domingo, 15 de janeiro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna: novos paradigmas.

Do que se poderia caracterizar, como no diagnóstico da [filósofa] Nancy Fraser, de um paradigma keynesiano-westfaliano. Estamos indo para um mundo onde temas centrais da vida moderna são tratados por organismos que exercem jurisdição internacional, por exemplo os que mexem com economia, meio ambiente e terrorismo. Exemplo forte é o da Justiça internacional, com o Tribunal Penal, acima dos Estados nacionais. É uma época de inovação, de criação.

Esse deslizamento está acontecendo numa escala mundial. O Estado-nação perde força. E as ideologias, comportamentos e atitudes que vieram com ele vêm se esmaecendo. Mas no segundo mandato de Lula, houve uma mirada no retrovisor. Foi um momento de forte adesão ao paradigma keynesiano-westfaliano, no momento em que esse paradigma no mundo perde força.

Houve um retorno a um repertório dos anos 30, do Estado Novo, do regime militar, do "Brasil país grande potência". O tema [westfaliano] da grandeza nacional foi um retorno quanto à política do regime militar, especialmente a do governo Geisel. Esse eixo Getulio-JK-regime militar se projetou inteiro no segundo mandato de Lula. Isso envolvendo políticas e valores do nacional-desenvolvimentismo. [O economista] Celso Furtado [1920-2004] foi guindado a uma figura ícone do governo. Agora mesmo, um navio importante recebeu o nome dele. Na política externa, teve acompanhamento, especialmente, nas relações com o mundo árabe, América Latina... Para não falar da forte "estatalização" do movimento sindical.

Luiz Werneck Vianna, sociólogo, professo-pesquisador da PUC-Rio. Entrevista: "Dilma será constrangida à infidelidade". Valor Econômico, 10/1/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Brasil vai facilitar visto de trabalho para estrangeiro
INSS atrasado de doméstica será anistiado

FOLHA DE S. PAULO
STF pode facilitar a contratação de deficientes
Viciado da cracolândia é lanterna entre os excluídos

O ESTADO DE S. PAULO
Custo de vida no Brasil já é mais alto que nos EUA
MEC admite ter mudado 129 notas do Enem
Ás vésperas da reforma, Dilma convoca ministros

CORREIO BRAZILIENSE
Quando a educação faz toda a diferença
E no entorno goiano, a taxa cresceu 20%
Obras contra enchentes na mira do TCU

ESTADO DE MINAS
Tire o dragão da sua casa
Minas unida cobra verbas de Dilma
Transatlântico naufraga na Itália com 53 brasileiros
Pasta de Bezerra fez 2 convênios para obra
Recursos de emergência serão vigiados

ZERO HORA (RS)
RS busca nos EUA solução para a seca
Por que o câncer está cada vez mais perto
DNA já elucidou três crimes no Estado
Drama gaúcho em naufrágio de cruzeiro na Europa

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Pelo fim do desperdício
PT do Recife fechado com João da Costa
Navio de cruzeiro naufraga com 53 brasileiros na Itália

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Matar a serpente:: Merval Pereira

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que querem controlar as ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estão tentando convencer o presidente do Tribunal, ministro Cezar Peluso, a fazer uma reunião fechada, antes da sessão que cuidará do tema, para que as posições sejam organizadas e o plenário não exponha uma divisão constrangedora, que enfraqueceria qualquer decisão.

Essa seria uma atuação atípica do nosso Supremo, que não tem o hábito de reuniões fechadas para acertar a posição de seus membros, como faz, por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos, que não tem reuniões públicas.

Apenas divulga a decisão final como tendo sido a posição vencedora, sem revelar as dissensões, que ficam atrás das portas fechadas.

Não há ainda uma definição clara sobre a tendência majoritária no Supremo em relação ao CNJ, e há notícias de que ministros buscam posições de conciliação.

Os movimentos de bastidores continuam muito intensos, e a divulgação do relatório do Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), que a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, enviou ao Supremo, é fruto dessas manobras.

Ele mostra que 3.426 juízes e servidores do Judiciário tiveram, nos últimos dez anos, movimentações de dinheiro consideradas "atípicas", num total de inacreditáveis R$855 milhões.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio (OAB-RJ), Wadih Damous, encaminhou sexta-feira um ofício à presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Rio, Maria de Lourdes Sallaberry, pedindo a identificação do responsável por ter feito 16 movimentações financeiras no órgão, em 2002, totalizando R$282,9 milhões.

"Não queremos um novo juiz Lalau aqui no Rio", disse ele, referindo-se ao juiz do Tribunal do Trabalho de São Paulo que está preso por desvio de verbas para a construção da nova sede do TRT paulista.

O melhor que o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, principal contestador da atuação do CNJ, pode dizer sobre o relatório da Coaf é que "nem tudo que é atípico é legal".

Esse relatório é um exemplo de que há procedimentos que têm que ser investigados, demonstração cabal de que as liminares, que paralisaram as investigações no início do recesso de fim de ano, são prejudiciais à saúde moral do Judiciário.

