Paulo

As disputas políticas entre líderes populistas e democráticos são parte de um fenômeno que deve persistir por muitas décadas, avalia o cientista político alemão e autor do livro O Povo Contra a DemocraciaYascha Mounk.

Para o escritor, a invasão ao Capitólio dos EUA é símbolo de ataques contínuos de Donald Trump, mas pode servir de alerta para outros líderes populistas por não ter tido o resultado esperado – impedir a ratificação da vitória de Biden. Ele entende que o descontentamento com a democracia é fruto da estagnação do padrão de vida de muitos americanos, de uma guerra cultural fomentada pelo sistema político, pela mídia e também pelas mudanças culturais e demográficas pelas quais os EUA passaram. Ele afirma que o populismo é um fenômeno global e uma das principais forças políticas da atualidade. 

Qual o significado da invasão ao Capitólio dos EUA para o futuro da democracia no país?

A invasão foi fruto de 4 anos de ataques à democracia liberal dentro dos EUA. Em muitos aspectos, é o resultado inevitável de se eleger um populista em tempo integral como Donald Trump, que sempre acreditou que ele, e apenas ele, representa verdadeiramente o povo americano. Portanto, para ele era inaceitável o resultado de uma eleição que perdeu.

Na cabeça dele, só pode ter sido ilegítimo, já que entra em conflito com a verdade óbvia de que ele seria a personificação de um país. Mas, ao mesmo tempo, pode ser o início de uma virada, de um enfraquecimento desse discurso, e o triunfo de um consenso mais amplo sobre os perigos que a democracia enfrentou e sobreviveu nos últimos 4 anos. 

Essa invasão pode se tornar o símbolo de um movimento iliberal que está crescendo? Ou foi um episódio específico? 

Ela foi a ponta de lança de um movimento trumpista maior que prioriza apoiar tudo que ele diz ou faz acima de alguns dos princípios mais fundamentais da democracia e da Constituição dos EUA. Também acho que ela continuará a ser o símbolo da presidência de Trump e ajudará a consolidar seu lugar nos livros de história.

Muitos dos ataques às instituições eram complicados de explicar às pessoas, violavam normas complicadas, eram conjuntos de fatos difíceis de rastrear. Mas as fotos de uma invasão ao Capitólio, à Câmara, ao Senado, são fáceis para qualquer um entender.

Serão o símbolo desse momento histórico e tenho certeza que Trump será lembrado da maneira certa. Mas é importante deixar claro que foram algumas milhares de pessoas que invadiram a capital. Elas têm raízes em um movimento mais amplo, mas não representam todos os eleitores de Trump, nem mesmo a maioria da população. 

Luiz Carlos Azedo - Sobre atalhos e eleições

- Correio Braziliense

A eventual vitória de Bolsonaro na disputa pelas Mesas do Congresso lhe dará fôlego para salvar o mandato, mas não será o bastante, caso sua popularidade continue desabando

O Conselheiro Acácio, criação do escritor português Eça de Queiróz (1840-1900) no romance Primo Basílio, com passar do tempo, acabou se tornando maior do que o protagonista que empresta o nome ao livro e os demais personagens, por seu pedantismo e suas obviedades. A expressão “acaciano”, inspirada em suas platitudes e redundâncias, virou até adjetivo na língua portuguesa. Eça descreve-o de forma caricatural: “Alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoço entalado num colarinho direito. O rosto aguçado no queixo, ia-se alargando até a calva, vasta e polida, um pouco amolgada no alto. Tingia os cabelos, que de uma orelha à outra lhe faziam colar para trás da nuca; e aquele preto lustroso dava, pelo contraste, maior brilho à calva; mas não tingia o bigode: tinha-o grisalho, farto, caído aos cantos da boca. Era muito pálido; nunca tirava as lunetas escuras. Tinha uma covinha no queixo e as orelhas muito grandes, muito despegadas do crânio”.

