quinta-feira, 9 de julho de 2020

José Serra* - Quem somos nós e por que lutamos

- O Estado de S.Paulo

Com os não radicais fragmentados, só vamos continuar a marcar passo

Uma iniciativa de opositores às aspirações autoritárias do atual presidente busca inspiração no movimento das Diretas-Já, de 40 anos atrás. Episódios históricos são sujeitos a revisões e reversões de seus fatos e significados ao longo de décadas e séculos.

Mesmo aqueles que, como eu e muitos de minha geração, participaram ativamente do movimento terão versões particulares do que viram e ouviram contar. Gostaria de compartilhar aqui lições que pude aprender com base em meu testemunho pessoal e nos conhecimentos das ciências sociais.

O movimento das Diretas não foi apenas um tipo de movimento coletivo, agrupamentos que se movem ao mesmo tempo, sem objetivo preestabelecido, não necessariamente de modo convergente, nem no mesmo espaço, e sem um desfecho previsto. O Diretas-Já foi mais do que isso: um movimento social, definido pelo sociólogo francês Alain Touraine – grande amigo e estudioso do Brasil e da América Latina – como um movimento coletivo com objetivo claro, com adversário definido e senso de identidade. Em suma: quem somos nós, por que lutamos e contra quem.

Parece claro que nem os diversos movimentos coletivos em nosso passado recente, nem mesmo grande número de partidos políticos, têm clareza sobre essas dimensões, que, idealmente, deveriam ter presidido sua criação.

O Diretas-Já teve um alvo imediato bem definido, a aprovação do projeto de emenda constitucional do deputado federal Dante de Oliveira que aboliria a eleição indireta do presidente da República por um colégio eleitoral criado sob medida para eleger quem o regime escolhesse. Era uma ideia com grande apoio popular, mas uma ideia só não faz verão, e a oposição não tinha votos suficientes (dois terços das duas Casas do Congresso Nacional, na época) para aprovar aquela emenda.

Três fatores transformaram essa ideia em movimento social. Em primeiro lugar, nos dez anos precedentes formou-se um grande movimento de ideias. Intelectuais, editorialistas, artistas, lideranças dos mais diversos matizes, políticas, sindicais, religiosas, martelavam diuturnamente, nos meios de comunicação tradicionais e alternativos, o princípio da primazia da sociedade civil sobre o regime autoritário, da legitimidade das instituições democráticas e da representação popular.

Merval Pereira - Gabinete do ódio

- O Globo

A decisão do Facebook confirmou que ações ilegais são cometidas dentro do Palácio do Planalto

O “gabinete do ódio”, que durante anos foi dado por bolsonaristas como uma fake news, materializou-se ontem, como nomes e datas, na ação internacional do Facebook que tirou do ar uma rede composta por 88 contas, páginas e grupos que atuavam em conjunto no Facebook e também no Instagram, empresas do mesmo grupo, todos com ligações com o presidente Bolsonaro, seus filhos, e políticos aliados.

A decisão do Facebook confirmou que ações ilegais são cometidas dentro do Palácio do Planalto, com um grupo de assessores pagos para disseminar notícias falsas. Um dos objetivos do Facebook é tentar mudar a imagem da companhia, percebida por parte de anunciantes importantes e da sociedade internacional como veículo conivente com a difusão de mentiras e campanhas de ódio.

Vários dos implicados, nominados pela investigação do Digital Forensic Research Lab, são assessores especiais do presidente Jair Bolsonaro e têm gabinete perto do presidente. Outros são assessores, ou ligados a Carlos e Flavio Bolsonaro.

A confirmação da atuação do grupo, que já era reconhecida nos meios políticos e está sendo investigado pela CPI das Fake News na Câmara e por um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre mensagens antidemocráticas e ameaças a ministros da Corte, pode ter desdobramentos em outro inquérito, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

As informações colhidas pela CPI e pelo Supremo podem ser compartilhadas no TSE num dos inquéritos contra a chapa Bolsonaro-Mourão, que apura o impulsionamento de mensagens falsas pelo WhattsApp durante a campanha eleitoral. Como o WhattsApp é também do grupo dirigido por Mark Zuckerberg, é provável que essa varredura também seja feita para banir do aplicativo de mensagens as contas falsas, os robôs e os impulsionamentos em massa, proibidos tanto pela legislação eleitoral brasileira quanto pelas normas do aplicativo.