A partir da liminar do ministro Marco Aurélio Mello, as funções do CNJ foram esterilizadas, e, devido a uma outra liminar dada também no último dia antes do recesso, esta pelo ministro Ricardo Lewandowski, as investigações internas em várias regionais também foram paralisadas.

O relatório, ao mesmo tempo, fortalece a posição da corregedora Eliana Calmon, que vem batalhando por isso, revelando à opinião pública que tipo de investigação querem evitar os que pretendem imobilizar o CNJ, transformando-o em órgão meramente revisor.

Não pode ser considerado normal que uma classe tenha tantos membros com movimentações fora da curva. Da mesma maneira, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo deu 30 dias para que os magistrados paulistas entreguem suas declarações de Imposto de Renda, o que é um procedimento exigido, mas não cumprido. Boa parte dos magistrados não admite ser investigada, se considera acima da lei.

A tendência no Supremo para reduzir os poderes do CNJ é forte, e, por isso, a corregedora Eliana Calmon decidiu explicitar sua atuação para fora, em busca do apoio da opinião pública, que revelações como essas reforçam.

O artigo 103-B dispõe que caberá ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Não se diferenciando de 1ª instância ou de tribunais.

Certamente, o que a Constituição Federal não permite é a interferência do CNJ nas sentenças judiciais de qualquer instância, juízo ou tribunal.
De qualquer forma, suas decisões estão subordinadas - como todo o resto, inclusive e, principalmente, sentenças - ao crivo do STF.

Assim, no entendimento que prevalecia até agora, o CNJ detém poderes para verificar atuação de juízes no controle administrativo e financeiro, que é onde está a "caixa-preta" do Judiciário. Um dos pontos mais controversos da ação do CNJ, e que deve ser resolvido pelo plenário do Supremo, é o momento a partir do qual o conselho pode investigar.

Uma das alegações contrárias ao CNJ é que, se o juiz já está sob o crivo do seu tribunal, seria ilegal submetê-lo a outro processo pelos mesmos fatos - doutrina e jurisprudência imemoriais repelem a acumulação de investigação (bis in idem), lembram os especialistas.

Mas, se o tribunal não decide e as reclamações se eternizam? E se a parte reclamante faz a prova do, digamos, desleixo?

O CNJ não foi criado como um órgão revisor. Tem poderes tão amplos que pode agir por conta própria e vinha investigando casos de corrupção na magistratura sem a necessidade de aguardar uma decisão do tribunal local.

As associações de magistrados querem impedir essa autonomia e advogam, como está explicitado na decisão do ministro Marco Aurélio Mello, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não pode investigar juízes antes de a denúncia ser analisada pela corregedoria do tribunal onde se registra o caso.

O anseio da sociedade por mais justiça, mais rapidez nos processos, foi o que fez com que a ideia de um controle externo da magistratura prosperasse e fosse vitoriosa depois de anos de negociação.

É isso que está em risco neste momento ou, como diz a corregedora Eliana Calmon, "a serpente está nascendo" e é preciso combatê-la.

FONTE: O GLOBO

Para o que der e vier :: Dora Kramer

A eleição municipal é o cenário onde as peças do projeto de poder do PT vão se mexer neste ano. Não se trata apenas de ampliar o número de prefeituras. Isso é importante para sair do pleito com a marca de campeão a ser registrada nos dias seguintes como mais um feito do partido.

Mas, da perspectiva do PT nacional, o fundamental é testar alternativas de alianças para os próximos embates eleitorais e ampliar a já mastodôntica base governista no Congresso.

E para que mais se o governo já tem cerca de 70% da Câmara e do Senado? Segundo uma expressiva liderança petista com assento no primeiro escalão executivo, "em matéria de base de apoio, quanto maior ela for mais opções nós temos e menos dependentes ficamos".

Partindo desse pressuposto, vale praticamente tudo. A regra é geral, para todo o Brasil, mas para São Paulo em particular. É na maior cidade do País que o PT pretende fazer ensaios mais ousados.

E por ousadia, entenda-se até o que parece impossível aos olhos de quem enxerga a política ainda pelo viés da lógica.

Por esse prisma - Como visto pela objeção da seção paulista do PT seria algo fora de cogitação. Críticos da gestão chamada por eles de "demo-tucana", os petistas não teriam como explicar essa união ao eleitorado. Ficariam sem discurso e ainda correriam o risco de, em caso de vitória e posterior sucesso de gestão, não poder fazer do eleito candidato ao governo para não entregar a prefeitura ao PSD.

Pois estejam informados as senhoras e os senhores que a possibilidade de uma aliança com Kassab está sim entre as alternativas em exame na cúpula do PT.

Ante o espanto, a resposta vem em forma de indagação: "Qual a diferença ideológica entre o PMDB e o PSD?".

Nenhuma. Pois é. "Então por que um nos serve e outro não nos serve?".

