sábado, 28 de abril de 2018

Marco Aurélio Nogueira*: Força e fraqueza das instituições

- O Estado de S.Paulo

Mal-estar institucional é real, insegurança e falta de confiança são seus principais indicadores

Devemos relativizar a ideia de que as instituições estão funcionando a contento na vida brasileira. Não estão.

A avaliação do quadro precisa ser ponderada. Bem ou mal, a democracia política vem sendo acatada como regime de governo e representação. O País segue em frente, a coesão social não se desfez nem há retrocessos políticos à vista. Além disso, a Justiça vem acumulando vitórias contra a corrupção e a desigualdade jurídica entre os cidadãos, passando à sociedade a sensação de que a impunidade está sendo combatida. A controvérsia é grande entre políticos e especialistas, mas a população vê com bons olhos a atual fase de ativismo judicial.


O mal-estar institucional, porém, é real. Insegurança e falta de confiança são seus principais indicadores. Hoje, no Brasil, o sistema vive numa espécie de “caos estável”: funciona, mas está cheio de problemas e gera pouca adesão cívica. Os cidadãos “obedecem” às regras instituídas, mas fazem isso sem muita convicção. A adesão se faz por “gratidão” ou receio da punição, não por algum critério racional de “respeito” ou “apreço”.

O sistema político expõe a céu aberto suas chagas e contradições. Parte expressiva dos parlamentares está submetida a investigações judiciais ou já é condenada. A população olha para eles com um misto de indiferença, “esperança” e temor. A elite política não goza da confiança dos cidadãos. Incentiva os cidadãos a buscarem lideranças messiânicas como uma válvula de escape para a sobrecarga de problemas. A contraposição ideológica e a fragmentação são intensas, mas os confrontos que disso decorrem são toscos. Não opõem esquerda e direita, socialismo e capitalismo ou Estado e mercado. Depois de ter assumido a configuração artificial PSDB versus PT, a polarização decaiu mais um pouco e hoje gira em torno de lulistas e antilulistas. Seu efeito complica a formação de consensos e envenena o debate democrático.

Fernando Gabeira: Peripécias na Segundona

- O Globo

Ações para proteger Lula aumentam a irritação popular. Em São Paulo, promotor chamou ministros de bandidos togados

Na semana passada, escrevi sobre um núcleo de resistência no STF. Afirmei que era algo atravessado no caminho do futuro. Estava preparando um artigo sobre um tema mais concreto, quando ele aprontou de novo. A Segunda Turma do STF decidiu tirar das mãos de Moro delações da Odebrecht e mandá-las para a Justiça de São Paulo, onde as espera um gigantesco engarrafamento. Tudo para proteger Lula.

Uma simples trinca de cartas na Segunda: Lewandowski, Toffoli e Gilmar Mendes. Gilmar se aliou ao PT que quer soltar os seus. Ele parece querer salvar todo o sistema político falido. Mencionei esta aliança no artigo anterior. Logo em seguida circulou um vídeo na internet no qual um deputado do PT afirmava: Gilmar é nosso aliado.

Li que o próprio Gilmar falou que o PT tendia a fazer do seu gabinete um pátio dos milagres. Se isso for verdadeiro, Gilmar é mais que um aliado para o PT: é um santo, desses que ainda não são reconhecidos pela Igreja, mas fazem milagres.

Na Zona da Mata de Minas, quando jovem, conheci dois casos de santos que curavam feridas e faziam andar: Padre Antônio, em Urucânia, e Lola, em Rio Pomba.

A última sessão da Segundona foi um pequeno milagre que aumenta as esperanças dos crentes na vitória maior contra a Lava-Jato.

Assim como escrevi, essas ações desesperadas aumentam a irritação popular, aumentam as responsabilidades de quem busca uma solução sem grandes conflitos. Em São Paulo, um promotor perdeu a cabeça e bateu duramente nos ministros, chamando-os de bandidos togados.

Creio que fui um pouco pessimista quando perguntei: o que podemos fazer contra eles? Agora, vejo com um olhar de esperança. Creio que é possível confiar que o Ministério Público e a Lava-Jato produzam um recurso e levem o caso ao plenário do Supremo. A própria correlação de forças na Segunda Turma, com dois votos contrários, indica que a trinca será derrotada no plenário.

