segunda-feira, 19 de abril de 2021

Fernando Gabeira - Bem-vindos à Neverlândia

- O Globo

A França cortou os voos com o Brasil, e o primeiro-ministro Jean Castex provocou risos no Parlamento ao falar do uso da hidroxicloroquina por aqui.

Isso que chamam de Brasil soa cada vez mais distante para mim. Guardo um país no escaninho da memória, mas o lugar onde vivo hoje costumo chamar de Neverlândia.

É um lugar realmente estapafúrdio, onde um Bolsonaro presidente troca ideias ao telefone com um senador Kajuru e ameaça dar porradas num quadro da oposição.

No final de tudo, o senador Kajuru está sendo processado por uma apresentadora de TV que ele ofendeu em entrevista, após a conversa com o presidente. Tudo na verdade parece um enredo televisivo, filmado com a luz de padaria e um cenário com cores berrantes.

Em Neverlândia, o presidente incorpora um personagem do programa “Casseta & Planeta”, chamado Maçaranduba, obcecado por dar porradas.

Em Neverlândia , o ministro do Meio Ambiente é acusado pela polícia de se associar a desmatadores para protegê-los da investigação e processo criminal. Isso jamais aconteceu no país chamado Brasil, agora envolto em névoa, pairando sobre meus cansados neurônios.

Em Neverlândia, políticos ainda hesitam em apurar o que acontece, apesar de mais de 370 mil mortos, de a maioria da população ter fome e de alguns doentes amarrados na cama, por falta de sedativos e relaxantes musculares.

Carlos Pereira* - A justiça (agora) foi feita

- O Estado de S. Paulo

A confiança na Justiça é mediada pela congruência entre identidade ideológica e decisão judicial

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar a 13.ª vara de Curitiba incompetente para julgar o ex-presidente Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro gerou reações polarizadas. Por um lado, foi fortemente criticada por adversários do petista, que expressaram insatisfação com o sistema de Justiça criminal brasileiro supostamente "disfuncional, casuístico e irracional". Por outro lado, tal decisão foi extremamente celebrada por seus apoiadores como uma "vitória da democracia", reparação de uma "injustiça histórica" e que "restabelece a segurança jurídica e a credibilidade do sistema de Justiça".

Há quase quatro anos, quando foi anunciada a primeira condenação do ex-presidente Lula, as reações foram diametralmente opostas. Seus opositores viram naquela decisão uma sinalização de que "juízes e procuradores brasileiros estariam comprometidos com a lei e com a ideia de que ninguém estaria acima dela". No outro extremo, seus seguidores a interpretaram como “injusta” e como uma "perseguição política contra o ex-presidente".

Em democracias, espera-se que o sistema de Justiça atue de forma imparcial ao investigar e julgar líderes políticos que apresentem comportamentos desviantes. No entanto, com a polarização política - não apenas na sua dimensão ideológica, mas fundamentalmente identitária e afetiva - nas alturas, cidadãos tendem a perceber o sistema de Justiça como parcial dependendo de qual lado penda a decisão do juiz.

José Augusto Guilhon Albuquerque* - Entre mandatário dos brasileiros e porta-voz dos militares, 'son coeur balance'

- O Estado de S. Paulo

Quem eventualmente sucederia a Bolsonaro, o vice moderado ou o general incendiário?

O general Hamilton Mourão, sucessor imediato do presidente da República, é hoje o principal ponto de sustentação de Bolsonaro. Pretextos não faltam para encerrar legalmente o mandato do chefe do Executivo. A classe política, em cujas mãos está o poder constitucional para fazê-lo, nada decidirá enquanto não souber qual dos discordantes perfis que o vice-presidente ostenta herdaria o poder presidencial.

As últimas manifestações do general, a partir de 31 de março, data que os nostálgicos da ditadura preferem adotar, para eternizar a memória do golpe militar de 1964, retratam Mourão como esteio das Forças Armadas. Em sua manifestação naquela data – em ambiente pleno de tensão, provocada pela verdadeira humilhação imposta por Bolsonaro aos comandantes das três Forças Armadas – o general comemorou a grande dádiva civilizatória e democrática do golpe militar para os brasileiros.