Uma vez que o critério é nacional, a ideia é manter o diálogo aberto em todas as frentes com vista ao dia de amanhã. O PT não sabe ainda como o PSDB vai entrar na disputa nem se o PMDB vai manter a candidatura de Gabriel Chalita e acompanha com atenção os movimentos de Eduardo Campos do PSB.

Põe na roda, é claro que de maneira não explícita, a vaga de vice na chapa presidencial em 2014 e insinua que a depender da atuação dos aliados, incluídos preten"Nessa altura o exercício do namoro é livre, todo mundo paquera todo mundo e é claro que interessa ao PT manter uma boa relação com todas as forças, inclusive com o Kassab no âmbito municipal porque o resultado terá repercussão nacional seja qual for", raciocina o petista.

Uma hipótese, porém, tiraria a aliança com Kassab de cena: a candidatura de José Serra. "Aí muda tudo, porque ele fica com Serra e o enfrentamento é inevitável".

Farejadores. Mesmo considerando que a subserviência ao Executivo é a lei no Congresso, a base governista não se contenta em proteger ministros que lá comparecem "por espontânea vontade" para supostamente submeter-se a questionamentos relativos às suas ações.

Os aliados do Planalto fazem um exercício de bajulação que seria constrangedor não fosse vergonhoso. Cada qual quer mostrar seus préstimos de forma mais explícita a fim de se credenciar ao pagamento da conta. Seja na forma de liberação de emendas, benesses oficiais de quaisquer naturezas ou, nos escalões mais altos, em contrapartidas eleitorais.

A oposição não põe seu regimento a campo, fazendo ressaltar sua insignificância e deixando que uns poucos travem batalha inútil e ainda sejam ridicularizados pela maioria em sua zombeteira prepotência.

Correção. No artigo de sexta-feira sobre os planos do prefeito Gilberto Kassab, saiu que a fidelidade partidária seria a regra no PSD. Faltou um "não", cuja ausência inverteu o sentido da frase.dentes, pode haver troca de parceiro.o da lógica, não o da audácia - a proposta de aliança feita pelo prefeito Gilberto Kassab ao ex-presidente Lula não teria a menor chance de prosperar.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Contradições da adolescência:: Eliane Cantanhêde

Entramos o ano discutindo questões inéditas, surpreendentes e até apaixonantes. Bem mais do que a queda de ministros.

O SUS e os planos de saúde têm de bancar a retirada da velha e também a colocação da nova prótese de silicone da moça que adora modismos, detesta seios pequenos e agora é vítima de vazamentos e inflamações por falta de controle do governo?

Receber telefonemas e e-mails em casa e nas férias caracteriza ou não hora extra a ser remunerada? Quando, como e em que casos?

Até onde deve ir o CNJ? A ministra Eliana Calmon poderia ou não pedir relatório ao Coaf, o órgão de fiscalização financeira do governo? E o que fazer diante das "operações atípicas" de R$ 856 milhões nas contas de juízes e servidores do Judiciário?

Afinal, as levas de haitianos devem ser recebidas sob a ótica humanitária ou sob os imperativos da lei, da economia e da segurança?

E a cracolândia? Usuários devem ser dispersados com balas de borracha pela polícia ou delegados só a psiquiatras e assistentes sociais?

São questões polêmicas, que dividem opiniões, mexem com emoções e cultura de cada um. Os prós e contras se atropelam atabalhoadamente na internet e descambam para a agressão a quem, simplesmente, pensa diferente. Os nervos estão à flor da pele.

Mulheres tratam os riscos do silicone como questão de gênero, patrões e empregados reavivam a luta de classes em torno de e-mails, juízes se sentem no banco dos réus, haitianos viram cobaias de um previsível movimento migratório rumo ao Brasil. E a cracolândia deixa de ser problema de saúde e segurança para virar palanque político.

Se tudo isso é ruim? Não, pelo contrário. São apenas sintomas de que o Brasil cresce e aparece, e a sociedade participa, questiona e influencia. Enquanto a Europa sofre o "estresse sistêmico" da velhice, o Brasil vive as contradições da adolescência: não é mais criança, mas está longe de ser desenvolvido.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A nova classe :: Alberto Dines

Mito e mania, abstração e equívoco, lugar-comum e bordão eleitoral, a expressão “classe média” tornou-se o novo objeto de desejo dos políticos, marqueteiros, empresários, acadêmicos e mediadores.

Numa arrancada tipicamente brasileira, classe média tornou-se uma designação que não designa coisa alguma, identidade não definida, bolha vocabular. O que não impede que seja cortejada, venerada e idolatrada pelas quase três dezenas de partidos políticos e milhares de empresários ansiosos para conquistar mercados aqui e agora. A qualquer preço.

Classe média seria o estrato sócio-econômico intermediário, meio-termo entre trabalhadores e empresários ou, como queriam os marxistas clássicos, entre proletários e capitalistas. Nesta condição foi convertida em sinônimo de burguesia, logo conotada pejorativamente e arquivada.