Demétrio Magnoli: A história de Anna

- Folha de S. Paulo

Sem o conceito de civilização do espetáculo, não se entende a política contemporânea de ultraesquerda

Anna foi o retrato da CUP, o partido “anti-sistema” Candidatura de Unidade Popular, que luta “pelos Países Catalães independentes, socialistas, ecologicamente sustentáveis, territorialmente equilibrados e desvinculados das formas de dominação patriarcais”.

No Parlamento catalão, exibia-se como revolucionária pós-moderna: cabelos curtos de corte irregular, franja reta, camisetas ornadas com slogans insurgentes. Diante da hipótese de um processo judicial decorrente de sua participação secundária na fracassada secessão da Catalunha, fugiu para Genebra –e reformou sua aparência.

A Anna do exílio voluntário, cabelos longos escorridos, roupas casuais de professora, a declarada vontade de retornar à docência, tornou-se uma perfeita senhorita suíça. As duas Annas, ou o percurso de uma a outra, ajudam a entender o que Mario Vargas Llosa batizou como a “civilização do espetáculo”.

Anna Gabriel Sabaté nasceu em 1975, ano da morte de Franco, em Sallent, povoado catalão dividido pelo rio Llobregat. Fala perfeitamente o espanhol –mas, em público, só usa o catalão. Não tem filhos –mas, se tivesse, gostaria de educá-los “em comunidade”, “numa tribo”. Tribo é a palavra-chave para entender Anna.

Seu avô e seu bisavô militaram na CNT, a central sindical anarquista que mandou em Barcelona durante uns poucos meses insurrecionais, entre 1936 e 1937. Dos velhos anarquistas, ela guardou o anticapitalismo.

Da “civilização do espetáculo”, um fruto do capitalismo tardio em sociedades ricas, extraiu o ecologismo e o feminismo. Uma companheira sua, Mireia Boya, sugeriu boicotar as eleições catalãs de dezembro, substituindo-as por uma “paella massiva, insubmissa e solidária”. Na paella ideológica de Anna, o ingrediente final é o encanto pelo romance da Revolução Cubana e pela autoritária (e machista) Venezuela chavista.

Cristovam Buarque: Outro lado

- O Globo

Todo problema tem duas pontas, e uma delas é a educação

Há quase um ano, a população do Distrito Federal sofre racionamento de água potável. A inauguração de um novo reservatório passa agora a sensação de fornecimento abundante pelos próximos 30 anos. Mas as mudanças climáticas podem deixar o novo açude vazio por falta de chuva; a falta de saneamento pode contaminar a água; e o aumento do consumo per capita, aliado ao aumento da população, pode provocar escassez, mesmo com maior oferta. A perenidade na disponibilidade depende também da educação do consumidor, para que ele entenda a dimensão planetária da crise hídrica e pratique um padrão austero de consumo. O problema da água tem duas pontas: hídrica e educacional.

Todos os demais problemas e desafios do Brasil passam por duas pontas.

O emprego só será criado se, de um lado, a economia fizer investimentos; mas emprego de qualidade exige educação do candidato. O aumento da riqueza nacional depende da retomada do crescimento econômico, mas, sem educação, a produtividade não aumenta, e a pobreza social continua; e se a educação não for de qualidade para todos, o problema da concentração da renda continuará. Hoje temos o oitavo PIB do mundo, mas, por falta de educação, a produtividade é baixa e estamos no 81º lugar na renda per capita e temos a décima pior concentração de renda. Graças sobretudo à educação, a Coreia do Sul tem o 14º PIB, mas é o 30º em renda per capita e tem a décima melhor distribuição de renda entre 157 países. O desemprego, a pobreza, a concentração de renda são problemas com duas pontas; a educação é uma delas.

João Domingos: Cada um por si

- O Estado de S.Paulo

Uma boa coligação regional pode garantir bancada grande e lugar no próximo governo
Muito se tem falado a respeito da eleição presidencial, seus pré-candidatos, a encalacrada candidatura de Lula, as tentativas de se buscar um acordo em torno de um nome de centro, a novidade Joaquim Barbosa, o mercado aos sustos, o dólar na montanha-russa por causa das incertezas políticas e por aí vai. E é natural que se fale sobre o assunto mais até do que sobre a Copa da Fifa na Rússia, pois a eleição presidencial interessa a toda a população num momento em que temas como o combate à corrupção, falta de segurança, saúde, educação e transportes parecem tê-la despertado.

