sábado, 16 de maio de 2009

Ele é carioca

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Olha só o jeito dele... escrever: “o Pão de Açúcar, essa coluna de granito que sobe como uma diva da cortina de jade do Atlântico.” “Nas areias de Ipanema, debaixo do olhar do Cristo Redentor nos abençoando do alto do Corcovado”. “Por entre a densa vegetação se infiltra o horizonte de pedra e aço do Rio de Janeiro, um súbito lembrete de como é fugaz a fronteira entre o sublime e a agitação.”

Assim, com palavras esculpidas com carinho, o jornalista Mac Margolis fez uma reportagem na “ News week” sobre os bons passeios aqui no Brasil.

A reportagem fala também do Chile e da Argentina, mas não é o que eu quero ressaltar. O Brasil, além de uma apaixonada descrição das paisagens e das dicas de passeios que não custam quase nada no Rio de Janeiro — como as idas à praia, ao Cristo, à Floresta da Tijuca — ganhou também uma entusiasmada narrativa sobre o Pantanal.

Mac Margolis chegou ao Brasil nos anos 80 e ficou.

Está há 26 anos. É casado com uma brasileira, pai da pequena carioca Nina e dono de um português perfeito.

“O Brasil cresce em você”, escreveu ele na reportagem.

Mac conta que, ao chegar, seguiu o guia dos pontos turísticos clássicos do Rio, dançou de sandália de dedo no carnaval e enfiou seus pés na areia da praia nos dias de folga. Depois, com o tempo, descobriu “prazeres menos óbvios” ao rodar por parques, áreas de conservação e pontos de natureza mais selvagem. “O grande dilema no Brasil é por onde começar. O Brasil pode facilmente induzir o viajante a uma sobrecarga.

Os parques nacionais do país cobrem 28 mil quilômetros, o tamanho de Portugal e a Inglaterra juntos.” Ele sugere encantos ainda mais escondidos a um estrangeiro que queira conhecer o país.

Alerta que a Amazônia, com 720 áreas de conservação, parques, florestas densas, natureza preservada, pode ser a plenitude do andarilho. Mas avisa que a floresta tão vasta e selvagem pode ser uma visita cansativa e frustrante, por isso ele recomenda o Pantanal, que descreve como “a mais espetacular área de terra alagada do hemisfério ocidental e possivelmente do mundo.” Brasileiro que não foi ao Pantanal não consegue entender os adjetivos fortes escolhidos pelo jornalista americano para descrever a preciosidade. Palavras como “inacreditável” e “inigualáveis” para definir as belezas que se vê por lá. Fala da tradição pantaneira de contar histórias de onça para quem chega. “Quanto disso é verdade, quanto é fantasia para os ouvidos do gringo, é difícil dizer”, brinca ele.

Quem já foi ao Pantanal tem, ao ler o texto, uma saudade devastadora, e aquele medo enorme de que o bioma frágil, arrasadoramente belo, povoado de vida silvestre, ponto de escala de milhares de espécies de aves migratórias, seja mais uma vítima dos nossos descasos.

Mac não fala das ameaças que pairam sobre o Pantanal, ou sobre o Rio de Janeiro, que ele conhece bem. Como bom jornalista, tem se mantido informado sobre cada uma das nossas forças, fraquezas, erros e riscos. Mas é inevitável ter, diante de sua reportagem, sentimentos mistos: de orgulho e medo; de amor e tristeza.

Mesmo que ele nada diga lá, porque não é este o objetivo, não há como esquecer todos os senões que enfeiam o Rio: a desordem, a violência, a ocupação irregular, o ataque às áreas proteção, pontos que são frequentes em reportagens sobre o Brasil.

Mac iluminou apenas o lado bonito, porque essa era a intenção: falar ao turista americano, que por acaso vier, que há passeios e prazeres que custam pouco, um recado para estes tempos de crise.

A história da Floresta da Tijuca, que parece milenar e é apenas centenária, é contada lá. Como todos sabem, ela foi replantada depois que a vegetação natural tinha sido toda destruída pela plantação de café e os morros, sem sua mata, ameaçavam a cidade de avalanches e pedras e deslizamentos a cada tempestade.

“Foi preciso um imperador com a mente voltada para o futuro e uma queda pela flora tropical para resgatar a cidade dela mesma.” Mac define a Floresta da Tijuca como “a primeira campanha de reflorestamento em massa da América Latina.” Com seus 3.200 hectares ela é, talvez, “a única floresta nacional do mundo instalada no coração de uma megacidade.” Uma floresta no meio de uma capital, uma terra que as águas visitam, um enorme Cristo abençoando uma cidade à beira mar, natureza exuberante, as virtudes do Brasil vão sendo ressaltadas e ficam, no brasileiro que lê, aquela melancolia e o medo de perder tudo pelo desmatamento, pelo descaso e pela desordem que se espalham pelo país. Somos, sim, todo esse lado brilhante, temos todas essas belezas, refizemos uma floresta há 150 anos no meio de uma cidade, mas também somos o que esta reportagem não disse, e que, nem por isso, nos ameaça menos.

Mac sabe dos riscos e pode contar a qualquer hora, mas como ele é, a esta altura, meio carioca, meio brasileiro, deve ter ficado feliz de relatar o belo que ainda temos. Isso se nota pelo jeito que ele escreve.

Quanto a mim, leitores, sitiada pelas notícias da crise econômica, gostei de viajar no belo texto de Mac Margolis e descansar na foto de um ângulo inesperado: na borda da imagem, um alpinista no meio da escalada, e abaixo os morros verdes, a cidade e o mar. E a legenda: “Isso é o Rio: a Floresta da Tijuca, um assombro urbano cobrindo 32 Km de floresta tropical.”

Itamar mais próximo da filiação ao PPS

Ricardo Beghini e Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Até o fim de junho, o ex-presidente deve definir a entrada na legenda, que vê no político mineiro trunfo na sucessão de 2010

Sem partido desde 2006, quando deixou o PMDB pela quarta vez, o ex-presidente Itamar Franco está muito perto de se filiar ao Partido Popular Socialista (PPS). “Acredito que, até o final de junho, tenhamos uma definição”, revelou. Apesar do bom relacionamento com o presidente da sigla, Roberto Freire, que foi seu líder de governo na Câmara, entre 1992 e 1994, e do bom trânsito com os dirigentes estaduais da legenda, a filiação de Itamar ainda esbarra na postura oficial do PPS em questões consideradas cruciais para o ex-presidente.

A maior delas é ao posicionamento da sigla na disputa interna tucana para a vaga de candidato à Presidência da República. Itamar é aliado incondicional do governador de Minas, Aécio Neves (PSDB). A cúpula do PPS, por sua vez, embora tenha voltado atrás, chegou a sinalizar adesão ao nome de José Serra (PSDB). “O PPS hoje deve se resguardar politicamente em nível nacional”, sugeriu. Há meses, o ex-presidente da República discute com os dirigentes do PPS em Minas seu ingresso na legenda.

As negociações são conduzidas por dois veteranos integrantes da Executiva Nacional, Paulo Elisiário e Juca Amorim, que comandam a seção mineira e foram os articuladores da candidatura de Ciro Gomes a presidente da República pela legenda em 1998. Eles já se reuniram duas vezes com Itamar e, graças a isso, evitaram o apoio formal da legenda à candidatura de José Serra. Depois de São Paulo, a seção mineira é a mais estruturada da legenda e exerce grande influência na direção nacional.

O PPS fará seu congresso nacional em agosto. O pacto na cúpula do PPS é discutir com Itamar o cargo ao qual o ex-presidente da República pretende concorrer tão logo o PSDB escolha seu candidato a presidente da República. Apesar de amigo de José Serra, Roberto Freire trata Itamar com muita deferência e vê seu ingresso na legenda como um trunfo na sucessão de Lula em 2010.

Diferenças tucanas

Itamar Franco destaca as diferenças de conduta entre o Aécio Neves e José Serra, que concorrerão às prévias do partido em fevereiro do ano que vem. “Serra atua nos bastidores. Aécio joga mais aberto.” O ex-presidente até alfinetou o tucano paulista, que, segundo ele, se apresenta como pai dos remédios genéricos, cometendo uma injustiça com o seu governo. A ideia dos genéricos, de acordo com ele, foi de Jamil Haddad, ministro da Saúde de Itamar. “Vamos ter que contestá-lo”, avisou. Para Itamar, as diferenças em as duas maiores lideranças nacionais do PSDB, no entanto, não podem ultrapassar o âmbito partidário. Caso contrário, as chances de uma vitória contra o candidato governista, em 2010, serão ainda menores. “Se houver uma ruptura entre os dois estados, será muito difícil”, disse ele, rechaçando qualquer possibilidade de seu nome ser usado com ponte política entre Minas e São Paulo.

Itamar não concorda com outra tese política, que, segundo ele, foi defendida pelo PPS: as listas fechadas, que priorizam a escolha do partido na votação. O eleitor, nesta hipótese, vota de acordo com uma relação de candidatos apresentada pelo partido, previamente definida numa convenção. O voto irá diretamente para o partido e ajudará a eleger os candidatos da lista. “É preciso saber se eles vão me deixar falar o que eu penso”, afirmou. Com disposição e bom-humor, o ex-presidente deixou claro que não quer ser um mero coadjuvante no PPS: “É preciso saber se eles vão me deixar falar o que eu penso”.