Como o meio é um conceito subjetivo, vago, foi segmentado em frações – classe média-baixa, média-média e média-alta. A necessidade de precisão impeliu o marketing americano a adotar a hierarquização do abecedário e assim a middle class da revolução industrial ficou alojada entre as classes B e D. O ranking serve para classificar renda, nada esclarece em matéria sócio-cultural. Muito menos no tocante a pertencimentos sócio-políticos, já que um pequeno negociante – em termos de poder aquisitivo e necessidades culturais – pode estar muito abaixo de um trabalhador qualificado.

O endeusamento da classe média, ou classe C (segundo os cânones televisivos), não passa de uma tentativa de aposentar a imagem “revolucionária” da luta de classes. Ao distribuir à cidadania as vantagens materiais relativas a saúde, instrução, moradia, transporte e segurança, os Estados democráticos convertem a isonomia em algo real, concreto, mas em matéria cultural a homogeneização é deletéria. Mais do que isso: perigosa.

O nivelamento social constitui uma das bases do Estado de bem-estar, mas a busca da igualdade não pode converter-se num embargo à diversidade espiritual ou existencial. A sociedade humana é necessariamente diversificada. Mantê-la aprisionada a paradigmas religiosos, morais e a cânones intelectuais degradantes liquida a liberdade de escolha e neutraliza todos os avanços.

Ao converter em ideal a despolarização da sociedade é preciso não perder de vista o que aconteceu na antiga Iugoslávia dirigida com mão de ferro pelo déspota Josip Broz, Tito. Em meados dos anos 50, ao mesmo tempo em que a Hungria tentava romper a Cortina de Ferro imposta pelo Kremlin, um intelectual e político iugoslavo altamente colocado na hierarquia comunista, Milovan Djilas (ou Dilas), escreveu um livro-bomba, A Nova Classe, sucesso internacional instantâneo.

O alvo eram os burocratas bolcheviques que se apossaram do aparelho de um Estado teoricamente “socialista” para servir à manutenção dos seus privilégios. Enquanto a Europa não comunista organizava-se livremente para chegar ao mercado comum e acabar com as guerras, Tito tentava o não alinhamento enquanto seu companheiro Djilas foi ainda mais longe e investia contra a nomenklatura comunista – a nova classe – que pregava a supressão das liberdades para garantir as pretensas conquistas sociais.

A ditadura dos índices de audiência televisiva hoje firmemente instalada na sociedade brasileira contraria os fundamentos pluralistas da democracia. Oferecer casas para quem mora em áreas de risco é uma obrigação humanizadora do Estado de direito, mas a contrapartida não pode ser a desumana universalização da idiotice.

Milovan Djilas investiu há quase sessenta anos contra o Big Brother, Grande Irmão, o Estado policial bolchevique caricaturizado um pouco antes por George Orwell em 1984 (mas escrito em 1948). Não podemos esquecer esta associação entre os dois intelectuais libertários europeus no momento em que outro Big Brother, ainda mais difundido e poderoso, torna-se a moeda de troca para sufocar intelectualmente um segmento perto de alcançar seu lugar ao sol.

Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Sem futuro :: Suely Caldas

No livro A soma e o resto, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ensina que "a política não é a arte do possível. É a arte de criar condições para tornar possível o necessário". Com outras palavras o pensador de esquerda Frei Betto me disse um dia algo parecido: "Vou devagar, porque tenho pressa". Empresto as duas sentenças para argumentar que governar um país não é só agir sobre o momento imediato, é preciso preparar o caminho para construir o futuro. Não é desistir ao confrontar obstáculos, é resistir, desviar, reencontrar o rumo e seguir em frente. Pode demorar um pouco mais, mas na vida às vezes é preciso ir devagar para chegar mais rápido.

O ex-presidente Lula chegou em 2003 com muitos planos e gás para concretizá-los. Queria fazer as reformas previdenciária, sindical, trabalhista, tributária e, se possível, a política. Estava disposto a construir o futuro. E foi um fiasco. Das reformas, só a da Previdência andou um pouco, mas, de tão golpeada por tropeços políticos, saiu anêmica. Das outras ele desistiu logo, foi cuidar de desmanchar os estragos do mensalão, recompor alianças eleitorais nos Estados e construir maioria no Congresso. Para que maioria, se ele havia desistido do que era mais difícil, arrancar votos de deputados e senadores? Passou a concentrar a gestão no dia a dia, caprichar na paisagem do momento, garantir crescimento econômico e - o mais importante - vitórias eleitorais. O futuro e as próximas gerações que esperassem.

Nesse período sua ministra da Casa Civil tratou de tocar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cobrando resultados dos demais ministros numa emperrada e lenta estrutura de Estado e em que o vício da corrupção prosperava com a tolerância do então presidente. O PAC era voltado para o crescimento da economia e, em alguns aspectos, para o progresso social (Programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo). Não era um plano capaz de "criar condições para tornar possível o necessário", como disse FHC, e fincar raízes para fazer aflorar um crescimento seguro, estável, contínuo, sem soluços.