Dias depois – o que permite supor que os dois gestos se completam – publicou no Estado (3/4) um artigo laudatório sobre a superioridade da “competência logística e organizacional” dos militares em relação do restante da administração pública. E foi além, promoveu um claro amálgama entre o governo militarizado de Bolsonaro e algo mais que, a seu ver, “a sociedade brasileira espera de seus militares”; a primeira missão seria o envolvimento da farda com as escolhas feitas, como, segundo ele, nas eleições de 2018: “condenação da corrupção (...) retomada do desenvolvimento e (...) combate à violência”.

Ricardo Noblat - CPI da Covid deverá ter seu prazo de validade prorrogado

- Blog do Noblat / Veja

Serão 90 dias e talvez mais 90

É pule de dez na CPI da Covid que sequer foi instalada ainda no Senado que seu prazo de validade de 90 dias deverá ser prorrogado – quem sabe? – por mais 90. Se for assim, ela só concluiria os trabalhos no final de outubro, para desespero do governo do presidente Jair Bolsonaro, seu alvo único ou preferencial.

É muito tempo de exposição para um governo que nesse período só espera colher más notícias. A vacinação terá avançado, mas não a ponto de ultrapassar 60% da população. A recuperação econômica continuará rastejando com a inflação em alta e o desemprego também. O auxílio emergencial terá chegado ao fim.

Uma minuta do plano de trabalho da CPI indica que pelo menos 15 ministros de Estado, ex-ministros e ocupantes de pontos de comando no combate ao vírus serão convocados a depor, segundo o jornal O Globo. Bolsonaro será poupado, mas não Paulo Guedes, ministro da Economia. A grande estrela será Eduardo Pazuello.

Entrevista | Bruno Araújo: 'Começa um movimento de incentivo à candidatura de Tasso Jereissati'


Ao GLOBO, Bruno Araújo afirma que senador pelo Ceará pode aglutinar nomes do centro político e atrair até mesmo o ex-ministro Ciro Gomes (PDT)

Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO - Enquanto uma eventual candidatura do governador de São Paulo, João Doria, à Presidência da República não agrada algumas alas do PSDB e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é visto como inexperiente, parlamentares do partido passaram, na última semana, a citar o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) como um nome capaz de unir as forças políticas de centro em 2022.

Em entrevista ao GLOBO, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, convidou Tasso a se colocar como candidato e fez uma série de elogios ao senador, que descreveu como “um nome que transcende o PSDB”. O senador tucano, segundo aliados, poderia atrair até Ciro Gomes (PDT), que foi seu sucessor no governo do Ceará em 1990 quando ainda estava no PSDB, e com quem voltou a conversar.

O PSDB tem prévias marcadas para outubro. No domingo, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), defendeu o nome de Eduardo Leite.

Os tucanos tentam construir uma aliança de centro para se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Lula. No sábado, Doria, Leite, Ciro, o apresentador Luciano Huck e Fernando Haddad (PT) se uniram em críticas a Bolsonaro no evento virtual Brazil Conference, promovido pelas universidades americanas Harvard e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

No fim do mês passado, tivemos o manifesto de seis presidenciáveis. É viável a união desse grupo?

Ela é viável, é fundamental. (O manifesto) é o primeiro gesto público de que há diálogo real entre os principais protagonistas. Não vamos reduzir para duas alternativas no campo do centro num jogo de dado. Vamos fazer com diálogo.

Quantos nomes cabem no campo do centro em meio à polarização entre Lula e Bolsonaro?

O sonho que beira a ingenuidade seria um único nome. Algo a partir de três nomes começa a atrapalhar muito essa construção.

Marcus André Melo* - O que podem as minorias?

- Folha de S. Paulo

O sistema de controle parlamentar contem incentivos incompatíveis

A CPI da Covid tem suscitado debate sobre suas potencialidades e limitações e tem girado em torno da questão das minorias parlamentares. No entanto, os constrangimentos e possibilidades do controle parlamentar dependem da arquitetura institucional mais ampla dos países. Senão vejamos.
Nas democracias que adotam o chamado modelo de Westminster —Austrália, Reino Unido e África do Sul, entre outras—, as regras conferem grande poder às minorias parlamentares. A forma mais efetiva de controle está encapsulada em uma supercomissão —Public Accounts Committee, PAC (Comissão de Contas Públicas)—, espécie de CPI permanente.