Também chama a atenção nesse chacoalhar cívico que toma conta do País o comportamento de vários partidos médios, que, durante a presidência do deputado cassado Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso em Curitiba, montaram um grupo que se denominou “Centrão”. Os principais são o PP, o PTB, o PSD e o PR. Enquanto as outras legendas arrancam os cabelos na busca de uma forma de tornar seu candidato a presidente competitivo, os partidos do Centrão permanecem na moita, fazem sondagens para ver quem é que está em melhor situação nos Estados, se aproximam e se afastam, a depender das circunstâncias. Vão apostar tudo na eleição para o Parlamento, a última em que se poderá fazer coligação para a disputa pelas cadeiras da Câmara.

Nesse caso, é muito importante se aliar com um candidato forte para o governo estadual, porque será a garantia de eleição de uma boa bancada. Assim, ninguém deve estranhar se em Goiás, onde o senador Ronaldo Caiado (DEM) tem possibilidade de vencer a eleição no primeiro turno, ele reunir todo mundo à sua volta. E se no vizinho Distrito Federal o mesmo grupo correr para um candidato de partido muito diferente.

Merval Pereira: Moro respeita o STF

- O Globo

Enquanto a defesa do ex-presidente Lula e os procuradores de Curitiba se digladiam em torno da decisão da Segunda Turma, que mandou para a Justiça de São Paulo algumas delações de executivos da Odebrecht relativas ao sítio de Atibaia e ao prédio do Instituto Lula, o juiz Sergio Moro coloca-se como uma voz sensata, considerando que houve uma precipitação das partes em relação à decisão do STF.

Sua interpretação da decisão do relator, ministro Dias Toffoli, que teve a maioria na Turma, parece ser a mais correta, na visão dos próprios ministros do Supremo. Moro teve o cuidado de tratar a questão com todo o respeito que merece uma decisão do STF, ao contrário do que a defesa de Lula o acusou, de não respeitar a hierarquia judiciária.

Além de salientar que é preciso, para avaliar a extensão da decisão, esperar que “o respeitável acórdão” seja publicado, Moro afirmou em seu despacho que, pelas informações disponíveis “acerca do respeitável voto do eminente Relator Ministro Dias Toffoli, redator para o acórdão, não há uma referência direta nele à presente ação penal ou alguma determinação expressa de declinação de competência desta ação penal”.

Aliás, ressalta Moro, “o eminente Ministro foi enfático em seu respeitável voto ao consignar que a decisão tinha caráter provisório e tinha presente apenas os elementos então disponíveis naqueles autos”.

Mesmo assim, o juiz Sergio Moro decidiu que o processo de “exceção de incompetência” motivado pela defesa do ex-presidente Lula deve ser retomado, e pediu que as partes envolvidas se manifestem: “(...) Não tendo a exceção sido julgada, o mais apropriado é nela reabrir, à luz da decisão da maioria da Colenda Segunda Turma do Egrégio Supremo Tribunal Federal, o prazo para manifestação das partes e, após, decidir acerca dos possíveis reflexos na competência para a presente ação penal”, afirma Moro em seu despacho.

André Singer: O desafio da esquerda

- Folha de S. Paulo

Enquanto o noticiário continua a girar em torno de acusações, processos e depoimentos, os setores interessados na mudança da sociedade têm obrigação de apresentar uma proposta séria e organizada para tirar o país do buraco.

Para tanto, é indispensável construir uma plataforma a ser submetida ao eleitorado em outubro. Não se trata somente de competir com chances de ganhar, mas de plantar as sementes da transformação futura.

A conversa ocorrida entre Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT), na última segunda (23), deveria ser encarada como positiva, caso avance.

É claro que outros personagens do mesmo campo, como Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PC do B), precisariam ser incorporados ao diálogo, na hipótese de se pensar um programa comum, e não apenas em arranjos de ocasião.

Por maiores que sejam as diferenças entre os citados personagens, todos fazem parte do arco que se opõe ao atual estado de coisas. Os seus partidos e, aliás, também o PSB, formalizaram uma frente pela democracia na Câmara dez dias atrás.

