Ele não conseguiu ganhar as Olimpíadas, porém uma semana depois, na mesma Escandinávia, foi empurrado para o Olimpo, como um dos campeões da paz. Barack Obama não é um sortudo, nem é engraçado, nem é "o cara". É a quintessência da fé: o visionário, o homem que acredita. Sonha e mostra que o sonho é possível.
Mal começou a sua jornada, ainda não completou um ano na Casa Branca, mas os seus compromissos com o desarmamento nuclear, com a paz no Oriente Médio, com o policentrismo, a distensão e as instituições internacionais, estão na ordem do dia. Suas bandeiras foram desfraldadas por inteiro, tremulam inconfundíveis, transformadas em convocações para aquela parte da humanidade que não esqueceu os 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial e não deseja repeti-la.
Desta vez, o Nobel da Paz está conectado ao Nobel da Literatura anunciado um dia antes. A ficção e a biografia da romeno-alemã Herta Müller escancaram os dois totalitarismos que flagelaram o mundo – o nazifascismo e o stalinismo – e cujos herdeiros estão ativíssimos em todos os quadrantes e sob inúmeros disfarces.
O pai de Herta foi soldado das temidas SS (Schutzstafell, de Himmler), permaneceu na Romênia ocupada pelos soviéticos e sua mãe (da minoria romena de fala alemã), passou cinco anos num campo de trabalhos forçados na União Soviética. A própria escritora foi perseguida e censurada por recusar-se a colaborar com o regime do ditador Ceausescu, escapou com o marido para a Alemanha pouco antes da queda do Muro de Berlim. Herta é a Segunda Guerra e a Guerra Fria juntas e redivivas, simbiose do terror político que marcou grande parte do século 20.
Barack Hussein Obama é o símbolo do mundo liberado das algemas do rancor ideológico. Pós-racial, pós-capitalista, pós-socialista, negro, tem nome árabe, seus auxiliares mais próximos são judeus e representa como ninguém o sonho americano – isso explica a ferocidade da minoria direitista americana e dos seus vitriólicos blogueiros.
O Comitê Nobel e a Real Academia Sueca desta vez anteciparam-se. Ao invés de consagrarem um saldo de façanhas já realizadas, preferiram sancionar intenções, fortificar promessas, reforçar esperanças e estabelecer uma ousada agenda mundial que poucos ousarão contestar.
Este Nobel da Paz diferencia-se nitidamente dos 100 anteriores porque foi alçado da esfera do evento que se assiste passivamente para converter-se num movimento galvanizador do qual todos gostariam de participar. Ao menos como testemunhas. A era da globalização econômica está sendo promovida à era do internacionalismo. O sinal já foi dado, basta segui-lo.
Assim como reacende antigos preconceitos em seu país, Barack Obama estimula admirações no resto do mundo. E os seus conterrâneos, aparentemente, ainda não aprenderam a conviver com esta sua nova contribuição à humanidade. Em 12 de Outubro de 1492, o genovês Cristóvão Colombo chegava a uma terra que não sabia onde ficava.
Barack Obama, 517 anos depois, tenta reavivar a noção de Novo Mundo com a decisiva ajuda do sueco Alfred Nobel. O inventor da dinamite, não poderia imaginar que o seu legado em algum momento conseguiria implodir com tamanho ímpeto as xenofobias e ressentimentos que alimentam as guerras. Inclusive as xenofobias e ressentimentos fomentados pelo fanatismo religioso.
O Nobel é uma escolha, conjunto de círculos, espiral. Não é casual, pode ser causal.
» Alberto Dines é jornalista