- O Estado de S.Paulo
Se estamos patinando numa questão simples, a defesa da democracia, que futuro nos aguarda?
Se é verdade que a democracia brasileira está à beira da morte, precisamos saber quem a está matando e quem, em tese, poderá salvá-la.
Ninguém em sã consciência suporá que a democracia esteja morrendo de morte morrida, sob o efeito de algum fator genérico, ou por causa das queimadas na Amazônia. Democracia é um sistema político, um conjunto de instituições dirigidas por elites investidas em funções de autoridade. Ou seja, por seres de carne e osso. Mesmo uma crise econômica prolongada só lhe é fatal se as referidas elites, ou parte delas, em conluio ou não com grupos situados fora do Estado, conspirarem para liquidá-la. Outra hipótese seria se uma contraelite, vale dizer, um movimento social de grande porte – por definição, desprovido da legitimidade estatal, mas decidido e armado –, quisesse pô-la abaixo.
Ora, no Brasil do tsunami causado por Dilma Rousseff e seu fiel escudeiro Guido Mantega, a ação de massas mais contundente foi a de 2013, um protesto contra o custo do transporte humano e contra os gastos com estádios para a Copa do Mundo de 2014. Em seguida vieram manifestações de apoio à Operação Lava Jato, de caráter inteiramente pacífico. Por exclusão, portanto, o potencial assassino da democracia tem de ser procurado entre as elites estatais, vale dizer, entre as autoridades públicas, num dos três Poderes ou na ação (ou inação) conjunta dos três. Penso que esta proposição expressa de maneira exata o sentimento médio da sociedade neste momento.
Saudável e robusta, convenhamos, a democracia não está. Mas passar ao extremo oposto e dizer que está moribunda é um patente exagero. O que podemos afirmar sem temor de errar é que ela está vulnerável, muito vulnerável, a desacertos de comportamento entre elites institucionais – o Supremo Tribunal Federal (STF) vem logo à mente. Aqui chegamos à nossa segunda indagação. Se existe uma percepção, mesmo exagerada, de que a democracia está fragilizada e de que uma parcela da elite estatal trabalha contra ela, quem terá ânimo e capacidade de organização para impedir a consumação de tal intento?
Não creio que se possa esperar muito do que se convencionou chamar de “sociedade civil”. Com o tempo, caímos na real e entendemos que essa expressão, se não é de todo vazia, diz o contrário do que antes imaginávamos. Faz referência à miríade de grupos aferrados à defesa de interesses estreitos – grupos corporativos –, com a agravante de que não temos atualmente partidos políticos capazes de agregar tais interesses e, assim, neutralizar uma parte do poder que caiu sob o controle deles na estrutura do Estado. Sim, porque partidos políticos, numa acepção rigorosa da expressão, são organizações capazes de agregar interesses, transcendendo a força isolada dos grupos corporativos. A Câmara dos Deputados conta hoje com 28 partidos (siglas), nenhum dos quais controla sequer 20% das cadeiras. Nesse sentido, tanto faz dizer que a Câmara conta com 28 ou com nenhum partido, uma vez que aquele conjunto amorfo não é capaz de deter o processo de corporativização do Estado.