Ana Maria Machado: Mostrar a cara

- O Globo

É inadiável diminuir a acintosa desigualdade que nos caracteriza como sociedade. A dúvida estaria na escolha dos caminhos

No momento, com Lula preso e Aécio reduzido à sua verdadeira miudeza, seus partidos derretendo e em meio à fedentina geral que emana do MDB, PP e assemelhados, o eleitor começa a avaliar as possíveis candidaturas que são ventiladas. Principalmente para a Presidência. A partir da dor de constatar que foi ludibriado.

Os que estavam de boa-fé, nos dois campos, viveram a experiência clássica do marido traído, quase em situação de caricatura. O eleitor de Lula passou anos em que tudo estava escancarado, os indícios eram evidentes desde o mensalão, mas se recusou a ver. Se conseguirem, alguns vão continuar fechando os olhos até a morte. Enganados para sempre. Já o eleitor de Aécio teve o choque de pegar o culpado com a boca na botija, em flagrante súbito. Teve mesmo um movimento sadio de mandar o traidor dormir no sofá da sala ou até sair de casa. Bem que Tasso tentou, sem sucesso. Mas não colou. Adiada a reação, agora o eleitor tem raiva e não passa a mão na cabeça.

As reações são diferentes, mas a situação é a mesma. Enxergando ou não, foram ambos traídos. Alguns, mansos, podem insistir na negação, ainda fingindo ignorância. Muitos, porém, se perguntam que rumo escolherão para seguir adiante. Sobretudo, em que companhia.

Os cidadãos de boa vontade podem partir de uma premissa: é inadiável diminuir a acintosa desigualdade que nos caracteriza como sociedade. A dúvida estaria na escolha dos caminhos para conseguir isso.

Algumas perguntas precisam ser respondidas pelos presidenciáveis. Para ter mais saúde, educação de qualidade, saneamento, infraestrutura etc, é preciso alocar recursos. De onde se pretende tirar? Vamos continuar sustentando infindáveis quadros de funcionários? E crescentes gastos futuros com servidores intocáveis? Como se situa o candidato, com clareza e objetividade, em relação à reforma da Previdência? E à tributária? Como encara o papel do Estado na economia? Quais suas propostas? Como pretende garantir medidas para que sobrevivamos em termos de segurança pública?

Uma articulação bem-vinda: Editorial | O Estado de S. Paulo

As conversas ainda parecem incipientes, mas são animadores os sinais de que o PSDB e o MDB estão se aproximando para a formação de uma chapa unificada para a disputa presidencial. Essa articulação, se bem-sucedida, daria ao centro político um considerável impulso na campanha, criando uma força eleitoral capaz de impedir que a administração do País seja entregue a algum dos consórcios de aventureiros que hoje, bem colocados nas pesquisas, prometem restabelecer a irresponsabilidade como política de governo.

O Estado noticiou no dia 24 passado que o presidente Michel Temer deu aval à retomada das negociações com o PSDB do candidato Geraldo Alckmin. A condição é que Alckmin defenda o legado do presidente Temer na campanha. Não deveria ser difícil.

Diferentemente do que sugerem as pesquisas de opinião, que parecem consolidar uma visão negativa sobre o atual governo, a gestão de Temer conseguiu importantes realizações em um brevíssimo tempo. Em primeiro lugar, reverteu a colossal crise econômica herdada do desgoverno de Dilma Rousseff, com mais de dois anos de recessão, inflação galopante e desemprego nas alturas, além do absoluto descontrole das contas públicas.

Juntem-se a isso, porém, outras louváveis iniciativas, como a aprovação da reforma trabalhista e do teto dos gastos. Faltou a reforma da Previdência, crucial para o reequilíbrio das contas, mas esta foi sabotada por um punhado de inconsequentes que fomentaram um escândalo de corrupção para atingir o presidente Temer. Não fosse por isso, provavelmente a necessária reforma também teria sido aprovada, adicionando mais um importante sucesso à curta Presidência de Temer e facilitando um pouco mais o duríssimo trabalho que espera o próximo governante.

Uma composição entre PSDB e MDB, portanto, serviria para reafirmar, perante o eleitorado, a necessidade não somente de manter esse rumo, mas de aprofundar as reformas. O quadro que aguarda o sucessor de Temer é muito delicado. O primeiro ano do próximo mandato, caso este venha a ser exercido por um presidente que não faça concessões ao populismo, provavelmente será todo ele consumido pela mobilização do governo e do Congresso para aprovar as medidas necessárias para evitar o colapso das contas nacionais e a consequente paralisação do Estado.