Ascânio Seleme - Fake news podem matar

- O Globo

Ao longo da história houve diversos casos que foram emblemas do perigo que notícias falsas representam para as instituições, a política e a vida humana

Não é de agora que corações e consciências são contaminados por fake news. Hoje, a contaminação é mais rápida, quase instantânea, em razão da internet e das redes sociais. Mas ao longo da história houve diversos casos que foram emblemas do perigo que notícias falsas representam para as instituições, a política e a vida humana. Sobretudo se elas forem patrocinadas pelo Estado. Vale destacar como se empreendeu uma das primeiras fake news brasileiras, no final do século 19, e que se encarregou de construir uma imagem falsa de Antônio Conselheiro, quais os seus objetivos e quem patrocinava sua pregação mística em Canudos. O resultado foi uma guerra de três anos com quatro expedições armadas que deixaram cerca de 25 mil mortos.

Antônio Conselheiro era um homem desiludido que vagou pelos sertões do Nordeste por 25 anos, desde que flagrou sua mulher o traindo com um sargento da força pública. Ao longo de sua peregrinação foi ganhando notoriedade como curandeiro e pastor. Em 1893, ele se estabeleceu no Arraial de Canudos, lugarejo baiano quase inabitado. Com sua presença, a vila cresceu a ponto de ter mais de cinco mil casas de taipa na data da sua capitulação. Ele declarou o local independente e o batizou de Belo Monte. Sua pregação contra a República, instalada no Brasil quatro anos antes, se dava porque o novo regime voltava suas costas para o interior do Brasil, de onde apenas recolhia impostos.

Luiz Carlos Azedo - A rede do ódio

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O Facebook revelou que as contas canceladas estavam envolvidas com a criação de perfis falsos e ‘comportamento inautêntico’, ou seja, enganavam os usuários das redes sociais”

O chamado “gabinete do ódio”, grupo de funcionários da Secretaria de Comunicação da Presidência da República que opera o jogo bruto do presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e principais apoiadores nas redes sociais, foi praticamente desmantelado no Facebook, que cancelou 35 contas, 14 páginas e um grupo; e no Instagram, no qual eliminou 38 contas. O grupo reunia, aproximadamente, 350 pessoas, que eram seguidas por 883 mil bolsonaristas no Facebook e 917 mil, no Instagram. O Facebook revelou que as contas canceladas estavam envolvidas com a criação de perfis falsos e “comportamento inautêntico”, ou seja, enganavam os demais usuários sobre quem eram e o que faziam nas redes sociais. Foram gastos US$ 1,5 mil em anúncios por essas páginas, pagos em real.

Segundo a empresa, foi possível identificar as ligações dessas pessoas com funcionários dos gabinetes do presidente Jair Bolsonaro, do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos -RJ) e também dos deputados estaduais Anderson Moraes e Alana Passos, do PSL no Rio de Janeiro. “A atividade incluiu a criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de páginas fingindo ser veículos de notícias”, diz o Facebook. A empresa antecipou-se às conclusões do inquérito presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que investiga ameaças à Corte e aos ministros que a integram, e também da CPMI das Fake News, cujo relator, deputado Angelo Coronel (PSDD-BA), comemorou a decisão.

O grupo usava uma combinação de contas duplicadas e contas falsas para evitar a aplicação de políticas de combate ao conteúdo de ódio e perfis falsos. Não houve divulgação das contas, mas, entre elas, estão os perfis “Jogo Político” e “Bolsonaro News”, no Facebook. Nos Estados Unidos e na Europa, está havendo uma forte reação à utilização das redes sociais para manipular as eleições, como aconteceu nas eleições de 2016, que elegeram Donald Trump. O Congresso norte-americano investigou a suposta interferência da Rússia naquelas eleições, em favor de Trump, e convocou o presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, para explicar o caso da Cambridge Analytica, que teria utilizado informações sigilosas dos usuários das redes para manipular as eleições e recebeu uma multa de US$ 5 bilhões da Free Trade Comission (comissão reguladora dos Estados Unidos), por vazamento de dados.