Mas o perfil técnico da ministra Dilma Rousseff e sua recusa em coordenar a ação política do governo - que tanto agradava a seu antecessor José Dirceu - indicavam que ela seguiria um caminho diferente de Lula, quando se tornasse presidente. Sua imagem de mulher corajosa e determinada lhe daria força para enfrentar o que fosse preciso para construir um futuro seguro e promissor.

Um ano depois, o governo Dilma não fixou sua marca, lança um programa aqui, outro ali, mas o que toca mesmo é o feijão com arroz do cotidiano. Não foi tolerante com a corrupção, como Lula, mas, insegura no trato com partidos aliados, tateia, vacila, recua, avança e só decide depois que o suspeito sangra em denúncias públicas. Não cuida de criar regras preventivas contra o malfeito. Não desistiu das reformas porque nem sequer cogitou de tocá-las e com isso vai perdendo a batalha do futuro.

Seu ministro da Fazenda não tem estratégia definida para induzir ao crescimento sem ameaçar a inflação e conduz a economia em zigue-zague: ora restringe o crédito, ora libera, ora aumenta impostos, ora reduz, e essa sistemática mudança de regras gera incertezas e acaba por afastar planos de investimentos. O BNDES despeja dinheiro subsidiado em grandes e escolhidas empresas, em prejuízo da maioria que pena por créditos para financiar projetos. O PAC empacou e os investimentos públicos em logística, transportes, portos, saneamento e água tratada são parcos e insuficientes. Foi preciso recorrer à privatização para tocar aeroportos, mas os editais não saem, ameaçando atrasar e as obras não serem concluídas até a Copa.

E a obsessão de crescer em 2012 a qualquer custo, entre 4% e 5%, tem levado a equipe econômica de Dilma a concentrar crânio, tempo e esforços na ação cotidiana, criando o que o jornalista Celso Ming já chamou de puxadinhos do Produto Interno Bruto (PIB) - medidas de efeito imediato para inflar o PIB deste ano, sem nenhuma conexão com estratégias de médio e de longo prazos. Se forem como os puxadinhos dos aeroportos, nem para isso servirão.

Jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Chico Buarque - As Vitrines

Lindbergh Farias: 'Não vamos aceitar apontarem arma contra nós'

Lindbergh Farias (PT) reage a declarações de cacique do PMDB-RJ e admite a possibilidade de, se tensão se acirrar, o deputado Alessandro Molon disputar com Paes

RIO - O senador Lindbergh Farias, PT, está certo de que o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes, ambos do PMDB, estão firmes na parceria para as eleições municipais de outubro — uma prévia do xadrez para a sucessão estadual, em 2014. Tanto é assim que, na capital, ao menos por enquanto, a chapa é Eduardo Paes na cabeça e o vereador petista Adilson Pires como vice. Tudo ia muito bem até o presidente do PMDB-RJ, Jorge Picciani, afirmar, na edição de O DIA de 8 de janeiro, que o apoio aos petistas não estava automaticamente garantido em outros municípios. O tempo fechou, muitos políticos fluminenses passaram a semana no telefone, e o presidente nacional do PT, Rui Falcão, foi acionado para lidar com o que Lindbergh chama de “fato político novo”. Agora, o PT quer recomeçar a falar de alianças com o PMDB, e o senador petista manda recado claro:

“Não vamos aceitar tratarmos o PMDB como grande aliado e apontarem uma arma contra nós.” Ele admite a possibilidade de, se a tensão chegar a um nível intolerável, o deputado estadual Alessandro Molon (PT) sair candidato contra Paes. E, para quem não entender de pronto, resume: “Alto lá, nos respeite.”

O DIA: Jorge Picciani descartou apoio do PMDB a candidatos do PT em municípios importantes. O que o senhor tem a dizer?

LINDBERGH: A gente colocou o PMDB como o grande aliado (no Rio). O presidente do PMDB-RJ coloca o PT como o grande inimigo. Essa entrevista do jornal O DIA reabre as discussões, traz um fato político novo. Nós queremos envolver a direção nacional, sentar com o PMDB e discutir o quadro do Estado inteiro. O ministro da Pesca, Luiz Sérgio, me ligou pedindo pra chamar uma reunião com o governador, ele e o presidente do PT, Rui Falcão. Achei muito boa a iniciativa.

Esta discussão passa também pela capital, onde o PT indicou o vereador Adilson Pires como vice na chapa do prefeito Eduardo Paes?

Claro. Na capital temos um grande apreço pelo prefeito Eduardo Paes. Só não dá para o PT apoiar os candidatos do PMDB e sermos atacados, não termos aliança em outros municípios importantes.

Tudo isso tem relação com o senhor disputar o governo do Estado em 2014?

Temos uma candidatura a governador e o PMDB outra, do (vice-governador Luiz Fernando) Pezão. Apostamos que até o final de 2013 pode haver uma solução. Espero que seja o meu nome. Vamos trabalhar nessa aliança e ver o mais competitivo.