CPI: PETROBRÁS (charge)


O que falta?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Para o Brasil se firmar como um dos líderes do novo mundo que está sendo desenhado pela crise internacional, seria preciso uma visão estratégica de longo prazo de seus governantes, focando especialmente a inovação tecnológica e ações em setores modernos da economia que têm repercussão internacional, como o meio ambiente. Mas há quem duvide da capacidade do país de sustentar uma liderança internacional, seja pela visão equivocada com relação ao poder que exerce na região, seja pela própria incapacidade de definir posições inequívocas nas relações internacionais, terreno no qual estariam cada vez mais aparentes suas deficiências técnicas.

Faltaria, também, resolver problemas internos, como as reformas estruturantes na economia.

O ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira, por exemplo, acha que é urgente adotar “visão ampla de futuro” para poder aproveitar as oportunidades da nova realidade, que, segundo sua visão, “será turbinada pelo conhecimento, respeitosa e exigente quanto ao meio ambiente, carente de alimentos e matérias primas de que somos fornecedores significativos, e sensível às disparidades, tanto geográficas, quanto sociais”.

Ele vê “graves deficiências” a serem superadas, algumas nos diferenciando dos outros Brics. “Nosso baixo nível de poupança e investimento; o espantoso menosprezo secular que devotamos à educação; o insuficiente esforço em pesquisa e desenvolvimento, em ciência e tecnologia, o que inibe a inovação; a frágil e deteriorada infraestrutura física e humana; a inapetência, que não é de agora, em perseguir as reformas estruturantes — a fiscal (não apenas tributária, mas também a de gastos); a previdenciária, a trabalhista e a da gestão eficaz do Estado, que requer modernizar a sufocante burocracia onipresente”.

Já para Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, do Woodrow Wilson International Center for Scholars, de Washington, a recente ascensão internacional do Brasil aconteceu num período em que, “pela primeira vez em sua história, o país conseguiu combinar democracia e estabilidade”.

Fortalecer ambas é, para ele, “condição indispensável” para consolidar os espaços de liderança do Brasil no mundo multipolar que começa a tomar forma. O que significa “reconhecer que estão em casa — na insegurança, na corrupção, na impunidade, na educação deficiente, na desigualdade — os fatores que mais limitam a ação internacional do país”.

Ao mesmo tempo, ressalta Sotero, “é essencial dosar o uso do capital diplomático nacional, investindo-o nas áreas geográficas (América do Sul e Caribe, África) e temas globais (mudança climática, energia, reforma da governança política e econômica internacional, combate ao crime organizado), que correspondem ao interesse nacional e nos quais o país pode fazer diferença”.

O sociólogo Amaury de Souza, da MCM Consultores, advoga posição cautelosa, dizendo que o primeiro passo consistiria “numa avaliação realista dos nossos recursos de poder, o que exige lucidez para identificar nossas vulnerabilidades e determinação para superá-las”.

Um mundo multipolar, lembra, não é necessariamente um mundo multilateralista, e só poder econômico e uma diplomacia sofisticada não bastam. Amaury de Souza se preocupa com “o virtual divórcio entre nossa política externa e a política de segurança e defesa. Tudo se passa como se o poder militar não fosse valioso instrumento de política externa”.

Na sua definição, “soft power (isto é, a opção pelo diálogo e persuasão) é boa política, mas smart power (a combinação de diálogo com pressão) é melhor”. Liderar, lembra Amaury de Souza, significa também assumir responsabilidades perante terceiras nações ou, “para usar o jargão atual, produzir bens públicos internacionais”, o que implica “arcar com custos consideráveis, seja mobilizando a ação coletiva em prol de algum interesse comum (meio ambiente, por exemplo) ou empreendendo ação unilateral em benefício de todos (proteção militar de rotas comerciais marítimas)”.

O sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), é cético quanto a maior relevância do Brasil no cenário mundial.

“O tamanho da economia, a expansão do comércio internacional e a estabilidade econômica consolidada a partir do plano Real certamente ajudam”.

Para ele, no entanto, o Brasil continua tentando ser líder de um “terceiro mundo” que já deixou de existir, em um ativismo de muito poucos resultados. “Não vejo que existam parcerias sólidas e entendimento político com os outros Brics — China, Índia, Rússia — e namoros com lideranças como Chàvez, Morales e Ahmadinejad não ajudam”.

O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, hoje atuando no mercado de capitais em Nova York, diz que falta competência: “Como a China está aprendendo, não é fácil ter uma presença internacional”.

Ele diz que a presumida competência do Itamaraty não se faz sentir em aspectos financeiros. “O Ministério da Fazenda não tem estrutura e nem o Banco Central. Nenhuma instituição, afora o Ministério das Relações Exteriores, tem um acompanhamento sistemático de países”.

“O resultado é que a política é personalizada, na figura do ministro, do diretor no FMI, com resultados insatisfatórios”.

Paulo Vieira da Cunha admite que, de fato, o Brasil é hoje parte importante nos foros financeiros internacionais, e não só no G-20 e no FMI, mas também em outros organismos internacionais.

Mas lamenta que o Brasil não tenha “capacidade de opinar propositivamente, não entra na parte substantiva das discussões”. A China também reluta em tomar qualquer liderança, discute bilateralmente, e objeta. Não é construtiva. “Mas a China é a China”, encerra Paulo Vieira da Cunha.

(Amanhã, as vantagens comparativas)

A praga dos ""amorins""

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No meio de tantos (513) deputados, algumas figuras que já foram notórias - não necessariamente no bom sentido - na República muitas vezes passam despercebidas sem que delas se tenham notícias durante os quatro anos de mandato, nesses casos, exercido ao molde de um perfeito e aprazível esconderijo.

O deputado Ernandes Amorim, mesmo. Não chegou a ser um prazer, mas digamos que tenha sido uma surpresa sabê-lo deputado agora, quando acorre à cena para defender o colega Sérgio Moraes das críticas por ter dito que "se lixa" para a opinião pública.

"Não viemos aqui para sermos expostos a todo momento. A estrutura humana não aguenta ser desafiada", reclamou.

De barriga cheia, porque a dele pelo visto não apenas aguenta desafios como supera todos eles.

A julgar pela folha corrida da qual é detentor, o deputado poderia hoje estar dando expediente em recinto bem mais restrito e vigiado que o Congresso Nacional.

Ernandes Amorim não é o congressista padrão, cumpre registrar. Mas encarna como talvez nenhum outro a imagem da degeneração da qualidade da representação parlamentar.

No quesito infidelidade partidária já percorreu seis legendas nos últimos 15 anos. Eleito senador por Rondônia em 1994 pelo PDT, passou pelo PMDB, PFL, PPB, PRTB e ultimamente aterrissou no PTB.

No que tange a processos, tem notório saber. Foi acusado pela ex-mulher Hélia Amorim de envolvimento com tráfico de drogas, escapou do processo porque o Senado se recusou a dar licença (na época era exigida) ao Supremo Tribunal Federal para abrir a ação, mas em 2000 foi cassado pelo TSE por abuso do poder econômico na eleição de senador.

Nesse meio tempo havia se licenciado do Senado para se eleger prefeito de Ariquemes - sua "base", quase império, onde começou como líder de garimpeiros e ganhou fama de violento. Perdeu um mandato que, na verdade, já não exercia.

Como prefeito notabilizou-se pela acusação de chefiar uma quadrilha especializada em desvio de verbas públicas. Coisa de R$ 18 milhões, segundo o delegado da Polícia Federal Mauro Spósito. Em 2004, foi capturado pela Operação Mamoré, da PF, e ficou preso durante 87 dias.

Em 2006, elegeu-se o deputado federal mais votado de Rondônia e não perdeu a embocadura. Está de processo novo na Justiça. Desta vez, o Supremo (já livre a exigência legal da autorização do Legislativo) investiga a suspeita de que Ernandes Amorim seja o responsável pelo desmatamento de 1,6 mil hectares de floresta amazônica.

Impune, Ernandes, o incorrigível, ainda ostenta o dístico de caluniado. Ganhou pelo menos duas gordas indenizações na Justiça por ações que moveu contra os jornais Correio Braziliense e Jornal do Brasil. A ex-mulher, Hélia, pouco depois de dar uma entrevista gravada ao repórter Vasconcelo Quadros, do JB, detalhando o envolvimento do então senador com o narcotráfico e contrabando, de repente resolveu dar o dito pelo não dito.

No terreno dos privilégios e apropriação do bem público como prerrogativa parlamentar - o assunto que nos traz ao reencontro de Ernandes Amorim - já fez coisas das quais até Sérgio Moraes duvidaria.

Em 1998, senador, mandou uma carta ao então presidente da Casa, Antonio Carlos Magalhães, reivindicando o ressarcimento de R$ 27 mil gastos com passagens aéreas para levar os pais de Rondônia a Brasília para tratamento de saúde. "Desde o início do meu mandato, tenho feito grandes despesas", alegou.

Não há registro sobre o resultado do apelo. Mas, nos anais do Senado está devidamente inscrita sua proposta de institucionalização da propina.

Expliquemos melhor antes que o deputado se sinta vilipendiado e ofendido. Ele preparou uma emenda ao projeto de regulamentação do lobby autorizando os partidos e os congressistas a receber pagamento de empresas ou entidades beneficiadas pela aprovação desta ou daquela lei.

A exposição de motivos: "O que ganho como senador é muito pouco. Se a Associação de Práticos da Marinha quer ver discutido um projeto sobre o uso de portos, porque não aceitar a sugestão e pedir uma contribuição? Que mal há em cobrar? Se um padre pode cobrar 10% por uma missa, eu não posso cobrar por apoiar e votar uma proposta?"