O que humanizou e fez do Conselheiro um personagem maior e universal foram seu falso moralismo (vivia amancebado com a criada), o burocratismo (adorava carimbos, despachos, fichas e relatórios que para nada serviam) e a bajulação (toda vez que o nome do Rei era pronunciado, erguia-se um pouco da cadeira). Como uma espécie de Barão de Itararé (Apparício Torelly) às avessas, suas frases de efeito tornaram-se famosas, como “a saúde é um bem que só apreciamos quando nos foge”. Tudo para ele era cercado de pompa: “Que maior prazer, meu Jorge, que passar assim as horas entre amigos, de reconhecida ilustração, discutir as questões mais importantes, e ver travada uma conversação erudita…? Parecem excelentes os ovos”.

José Roberto Mendonça de Barros* - A vacina comanda o cenário

- O Estado de S. Paulo

O governo federal desprezou a aquisição de vacinas contra covid 19 num momento crucial

O cenário de 2021 no mundo ocidental será determinado pela velocidade e amplitude dos programas de vacinação. Só depois disso o ambiente ficará melhor e as medidas de distanciamento poderão ser gradualmente reduzidas. Neste momento, os grandes estímulos monetários e fiscais terão seus efeitos plenos e o crescimento na área de serviços moverá o PIB e o mercado de trabalho. 

Com a posse de um presidente americano que sempre levou a sério a ameaça do vírus e que fará os maiores esforços para o sucesso da vacinação em massa, é possível imaginar que, na entrada do verão do hemisfério norte, um número crítico mínimo de cidadãos estarão imunizados, permitindo que os países desenvolvidos voltem a crescer de forma mais significativa. Isso se somará ao que já acontece na Ásia, onde o enfrentamento do covid-19 foi bastante bem sucedido (exceto na Índia), com a China liderando a expansão. 

O crescimento passará a ser sincronizado em boa parte do planeta. O Banco Mundial, na sua revisão de janeiro, estima uma expansão neste ano de 3,5% nos Estados Unidos, 3,6% na Zona do Euro, 2,5% no Japão, 7,9% na China e 5,4% na Índia.

É um cenário construtivo, que permitirá enfrentar grandes questões já existentes, mas que foram agravadas na pandemia, especialmente a recorrente elevação das desigualdades, em várias dimensões, e a imperiosa necessidade de avançar na transição energética e na agenda de sustentabilidade.

Eliane Cantanhêde - O presidente sumiu!

-O Estado de S. Paulo

Acossado pelas pesquisas e impeachment, Bolsonaro vira pária no próprio governo

O Brasil virou um pária internacional e o presidente Jair Bolsonaro vira um pária no seu próprio governo, onde generais, ministros, assessores e palpiteiros deixam o presidente para lá, enquanto preparam campanhas a favor da vacinação e escrevem mensagens para Joe Biden desconsiderando exatamente tudo o que pensa, diz, faz e representa Bolsonaro. É hora de interditar o presidente e agir para o governo não ruir.

A palavra impeachment circula lado a lado com o vírus, a popularidade despenca e protestos e panelaços pipocam pelo País, diante do fim das trevas nos Estados Unidos, da pandemia inclemente, a asfixia de Manaus, a variação ainda mais ameaçadora da Covid 19, o fim do auxílio emergencial, empresas quebrando, milhões de desempregados. O Planalto acordou.

Bolsonaro fala em “morte, invalidez e anomalia” ao se referir à “tal vacina chinesa do Doria”, diz “não vou tomar, ponto final” e faz campanha aberta contra a vacinação obrigatória. Se não tomar e morrer? Vale seu mantra: “E daí? O que eu posso fazer? Não sou coveiro”. Mas a campanha do seu governo passa a ser diametralmente oposta, enquanto ministros, parlamentares e empresários vivem um corre-corre para curar as feridas com a China e garantir insumos e doses.