O senhor aceitaria ser vice do Pezão?

Não.

Picciani diz que defende o interesse do partido.

O Picciani é bom na política com deputados, na Assembleia Legislativa, mas de eleição, com o povo, entende pouco — Picciani presidiu Alerj quatro vezes. As pessoas não gostam de agressividade. Querem humildade. Acho que esse foi o motivo da derrota dele (na eleição para o Senado em 2010, quando Lindbergh se elegeu). (Agressividade) pode ser bom para os deputados. Tem deputado que tem medo dele, mas Assembleia é uma coisa, povo outra.

O ex-governador Anthony Garotinho (PR) diz que ele quer o filho (deputado federal Leonardo Picciani) como vice do Paes.

Tem gente que fala isso, eu não sei.

Essa tensão pode levar ao rompimento da aliança em torno do Paes?

Não. O prefeito e o governador Sérgio Cabral, nas conversas com o PT indicam que o caminho é outro. Falei com o Eduardo Paes, o clima é de consolidar a aliança. O que surgiu de bombeiro do PMDB para dizer que não era bem aquilo... Talvez a entrevista tenha servido para organizar uma unidade no PT, para dizermos: ‘alto lá, nos respeite’! Não vamos aceitar tratarmos o PMDB como grande aliado e apontarem uma arma contra nós, antecipando 2014. Está aqui um candidato a governador pelo PT que diz que não é hora de antecipar 2014.

O senhor colocaria o Picciani como inimigo?

Não. Com todo o respeito, ele não tem essa força toda. Quem tem a força é o governador. Nós fazemos pesquisa também, sabemos que nessas eleições o que importa é a unidade. As pessoas querem ver no mesmo palanque Cabral, (o ex-presidente) Lula, (a presidenta) Dilma, eu e os senadores (Marcelo) Crivella (PRB) e (Francisco) Dornelles (PP).

E se não houver nenhuma contrapartida ao apoio do PT à reeleição do Paes?

O PMDB perderia totalmente a autoridade de exigir apoio em cidades importantes do Estado, no próprio Rio. Mas, se o objetivo era arrumar uma briga entre PT, governador e prefeito, só consolidou esta unidade.

Aqui no Rio o deputado federal Alessandro Molon é contra o PT como vice do Paes. Essa linha sai fortalecida?

Ganha espaço. O Molon é um grande nome, vai chegar o momento de ser candidato a prefeito. Mas só imagino a candidatura dele (este ano) num quadro de acirramento da crise. Só na hipótese de o PMDB declarar guerra a todos os principais candidatos do PT é que ganha força a hipótese de candidatura na capital.

Como o senhor vê a sinalização do PMDB de apoio à reeleição do prefeito Jorge Roberto Silveira (PDT) em Niterói?

Niterói é muito importante. Temos um candidato favorito, o (secretário estadual de Assistência Social) Rodrigo Neves, com apoio do Lula, da Dilma e do Cabral; caminha para uma definição. Atualmente há um desgaste do Jorge Roberto. Ele não ganha.

Onde mais o PT tem candidatos competitivos?

Em Mesquita, não entendemos o motivo de o PMDB não nos apoiar. Em Teresópolis, o deputado (estadual) Nilton Salomão é viável. Em Angra (dos Reis), temos uma candidata forte (Conceição Rabha), mas é natural que o PMDB não apoie, porque tem a prefeitura. Tem lugares onde tem disputa, a gente entende. Temos candidatos fortes em Barra Mansa, Silva Jardim, Maricá, Conceição de Macabu, Santa Maria Madalena, Paracambi, Japeri.

Em Nova Iguaçu, onde o senhor foi prefeito, qual é o caminho? É a prefeita Sheila Gama (PDT), que foi sua vice, ou o Rogério Lisboa (DEM), que foi seu secretário de Obras?

Eu propus ao governador o nome do subsecretário de Obras, Vicente Loureiro (PPS), para unificar várias candidaturas. E ele me disse numa reunião com 15 deputados: “Vamos nesse caminho do Vicente Loureiro.” E eu estou costurando esse caminho para o Vicente lá em Nova Iguaçu. O (deputado federal Nelson) Bornier (PMDB), do outro lado, é um candidato que de noite vai dormir com o Garotinho e de manhã acorda com o Picciani.

Como que está a situação das ações do Ministério Público movidas contra o senhor durante sua gestão?

Todo prefeito responde a muita ação do MP. Quando você é deputado, governador ou senador, só pode ser processado pelo procurador-geral de Justiça. Quando é prefeito e assina qualquer documento, o (promotor do) MP pode pedir ação. Estou tranquilo, eu nunca tive denúncia aceita (na Justiça), condenação e nunca vou ter.

A Justiça determinou o bloqueio dos seus bens. Isso causa algum transtorno?