Poder pode, mas num ambiente mais austero teria sido no mínimo sido chamado aos costumes. O Senado não apenas conviveu com ele, como se negou a autorizar abertura de processo no STF e a nenhum colega ocorreu mandá-lo ao Conselho de Ética para explicar sua defesa do então senador Luiz Estevão - cassado por desvio de dinheiro na obra do Tribunal Regional de Trabalho de São Paulo -, sob o argumento de que "não é o único" envolvido com denúncias.

Na ocasião, esse tipo de conduta era exceção. Hoje, quase virou regra com a ascensão do baixo clero a postos de relevância. São os desqualificados os que prevalecem, levando ao seguinte dilema: ou o Congresso acaba com os "amorins" ou eles acabam com o Congresso.

A reforma política urgente e inviável

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A audaciosa e temerária iniciativa da Mesa Diretora do Senado de solicitar à competência da Fundação Getúlio Vargas (FGV) um projeto de reestruturação administrativa – e é urgente que seja secundada pela Câmara – produziu um resultado acima das mais pessimistas expectativas, que oscila entre o estimulante reconhecimento da necessidade de tentar colocar um mínimo de ordem e funcionalidade na mixórdia do desperdício do dinheiro público e dos desvios éticos que invadem o ilícito penal.

É natural que, ao longo do tempo, a burocracia imponha os seus cacoetes da multiplicação do pessoal e dos generosos reajustes de vencimentos. Mas o que se sabia, sem a escora da estatística, estava muito aquém do que o coordenador da FGV, Bianor Cavalcanti, revela com a simplicidade dos números. Para princípio de conversa, o resumo da ópera: o Senado pode funcionar perfeitamente com um terço dos seus funcionários. Trocando em miúdos: com 3.364 servidores de carreira e o reforço da terceirização de alguns serviços.

E é mesmo apenas a introdução a uma conversa que promete a colheita de milhões de economia para os cofres da Viúva. Na segunda etapa, promete Bianor Cavalcanti, a FGV está em condições de bulir na casa de marimbondo do enxugamento dos 3.350 terceirizados e dos comissionados distribuídos nos gabinetes. E o que não falta, sobra até, nas duas Casas do Congresso são gabinetes. Além dos 81 senadores e 513 deputados, dos diretores que se multiplicam como coelhos. Mas o Bianor alterna as pancadas para não assustar os aflitos. Na sua fria visão de técnico, o excesso de servidores, de cargos de direção e de unidades "gera mais confusão do que outra coisa". Aqui, uma parada para desmanchar o nó de um dos equívocos: quem disse ao tecnocrata Bianor que a maioria absoluta dos parlamentares não prefere exatamente a confusão a uma enxuta e eficiente equipe?

Do razoável número dos que se esforçam para acompanhar os trabalhos das comissões que integram e do plenário das duas Casas, nos três ou quatro dias úteis da inútil semana parlamentar, muitos, a maioria não tem a menor necessidade de entupir os seus privilegiados gabinetes com assessores com as cotas de tarefas. Ao contrário, a orgia dos até 50 assessores para cada gabinete faz a felicidade de parentes, cabos eleitorais, cupinchas ou de recomendados por amigos. Conheci num município mineiro três assessores de um deputado federal, já falecido, que nunca tinham posto os pés em Brasília. Atendiam na base eleitoral do parlamentar os potenciais eleitores e, claro, desfrutavam a vida mansa no sossego do interior. E era um tempo em que a farra das mordomias apenas começava.

Voltando ao bem-vindo Bianor e a sua severidade de técnico. O quadro de caos do levantamento da FGV é da responsabilidade direta do grande número de cargos de direção, regiamente remunerados, subdivididos em secretarias e subsecretarias e com uma redução que só agilizaria o serviço, representaria uma economia de R$ 650 mil por mês num orçamento anual de R$ 2 bilhões.

O presidente Lula teria muito que aprender com eficiência e enxugamento do monstrengo administrativo a partir das lições da Fundação Getúlio Vargas. A urgência inadiável de recursos que ainda não podem ser dimensionados para socorro imediato dos milhões de desabrigados com as enchentes do Norte e do Nordeste e a sucessão de enchentes e seca no Sul, especialmente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, seria simplificada e com menor desgaste, com redução da gastança e do desperdiço com o corte de milhares de sinecuras rateadas entre o PT e aliados, como o incontentável PMDB, do que com a novidade da criação da cobrança do Imposto de Renda das cadernetas de poupança sobre os depósitos acima de R$ 50 mil a partir de 2010, ano de campanha e de eleições.

Bom humor não falta ao presidente nas suas visitas de compulsivo viajante pelos quatro cantos do mundo. E não é tão lisonjeira a sua avaliação sobre a burocracia. Em visita ao Itamaraty, com o enguiço do elevador, preferiu caminhar até o salão. E explicou: "Vamos andando porque antes do conserto do elevador a CGU fará uma avaliação, depois tem a licitação do TCU, a licença do Ibama, e depois vamos ter uma denúncia no Ministério Público". A caricatura além de bem humorada é perfeita.

E quem poderia iniciar um mutirão para reduzir a burocracia? Mas, claro: o presidente da República.

Reforma política

José Carlos Corrêa
DEU EM A GAZETA (ES)

Voto distrital é uma proposta atraente, na medida em que os candidatos ao Parlamento passam a disputar a eleição em um único distrito

Sempre achei que o país perdia tempo demais discutindo a necessidade de fazer ou não uma reforma política. Que os políticos utilizavam o tema como uma "cortina de fumaça" quando eram acuados por acusações. Ou para empurrar os problemas para frente sob o argumento de que "antes de fazer qualquer reforma, é preciso fazer uma reforma política".

Afinal, discutir temas como o financiamento público das campanhas e a cláusula de barreiras era mais cômodo do que encontrar solução para o caos da saúde e da segurança públicas.

Entretanto, diante de tantos escândalos envolvendo os poderes executivos e legislativos do país, estou propenso a mudar de opinião e passar a considerar a tal reforma política como algo a ser implementado sem demora para que não cresçam, entre os brasileiros, os sentimentos de que o Congresso deveria ser fechado ou que a democracia é o pior dos regimes. Até porque, como dizia Keynes, "quando muda o ambiente, eu mudo as minhas ideias".

Creio que as propostas que têm maior consenso são as que tratam da fidelidade partidária, do fim das coligações em eleições proporcionais e da cláusula de barreira. A fidelidade partidária acabaria com o absurdo que é um candidato ser eleito por um partido e abandoná-lo pouco tempo depois sem perder o mandato.

O fim das coligações evitaria que um eleitor vote em um candidato e ajude a eleger um outro de partido diferente. E a cláusula de barreira nos livraria de dezenas de partidos inexpressivos que só existem para receber verba do fundo partidário e vender tempo dos horários de propaganda gratuita na TV e no rádio.

Outras questões em discussão são mais polêmicas como a votação com listas fechadas, o financiamento público das campanhas, o voto distrital e o fim dos suplentes de senador.

A votação com listas fechadas teria a vantagem de fortalecer os partidos e acabar com as campanhas individuais dos candidatos. Mas esbarra no temor que os caciques possam manipular as posições da lista colocando no seu topo os seus protegidos.

O financiamento público das campanhas encontra resistências no eleitorado que, já tão penalizado por impostos, recusa-se a custear a gastança eleitoral. Sem falar que ninguém acredita que a fiscalização seja capaz de evitar a continuação do caixa dois. Mas tem a vantagem de permitir que o parlamentar eleito não se sinta obrigado a, de alguma forma, retribuir as doações recebidas das empresas.

Já o voto distrital é uma proposta atraente, na medida em que os candidatos ao parlamento passam a disputar a eleição em um único distrito, o que barateia a campanha e aproxima o candidato do eleitorado. Mas ela torna inviável a votação com listas fechadas daí porque há quem defenda um modelo misto em que parte das cadeiras seria preenchida pelo sistema distrital e parte pelo voto dado aos partidos.

O fim dos suplentes de senador acabaria com o mandato dos "sem voto" que são pessoas desconhecidas do eleitorado que assumem o lugar dos senadores que se licenciam. Entregar a cadeira para o segundo colocado nas eleições, entretanto, tem o inconveniente de levar para o Senado os adversários do eleito. Se adotada a proposta o mais provável é que os senadores evitem se licenciar, mesmo para ocupar cargos no Executivo.

O que está evidente para todos é que o atual sistema eleitoral brasileiro é muito ruim e dá margem à prática de irregularidades que tanto nos envergonham. Daí porque é preciso experimentar outros caminhos para não deixar morrer a nossa frágil e incipiente democracia.

José Carlos Corrêa é jornalista e escreve nesta coluna aos sábados.

Magalhães quer implantar o voto distrital misto

Sérgio Montenegro Filho
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

REFORMA POLÍTICA

Proposta de Emenda Constitucional (PEC) é apresentada pelo parlamentar dentro da discussão de reforma política, mas a tramitação não será fácil

Em tempos de discussão sobre a necessidade urgente de uma reforma política no País, o deputado Roberto Magalhães (DEM-PE) apresentou ontem à Câmara uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para estabelecer o voto distrital misto na eleição de deputados federais em todo o Brasil. De acordo com a PEC, o eleitor passaria a escolher seus parlamentares por meio de dois votos: o primeiro, num candidato vinculado a um dos distritos do Estado – que, pelo projeto, seriam criados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) –, e outro em uma lista pre-ordenada de candidatos proporcionais, que podem ser votados em todo o Estado. O primeiro deputado seria eleito pela chamada “verdade do voto”, ou seja, o mais votado ganha a vaga. O segundo, funcionaria como no atual sistema, sendo eleito de acordo com o cálculo de votos recebidos pelo total de candidatos do partido.