Bolívar Lamounier* - O canto de sereia do capitão

- O Estado de S. Paulo

Seria conveniente que o presidente Bolsonaro falasse menos, ou com mais responsabilidade

A um capitão excluído das Forças Armadas por indisciplina é talvez possível dispensar um entendimento exato do artigo 1º., parágrafo único, da Constituição brasileira de 1988, onde se lê: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

A hipótese da dispensa fica, porém, sem efeito caso o referido capitão, por circunstâncias diversas, seja alçado à condição de presidente da República. Daí a gravidade da declaração proferida na última segunda-feira pelo sr. Jair Bolsonaro, afirmando que a existência de um sistema político democrático depende das Forças Armadas, declaração não só estapafúrdia, mas também eivada de um mal disfarçado tom de ameaça. Corretíssima, portanto, a interpelação que lhe dirigiu o general da reserva Santos Cruz, que apontou o disparate presidencial e qualificou como “covarde” o matiz de ameaça nele contido. No modo mais protocolar que seu cargo exige, também o vice-presidente Hamilton Mourão, ao mesmo tempo que descartou o recurso ao impeachment, frisou que a conduta de Jair Bolsonaro ainda não representa um risco para a democracia, mas que os contrapesos institucionais deverão ser acionados, naturalmente, caso tal risco venha a se configurar.

Rolf Kuntz - Doentes sufocados e democracia ameaçada: o país de Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo

Riscos para o Brasil se multiplicam enquanto se prolonga o atual desgoverno

O mais incompetente e mais tosco chefe de governo da História do Brasil seria menos danoso se fosse apenas – apenas? – um destruidor do meio ambiente, como parecem considerá-lo alguns estrangeiros. Mas ele é muito pior que isso. Suas ações e omissões afetam a economia, comprometem a saúde e a segurança dos brasileiros, sujam a imagem do País e ameaçam as instituições democráticas. “Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”, disse o presidente Jair Bolsonaro no dia 18, em mais uma arenga de tom golpista, uma de suas atividades mais notórias em janeiro.

Na mesma semana, recém-iniciada a vacinação contra a covid-19 no Brasil, os governos da China e da Índia retardaram remessas de vacinas e de insumos, em clara retaliação a ofensas e a decisões diplomáticas subordinadas à orientação do presidente Donald Trump. O governo brasileiro havia se desentendido com dois dos cinco Brics, sócios do País num banco de desenvolvimento e com alto potencial de cooperação. O reinício dos embarques foi pouco depois anunciado por autoridades indianas e chinesas, mas o recado transmitido nos dias anteriores havia sido inequívoco. Ainda assim, Bolsonaro insistiu em prestigiar publicamente seu desastroso ministro das Relações Exteriores – afinal, um cumpridor das ordens do presidente e de seus filhos.

Cristovam Buarque* - Nossos Bolsuellos

- Blog do Noblat / Veja

Este governo joga contra o Brasil

Um bom governo depende do presidente usar sua vontade política e contar com a competência de seus ministros, e realizarem os projetos que o país necessita para caminhar com coesão e rumo. Esta combinação da vontade política com a competência gerencial cria a sinergia necessária para fazer o país avançar deixando legados dos presidentes.

O atual presidente não demonstra vontade política nem conta com ministros que permitam deixar um legado para o Brasil. Ele não se preparou para deixar legado e se rodeou de ministros que se dedicam a bajular e atrapalhar. Estamos sem propostas, sem liderança e sem competência.

O melhor exemplo é a saúde. Bolsonaro não se preparou. Não tinha projeto para superar as dificuldades que recebeu, e não sabe o que fazer diante da epidemia. Ele usa sua vontade política para negar o problema, para recusar o uso da ciência e substituiu os ministros competentes por um que deseja apenas agradar ao chefe e sem competência técnica, nem gerencial.

Dorrit Harazim - A hora é agora

- O Globo

Será obrigatório transformar sociedade que se estruturou no racismo e deu 74 milhões de votos a Trump

Neste 20 de janeiro de 2021, nada foi como a catártica festança de novembro, quando ruas, praças e lares explodiram de júbilo pela derrota de Donald Trump. Na cerimônia de posse de Joe Biden e de sua vice, Kamala Harris, aconteceu algo mais sutil e profundo. Algo como ser coberto por uma manta familiar, quando nem sabíamos quanto ainda estávamos com frio. Fomos sorrindo, revendo rostos conhecidos, revivendo brincadeiras e nos surpreendendo, totalmente desarmados. Um repentino conforto cívico fez emergir uma doce alegria interior.