A PAC detém amplos poderes investigativos e focaliza no uso do dinheiro público e na efetividade de programas públicos. Sua presidência cabe ao líder da oposição, que detém a prerrogativa de indicar o Comptroller and Auditor General (AG), que chefia o National Audit Office (NAO), além de aprovar seu plano de trabalho e coordenadores. É como se seu congênere brasileiro —o presidente do TCU— fosse nomeado pela oposição e detivesse amplos poderes.

Celso Rocha de Barros* - Os números contra Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Por qualquer ângulo que se avalie, desastre brasileiro na pandemia é imenso

Com a instauração da CPI, os bolsonaristas aceleraram a produção de mentiras para fazer parecer que a gestão da pandemia por Bolsonaro não foi tão ruim assim. Algumas são pura ficção (“Lulinha é dono da fábrica chinesa de vacina”), e, sinceramente, se você acredita nisso, você é otário.

Mas algumas das mentiras que os bolsonaristas vão contar na CPI são baseadas em dados verdadeiros. O que é sempre falso são as coisas que os governistas tentam dizer com esses dados.

Por exemplo, os governistas gostam de dizer que o número de vacinados no Brasil é alto, se comparado ao de outros países. Até é, mas Bolsonaro não tem nada a ver com isso: 80% dessas vacinas são Coronavac, do Butantan de Doria, que Bolsonaro prometeu não comprar. Tente refazer o ranking só com as vacinas que Bolsonaro importou e veja em que posição estamos.

Bruno Carazza* - Bancarrota blues

- Valor Econômico

Muda discurso sobre Meio-Ambiente, mas não a prática

Tomada ao pé da letra, há uma enorme evolução entre o discurso proferido por Jair Bolsonaro na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, bem no início do seu mandato (22/01/2019), e a carta enviada ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na última quarta-feira (14/04), confirmando presença na Cúpula de Líderes sobre o Clima.

Em sua primeira viagem internacional, o novo presidente brasileiro apresentou-se à elite mundial com uma fala de meros 6 minutos e 37 segundos. Na ponta do lápis, foram 741 palavras - pouco mais do que uma página de Word. Já a carta enviada para Biden na semana passada, ao contrário, não economizou no texto; foram sete laudas, e diferentemente da apresentação na Suíça, quando desperdiçou a chance de apresentar os principais planos para o seu governo, Bolsonaro na missiva para o americano tratou de apenas um assunto: o meio ambiente.

Para além do tamanho do texto, houve uma mudança de tom. Em Davos, o presidente brasileiro apresentava o patrimônio natural brasileiro como um ativo a ser negociado. “Temos a maior biodiversidade do mundo e nossas riquezas minerais são abundantes. Queremos parceiros com tecnologia para que esse casamento se traduza em progresso e desenvolvimento para todos. Nossas ações, tenham certeza, os atrairão para grandes negócios”, afirmou, anunciando que o Brasil estava de braços abertos para o mundo.

Sergio Lamucci - O cenário negativo para a renda dos mais pobres

- Valor Econômico

O principal fator para a ampliação do número de domicílios mais pobres deve ser a desocupação mais elevada entre os menos escolarizados, mais afetados pela pandemia

O cenário para a renda dos brasileiros mais pobres em 2021 é bastante negativo. Com a piora da pandemia da covid-19 e o avanço lento da vacinação, a atividade econômica foi prejudicada no primeiro semestre, resultando na continuidade da fraqueza do mercado de trabalho, num ano em que o auxílio emergencial será bem menor do que em 2020. A desigualdade de renda, nesse quadro, voltará a crescer.

Um estudo da Tendências Consultoria Integrada estima que haverá neste ano um aumento de 1,2 milhão de domicílios nas classes D e E, definidas como as que têm rendimento mensal domiciliar de até R$ 2,6 mil. Com isso, essas faixas de renda deverão passar a responder por 54,7% do total de residências no país.