Magalhães afirma estar ciente da dificuldade de aprovar o projeto até outubro próximo, para que passe a valer nas eleições de 2010. “Há mais de mil projetos aguardando votação na Câmara. É difícil. Mas o que quero é apresentar uma alternativa para o futuro próximo”, explica. Segundo ele, o atual sistema de escolha dos deputados é por demais injusto, não somente pelo cálculo do coeficiente eleitoral como também por questões de poder financeiro. “Muitos já estão até desistindo de tentar a reeleição, porque não têm dinheiro para competir com os mais ricos”, diz.

Para que seja aprovada, a PEC necessita receber pelo menos três quintos dos votos dos deputados, ou seja, 308 votos a favor, entre os atuais 513 parlamentares na Câmara. Em seguida, seria votada no Senado, necessitando do amparo de 49 dos 81 senadores. Mas o processo é bastante lento. Antes de chegar ao plenário, a PEC tem que ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Se receber parecer favorável pela legalidade, forma-se uma comissão especial para apreciar o mérito, e só então vai para a fila de votação.

Existem dez projetos tramitando na Câmara desde 1995 objetivando alterar o sistema eleitoral brasileiro. Alguns pregam o voto distrital puro – sem a opção do eleitor de votar também na lista pre-ordenada de candidatos proporcionais. Mas na avaliação de Magalhães, assim como o atual sistema proporcional, o voto distrital puro também tem desvantagens. Entre elas, gera uma tendência ao bipartidarismo informal, perpetua lideranças tradicionais sem permitir a renovação do Legislativo e provoca desinteresse do deputado distrital por questões nacionais, uma vez que ele seria eleito apenas por um pequeno contingente limitado a um território.

Já o atual sistema é criticado por gerar desinteresse do eleitor, além de prejudicar candidatos com menor votação. “No sistema proporcional, com a matemática eleitoral, tem candidatos que se elegem com o voto de outros. O sistema distrital misto tem as vantagens dos dois outros sistemas, e é um caminho natural, principalmente se for derrotada a PEC que cria o sistema de votação em listas pre-ordenadas, o que deve acontecer”, conclui Magalhães, que fala hoje, às 9h15, à Rádio JC/CBN sobre o projeto.

“A sociedade não deseja esse debate”, insiste o governador

Gilvan Oliveira
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

PT X PT

Mesmo em tom mais diplomático, após a nota do PSB, Eduardo, em mais um recado aos petista, reafirma que só trata de 2010 em 2010

Pelo menos em público, o governador Eduardo Campos (PSB) ignora a turbulência interna do PT em Pernambuco, que ameaça contagiar sua base política. Ontem, em Porto de Galinhas, onde participou de um debate sobre a formação de novos quadros políticos, evento apoiado pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Eduardo reafirmou que vai manter a estratégia de discutir a sucessão estadual só em 2010. “Não vou alimentar um debate que a sociedade não deseja”, desconversou. E mesmo não tratando do assunto abertamente, ele aproveitou para deixar um recado velado aos aliados. “A estratégia que adotamos é a correta, tem dado certo até aqui e vai continuar dando certo. Vamos tratar 2010 em 2010. Minha tarefa agora é ganhar 2009 para Pernambuco”, comentou.

O tom diplomático de Eduardo contrasta com a nota do PSB e as declarações do presidente da Agência Reguladora de Pernambuco (Arpe), Ranílson Ramos, anteontem. De forma dura, ambos enfatizaram a posição de Eduardo como condutor da sucessão estadual, uma clara tentativa de estancar a celeuma iniciada no PT. “Se alguma liderança política quiser a esse fato se contrapor, abrir agora o debate e exigir a antecipação de nomes à vice-governadoria ou às vagas ao Senado, que vá em frente. Mas é conveniente que também tenha um nome ao governo do Estado para apresentar, porque o governador não entra nesse jogo e não alimentará a ansiedade de quem quer que seja”, afirma a nota do PSB.

A mais recente crise interna do PT atingiu o ápice na última terça-feira. Incomodado com a suposta falta de respaldo ao seu projeto eleitoral, o ex-prefeito do Recife João Paulo (PT) anunciou a retirada de sua postulação a candidato a senador na chapa encabeçada por Eduardo, candidato natural a reeleição. João Paulo queixou-se do partido que, em vez de defender já seu nome ao Senado, abria um debate “extemporâneo” sobre uma possível troca do candidato a vice-governador, de João Lyra (PDT) por um petista. O fato foi cogitado pelo presidente estadual do PT, Jorge Perez, ligado ao secretário estadual das Cidades, Humberto Costa.

Antes de qualquer indicação por candidatura, o epicentro desta crise está na briga de correntes internas do PT pela hegemonia no partido: um grupo resiste ao avanço do outro. De um lado, a ala Construindo Um Novo Brasil (antiga Unidade na Luta), liderada por Humberto Costa, do outro, a Articulação de Esquerda, ligada a João Paulo. Enquanto o ex-prefeito busca consolidar-se já como candidato ao Senado, integrantes da corrente interna ligada a Humberto resistem à antecipação desse projeto e tencionam encaixar um petista como vice de Eduardo, o que inviabilizaria as pretensões de João Paulo.

Discurso contra o radicalismo

Daniel Cúrio
DEU NO ESTADO DE MINAS

Aécio diz a empresários do Rio que os anos Itamar, FHC e Lula serão vistos no futuro como um único período político. Ele defendeu que PT e PSDB façam campanha sem ataques em 2010

Rio de Janeiro
- Os anos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva à frente da Presidência da República serão vistos no futuro como apenas um período político, afirmou ontem o governador Aécio Neves (PSDB), durante homenagem no Almoço do Empresário da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). De acordo com ele, seu partido e o PT devem fazer campanha sem radicalismos em 2010. Para Aécio, os tucanos precisam admitir pontos positivos no governo Luiz Inácio Lula da Silva, como o Bolsa-Família. "Não podemos negar a realidade", comentou. Mais cedo, porém, ele chamou a atenção de que a iniciativa teve início na gestão de Fernando Henrique Cardoso.

Segundo Aécio, o período a que se refere como um só teve início com a estabilidade na economia, avançou com a modernização a partir da privatização de setores estratégicos e termina na manutenção desses princípios no governo Lula e com o fortalecimento das políticas sociais.

"Talvez muitos dos meus companheiros de partido não gostem desta avaliação e meus adversários políticos não gostam de ouvi-la, mas acredito que dentro de alguns anos, distante das paixões políticas, dos embates eleitorais e dos compromissos partidários, os cientistas políticos vão analisar este longo período de governo que se iniciou com Itamar Franco e a elaboração do Plano Real, passou pelos oito anos de Fernando Henrique Cardoso e chega nos oito anos do presidente Lula como um só período de continuidade na vida nacional", disse Aécio.

Diante de uma plateia superlotada, o governador apontou as principais ações das últimas gestões. "Conquistamos a estabilidade econômica com o fim da inflação, modernizamos a economia, melhoramos a qualidade dos serviços e estabelecemos novos marcos regulatórios.

Enfrentamos e vencemos três gravíssimas crises internacionais e aprendemos com elas. Criamos um paradigma novo para a gestão dos governos, com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Nós nos orgulhamos de ter fundado uma imensa rede de proteção social no país, com o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação", disse Aécio, que ainda elogiou o trabalho do atual governador de São Paulo, José Serra, quando à frente do Ministério da Saúde.

O governador disse que faltou vontade ao governo Lula – que ele chamou de "governo que ficou por fazer" – para executar as reformas. "Ou se faz no início do governo ou não se faz mais. Não se pode abandonar políticas quando se chega ao governo". Aécio declarou que a principal reforma que o país precisa é a de redistribuição de renda e alertou que quase 70% do que se arrecada no Brasil vai para o governo federal. Ele defendeu projeto que permita a descentralização dos recursos e disse que o desenvolvimento social não depende apenas do desenvolvimento econômico.

Homenagem

Aécio recebeu na ACRJ o diploma Visconde de Mauá, entregue pelo presidente da entidade, Olavo Monteiro de Carvalho. O governador Sérgio Cabral, presente ao evento, comentou que Aécio foi extremamente importante quando ele assumiu o governo do Rio, em 2006. Segundo Cabral, o governador o ajudou na formação de seu secretariado e no contato com diversas entidades econômicas internacionais.

PSDB afina discurso pró-Bolsa Família

Wagner Gomes
DEU EM O GLOBO

Estratégia dos tucanos para 2010 será dizer que programa precisa ser aperfeiçoado


SÃO PAULO. O PSDB adotou o discurso de que não pretende discutir a paternidade do Bolsa Família, mas prepara, para a campanha presidencial de 2010, uma grande defesa do programa, principalmente no Nordeste. O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse que, independentemente do candidato a ser escolhido pelo partido, as propostas tucanas no campo social terão destaque no programa de governo. A preocupação é mostrar que iniciativas como o Bolsa Família serão ampliadas na gestão tucana.

— A idéia não é discutir paternidade, mas vamos oficializar o que fizemos durante o governo Fernando Henrique Cardoso e dizer que fizemos muito mais do que a população conhece. Vamos também reconhecer que o programa é parte positiva e bem-sucedida do atual governo, mas que precisa ser melhorado e ampliado — disse Guerra.