Durou só um dia. Mas aconteceu, e foi lindo.

Impossível tirar os olhos e desplugar os ouvidos da performance de Amanda Gorman, a jovem poeta negra que, em menos de 6 minutos, cativou geral recitando “The Hill We Climb” (A colina que subimos). Trazia no dedo um imenso anel em forma de pássaro aprisionado (tributo ao primeiro livro da imortal Maya Angelou, “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”). Encadeou cada palavra para compor um mosaico histórico do país, com técnica inspirada no épico “Hamilton”, de Lin-Manuel Miranda. Sua récita foi iniciada com um questionamento: “Quando o dia amanhece, nos perguntamos onde podemos encontrar luz nesta sombra que nunca acaba?”. Ela mesmo deu a resposta: “Sempre há luz se formos suficientemente corajosos para vê-la. Se ao menos fôssemos suficientemente corajosos para sê-la… Não voltaremos ao que foi, mas vamos nos transportar ao que será um país ferido, íntegro, benevolente, mas ousado, feroz e livre”.

Exatamente um ano antes, o veterano Joe Biden, branco, centrista e com 77 anos, se arrastava pelo Iowa rumo a nova derrota nas prévias partidárias, competindo com a safra 2020 de democratas mais jovens, mais diversos, mais progressistas. Conseguiu chegar aonde sempre quis estar graças ao próprio ocupante do cargo — talvez não chegasse à vitória sem a trágica, criminosa, deliberada porteira aberta pela Casa Branca à Covid-19. As previsões para fevereiro são de 500 mil mortos em solo americano. America First, como diria Trump. No 20 de janeiro de um ano atrás, a pandemia nem sequer foi mencionada por Biden num comício em Des Moines. Hoje seu lugar na história depende em boa parte de como se sairá no embate com o vírus.

Jorge Zaverucha* - Vandalismo sim. Golpe, não

- O Globo

Trump perdeu o controle sobre os grupos radicais

Steven Levitsky, coautor do renomado livro “Como as democracias morrem”, classificou como autogolpe o ocorrido no Capitólio. Discordo. Trump já tentara que os delegados republicanos não reconhecessem a vitória de Biden em seus estados e pressionou o secretário de Estado da Geórgia para lhe conseguir 11 mil votos necessários para virar o resultado. A marcha rumo ao Capitólio era sua última cartada. Não planejou intencionalmente um golpe.

Em discurso matutino, Trump repetiu a surrada cantilena de que a eleição fora fraudada, embora sua equipe jurídica tenha perdido mais de 50 ações de impugnação. Disse ter várias provas de fraude, mas não apresentou nada de concreto. Revelou ser um mau perdedor e sabotou o jogo democrático até o seu final.

No Parque Ellipse, fez um discurso dúbio. Ora de incitamento (“se você não lutar como o diabo, não terá mais um país”; é preciso “tomarmos de volta nosso país”). Ora de apaziguamento: vamos ao Capitólio “festejar nossos bravos senadores e congressistas”, e isto será feito de um modo “pacífico”, e a multidão irá “patrioticamente fazer com que nossas vozes sejam ouvidas”, disse Trump. Em seguida, conclama seus seguidores a marcharem pela Avenida Pensilvânia desde a Casa Branca rumo ao Capitólio.

Basta! - Margarida Bulhões Pedreira Genevois, José Carlos Dias e Paulo Sérgio Pinheiro*

- O Globo

Bolsonaro perdeu as condições mínimas para exercer legitimamente o mandato presidencial que lhe foi atribuído

Desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro tem violado, reiteradamente, seu juramento de preservar, proteger e defender a Constituição do Brasil. Como se não bastasse sua obsessão em subverter a ordem democrática e as regras básicas do estado de direito, o presidente tem negligenciado suas responsabilidades políticas e jurídicas no enfrentamento da pandemia da Covid-19, contribuindo, por meio de suas ações e omissões, para o adoecimento de milhões de brasileiros e para a morte, até o presente momento, de mais de 215 mil pessoas.

