O Globo
Algumas histórias são eternas. Uma em
especial costuma ser relembrada a cada fim de ano graças ao livro de memórias
de Bruce Bairnsfather, o capitão britânico na Grande Guerra de 1914-1918 que
mais tarde se tornaria um celebrado cartunista europeu. Era seu primeiro Natal
naquele conflito mundial que eliminou mais de 21 milhões de vidas, e o narrador
tremia de frio numa trincheira enlameada da Bélgica. Ele e seus companheiros do
Primeiro Regimento Real passavam dias e noites agachados, num ciclo interminável
de insônia e medo, biscoitos azedos e cigarros inutilizados pela chuva. “Lá
estávamos, naquela cavidade de argila, a léguas e léguas de casa... sem a menor
chance de poder sair dali exceto de ambulância”, descreveu ele. Mais provável
que fossem mortos.
Perto das 22h do dia 24, Bairnsfather percebeu um ruído novo no campo de batalha de Ploegsteert, vindo dos boches (como os Aliados chamavam os inimigos alemães). Afinou o ouvido e percebeu, em meio a sombras noturnas, um murmurar de vozes. Seus companheiros também estranharam. Perceberam então tratar-se de cantorias — os temidos soldados do Exército alemão, também entrincheirados e invisíveis, entoavam canções de Natal! Os britânicos decidiram cantar de volta. E subitamente ouviram alguém do lado inimigo gritando algo confuso, em inglês carregado de sotaque germânico. “Venham para cá”, dizia o boche. Um dos sargentos britânicos respondeu: “Nos encontramos a meio do caminho”.