Nada, nada. Eu não tenho bem próprio, só o que tenho de herança do meu pai, e que está parada. Eu sou diferente dessa política do Rio, que tem uma lógica patrimonialista, de acumulação de patrimônio. Não podem dizer um ‘ai’ de mim.

E se a presidenta não vetar a nova divisão dos royalties do petróleo?

Nós vamos conseguir vencer essa batalha. A presidenta viu os abusos que foram cometidos no projeto aprovado pelo Senado. Aquele projeto tinha números falsos. Trazia um prejuízo direto ao Estado e aos municípios do Rio de Janeiro de R$ 50 bilhões até 2020. Significaria fechamento de postos de saúde e de escolas, e acho que isso a gente conseguiu mostrar. A atitude de parar o projeto na Câmara partiu da presidenta Dilma. As informações que eu tenho é que ela foi atrás e percebeu que esses números levantados eram absurdos. Mas, se ela não vetasse, nós iríamos lutar até as últimas consequências, até o Supremo Tribunal Federal (STF).

Qual foi o erro na conta?

Eles aumentaram a projeção de royalties e de participação especial em 2020. Isso escondeu a realidade dos números que o Estado, e os municípios perderiam recurso já este ano. Então a presidenta, ao olhar aquilo tudo, pediu à liderança para parar e rediscutir aquilo tudo, o que é um tempo importante para o Rio. Toda essa discussão é porque não dá para mexer naquilo que já está licitado e que é direito constitucional nosso. A sensação que eu tenho é a seguinte: se nós perdermos essa batalha dos royalties, perderemos uma geração de jovens, que são o futuro do Rio.

Tem gente defendendo moratória se passar no STF. Vai comprometer as contas a esse ponto?

Acho que sim. Principalmente porque uma parte dos royalties é para pagar dívidas do Estado. É uma parte que foi comprometida no governo Garotinho. Se retiram recursos disso, o STF está comprometendo o pagamento de recursos dessa dívida. Tem outras formas de compensar os estados.

O senhor iria às ruas em protesto com a cara pintada, como antigamente? (Lindbergh liderou as manifestações de jovens no governo de Fernando Collor de Mello, que sofreu impeachment)

Não precisa pintar a cara. Acho que o papel dos movimentos estudantis e especialmente o dos caras-pintadas foi muito importante na História para discutir se esse País está ou não dando certo. A ida às ruas é um caminho muito legítimo. As manifestações como aquela que ocorreu no Rio de Janeiro em novembro (em defesa dos royalties do Rio) têm um papel muito grande. A representação do Rio e do Sudeste no Congresso é muito inferior à relevância nacional. Por exemplo, somos apenas três senadores. Mas, quando falamos em população, são 15 milhões de pessoas. Temos uma participação muito importante nas eleições. Então, irmos às ruas significa dizer: “Tudo bem, passaram por cima da gente no Senado, porque vocês têm maioria, mas vão passar por cima de uma população de 15 milhões de pessoas, que representa muito no País?” Acho que tem esse sentido.

Como está sua relação com o senador Fernando Collor de Mello (PTB)?

No primeiro dia, ficou todo mundo esperando, a imprensa toda. Passei a manhã querendo fugir da foto. Teve uma hora que ele estava na minha frente, não teve jeito. Ali, é o convívio de 81 senadores, tem de falar, tem de ser educado com todo mundo, tem de ter uma relação cordial e ele, nesse sentido, é muito cordial, muito educado. Pessoalmente falou lá comigo e foi à porta dos jornais no outro dia. Mas é isso, faz parte. Chama “Vossa Excelência” e aí ‘bate’ na pessoa, “Vossa Excelência”... Eu sou de uma geração um pouco diferente. Ali eu, o Randolfe (Rodrigues), que é do PSOL (AP). Essa diferença nossa é também geracional. Então...

Então?

Não sou um cara completamente adaptado àquela Casa, mas tem horas que faz parte do jogo ser mais duro, enfrentá-lo com mais força e isso faz parte um pouco do processo.

O que fazer para as chuvas não matarem tanta gente todos os anos?

A legislação brasileira é muito atrasada em tudo que diz respeito ao sistema nacional de defesa civil. Apresentei alguns projetos que criam uma força nacional de defesa civil que dá mais velocidade nessas áreas de socorro, mas a coisa mais grave é que não existe um cadastro nacional das áreas de risco que funcione. Ninguém sabe o tamanho do problema, o tamanho da encrenca. Isso está ocorrendo agora, a partir das chuvas na Região Serrana, e é preciso admitir a completa incompetência na política nacional, de estados e de municípios, na construção de um sistema integrado.

O senhor não acha que pouca coisa foi feita após o maior desastre natural do País? (Mais de 900 pessoas morreram na Região Serrana em 2011)

Acho que foi muito pouco. Nessas horas, as obras têm que acontecer com muito mais velocidade. Neste caso, não foi a velocidade com que deveria ter sido feito.