Ricardo Noblat - Escândalo bate à porta de Bolsonaro e pode virar mais uma crise

- Blog do Noblat | Veja

Na mira, o gabinete do ódio
Em reforço à ideia de que ninguém mais do que Jair Bolsonaro é capaz de produzir provas contra ele mesmo, o Facebook removeu rede de contas de fake news ligadas a gabinetes dele e dos filhos e também ao PSL, partido pelo qual o presidente se elegeu.

Para não apontar as contas como fábricas de notícias falsas que é o que são, o Facebook preferiu referir-se a elas como “redes de comportamento inautêntico coordenado”. Mais elegante, por suposto, mas nem assim menos incriminador.

O que fez o Facebook em nome do combate a perfis fakes com ataques à oposição e à mídia reforça a legitimidade do inquérito conduzido no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Alexandre de Moraes que investiga a mesma coisa há mais de um ano.

A rede agora desativada tinha 35 contas, 14 páginas e um grupo no Facebook, e 38 contas no Instagram. E era seguida por quase dois milhões de pessoas. Por trás da rede, o Facebook identificou funcionários dos gabinetes de Flávio, Eduardo e Jair Bolsonaro.

William Waack - Meia-volta forçada

- O Estado de S.Paulo

A crise inverteu prioridades econômicas do governo, mas falta um plano

O economista britânico John Maynard Keynes não era um dos autores da preferência do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando ele estudou em Chicago. Ao contrário: no período da sua formação acadêmica, “Chicago” definia o polo oposto doutrinário e intelectual a Keynes, eternizado no templo de algumas escolas de economia como guardião da intervenção estatal (isso não é justo com Keynes, mas é assim que acabou ficando no imaginário).

Guedes parece seguir agora uma das frases pelas quais Keynes é lembrado: “Se os fatos mudam, eu mudo de opinião”. É exatamente a volta que Guedes deu nas últimas semanas, surpreendido por uma crise de saúde pública inédita e que tem como grande consequência o fato de tornar milhões de brasileiros pobres ainda mais pobres, e milhões de desempregados ainda mais distantes de conseguir trabalho. Descobrimos 38 milhões de invisíveis, resume Guedes. Ou seja, gente fora de qualquer mercado formal.

O governo Bolsonaro conquistou coração e mentes de agentes econômicos prometendo menos Brasília, menos intervenção e um rápido destravamento da economia via reformas estruturais. Não era bem um plano – era um conjunto de intenções, que coincidiam em grande medida com aspirações de vastos segmentos, especialmente empresariais. Assumia-se que renda e emprego viriam automaticamente com as reformas estruturantes e a consequente expansão da economia.

Zeina Latif* - Sem ministro e sem rumo

- O Estado de S.Paulo

Crise atual aumenta o apelo para soluções populistas e pode afastar medidas mais estruturantes

Muito foco tem sido dado à escolha do próximo ministro da Educação, mas muito pouco se discute sobre as medidas para reduzir o atraso educacional, combatendo a desigualdade de oportunidades e elevando a qualidade da mão de obra. É uma visão míope defender mais recursos públicos.

Nunca é demais repetir que o governo brasileiro gasta com educação mais que a média dos países da OCDE (6,2% do PIB em 2015 ante 5%) e que o aumento de recursos foi considerável na última década (4,5% em 2005).

É verdade que o gasto por aluno é bastante inferior (equivale aproximadamente a 41% da OCDE no ensino básico e 88% no superior), mas cabe lembrar que somos mais pobres que a média da OCDE (o PIB per capita do Brasil equivale a 35%) e gastamos mais do que países parecidos. O custo por aluno é sensivelmente maior aqui do que na média da Colômbia e do México, por exemplo (1,8 vez maior no ensino superior e em torno de 1,27 vez no ensino básico).

O aumento de recursos permitiu maior acesso à educação, mas houve avanço insatisfatório dos indicadores de qualidade. O momento atual demanda a melhor gestão e alocação de recursos, reduzindo a ênfase no ensino superior, mais frequentado pela elite.