Supremo precisa retomar julgamento das drogas: Editorial | O Globo

Concluir a apreciação do processo que descriminaliza o usuário pode ajudar a conter pressões no governo para insistir-se em políticas baseadas na repressão

A questão da política sobre drogas parecia ter entrado no prumo, com a lei 11.343, de 2006, que tomou a direção certa de proteger o usuário e concentrar a repressão no traficante. Mas não passou de um engano, porque a falta de parâmetros objetivos para definir o viciado manteve sem solução o problema do encarceramento de pessoas que precisam de cuidado médico e não de penitenciária.

Este é um tema da agenda mundial. No Brasil, conquistado o avanço conceitual da Lei de Drogas, ainda falta a definição destes critérios, para separar o usuário do traficante.

Neste aspecto, ajudará bastante o Supremo Tribunal retomar o julgamento da constitucionalidade ou não da punição do usuário, suspenso por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Com a morte de Teori, Alexandre de Moraes o substituiu, e cabe a ele liberar o processo, sobre o qual já foram proferidos três votos pela descriminalização do consumo de drogas — Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

Receita ineficiente: Editorial | Folha de S. Paulo

Posição defendida pela Fazenda deve prevalecer no programa que substituirá o Inovar-Auto

Parecem próximas de um desfecho as tratativas entre governo e montadoras de automóveis a respeito do Rota 2030, programa de incentivo ao setor que substituirá o Inovar-Auto —que chegou ao fim em 2017, depois de ter sido considerado em parte ilegal pela Organização Mundial do Comércio.

Tudo indica que prevalecerá a posição defendida pelo Ministério da Fazenda, que restringe a amplitude dos benefícios tributários.

Nesse formato, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento poderão ser abatidos apenas do Imposto de Renda e da contribuição sobre o lucro, com valor limitado a R$ 1,5 bilhão ao ano.

As empresas, com apoio do Ministério da Indústria, queriam deduzir os aportes do pagamento de todos os tributos federais. Elas argumentam que estão com prejuízos acumulados e não têm a ganhar com a proposta mais restrita.

José Marcio Camargo: Um coquetel explosivo

- O Estado de S.Paulo

Uma guerra comercial entre China e Estados Unidos poderá ser o estopim para uma nova recessão mundial

A ameaça de introduzir tarifas sobre as importações de aço e alumínio por parte do governo americano, o anúncio de que o país irá taxar US$ 60 bilhões de produtos chineses, a discussão em torno do respeito aos direitos de propriedade intelectual das empresas americanas na China e as reações do governo chinês prometendo retaliar com a introdução de tarifas sobre produtos americanos passaram a dominar o cenário internacional nas últimas semanas.

Estas ameaças indicam uma mudança da política de comércio internacional do governo americano em direção a uma postura mais protecionista. Neste sentido, a nova política estaria “apenas” cumprindo uma promessa de campanha do presidente Donald Trump.

Existe uma sensação generalizada na sociedade americana, dentro e fora do governo, de que as relações comerciais entre os Estados Unidos e a China são desleais e desiguais. A China é um dos países mais protecionistas do mundo e os Estados Unidos o menos protecionista. Segundo esta percepção, houve leniência do governo Clinton quando da definição das condições para a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, assim como complacência dos governos de George W. Bush e Barack Obama na relação comercial com o país. E é exatamente esta percepção de injustiça quanto ao comércio entre os dois países que está na origem tanto da eleição de Donald Trump quanto da atual situação.

Por outro lado, existe um consenso entre analistas de que uma guerra comercial entre as duas maiores potências comerciais do mundo poderá ser o estopim para uma nova recessão mundial e que, por causa da sua dependência das exportações e do seu menor poder econômico, o país mais prejudicado seria a China. Por esta razão, ainda que não se possa descartar, à priori, uma guerra comercial, apesar das declarações belicosas, se a questão for puramente comercial, no final das contas algum tipo de acordo poderá ser construído.

Míriam Leitão: Nada a comemorar

- O Globo

Nesta semana que antecede o dia do trabalhador as notícias são que o desemprego aumentou e o mercado de trabalho ficou mais complicado, com a queda da Medida Provisória 808. A MP que corrigia pontos da reforma trabalhista caiu porque não teve relator e foi afogada por 967 emendas apresentadas pela oposição exatamente para tumultuar. A crise do emprego começou em 2015, ainda não foi vencida, e o Brasil complica quando tem que simplificar para estimular a criação de vagas.