 “O principal fator para a ampliação do número de domicílios mais pobres deve ser a desocupação mais elevada entre os menos escolarizados”, aponta o trabalho, ressaltando que “o caráter regressivo da pandemia permanece desproporcional” para as pessoas de menor nível de escolaridade.

Um novo consenso se desenha em Washington?

Investimento público, taxação de grandes grupos, conservação ambiental e redução de desigualdades são parte recorrente de discursos do FMI e dos EUA de Biden

Cássia Almeida e Claudia dos Santos / O Globo

RIO - A pandemia acelera mudanças na política econômica dos países ricos e no discurso de organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. A receita de austeridade dá lugar a prioridades como redução da desigualdade com mais emprego, proteção ao meio ambiente e investimento forte do Estado. Em momentos de crise, é comum a pressão pelo uso de recursos públicos. Mas a atual receita anticrise reflete a maior pressão social dos que não tiveram ganhos em qualidade de vida ou renda com a política de corte de investimento público e de impostos corporativos.

Temas como gasto público e taxação de empresas têm aparecido com mais frequência nas vozes de Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI, e de Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, a maior economia do mundo. Há pouco tempo, ocupantes dessas cadeiras defenderiam a rota de disciplina fiscal, abertura comercial e economia de mercado. Esse conjunto de políticas foi costurado na passagem de Ronald Reagan pela Casa Branca, nos anos 1980, e o economista John Williamson, morto na semana passada, o chamou de Consenso de Washington.

—Não há mais Consenso de Washington, à medida que os EUA passam de uma política “América primeiro” (lema de Donald Trump) para a política “americanos primeiro”— afirmou ao GLOBO o presidente da consultoria americana Eurasia, Ian Bremmer.

Para ele, o papel do Estado vai crescer diante da evidência de que a Covid afetou mais os pobres, aprofundando a desigualdade, e de que o avanço da tecnologia agravou o desemprego:

Demétrio Magnoli* e Elaine Senise Barbosa** - ‘Uma morte social mais inquietante’

- O Globo

‘O barulhento Dionísio, convém não esquecer, é ao mesmo tempo o deus do amor e da morte.’ O alerta do sociólogo Michel Maffesoli, em “A sombra de Dionísio”, tornou-se mais atual do que nunca nesta nova Era da Peste. Na madrugada do domingo do carnaval que não houve, 14 de fevereiro, um repórter de São Paulo registrou, caprichando na precisão: “As mais de 237.489 mortes não conseguiram deter realizadores de bailes funk, nos bairros de Itaquera e Guaianases”. Somos os mesmos que nossos ancestrais do século 14.

A Peste chegou à Europa em 1348, junto com embarcações dos comerciantes italianos provenientes do Mar Negro e de Bizâncio. Espalhou-se rapidamente, seguindo as rotas comerciais: cidades do Mediterrâneo, Europa Central e, na sequência, o Norte e as planícies russas. Tudo isso até 1352. As festas da Peste foram documentadas por cronistas da época.

Cerca de um terço da população europeia, algo em torno de 8 milhões de almas, pereceu em apenas uma década. Depois, a epidemia repicou várias vezes, em ondas sucessivas que voltaram a afligir cidades já açoitadas. Os habitantes de Florença logo entenderam os perigos da aglomeração humana, como relata Giovanni Boccaccio (1313-75) no “Decamerão”. Bactérias só foram observadas três séculos mais tarde, mas já se sabia, à época, que a água era fonte de infecções. Tal como na Peste do Vírus dos nossos dias, os ricos fugiram rumo às suas villas, no entorno rural, distanciando-se dos “ares pestilentos”.

Música | Leila Pinheiro - Feitiço da Vila (Noel Rosa e Vadico)

 

Poesia | Bertold Brecht – Tempos sombrios

Realmente, vivemos tempos sombrios!

A inocência é loucura.

Uma fronte sem rugas

denota insensibilidade.

Aquele que ri

ainda não recebeu a terrível noticia

que está para chegar.

Que tempos são estes, em que

é quase um delito

falar de coisas inocentes

pois implica em silenciar

sobre tantos horrores