São menos crianças ingressando na escola, por conta da menor fertilidade, mas ainda há muitas de fora. Apenas 29% das crianças pobres estão em creches e 7,4% delas estão fora da pré-escola. As discrepâncias regionais são elevadas, o que demanda maior flexibilidade nos orçamentos locais e a reprodução de experiências de sucesso.

Míriam Leitão - História que os números contam

- O Globo

Indicadores contam que ainda é temporada de números desencontrados, de alto e baixos, mas os de ontem foram positivos

Os números da economia já divulgados sobre o mês de maio vieram melhores do que o esperado e devem ser comemorados. Mas ainda é cedo para indicar que o país terá uma recuperação sustentada, porque os indicadores estão sendo turbinados pelas políticas de estímulo do governo, que têm prazo de validade para acabar. O próximo dado será sobre o setor de serviços, e a impressão dos economistas é que com esses números eles vão rever a projeção da queda do PIB no segundo trimestre, reduzindo a dimensão do tombo em relação ao inicialmente previsto.

Ontem saiu uma coleção de indicadores. Além dos dados do varejo, as informações da safra e da produção industrial por região. A colheita de junho permitiu rever para cima a estimativa agrícola em 2,5%. A produção industrial, conforme dado divulgado na semana passada, subiu 7% em maio, e a informação de ontem do IBGE foi de que ela subiu em 12 das 15 regiões pesquisadas. No Paraná, a alta chegou a 24%. Houve três estados em que caíram, o pior deles foi o Espírito Santo, -7,8%.

Cada número tem o seu avesso, principalmente neste momento em que o país está atravessando uma estrada cheia de altos e baixos. Então o crescimento de quase 14% do varejo de maio sobre abril só pode ser entendido se for completado com o fato de que comparado a maio do ano passado a queda foi de 7,2%. No varejo ampliado, em que entram os carros e material de construção, a alta foi de 19,6%, mas ficou 14,9% menor do que no mesmo mês de 2019. Houve saltos enormes, como nas vendas de tecidos, vestuário e calçados, que aumentaram 100% em maio na comparação com abril, mas quando comparadas a maio do ano passado a redução é de 62%.

Vinicius Torres Freire - Retomada econômica em forma de anzol

- Folha de S. Paulo

Maio foi melhor do que se esperava, mas epidemia longa e corte de gasto são risco

Os resultados de indústria e comércio de maio foram melhores do que o horror esperado. Abril teria sido o fundo do poço, diz o chavão. Não teremos uma recuperação em forma de “V” (como a linha de um gráfico com queda e subida rápidas e de mesmo tamanho). Quem sabe, porém, tenhamos uma retomada em forma de anzol, um “U” com a perna direita interrompida pela metade, sem saber se na ponta haverá um peixe ou um pedaço de pau podre.

O anzol já está desenhado nas projeções dos economistas do setor privado. Na média, estima-se que o PIB caia 6,5% neste ano e cresça 3,5% em 2021. Ou seja, não recupera nem metade da produção ou da renda perdidas neste ano de calamidade. Entre os otimistas, os economistas do Itaú calculam que a taxa de desemprego ainda seria de mais de 16% em 2021, bem mais que o dobro da média dos anos de 2012 a 2015. Para piorar, é improvável que a qualidade dos empregos novos seja melhor do que os bicos da pífia recuperação desde 2016.

Ainda estaríamos em um poço fundo. No fim de 2021, o PIB ainda seria uns 6% menor que em 2014 e a renda (PIB) per capita 11% menor. Voltaríamos à pobreza de 2019 apenas no final de 2022. Além do mais, a tese do anzol depende de premissas otimistas, otimismo nos termos de “o mercado”.

Pressupõe-se que o governo vai cortar cerca de meio trilhão das despesas extras deste ano, o grosso delas sendo a soma auxílios emergenciais, complementação de salários e ajuda a estados e municípios. A atividade econômica vai compensar, por si só, tamanho talho na capacidade de consumo?

Maria Hermínia Tavares* - Cegos para o século 21

- Folha de S. Paulo

Nem partidos progressistas atentam para o crescimento sustentável

Brasil e Estados Unidos têm a pior resposta do mundo à pandemia. Também disputam a corrida para ver quem ostenta as piores políticas ambientais. A opinião é do economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, numa entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada na sexta (3).