Começo de ano é sempre um tempo ruim para o emprego, mas os dados vão além da sazonalidade. Entre o trimestre que terminou em dezembro, e o que acabou em março houve uma redução de 1,5 milhão de pessoas ocupadas no Brasil, segundo o IBGE, e diminuiu em mais de 400 mil o contingente com carteira assinada, em qualquer comparação.

A reforma trabalhista não tinha a capacidade de resolver problema tão agudo, mas poderia ter começado a simplificar o cipoal de leis, regras e normas que torna o ambiente hostil para a criação de emprego. Ela foi inicialmente pensada para simplificar. Com a queda da MP, que corrigia alguns erros adquiridos na tramitação, o ordenamento jurídico do trabalho virou uma Torre de Babel.

A oposição quis tumultuar e por isso apresentou quase mil emendas, algumas com o mesmo teor, apenas para bloquear o processo. Por outro lado, o governo deveria ter articulado a discussão e votação, e nada fez. A MP foi enviada dia 16 de novembro, a primeira reunião para instalação aconteceu só no dia 6 de março, o presidente indicado, senador Gladson Cameli (PP-AC) não estava presente e na semana seguinte renunciou. A comissão não se reuniu mais, nem a MP teve relator. Aí o prazo venceu e ela caiu.

O Brasil tem legislação trabalhista velha, pesada e formulada para o início da industrialização. O mundo do trabalho mudou muito e continuará mudando nas próximas décadas. A reforma ideal se anteciparia às mudanças e prepararia o país para um ambiente mais amigável ao emprego e mais flexível para as várias formas da relação entre empresa e trabalhador. O projeto do governo não era o ideal, mas tentava corrigir alguns pontos e criar outras formas de contrato de trabalho.

Adriana Fernandes: Blindagem da Petrobrás

- O Estado de S.Paulo

O maior desafio da Petrobrás é a revisão dos contratos de cessão onerosa do pré-sal

Não foi bem do jeito que o presidente da Petrobrás, Pedro Parente, queria. O script inicial desenhado para a reforma no estatuto social da companhia previa o aumento no número de conselheiros independentes de três para cinco no Conselho de Administração.

O acerto para a mudança no estatuto tinha sido feito com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, mas uma avaliação jurídica do governo federal impediu este super reforço na blindagem política da petrolífera. A assembleia de acionistas acabou aprovando um aumento para quatro conselheiros.

A lógica por trás da reforma proposta pela Petrobrás foi justamente a de que quanto maior a quantidade de conselheiros independentes (sem vínculo direto com a empresa ou com o governo federal) menor será a interferência política (leia-se, de Brasília). Como também mais apertada ficará a “maioria” do controlador (leia-se União) na composição do conselho.

É bom lembrar que tudo que é extremamente importante para a empresa passa pelo crivo do Conselho de Administração. Inclusive decisões de investimento, desinvestimento, como a venda de quatro refinarias na região Nordeste e Sul, e até mesmo o valor máximo do lance que a companhia pode fazer nos leilões das áreas de exploração de petróleo.

A assembleia geral de acionistas da empresa acabou aprovando um aumento de 30% para 40% do número de vagas destinadas aos conselheiros independentes.

O número de membros do conselho subiu para 11. Até a mudança aprovada, na última quinta-feira, o estatuto estabelecia uma formação de 10 integrantes, mas desde o início do governo uma das vagas não estava sendo ocupada por decisão, na época, da ex-presidente do BNDES Maria Silvia Bastos. Esta era a vaga tradicionalmente concedida ao presidente do banco de fomento.

Com a nova configuração, a União indica seis membros e os empregados elegem um conselheiro, além dos quatro independentes. Na hipótese de uma disputa mais acirrada no conselho, o resultado poderá chegar a 6 a 5 - situação bem mais restrita do que antes.

Os novos conselheiros independentes serão escolhidos depois de um processo competitivo de headhunters, numa lista tríplice. Um modelo que foi inaugurado no IPO da BR Distribuidora e que está sendo testado também em outras estatais.

Apesar de menor do que a prevista, a mudança no conselho vai além do aumento de conselheiros independentes. Na assembleia geral, o governo indicou três novos conselheiros - processo que de alguma forma deve marcar o início de uma mudança mais estrutural no perfil do conselho de administração.

