- O Estado de S.Paulo
Com os não radicais fragmentados, só vamos continuar a marcar passo
Uma iniciativa de opositores às aspirações autoritárias do atual presidente busca inspiração no movimento das Diretas-Já, de 40 anos atrás. Episódios históricos são sujeitos a revisões e reversões de seus fatos e significados ao longo de décadas e séculos.
Mesmo aqueles que, como eu e muitos de minha geração, participaram ativamente do movimento terão versões particulares do que viram e ouviram contar. Gostaria de compartilhar aqui lições que pude aprender com base em meu testemunho pessoal e nos conhecimentos das ciências sociais.
O movimento das Diretas não foi apenas um tipo de movimento coletivo, agrupamentos que se movem ao mesmo tempo, sem objetivo preestabelecido, não necessariamente de modo convergente, nem no mesmo espaço, e sem um desfecho previsto. O Diretas-Já foi mais do que isso: um movimento social, definido pelo sociólogo francês Alain Touraine – grande amigo e estudioso do Brasil e da América Latina – como um movimento coletivo com objetivo claro, com adversário definido e senso de identidade. Em suma: quem somos nós, por que lutamos e contra quem.
Parece claro que nem os diversos movimentos coletivos em nosso passado recente, nem mesmo grande número de partidos políticos, têm clareza sobre essas dimensões, que, idealmente, deveriam ter presidido sua criação.
O Diretas-Já teve um alvo imediato bem definido, a aprovação do projeto de emenda constitucional do deputado federal Dante de Oliveira que aboliria a eleição indireta do presidente da República por um colégio eleitoral criado sob medida para eleger quem o regime escolhesse. Era uma ideia com grande apoio popular, mas uma ideia só não faz verão, e a oposição não tinha votos suficientes (dois terços das duas Casas do Congresso Nacional, na época) para aprovar aquela emenda.
Três fatores transformaram essa ideia em movimento social. Em primeiro lugar, nos dez anos precedentes formou-se um grande movimento de ideias. Intelectuais, editorialistas, artistas, lideranças dos mais diversos matizes, políticas, sindicais, religiosas, martelavam diuturnamente, nos meios de comunicação tradicionais e alternativos, o princípio da primazia da sociedade civil sobre o regime autoritário, da legitimidade das instituições democráticas e da representação popular.