O Bolsa Família foi lançado em setembro de 2004 como um programa de transferência direta de renda para famílias em situação de pobreza, com pagamentos mensais de R$ 69,01 a R$ 137. Trata-se, lembram os tucanos, de uma reformulação e ampliação do Bolsa Escola, adotado pelo governo Fernando Henrique. Na visão dos tucanos, o Bolsa Família distribui dinheiro para a população pobre, mas não melhora o nível de vida dos beneficiados.

Segundo o presidente do PSDB, dois milhões de pessoas poderiam ser incorporadas ao programa, se ele fosse mais eficiente.

Guerra propõe ainda uma discussão que leve em consideração o crescimento econômico e a necessidade de aumento do emprego. O tema foi amplamente discutido no início da semana no seminário “PSDB e as políticas sociais: passado, presente e futuro”, realizado em João Pessoa (PB). Além dos tucanos, participaram aliados do PPS e do DEM.

O secretário nacional do PSDB, deputado Rodrigo de Castro (MG), disse que o partido vai retomar a bandeira das políticas sociais, hoje nas mãos do PT. Um dos líderes do DEM paulista e importante aliado do governador José Serra (PSDB), que preferiu não ser identificado, disse ontem em São Paulo que o Bolsa Família funciona como um excelente programa eleitoral para qualquer candidato. Para ele, os tucanos e seus aliados não poderão ser acusados de tentar paralisar o Bolsa Família.

Serra também anunciou medidas na área social

O governo Serra anunciou recentemente iniciativas na área social: será oferecido aos desempregados um curso de qualificação remunerado, como outra forma de transferência de renda.

A pessoa beneficiada não pode estar recebendo auxílio-desemprego, precisa ter entre 30 e 59 anos, o segundo grau incompleto e ser, preferencialmente, chefe de família. O curso tem 200 horas, sendo 80 de habilitação específica e 120 de reforço de ensino fundamental. O curso é gratuito e o interessado ganha R$ 210 por mês durante os três meses de duração do curso.

Segundo a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho, a possibilidade de a pessoa que conclui o curso obter um emprego é muito grande. A ideia é a de que o beneficiado arrume emprego e não fique a vida toda dependendo da ajuda do governo, uma das críticas que os tucanos fazem hoje à forma como o Bolsa Família vem sendo administrado pelo governo Lula.

MT: Muniz já demonstra simpatia a Silval

Sonia Fiori
DEU NO DIÁRIO DE CUIABÁ


Em São José do Xingu, deputado Percival Muniz ‘puxa o coro’ em defesa da candidatura do vice-governador Silval Barbosa

Presidente estadual do PPS, o deputado Percival Muniz deu uma clara demonstração de que o partido já começa a avaliar possível aliança com o projeto do PMDB para 2010. Ao participar de evento de lançamento de obras, em São José do Xingu, na tarde de ontem, o líder do PPS enalteceu, durante seu discurso, o nome do vice-governador Silval Barbosa (PMDB), se referindo a ele como “futuro governador Silval Barbosa”.

A solenidade foi prestigiada pelo governador Blairo Maggi (PR), secretários de Estado e líderes políticos, além do vice-governador. Aproveitando a deixa dada por Muniz, o deputado federal Wellington Fagundes (PR) reforçou o nome de Silval Barbosa. “Profetizando o que disse o deputado Percival Muniz, o futuro governador Silval terá muita responsabilidade com o Estado”,
emendou.

Recentemente, o presidente do PPS disse que o partido está dialogando com todos os partidos e que o projeto político da legenda ainda não está definido. Ele havia dito também que o vice-governador não tinha carisma. Percival Muniz entende que as discussões referentes ao processo eleitoral do próximo ano são prematuras. No entanto, também não descarta debater as possibilidades para o pleito de 2010.

O dirigente partidário, que não esconde sua admiração pelo nome do senador democrata Jayme Campos, reitera que é preciso avaliar todos os caminhos para só no período oportuno se posicionar.

Mas apesar de destacar o nome de Jayme, Muniz começa a demonstrar simpatia pela chance de as legendas formarem composição em torno do vice-governador Silval Barbosa. A tendência de o governador Blairo Maggi se desincompatibilizar da administração do Estado em dezembro deste ano abre novos encaminhamentos no PMDB. No comando de Mato Grosso, Silval Barbosa também terá ampliadas as oportunidades para angariar apoio ao seu nome na corrida ao Palácio Paiaguás.

Ao avaliar as perspectivas para o PPS no processo sucessório, Percival Muniz ressalta a disposição da legenda de integrar chapa majoritária. Segundo ele, o partido tem bons representantes para integrar uma disputa majoritária. O presidente do PPS aponta ainda os entendimentos em torno da construção de um projeto para o Estado como o melhor caminho para fechar aliança rumo às eleições de 2010.

Percival destaca ainda que o PPS já deu início às ações que visam, sobretudo, angariar maior número de filiados. Muniz também mantém expectativa de que o partido possa obter melhor desempenho no pleito geral, através da eleição de representantes nas bancadas federal e estadual. Em relação ao programa estadual que se projeta para a próxima administração, Percival destaca setores considerados prioritários, como as áreas da educação, trabalho e saúde. Para ele, o principal nesse cenário de debates é assegurar qualidade de vida para a população mato-grossense.

Estatal é peça chave na política

Flávia Barbosa
DEU EM O GLOBO

Petrobras responde por R$ 263 bi do PAC, crucial para Dilma

BRASÍLIA. A Petrobras não é só um dos maiores patrimônios do país, como defendeu ontem a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ao tentar barrar a criação de uma CPI para investigar negócios da estatal, o governo quer evitar prejuízos, ou até a paralisação, de R$ 263 bilhões em obras. Essa é a contribuição estimada da petrolífera ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vitrine da candidata Dilma nas eleições presidenciais.

O estrago de uma CPI para o governo é ainda maior se entrar na equação a exploração de petróleo e gás na camada do pré-sal — que tem força e simbolismo políticos imensos. E o governo Lula vem se preparando para capitalizar sozinho a entrada do Brasil no grupo dos grandes produtores mundiais de óleo.

Considerando que a estatal responde por praticamente todas as ações previstas em exploração e produção de petróleo, o PAC tem 22,9% de seu R$ 1,148 trilhão em investimentos atrelados à Petrobras. Comparado à petrolífera, o governo federal é um pequeno poupador e a estatal, um megainvestidor. O Orçamento da União prevê o investimento de R$ 39 bilhões em obras este ano. Já o Plano de Negócios da Petrobras prevê desembolso de US$ 28,6 bilhões em 2009, ou R$ 60,3 bilhões.

A estatal é ainda estratégica na distribuição de investimentos. Suas encomendas reativaram a indústria naval em cinco estados. Segundo pesquisa do Instituto de Economia da UFRJ, de agosto de 2008, a Petrobras responde hoje por 4,7% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).

Com o pré-sal, poderá chegar a 10%.

PMDB tem mais forças que o PT na Petrobras

Ramona Ordoñez
DEU EM O GLOBO

Apesar de não ocupar presidência, partido aliado conseguiu, no loteamento de cargos, poder em áreas estratégicas

O controle da Petrobras, a maior empresa da América Latina e uma das maiores petrolíferas de capital aberto do mundo, foi loteado entre o PT e o PMDB. Segundo uma fonte do setor, depois de intensa disputa entre os dois partidos ao longo dos últimos anos, hoje é o PMDB que controla algumas das áreas operacionais mais importantes.

O PT tem os cargos de presidente do Conselho de Administração da Petrobras, ocupado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a presidência da estatal, com José Sergio Gabrielli. Mas é do PMDB a diretoria de Abastecimento, ocupada por Paulo Roberto Costa, que conta com o apoio do PP. A diretoria é responsável pela importação e pela exportação de petróleo e derivados, pela venda de combustíveis e, atualmente, desenvolve projetos para construir cinco refinarias no país.

Costa comanda investimentos de US$ 43,4 bilhões no período de 2009 a 2013. Segundo fontes, entre as pessoas que exercem influência na Petrobras que são do PMDB, estão os deputados Henrique Alves e Eduardo Cunha.

José Dirceu também teria influência na estatal Fontes garantem ainda que o deputado cassado José Dirceu continua exercendo influência dentro da estatal.

O PMDB também nomeou, para a diretoria internacional da Petrobras, Jorge Luiz Zelada, que coordena as atividades da estatal no exterior, com um orçamento de US$ 15,9 bilhões até 2013.
O presidente da Transpetro, subsidiária da área de transportes e dutos, Sérgio Machado, também conta com o apoio do PMDB, mas tem o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No início do ano passado, o PT e o PMDB travaram uma intensa luta pela diretoria de Abastecimento. O PT queria colocar Alan Kardec no lugar de Costa nessa diretoria. Ao fim da disputa, foi criada a Petrobras Biocombustível, para a qual foi nomeado Kardec como presidente.

Mas, no mês passado, descontente com a atuação de Kardec, o PMDB conseguiu nomear para a presidência da Biocombustível o ex-ministro de Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto. No meio da disputa, o diretor de Exploração e Produção, Guilherme Estrella, indicado pelo PCdoB, conseguiu se manter no cargo.