As duas questões não aparecem juntas por capricho do professor. No mundo civilizado, a reconstrução dos sistemas econômicos atingidos pela Covid-19 ampliou o espaço para o debate de soluções compatíveis com formas de produzir, consumir e viver mais sustentáveis do ponto de vista ambiental.

Na Europa, a partir da cruzada de Greta Thunberg, a proteção do ambiente vem ganhando espaço na política institucional, com o engajamento de presidentes e primeiros-ministros de centro direita ou da esquerda social-democrata. Uns e outros respondem à opinião pública e ao crescimento de partidos e candidatos verdes, cuja mais recente prova de força se deu nas eleições francesas de semanas atrás. Nos Estados Unidos, a proposta do Green New Deal nasceu no Partido Democrata —e é conhecido o compromisso de seu candidato a presidente, Joe Biden, com políticas que combatam as mudanças climáticas em curso.

Fernando Schüler* - Novo Fundeb: o erro a ser evitado

- Folha de S. Paulo

É preciso dar autonomia aos gestores, definir modelos de gestão com base em dados e na realidade local

Há um ponto que deveria merecer especial atenção na proposta do novo Fundeb que está para ser votada no Congresso. Trata-se da obrigação de que um mínimo de 70% do valor do fundo seja gasto com os servidores públicos da educação.

Num primeiro momento, a ideia parece boa. Para muitos municípios, isso nem mesmo faz muita diferença, a curto prazo, pois o gasto com pessoal vai bem além desse percentual. O Brasil, porém, é grande, e a Constituição é feita para o longo prazo.

Ao longo do tempo, o efeito disso será péssimo. Em um momento que o país toma consciência de que precisa avançar na reforma do Estado, vamos incentivar ainda mais comprometimento de gastos com pessoal e engessar, na Constituição, a aplicação dos recursos da educação.

A Constituição foi sábia em criar um sistema misto de gestão educacional. Conforme explicita o artigo 213 da Carta, os recursos para a educação devem ser destinados às redes próprias, podendo também o ser às escolas filantrópicas, ou seja, públicas não estatais.

A Constituição não estipulou nenhuma hierarquia aí. Apenas criou a opção, de forma que cada gestor (envolvendo governadores, prefeitos, secretários e conselhos de educação) pudesse decidir, à luz da realidade local, qual o melhor modelo para a gestão.

Bruno Boghossian – Rede de enganações

- Folha de S. Paulo

Decisão do Facebook mostra que liberdade de expressão não proteger redes de desinformação

A decisão do Facebook de remover 73 contas ligadas ao grupo de Jair Bolsonaro complica a vida dos governistas. Os perfis derrubados são uma fração pequena das conexões da rede de apoio ao presidente, mas o bloqueio desarma pontos-chave da defesa de seus aliados.

A suspensão atingiu páginas que, segundo a empresa, adotavam um "comportamento inautêntico". Havia perfis duplicados, personagens fictícios e páginas que fingiam ser veículos tradicionais de imprensa. O Facebook informou que a rede trabalhava de maneira coordenada, com a participação de assessores dos filhos de Bolsonaro e do Planalto.

A revelação desmonta o argumento de que a rede governista deveria ficar protegida pela liberdade de expressão. Afinal, os perfis desativados pertenciam a um esquema enganoso e não a usuários comuns --que os bolsonaristas chamam sarcasticamente de "tias do zap".

Mariliz Pereira Jorge - Quem acredita em Bolsonaro?

- Folha de S. Paulo

Ficou ainda mais difícil acreditar em qualquer coisa que ele fale ou faça

Não desejo a morte a Jair Bolsonaro, mas se ele tivesse um comportamento apenas crível seria um bom começo para minimizar maus pensamentos. Ficou ainda mais difícil acreditar em qualquer coisa que ele fale ou faça depois do teatro armado para anunciar seu teste para a Covid-19.

Impossível levar a sério um presidente que se comporta como garoto propaganda das facas Ginsu. Não é má vontade, é rotina. Levantamento da agência de checagem Aos Fatos mostra que Bolsonaro mentiu ou distorceu declarações 1.355 vezes desde que assumiu o cargo.