Depois da Lava Jato, o colegiado da Petrobrás ficou concentrado num perfil de advogados, auditores e de especialistas em controles internos para lidar com o momento difícil em que a empresa teve que apresentar os números do impacto da corrupção no seu desempenho.

André Lara Resende: A moeda do futuro

Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Não apenas no Brasil, mas em toda parte, a política de juros parece ter menor alcance e limites mais estreitos do que se supunha

Os BCs estudam a possibilidade de emissão de uma moeda digital, que poderá vir a substituir a moeda-papel

A superação da crise de 2008 nas economias do hemisfério Norte e o desenvolvimento da tecnologia digital, sobretudo a tecnologia de arquivos descentralizados, conhecida como DLT, a partir do termo em inglês, "distributed ledger technology", levou a uma mudança dos temas predominantes na discussão sobre políticas monetárias. Afrouxamento quantitativo, taxas de juros negativas e outras formas heterodoxas de política monetária cederam espaço para a discussão sobre as implicações do avanço da tecnologia digital para o sistema financeiro e para a condução da política monetária. São questões altamente relevantes para o Brasil.

A inflação está sob controle, mas apesar de a taxa básica de juros ter se reduzido significativamente, o crédito continua escasso e caro. O alto custo do crédito é importante detrator do investimento, sem o qual não haverá crescimento sustentado. O crédito subsidiado, que durante tanto tempo prevaleceu no Brasil, sempre questionável, é hoje fiscalmente inviável. Esta foi a principal razão evocada para acabar com a taxa de juros subsidiada do BNDES. O país enfrenta uma gravíssima crise e o déficit das contas públicas não dá sinal de se reduzir na velocidade necessária. Ao contrário, tudo indica que sem reequilíbrio da Previdência a relação entre a dívida pública e a renda continuará a crescer. Fica difícil justificar o subsídio ao crédito. Além do mais, uma das possíveis explicações para as altas taxas de juros é o fato de que a política monetária aqui é pouco eficiente. Com empréstimos subsidiados, feitos a taxas de juros insensíveis à variação da taxa básica, o Banco Central seria obrigado a levar os juros a níveis muito mais altos do que o necessário, caso todo o sistema respondesse à taxa básica.

Presidenciáveis unidos na cautela para escolher o vice

Reunidos em evento em São Paulo, Alckmin descarta Meirelles; Ciro nega ter se acertado com Fernando Haddad; e Marina rechaça aliança com Barbosa

Dimitrius Dantas e Tiago Aguiar | O Globo

Acorrida pela Presidência da República já começou mas, por enquanto, nenhum dos candidatos parece interessado em um co-piloto. O clima de campanha era óbvio, ontem, no seminário de 1º de Maio organizado pela União Geral dos Trabalhadores (UGT), onde Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) se revezaram em três palestras para sindicalistas. O tema era a automação do mercado de trabalho, mas o principal assunto foi a política e as perspectivas para a eleição deste ano.

— É igual um treino livre da Fórmula 1. Todo mundo está andando sozinho na pista, decidindo o tipo de pneu, para chegar no treino oficial e achar um lugar bom no grid de largada — explicou Ciro Gomes à plateia, que tentava tirar da sua boca o desejo de uma aliança com o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, do PT.

Ciro despistou mas, no fim, disse que o PT tem todo o direito de lançar candidato próprio.

— Nem eu nem ele (Haddad) estamos tratando de uma chapa porque a gente sabe que a realidade de hoje não permite isso — disse.

Ex-governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin foi pelo mesmo caminho. Para ele, seria uma indelicadeza conversar sobre uma possível aliança com o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, possível nome do MDB para o pleito de outubro deste ano:

— Eu defendo o diálogo, a gente tem que conversar, conversar é sempre bom, sempre positivo.

Presidenciáveis defendem rediscussão da reforma trabalhista de Temer

Quatro dos cinco presidenciáveis disseram que era necessário rediscutir ou aperfeiçoar o texto em evento com sindicalistas

Marcelo Osakabe e Daniel Weterman | O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO - Um dos temas mais questionados por sindicalistas no evento organizado pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) para a comemoração do 1º de maio, a reforma trabalhista recebeu tratamento crítico da maior parte dos pré-candidatos presentes. Questionados, quatro dos cinco presidenciáveis disseram que era necessário rediscutir ou aperfeiçoar o texto.