Governo perde, e oposição cria CPI sobre a Petrobras

Da Sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nem ação de Lula consegue evitar que Senado abra investigação focada na estatal

Pela manhã, presidente convocou entrevista na base aérea para atacar o PSDB, que segundo ele, atuou de maneira "irresponsável"

O governo não conseguiu evitar a criação da CPI da Petrobras. Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que trabalharam nos gabinetes até a meia-noite de ontem, falharam ao tentar convencer senadores a retirarem assinaturas de dois requerimentos. Lula acusou o PSDB de agir de modo "irresponsável" e "pouco patriota" ao insistir na CPI.

Dois requerimentos criando comissões para investigar a Petrobras foram lidos ontem pela manhã no plenário do Senado. Um dos pedidos é do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) e outro, de Romeu Tuma (PTB-SP).

Das 32 assinaturas recolhidas pelo tucano (são necessárias 27), 7 eram de governistas. O governo corria ontem contra o tempo para que, até a meia-noite, seis senadores retirassem os nomes de cada pedido.

Dias pede investigação nas obras da refinaria Abreu e Lima (PE), na manobra contábil feita pela empresa para pagar menos impostos e nos patrocínios da estatal em prefeituras nas festas juninas. O requerimento de Tuma propunha apurar fraudes em licitações, alvo de investigação da Polícia Federal na Operação Águas Profundas.

A ordem de Lula foi não deixar nenhuma CPI funcionar para evitar prejuízos nos investimentos da Petrobras, considerados essenciais para a recuperação da economia.

Com a desistência dos senadores Augusto Botelho (PT-RR), Cesar Borges (PR-BA), Almeida Lima (PMDB-SE), Adelmir Santana (DEM-DF), Cristovam Buarque (PDT-DF), Expedito Junior (PR-RO), Garibaldi Alves (PMDB-RN), Maria do Carmo (DEM-SE) , o governo conseguiu só barrar a investigação proposta por Tuma.

Como Cristovam e Santana tinham colocado o nome nos dois pedidos, o requerimento dos tucanos ficou com 30 assinaturas, e os líderes terão que indicar senadores para a CPI.

O primeiro sinal da disposição de Lula para enterrar a CPI veio no final da manhã de ontem, antes de embarcar para Arábia Saudita e China. Ele decidiu dar entrevista na base aérea, algo pouco comum, e atacou os tucanos.

"De repente, o PSDB ficou nervoso", ironizou Lula, que mobilizou os ministros Carlos Lupi (Trabalho), Edison Lobão (Minas e Energia) e José Múcio (Relações Institucionais) e aliados para convencerem senadores a retirar as assinaturas. "Eu, sinceramente, acho estranho que um partido que já governou este país por oito anos, que um partido que já teve dezenas de governadores, que tem governadores nos Estados mais importantes do país, tome uma decisão irresponsável como esta. Irresponsável porque parece uma briga de adolescentes", afirmou Lula.

Em nota dos senadores Sérgio Guerra, presidente do partido, e Arthur Virgílio (AM), o PSDB diz que "irresponsáveis são as diretorias "severinas" de furar poço", o loteamento de cargos e não fiscalizar a estatal.

Os desistentes alegaram estar cumprindo o acordo firmado na reunião de líderes na manhã de quinta-feira para, antes de criar a CPI, ouvir o presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, em audiência no Congresso. Ontem, emissários do governo diziam que a audiência com Gabrielli seria a segunda opção para esvaziar a CPI.

O ministro José Mucio foi encarregado de comandar a operação governista e estava de plantão em Brasília.

O senador Gim Argelo (PTB-DF) também ficou disparando telefonemas até a meia-noite. Pela manhã, Múcio se reuniu com Lula e levou ao encontro o assessor do Planalto responsável pela liberação de emendas, Marcos Lima.

Ontem, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) negou que o governo tivesse conhecimento da alteração contábil feita pela Petrobras. "As empresas geralmente buscam um regime fiscal que lhes favoreça."

Às 23h50, ofícios assinados por mais de dez senadores chegaram à Secretaria-Geral da Mesa. Eram desistências da comissão proposta por Tuma e a do Apagão na Educação, de Cristovam.

Além da Petrobras, a base de Lula não conseguiu evitar a criação da CPI da Amazônia, proposta por Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR).

Tributos: Tribunal vai investigar mudança contábil feita por estatal

Procuradores do Ministério Público no TCU entraram ontem com representação para que o tribunal investigue a Petrobras. Eles pedem que o tribunal torne sem efeito a mudança contábil que assegurou à empresa redução de R$ 4,3 bilhões em tributos. A estatal trocou de regime tributário no meio de 2008, o que gerou crédito. Neste primeiro trimestre, a estatal usou o crédito para quitar tributos no valor de R$ 1 bilhão. A Petrobras defende a legalidade da medida.

PMDB não se esforça para barrar CPI

Da Sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Aliado do governo federal, o PMDB no Senado não fez força para evitar a CPI da Petrobras. Nos bastidores, alguns comemoraram a estratégia de tucanos para garantir a leitura do requerimento para investigação na estatal.

A bancada enxerga na CPI uma oportunidade de voltar a ser valorizada pelo governo. Os peemedebistas estão irritados com a falta de atendimentos de demandas do partido, como cargos e liberação de emendas.

Os tucanos Sérgio Guerra e Arthur Virgílio chegaram às 9h ontem para abrir a sessão. Primeiro-vice-presidente do Senado, Marconi Perillo (PSDB) acertou anteontem à noite com o presidente da Casa, José Sarney (PMDB), que ele comandaria a leitura de quatro requerimentos de CPIs que estão parados, sendo dois da Petrobras, um da Amazônia e outro do Apagão na Educação.

Ontem no plenário não havia nenhum peemedebista para discursar contra a criação da comissão. Do lado governista, o único representante era João Pedro (PT-AM). "Não há problema em retirar assinatura", disse.

Nas duas últimas semanas, o clima de insatisfação aumentou por causa de demissões na Infraero. Um dos atingidos pelos cortes foi Oscar Jucá, irmão do líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDB). Ontem, Jucá nem estava em Brasília. O líder do PMDB na Casa, Renan Calheiros, também não ficou à frente da operação.

Lucros caíram 30% no trimestre

Aguinaldo Novo
DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO. A crise global deixou marcas nos balanços das empresas brasileiras no primeiro trimestre.

O período foi marcado pela queda do lucro líquido, depois da euforia que durava desde 2004, e pelo aumento do endividamento.

Numa amostra com os resultados de 149 companhias, o lucro caiu 29,5%: de R$ 10,3 bilhões, nos três primeiros meses de 2008, para R$ 7,3 bilhões neste ano. A variação foi calculada pela consultoria Economática, que considerou os balanços divulgados até ontem. A amostra não inclui Petrobras e Vale, que por seu porte poderiam distorcer as comparações, nem bancos.

A queda do lucro líquido foi puxada pela alta dos custos de produção (gastos com matérias-primas, por exemplo), que corroeram o chamado lucro operacional, e também pelo salto do endividamento.

A dívida financeira bruta da amostra bateu em R$ 264,9 bilhões ao fim de março passado, R$ 81,7 bilhões a mais do que em março de 2008. Como efeito, as despesas com o pagamento de juros dessa dívida cresceram 126,3%, saindo de R$ 1,8 bilhão para R$ 4,1 bilhões.

— O lucro líquido caiu bastante, como efeito da crise econômica. Mas ninguém pode reclamar.

Não estamos numa situação de falência do parque industrial ou de endividamento sem controle — afirmou o presidente da Economática, Fernando Exel.

Vendas a prazo caem 18% em abril

Márcia De Chiara
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Calote deu sinal de desaceleração no período de janeiro a abril deste ano

As vendas a prazo despencaram e o calote do consumidor deu sinais de desaceleração no primeiro quadrimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2008. Os movimentos apontados por dois indicadores de varejo divulgados ontem revelam reflexos diferentes da crise de crédito sobre o consumo.

As consultas recebidas pelo Serviço Central de Proteção ao Crédito em 2.118 municípios para compras no crediário caíram 13,9% entre janeiro e abril, na comparação com os mesmos meses do ano passado, apontam os dados centralizados pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP). No primeiro trimestre, o tombo havia sido um pouco menor: as vendas a prazo tinham encerrado o período com queda de 12,4% na comparação anual.

"Abril foi péssimo para o crediário e aprofundou um pouco mais a queda no quadrimestre", afirma o economista da ACSP, Emílio Alfieri. Só no mês passado, as consultas para vendas a prazo recuaram 18% ante abril de 2008 em todo o País. Em São Paulo, o maior mercado consumidor, a queda foi de 20,2% na comparação anual.

Pesquisa nacional da Serasa Experian mostra que o indicador de inadimplência do consumidor cresceu 10,8% no primeiro quadrimestre deste ano ante igual período de 2008. Apesar da alta, a taxa de crescimento anual é menor que a do primeiro trimestre, quando houve um acréscimo de 11,4% no volume de calote. Só em abril, o indicador subiu 8,9% ante 2008.

"Os números da inadimplência do quadrimestre são menos piores que os do trimestre", observa o gerente de Indicadores Econômicos da Serasa Experian, Luiz Rabi. Ele pondera que, no primeiro quadrimestre do ano passado, a alta havia sido menor, de 6,7% na comparação anual.

Para o economista da ACSP, a inadimplência do consumidor está crescendo em ritmo menor porque as vendas a prazo despencaram. "Isso é natural", diz Alfieri. Ele observa que a retração no crédito acabou, de certa forma, atenuando o problema do calote.