Em janeiro, o Datafolha mostrava que os entrevistados tinham mais confiança em figuras como Lula e Sergio Moro do que no presidente, que já ostentava baixa credibilidade entre 55% das pessoas. E nem vivíamos os horrores da pandemia, na qual desfiou um rosário de inverdades e de irresponsabilidades. Quem ainda acredita em Bolsonaro, além dos 15% de seguidores de sua seita?

Credibilidade é dos mais importantes capitais políticos, sem ela não há liderança. O presidente se revelou um mentiroso compulsivo e colhe o descrédito por suas atitudes. Conseguiu a façanha de levantar dúvidas até sobre seus exames de saúde. Os primeiros, apresentados com pseudônimos, depois da intervenção da Justiça. A reação de desconfiança se repete agora, quando revela, todo pimpão e com o descaso de sempre, o resultado positivo que leva seu nome.

Ricardo Abramovay* - Amazônia, protagonista da bioeconomia

- Valor Econômico

Interromper a devastação é o ponto de partida para incluir a Amazônia no radar dos investimentos em bioeconomia

As florestas tropicais estão ausentes da mais consagrada literatura científica e de políticas públicas sobre bioeconomia. As Academias de Ciências, de Engenharia e de Medicina dos EUA acabam de publicar um relatório mostrando que a bioeconomia corresponde a 5% do PIB americano, que a competição global em torno das conquistas tecnológicas da área se intensifica e que os dispositivos da revolução digital estão fazendo da bioeconomia uma das fronteiras científicas mais importantes para o desenvolvimento sustentável. Mas é em vão que o leitor procurará no texto alguma referência às florestas tropicais.

O relatório do Conselho Alemão de Bioeconomia sobre as estratégias de bioeconomia ao redor do mundo localiza 50 países já dotados de planos para o setor. Mas quando se trata de florestas, a ênfase é na produção de biomassa para substituição de energias fósseis ou para a elaboração de novos materiais, sobretudo nos países de clima temperado. Mesmo no trabalho recente da Cepal, “Towards a Sustainable Bioeconomy in Latin America and the Caribbean”, as florestas tropicais não são decisivas na bioeconomia sustentável.

Maria Cristina Fernandes - A imunidade de Bolsonaro

- Valor Econômico

Sobrevida do presidente depende mais dos acordos que tem pela frente do que da cloroquina

Fabrício Queiroz pode deixar a prisão antes de Jair Bolsonaro sair da convalescença. Não poderia haver dobradinha mais simbólica dos arranjos que se montam em Brasília. Depois de adquirir imunidade frente ao vírus, tem outras a buscar. Não é a cloroquina que vai lhe garantir sobrevida, mas um rol de créditos, nomeações e acordos.

O pedido de, pelo menos, R$ 30 bilhões em créditos extraordinários a ser enviado ao Congresso para os gastos dos Ministérios do Desenvolvimento Regional (Rogério Marinho) e da Infraestrutura (Tarcísio Freitas), vai irrigar as bancadas governistas e estender o prazo de sua imunidade no Congresso.

Nos tribunais, o termômetro está no STJ. O presidente da Corte, João Otávio de Noronha, não surpreenderá se, além de soltar Queiroz, também suspender a ordem de prisão de sua mulher, Márcia Aguiar, garantindo uma pausa ao pesadelo da delação.

Seria mais um serviço prestado pelo ministro ao presidente para tomar a dianteira na corrida por uma das vagas ao Supremo Tribunal Federal. É uma disputa encarniçada no seu próprio tribunal, sem falar daqueles que correm por fora no Ministério Público (Augusto Aras) e no Executivo (Jorge Oliveira).

Noronha terá mais meios para se mostrar útil até o fim de agosto, quando acaba seu mandato de presidente, mas seguirá como ministro influente na Corte e em condições de disputar espaço com dois de seus colegas, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell, que terão uma trincheira adicional, a do Tribunal Superior Eleitoral.