Presidente do partido do qual faz parte o relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), deputado Rogério Marinho (RN), o ex-governador Geraldo Alckmin foi o que defendeu com maior empenho a reforma aprovada no ano passado, afirmando que era uma atualização necessária de um texto "inspirado no tempo do Mussolini".

"Se tem imperfeições, vamos corrigi-las", disse a uma plateia formada principalmente por sindicalistas. Alckmin também se posicionou contra o fim do imposto sindical, ainda que tenha deixado claro a necessidade de discussão sobre o custeio do movimento sindical.

Já o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, se posicionou do lado oposto do tucano, defendendo a revogação do texto. "Isso é uma perversão que faz parte de uma selvageria neoliberal, mofada, que se impôs ao Brasil a partir do golpe", disse o cearense. "Nós não temos que ter medo da reforma."

Pré-candidata da Rede, Marina Silva criticou a forma apressada com que ela foi discutida no Congresso, com pouco espaço para debate. A ex-senadora também criticou o fato de o Congresso ter deixado caducar a Medida Provisória 808, que ajustava pontos polêmicos do texto. "Agora voltou tudo que era antes (da MP), estamos em uma situação de total insegurança jurídica. Um grupo está em um sistema e outro grupo está em outro", disse.

Tom parecido foi adotado pelo presidenciável pelo Solidariedade, Aldo Rebelo. "Qualquer reforma tem que levar em conta a defesa do desenvolvimento, do crescimento, das empresas, mas também a proteção dos direitos dos mais fracos", disse Aldo, para quem não é possível revogar a reforma porque ainda está pendente um decreto prometido pelo governo para ajustar alguns pontos.

Para Guilherme Afif Domingos, do PSD, é preciso rediscutir a proposta. Ele defende uma legislação para grandes corporações e outra específica pra micro e pequenas empresas. "É para ser rediscutida, estamos em um momento de transição muito profundo e a perda de emprego é considerável", declarou. "É preciso fazer uma lei que fale das várias formas de trabalho e voltada para a realidade."

FHC diz que ficaria triste com prisão de aliado Aécio Neves

Ex-presidente tucano comparou o caso à prisão do ex-presidente Lula

Silas Martí | Folha de S. Paulo

NOVA YORK - Em visita à sede das Nações Unidas, em Nova York, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que reagiria “com tristeza” à possível prisão do colega tucano Aécio Neves, acusado de receber propina de empresas.

Ele comparou o caso à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que semanas atrás havia chamado de uma “notícia triste, mas justa”. Em relação a Aécio, FHC acrescentou que a “Justiça vai decidir”.

Na ONU, ele se reuniria com o secretário-geral, António Guterres, para falar sobre a descriminalização das drogas, afirmando que essa sua bandeira deveria estar no debate eleitoral agora em curso no Brasil, mas não está por receio dos candidatos ao Planalto.

“Não vai entrar no debate. A questão é que você precisa ter uma descriminalização e uma regulamentação e muita campanha educativa. É mais um processo educativo”, disse o tucano, em Nova York. “É preciso que a sociedade entenda melhor o tema, e os políticos têm medo de discutir isso.”

Horas antes de seu encontro com Guterres, FHC participou de um evento organizado pelo Instituto de Tecnologias para o Trânsito Seguro, em que defendeu o uso de medidas mais inteligentes no combate ao uso de drogas, no caso, regras que não “sejam sentidas como perseguição”.

“Vivemos um momento de grande ansiedade no mundo e a tecnologia muda as relações entre as pessoas”, disse. “O uso de drogas também aumenta em consequência disso tudo.”

Na saída, FHC não quis entrar em detalhes sobre como vê a corrida eleitoral em curso no Brasil, mas disse que a sociedade está muito fragmentada e que o “futuro do PSDB é como o futuro de todos os outros partidos, vai depender da mensagem para o povo”.

Mordaça - Paulo César Pinheiro e Eduardo Gudin

João Cabral de Melo Neto: Noturno

O mar soprava sinos
os sinos secavam as flores
as flores eram cabeças de santos
Minha memória cheia de palavras
meus pensamentos procurando fantasmas
”meus pesadelos atrasados de muitas noites

De madrugada, meus pensamentos soltos
”voaram como telegramas
e nas janelas acesas toda a noite
o retrato da morta
fez esforços desesperados para fugir.