Já o economista da Serasa Experian faz uma análise diferente. Para Rabi, a inadimplência está desacelerando porque a atividade econômica dá sinais de recuperação e esse movimento tem impacto positivo no orçamento doméstico. "Não é porque a atividade está diminuindo", afirma.

VOLTA DO CHEQUE

Um dado relevante da pesquisa Serasa Experian de inadimplência é o aumento de 32,6% no valor médio dos cheques sem fundos entre janeiro e abril deste ano, na comparação com o primeiro quadrimestre de 2008. O valor médio dos cheques devolvidos no período foi de R$ 844,69. Os cheques responderam por 17,5% da inadimplência no período. "Com o choque de crédito, o consumidor voltou a usar, com maior frequência, o cheque pré-datado nos últimos meses", diz Rabi.

Em contrapartida, o valor médio das pendências com cartões de créditos e financeiras, que se tornaram mais rigorosas na concessão de novos financiamentos, recuou. Entre janeiro e abril, o valor médio da inadimplência nessas duas modalidades de financiamento foi de R$ 374,91, cifra 13,5% menor que a registrada no primeiro quadrimestre de 2008. As pendências com cartões de crédito e financeiras responderam por 37,1% do calote do consumidor como um todo no período.

Também o valor médio das dívidas com bancos teve um ligeiro recuo de 2,4% no quadrimestre, e ficou em R$ 1.333,15.

As pendências com bancos lideraram o ranking da inadimplência do consumidor, respondendo por 43,5% dos créditos com pagamentos em atraso, aponta a Serasa Experian.

Projeção oficial do PIB deve ficar entre 0,5% e 1%

Fabio Graner
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Equipe econômica anuncia na quarta-feira nova estimativa de crescimento para o próximo ano

A equipe econômica deve anunciar oficialmente, na próxima semana, a redução da projeção de crescimento econômico em 2009 dos atuais 2% para algo entre 0,5% e 1%, segundo informou uma fonte do governo. No dia 20, o Ministério do Planejamento tem de divulgar o relatório bimestral de receitas e despesas e a revisão dos parâmetros macroeconômicos para o ano, incluindo a projeção do crescimento da economia.

Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já mostrou um discurso menos otimista com o crescimento, ao dizer que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve crescer entre "0% e 2%" neste ano. Além do maior pessimismo do ministro, que durante um bom tempo insistiu em crescimento de 4% em 2009, a nova projeção marca uma mudança de atitude: em vez de focar em um número específico, trabalha com um intervalo de estimativa.

Isso tende a expor menos o ministro aos erros inerentes às previsões sobre o PIB. O novo cenário de crescimento a ser divulgado na semana que vem leva em conta uma aceleração da economia no segundo semestre, com o País crescendo a um ritmo de 4% nos três meses finais do ano. Além disso, na equipe econômica já é dada como certa a chamada recessão técnica, que é marcada pela sequência de pelo menos dois trimestres de queda no PIB.

As estimativas para o resultado negativo da economia no período de janeiro a março deste ano variam de 1,5% a 3% ndo próprio governo, o que fará grande diferença no resultado final de 2009. Vale lembrar que o País já entrou este ano com um PIB negativo de 1,5%, o chamado "carry over", deixado pelo péssimo desempenho da atividade econômica no último trimestre de 2008, período mais agudo da crise internacional.

Apesar das diferenças numéricas entre os vários economistas do governo, os cenários na equipe econômica mostram trajetórias semelhantes: primeiro trimestre ruim, com recessão técnica; segundo trimestre iniciando a recuperação e aceleração mais forte na segunda metade do ano, com o último trimestre mais intenso, refletindo plenamente as medidas fiscais e a queda nos juros executada pelo Banco Central (BC), além de contar com o efeito comparação com o fraco final de 2008.

Para 2010, um aumento perto de 4% hoje é o cenário básico nas diferentes áreas do governo, o que indica uma economia mais vigorosa, embora ainda crescendo abaixo do seu potencial - que era estimado em torno de 5%. Por enquanto, a projeção oficial do governo é de expansão de 4,5% no ano que vem.

Com a economia se recuperando, mas crescendo abaixo de sua capacidade durante os próximos dois anos, o cenário é favorável para a continuidade do relaxamento da política monetária, embora o mercado esteja enxergando alguma alta nos juros no ano que vem. No governo, há quem consiga ver a Selic caindo abaixo de 9%, chegando a bater na casa de 8,5%. Além da economia crescendo abaixo do potencial, a valorização cambial, com seu impacto positivo na inflação, deixaria o BC mais tranquilo para reduzir juros.

IR na poupança pune quem ganha menos

Marcos Cézari
Da reportagem local
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Alta da carga tributária será desproporcional porque imposto incidirá sobre a soma da renda do contribuinte com o ganho da caderneta

Tributarista diz que governo errou na técnica usada, pois ideal seria criar uma tabela progressiva apenas para taxar ganhos na poupança

A proposta do governo de cobrar Imposto de Renda sobre os rendimentos de 895 mil cadernetas de poupança com saldos acima de R$ 50 mil vai agravar ainda mais uma já grave distorção do sistema tributário nacional: os que ganham menos acabarão pagando, proporcionalmente, mais do que os que ganham mais.

Pela proposta do governo, uma parte do ganho obtido com a poupança será tributada na hora de o contribuinte fazer a declaração, em março e abril de cada ano -quem tem depósito acima de R$ 1,5 milhão já terá de pagar uma parte do imposto todos os meses; o acerto final será feito na declaração.

Se a taxação entrar em vigor em janeiro de 2010, como deseja o governo, na hora de fazer a declaração do Imposto de Renda de 2011 o contribuinte/poupador terá de somar o ganho da caderneta com sua renda anual, obtida do trabalho assalariado, de aposentadoria, de aluguel ou de atividade como autônomo.

Mesmo que só 1% dos poupadores sejam afetados pela proposta do governo -o presidente Lula disse que não vai mexer em "99% das contas"-, os que tiverem de pagar IR vão fazê-lo de forma desproporcional ao prestar contas à Receita.

Essa distorção, ou regressividade, ocorrerá porque o governo decidiu jogar o ganho da poupança para ser tributado com a renda anual do contribuinte. "Admitindo que o governo esteja correto ao propor a taxação, ele errou na técnica a ser usada", afirma a advogada tributarista Elisabeth Libertuci, do escritório Libertuci Advogados Associados.

Qual seria a melhor forma de tributar o ganho da poupança? Diante da pergunta, ela é enfática: "A tributação não poderia ocorrer na declaração. Teria de ser criada uma tabela progressiva exclusivamente para tributar os ganhos com a poupança. Feito isso, bastaria ao contribuinte lançar o valor pago como rendimento tributado exclusivamente na fonte. Dessa forma, seria mantida a progressividade do imposto" -ou seja, quem ganha mais paga mais.

Cálculos feitos pela advogada revelam uma tributação extremamente regressiva (veja tabela na pág. B3) para contribuintes com poupanças iguais (R$ 200 mil), mas rendas diferentes. Com poupança desse valor, o ganho seria de R$ 12.804,84 no ano. Considerando a taxa Selic de 9%, R$ 2.700 seriam tributados na declaração.

Um contribuinte que ganhar R$ 30 mil em 2010 pagaria R$ 450,76 de imposto sem a taxação proposta pelo governo. Se ele tiver de somar os R$ 2.700 à renda, terá de pagar R$ 612,76. Resultado: sua carga tributária na declaração sobe 35,94%.

Outro contribuinte com o mesmo valor na poupança e renda anual de R$ 200 mil pagaria R$ 43.024,45 pela regra atual. Se tiver de tributar os mesmos R$ 2.700 na declaração, pagará R$ 43.766,95, ou seja, apenas 1,73% a mais.

Soma poderá fazer renda "pular" de faixa

Da reportagem local
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A soma da renda anual com o rendimento da caderneta de poupança poderá fazer com que os contribuintes "pulem" de uma faixa de tributação para outra, aumentando ainda mais o imposto pago.

Isso ocorrerá principalmente com os contribuintes que estiverem mais próximos do teto de uma das faixas da tabela anual do IR, segundo a tributarista Elisabeth Libertuci.

Um exemplo: em 2010, uma renda anual de R$ 35.948,40 será tributada em 15%. Se, com a soma do ganho da poupança, a renda desse contribuinte subir para R$ 36.948,40, uma parte dela (R$ 1.000) será tributada em 22,5%. Ou seja, o salário paga 15%, mas a renda da poupança pagará 22,5%. (MC)

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Corre amor e sangue em Cannes

Luiz Carlos Merten
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Jane Campion traz o romântico Bright Star e Chan-wook o pesado Thirst

Embora tenha recebido a Palma de Ouro - por O Piano -, o australiana Jane Campion não é exatamente uma autora reverenciada pelos aficionados do maior festival do mundo. Principalmente as mulheres que exercem o ofício de críticas acusam Jane de transformar sua perspectiva ?feminina?, não necessariamente feminista, em filmes de ?mulherzinha?. A polêmica muito provavelmente será retomada por causa de Bright Star (Estrela Brilhante), mas o novo filme da diretora é muito melhor que os mais recentes que ela fez.

Bright Star foi muito aplaudido no fim da sessão de imprensa, ontem pela manhã. Jane Campion ousou fazer um filme romântico, sobre poesia, na contracorrente do cinema atual. Ela se baseou na relação amorosa do poeta John Keats com Fanny Brawse, em Londres, no começo do século 19. Jane não fez aquilo que se convenciona chamar de ?biopic?, uma cinebiografia. Ela adota o ângulo de Fanny para contar essa história que parece resumir o destino trágico dos grandes amores, aqueles bem românticos.