Ambos gozam de bom trânsito no Supremo e na cúpula do Congresso. Salomão tem a seu favor a condição de herdeiro da relatoria dos processos que lá tramitam contra a chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão, e Campbell, a proximidade com os ministros militares.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro vetou a água potável

- O Globo

Saiu no Diário Oficial desta quarta, para quem quiser conferir com os próprios olhos. No dia em que anunciou ter contraído o coronavírus, Jair Bolsonaro autografou a mensagem presidencial 378. O texto destroça o plano emergencial para conter a pandemia em territórios indígenas e quilombolas.

O capitão vetou 16 pontos do projeto de lei aprovado pelo Congresso. O primeiro deles determinava que o governo garantisse “acesso universal a água potável”. Uma medida básica para reduzir a disseminação do vírus. Bolsonaro também barrou a distribuição de material de higiene e a produção de cartilhas para ensinar índios e quilombolas a se protegerem da Covid.

A Bic presidencial também riscou o artigo que previa o fornecimento de cestas básicas. Sem segurança alimentar, muitos indígenas têm sido obrigados a deixar o isolamento para buscar comida nas cidades. Isso cria mais uma rota para o avanço da doença.

Cora Rónai - É impossível acreditar em Bolsonaro

- O Globo

Torço para que Bolsonaro fique bem para, um dia, responder pelos seus atos diante do Tribunal Internacional de Haia

Quando Bolsonaro disse que não estava com Covid-19, em março, ninguém acreditou. Agora ele diz que está — e, claro, ninguém acredita de novo. Parece bobagem, mas só isso já bastaria para torná-lo inapto para o cargo em qualquer país minimamente funcional: um presidente em cuja palavra ninguém acredita nunca não tem condições de governar um país.

Aqueles famosos 30% não estão, claro, incluídos nesse “ninguém”. Eles acreditam. Mas eles também acreditam que o seu líder é boa pessoa, que a quantidade de milicianos envolvidos no assassinato de Marielle em torno da famiglia é simples coincidência e que Rodrigo Maia é comunista. Alguns acreditam até que a Terra é plana.

É muito sintomático que, quando a notícia se espalhou, nenhum jornal tenha tido confiança suficiente na fonte para afirmar que o presidente estava infectado. Em vez disso, o que se lia nas manchetes era “Bolsonaro diz que está com Covid-19”. Imaginem se na Alemanha ou na Nova Zelândia, governadas por mulheres de palavra, alguém precisaria tomar esse cuidado.

Quando a imprensa de um país não tem coragem de dar como verdadeira a declaração de um presidente a respeito da própria saúde, por qualquer motivo que seja, quem vai mal é o país.

Custoso desgoverno – Editorial | Folha de S. Paulo

Desastres na saúde e no ambiente não serão camuflados com propaganda

Abraçados pelo governo Jair Bolsonaro em nome de alegados interesses econômicos, o boicote às ações antipandemia e o desmonte da política ambiental revelam-se ameaças crescentes para setores produtivos do país.

Uma área particularmente sensível no atual cenário é a das exportações. Tome-se o exemplo da carne: em alerta após detectar um novo foco de Covid-19 perto de Pequim, a China decidiu redobrar o monitoramento de empresas estrangeiras das quais compra o produto.

Com isso, suspendeu as importações de algumas unidades de frigoríficos brasileiros, depois de notícias sobre a contaminação de trabalhadores pelo Sars-CoV-2.

Outra questão que assombra os negócios do Brasil pode infectar uma enormidade de atividades —o desmatamento da Amazônia.

Na segunda-feira (6), líderes de 36 companhias, nacionais e estrangeiras, e de quatro organizações empresariais encaminharam ao vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal, uma carta na qual pedem providências duras e imediatas em defesa da região.

A vida, o vírus e a política – Editorial | O Estado de S. Paulo

Nos tempos atuais, é preciso relembrar: não se deseja a doença de quem quer que seja. Política é arena de vida, não de morte

Não se comemora doença de ninguém, por pior que possa ser seu desempenho público. Não se torce pelo falecimento de ninguém, por mais deletéria que seja sua conduta. São princípios básicos de civilidade e de respeito à dignidade humana, que não precisariam ser lembrados. São pressupostos mínimos da vida em sociedade, sobre os quais não deve haver nenhuma dúvida. No entanto, nos tempos atuais, assustadoramente esquisitos, é preciso relembrar: não se deseja a doença, e muito menos a morte, de quem quer que seja. A política é – e deve ser – arena de vida, e não de morte.