O presidente Bolsonaro vem se empenhando desde o início de seu governo em aprofundar a polarização política, dividindo o país entre amigos e inimigos. Com uma retórica truculenta, baseada na crueldade com os mais vulneráveis, no racismo, no obscurantismo e na exaltação da violência, das armas e da ditadura, atenta diariamente contra os pilares fundamentais da nossa República, tais como estabelecidos pelo artigo 1º da Constituição.

O presidente não tem poupado esforços para desestabilizar nossas instituições. Participou de atos e fomentou grupos que propugnam o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, o que constitui crime de responsabilidade previsto pelo no artigo 6º, 1 e 5, da Lei 10.079, de 1950. Igualmente grave têm sido suas insidiosas manifestações incitando a animosidade entre as classes armadas e as instituições civis, que configuram mais um crime de responsabilidade, previsto no artigo 7º, 8, da Lei 10.079, de 1950.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O bom combate – Opinião | O Estado de S. Paulo

O momento é de cuidar para que os cidadãos não sejam abandonados, de votar as reformas e de restabelecer a sanidade da Presidência da República

O presidente Jair Bolsonaro é um parasita das iniciativas alheias. 

Foi assim com a reforma da Previdência, que ele sabotou em vez de apoiar, e uma vez aprovada tratou de, cinicamente, relacioná-la entre as conquistas de seu governo; foi assim com o auxílio emergencial para os que perderam renda na pandemia, cujo valor, se dependesse do presidente, seria de apenas R$ 200, mas, quando o Congresso elevou para R$ 500, Bolsonaro, como se estivesse a jogar truco, mandou subir para R$ 600, só para ter os louros do tão necessário socorro; e foi assim com a vacina contra a covid-19: depois de ter sistematicamente levantado suspeitas sobre os imunizantes, de ter feito campanha para que os brasileiros tomassem elixires mágicos sem qualquer eficácia e de ter mantido no Ministério da Saúde um almoxarife que não foi competente nem sequer para planejar a compra de agulhas e seringas, Bolsonaro agora reivindica como a “vacina do Brasil” a que foi produzida por iniciativa exclusiva do governo de São Paulo – e que ele reiteradas vezes desmereceu e disse que jamais compraria.

Se foi assim na primeira metade do mandato, é muito provável que na segunda metade Bolsonaro, na sua tresloucada ânsia de reeleição, continuará a viver à custa da energia alheia, já que há muito tempo provou ser incapaz de fazer algo produtivo por conta própria. Bolsonaro não existe senão como expressão do oportunismo mais rasteiro e, agora temos certeza, cruel e desumano. Nem os mais ingênuos panglossianos são capazes, hoje, de nutrir esperanças de que o presidente se emendará num futuro previsível. 

O problema é que esse organismo traiçoeiro que exaure as forças de seu hospedeiro é formalmente o presidente da República, isto é, concentra em sua caneta o poder máximo da União. Pode ainda causar muitos estragos ao País, dado que sua natureza é exclusivamente destrutiva. Por essa razão, é compreensível, como já observado neste espaço, que cada vez mais cidadãos brasileiros estejam convencidos de que não haverá cura para a septicemia causada pelo vírus bolsonarista sem o afastamento constitucional do presidente.

Música | Geraldo Azevedo - O Princípio do Prazer

 

Poesia | Joaquim Cardozo - Aquarela

Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela;
Cheiro de chão que amanhece.
Estavas sob a latada
Quando te abri a janela.

Cheiro de jasmim laranja
Pelos jardins anoitece;
Junto a papoulas dobradas,
Num canteiro florescendo,
A tua saia singela.

Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...

Não sei se és tu, se eras outra,
Não sei se és esta ou aquela,
A que não quis nem me quer,
Fugindo sob a latada
Nessa tarde de aquarela.

Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...