No começo, Keats já é um jovem poeta atormentado, que sofre com a doença do irmão e a falta de reconhecimento para seu trabalho. Fanny tem um dom para a costura. Ela produz as próprias roupas e é aquilo que hoje se chamaria de ?fashion?. Sentem-se atraídos, e ela pede que ele lhe ensine a ?ouvir? poesia. Amam-se, mas ele não tem recursos e não pode ambicionar ao casamento. Parece uma história de Jane Austen, só que na perspectiva masculina. Os que não pertencem às classes privilegiadas sofrem na Inglaterra dos aristocratas.

Para complicar, Keats tem um amigo, também poeta, que tenta salvá-lo de Fanny. É curioso como François Truffaut, um romântico, via o amor como o embate entre o gesto impulsivo e a palavra consciente. Jane Campion cria personagens muito conscientes do poder da palavra, mas Keats nunca se deixa levar pelo impulso. Ele próprio diz que tem ?consciência?. O amor nunca se realiza, no sentido físico. Jane fez um filme intimista de grande beleza. Seu elenco ajuda, e como! Ben Whitshaw tem o perfil romântico e angustiado que o personagem exige. Abbie Cornish bem poderia se converter na musa deste festival. Afinal, foi para sua personagem que Keats dedicou o poema famoso que dá título ao filme. Ela é linda, intensa. No filme, aparece com os cabelos escuros. Na coletiva, apareceu ao natural, loira. Como se filma a poesia? "Com inteligência e sensibilidade", respondeu Abbie. Numa carta, Keats diz à amada que gostaria que fossem borboletas para viver seu frágil amor durante três dias de verão. Ao lado de Fanny, valeriam mais do que 50 anos de uma vida medíocre. Essa espécie de exaltação - mas contida, paradoxalmente - faz a força de Bright Star.

Um filme como esse é o oposto de Thirst, This Is My Blood, do sul-coreano Park Chan-wook, que passou anteontem na competição. Cineasta cult, principalmente por Badboy e Lady Vingança, Chan-wook quis renovar a tradição do filme de vampiros. Já foi dito aqui que o festival deste ano celebra a diversidade de gêneros, estilos e até mídias. O filme de vampiros de Chan-wook é bizarro, para dizer-se o mínimo. O protagonista é um padre que se submete a uma experiência, quase morre e é forçado a passar por transfusões de sangue. É assim que ele vira vampiro, mas, talvez por ser padre, mais sujeito à ?compaixão?, ele só suga o sangue de suicidas. Transformado em transgressor, ele se torna amante de uma mulher que também vira vampira, mas ela, pelo contrário, é a lady vingança do filme anterior do diretor.

Correm rios de sangue no filme e Park Chan-wook não recua diante dos maiores excessos. Beba, Este É Meu Sangue não é estilizado como os filmes anteriores do diretor. É longo, 2h20, e dá a impressão de não ter fim, recomeçando várias vezes. Houve um divórcio na sala. Um espectador, no meio da sessão, sentiu-se mal e teve de ser carregado. Outro, sentado do lado do repórter, levantou-se indignado e saiu xingando. Os jornalistas jovens aplaudiram no final, os mais velhos saíram com cara de nojo, mas ninguém vaiou.

Ontem à tarde ocorreu uma sessão especial de Sapatinhos Vermelhos, Red Shoes, o clássico de Michael Powell e Emeric Pressburger que passou por uma restauração. O filme, curiosamente, é citado por Francis Ford Coppola em Tetro (com outro trabalho da dupla Powell/Pressburger, Os Contos de Hoffman). Martin Scorsese veio falar sobre a necessidade de se preservar o patrimônio da história do cinema. Na Croisette, a seção Cannes Classics é o território por excelência desse resgate. Ontem, abrindo Cannes Classics, passou Victim, de Basil Dearden, de 1961, lançado no Brasil como Meu Passado Me Condena. Dirk Bogarde faz o advogado que arrisca a carreira (e o casamento) para denunciar a chantagem a que o expõe a sua condição de homossexual que não saiu do armário. Na Inglaterra da época, o homossexualismo era considerado crime, segundo leis que remontavam à época da rainha Vitória. O impacto social do filme foi tão grande que levou a uma mudança da lei. Muitos filmes tentaram mudar o mundo. Este conseguiu e, como cinema, se mantém forte. Considerado um ?artesão?, o inglês Derarden está sendo redescoberto. Berlim, em fevereiro, resgatou Kartum, com Charlton Heston e Laurence Olivier, na retrospectiva Bigger than Life, sobre os filmes em 70 mm. Mas a obra-prima de Dearden não é nenhum desses filmes e sim o policial Safira, a Mulher Sem Alma, sobre o racismo na repressora sociedade inglesa por volta de 1960.

Festival recebe padre vampiro

Silvana Arantes
Enviada Especial a Cannes

Sul-coreano Park Chan-wook mostra "Thrist", "romance vampiresco" com cenas sensuais e cruéis

Diretor diz que pensou "na profissão mais humanista que existe'; filme sobre paixão de John Keats é outro destaque em Cannes
Sexo, sangue e uma boa dose de humor. Com esses elementos, o cineasta sul-coreano Park Chan-wook ("Oldboy") introduziu na disputa pela Palma de Ouro do 62º Festival de Cannes um "romance vampiresco".

É assim que Chan-wook classifica "Thrist", em que um padre cheio de compaixão pela humanidade se converte em vampiro após passar por um experimento científico para chegar a uma vacina capaz de neutralizar um vírus mortal.

Além de lhe impor uma "alimentação diferenciada", como o padre, interpretado pelo ator Song Kang-ho, aponta com graça, sua nova condição acende nele o apetite sexual.

Na mulher de um ex-colega de infância, o vampiro encontra uma parceira igualmente sedenta. O marido e a sogra dela são obstáculos cujo enfrentamento suscita divergências entre o casal de amantes -além das cenas mais cruéis.

À encenação do sexo Park deu um tom sensual e distante da vulgaridade. "Eu queria que esse filme despertasse no espectador os cinco sentidos, e não fosse apenas para ver e ouvir", disse o cineasta.

A decisão de que o personagem seria padre foi tomada, segundo Park, pensando "na profissão mais humanista que existe". A partir daí, ele concluiu que poderia explorar o dilema de alguém que sempre quer fazer o bem confrontado com a necessidade de matar para sobreviver. A combinação entre sexo, sangue e elementos sobrenaturais na relação de um casal é o mote também de "Anticristo", de Lars Von Trier, a ser exibido na segunda.

O grande amor de Keats

De Jane Campion ("O Piano"), foi apresentado romance marcado pelas tintas conservadoras da Inglaterra do século 19. "Bright Star" empresta seu título de um poema que John Keats (1795-1821) escreveu para Fanny Brawne, seu grande amor, com quem não se casou por dificuldades econômicas -pobre, Keats teve tuberculose e morreu aos 25 anos.

"Há muitas maneiras de contar a história de Keats", disse Campion. "Esse foi o meu jeito, pelo ponto de vista de Fanny." A diretora afirmou que, ao estudar a história do casal, se apaixonou "por Fanny tanto quanto por Keats".

Numa época "em que as mulheres não tinham muito como se expressar", conforme salientou Campion, Fanny se dedicava à costura, característica que o filme retrata como um interesse fashion "avant la lettre". A opção de contar a história pelo olhar de Fanny fez Campion abrir seu filme com a garota costurando um vestido branco e encerrá-lo com ela tecendo um modelo preto.

Na curva que o longa descreve entre o nascimento e o fim do amor, a diretora soube evitar os tiques do filme inglês de época. "O importante era contar uma história íntima. Então, mantive o filme o mais simples possível. Queria que os personagens de fato existissem naquele lugar, que tivessem uma presença, independentemente do tempo em que viveram."

Iraniano filma a música como combate à repressão

Enviada a Cannes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

"Um filme clandestino sobre a música underground no Irã." Assim o iraniano Bahman Ghobadi ("Tempo de Embebedar Cavalos") definiu seu "No One Knows About Persian Cats" (ninguém sabe sobre os gatos persas), que abriu anteontem a mostra Um Certo Olhar.

"Baseado em personagens e eventos reais", o filme segue as tentativas de dois músicos de obter autorização para tocar fora do Irã. Ela e ele cantam rock em inglês, são fãs de Strokes e Sigur Rós e contam com a ajuda de amigos para ensaiar clandestinamente em Teerã.

Da rede de conexões com músicos e despachantes que a dupla mobiliza faz parte um grupo de rap, cujo líder diz não querer atravessar fronteiras. "Deus, acorda! Tenho que falar com você", diz uma letra.

A jornalista iraniano-americana Roxana Saberi, namorada de Ghobadi, assina como corroteirista. Acusada pelo Irã de espionar para os EUA, ela foi sucessivamente detida, solta e impedida de sair de seu país neste ano, fatos que levaram o presidente Barack Obama a se manifestar em seu favor.

"Minha namorada não veio porque ficou muito aflita sobre o que poderia acontecer com sua família caso deixasse o Irã", afirmou Ghobadi. O cineasta disse que "No One Knows About Persian Cats" tem origem numa depressão que ele sofreu, após três anos de tentativas infrutíferas para ser autorizado a filmar outro longa.

Disse que foi buscar na música um efeito terapêutico e terminou aprendendo com "os underground" a desafiar a repressão e contornar proibições impostas pelo governo. (SA)