Num Estado Democrático de Direito, a oposição política, por mais ferrenha que possa ser, nunca almeja ou propõe a aniquilação do adversário. Assim, diante da notícia de que o presidente Jair Bolsonaro contraiu a covid-19, não há opção civilizada a não ser desejar o seu pronto restabelecimento, com votos de que tenha os menores e mais leves sintomas possíveis. Tal atitude não é um favor ou privilégio que se concede ao presidente da República, mas a única reação minimamente humana diante da doença de outro ser humano.

A luta política não entra nos domínios da morte, mesmo que o adversário político não tenha escrúpulos de se valer dessa seara. Por exemplo, quando era deputado federal, Jair Bolsonaro transformou o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso em verdadeira obsessão. Algumas das frases de Jair Bolsonaro: “O governo militar deveria matar pelo menos 30 mil, a começar por Fernando Henrique”, “o erro do governo militar foi não fuzilar o Fernando Henrique”, “defendo o fuzilamento do presidente”. Depois, Jair Bolsonaro alegou que “fuzilamento” era força de expressão, o que, longe de servir de desculpa, ratifica uma mentalidade de barbárie e violência.

Problema do meio ambiente fica mais sério – Editorial | O Globo

Aumentam as pressões de grandes grupos, nacionais e estrangeiros, para governo conter a destruição

Ninguém no governo Bolsonaro, salvo por grave falta de informação, pode se declarar surpreendido por dificuldades crescentes na diplomacia, e que contaminam o comércio exterior do país, causadas pelo avanço da destruição do meio ambiente, principalmente na Amazônia. Às críticas mundiais ao avanço descontrolado das motosserras e de incêndios, muitos também criminosos, o presidente tem respondido com o mantra da “desinformação” sobre o que acontece no Brasil. Mas não falta informação sobre uma região esquadrinhada constantemente por satélites.

O governo assumiu com discurso contra ONGs, sinônimo de comunismo. Quem esperava, porém, uma campanha difamatória global contra o Brasil conduzida por conhecidos polos da esquerda observa que, na questão ambiental, quem se movimenta para pressionar o governo brasileiro são grandes empresas globais e grupos nacionais. O capitalismo se preocupa com a Floresta Amazônia, estratégica para os lucros do agronegócio. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, da bancada ruralista, sabe como é essencial o preservacionismo para as colheitas.

Com apoio de estímulos, varejo ressuscita as vendas – Editorial | Valor Econômico

A reação inicial das atividades, em especial do comércio, indica que o tecido econômico pode não ter se dilacerado tanto quanto se temia

O varejo deu um salto em maio, após o feio tombo de abril. Escorado por medidas de apoio à renda e ao crédito, o comércio cresceu 13,9% em relação ao mês anterior no sentido restrito e 19,6% no amplo (inclui veículos, motos e material de construção), atingindo todos os ramos. A reação da indústria, que cresceu 7% no mesmo mês, deixou de fora três Estados. O resultado do varejo foi muito mais forte que o esperado, mas sua continuidade dependerá da renda dos consumidores, após o fim dos auxílios e benefícios de emergência. O comércio, praticamente parado antes, consumiu estoques, o que poderia puxar o desempenho da indústria mais à frente, se os índices continuarem positivos.

Com graus diversos de reabertura, após o isolamento social forte de abril, o impacto negativo da covid-19 nos negócios foi menor. O número de empresas varejistas que assinalaram a pandemia como restrição recuou praticamente ao nível de março - 43,4% da amostra do IBGE- após ter subido a 63,1% em abril.

O índice de difusão do crescimento, segundo o IBGE, foi semelhante ao observado em dezembro de 2019 para o varejo restrito e ao de outubro do ano passado, para o ampliado. O IBGE mediu também o impacto das justificativas das empresas para a queda do varejo em relação ao mesmo mês de 2019. A pandemia motivou 6,6 pontos percentuais da queda de 7,2% do comércio restrito em relação a maio do ano passado, e de 5,8 pontos percentuais dos -14,9% do comércio ampliado.

Música | Teresa Cristina - Nem ouro, nem prata

Poesia | Fernando Pessoa - Pecado Original

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!