O senhor hoje é aliado do Cabral, mas ele já foi aliado dos ex-governadores Marcello Alencar (PSDB) e Garotinho, e rompeu. Acha que pode acontecer isso agora também?

Uma coisa que nos aproxima definitivamente é a relação com Lula. A relação dele com Lula é de fato muito sincera, afetuosa. Nesse sentido, o Lula pode ter ensinado muito a fazer primeiro pelos que mais precisam, mas os dois criaram uma relação que serve como base inclusive para essa nossa aliança. Se você me perguntasse se eu e o Cabral estaríamos do mesmo jeito se não fosse o Lula, eu diria ‘não sei’. Acho que não.

A ‘Folha de S. Paulo’ lhe atribui uma declaração que, segundo o jornal, refere-se a um período em que o senhor teve problemas com drogas. É verdade?

Não falei isso nem vou falar isso com vocês. Eu já conversei com ela (a jornalista) depois sobre isso.

'Quando um filho teu sofre preconceito é f...'

Quando falou da filha, Beatriz, de um ano e sete meses, que tem síndrome de Down, na sexta-feira, o senador Lindbergh Farias acabou se emocionando. A voz ficou embargada, os olhos se encheram de lágrimas: “Quando um filho teu sofre preconceito é f...”

Segundo o senador, uma das maiores dificuldades para milhares de famílias brasileiras que têm filhos com alguma deficiência é o acesso à educação. Embora a lei determine a aceitação da matrícula dessas crianças e adolescentes , a realidade é outra. Os pais “enfrentam uma luta muito grande para conseguir vagas nas escolas públicas e privadas”, relata, referindo-se às escolas de baixa e de alta renda.

Na luta pela igualdade de oportunidades, conquistou dois aliados de peso: o ex-jogador e deputado federal Romário (PSB) — pai de Ivy, 6 anos, também com Down — e a presidenta Dilma Rousseff.

“Romário tem feito um trabalho que é até mais importante que as leis. Está assumindo uma postura que ajuda as pessoas a caminharem para a inclusão”, avalia.

Lindbergh comemora o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que foi lançado em novembro por Dilma e facilita o acesso ao mercado de trabalho.

O senador, que também é pai de Luiz, 16, agora espera Marina, que deve chegar em junho. “Três filhos, família grande. Uma das coisas que mais pesam na questão da deficiência... Toda família se questiona: E quando eu morrer?”

Reportagem de André Zahar e Rozane Monteiro

FONTE: O DIA

Os sem direitos:: Míriam Leitão

O último relatório da Organização Internacional do Trabalho trouxe boas notícias para o Brasil e a América Latina. Aqui, o desemprego está estável, enquanto sobe e ameaça outros países e regiões. Quando o país cresce, os empresários reclamam do "apagão de mão de obra". Quando tudo está bem, é hora de olhar os problemas que têm permanecido conosco, faça chuva ou faça sol.

Ao contrário da tendência geral de só olhar os problemas nas horas de crise, o mais eficiente é avaliar a distorção que permanece quando tudo parece bem. O Brasil está com a mais baixa taxa de desemprego em muitos anos, e o índice caiu mesmo no ano passado, em que o ritmo de crescimento econômico diminuiu. Os empresários continuam reclamando da dificuldade de contratação em determinadas áreas.

Num sinal de que tudo parece resolvido, o governo se dispõe a baixar uma lei regulando o uso do celular funcional e do e-mail, no fim de semana, no pagamento das horas extras. Ninguém desconhece o risco de que os meios digitais acabem ampliando a hora de trabalho e perturbando o necessário descanso do trabalhador, mas isso deveria ficar a cargo do bom senso e das negociações entre empresas e empregados.

Não é por falta de leis trabalhistas - talvez seja por excesso - que o Brasil permanece com os problemas de sempre. Quarenta por cento dos trabalhadores estão no mercado informal, sem a cobertura das garantias essenciais de férias, décimo terceiro, FGTS, seguro-desemprego, previdência. Como isso pode acontecer no momento em que o país tem um cenário tão positivo em termos de demanda de mão de obra? Isso deveria concentrar a atenção das autoridades e o melhor momento para fazê-lo é quando não há crise no mercado.

Entra e sai governo, o problema da enorme fatia dos trabalhadores brasileiros fora do mercado formal continua como uma cicatriz nas estatísticas de trabalho. O Ministério do Trabalho na gestão do antigo ministro - que caiu sob o peso das denúncias de irregularidades - se preocupava apenas em trombetear todos os meses o número do Caged, de criação de empregos pelas empresas formais, mas não parecia ver o percentual exorbitante de trabalhadores fora desse mercado.

Esse problema, evidentemente, não é apenas decorrente da última administração do Ministério. É uma velhíssima distorção na economia brasileira. Em épocas de crise, culpam-se as crises. Em momentos de prosperidade econômica, o problema fica invisível. Fora do mercado formal, esses trabalhadores estão desprotegidos, as desigualdades se eternizam, o governo deixa de arrecadar recursos que ajudariam no equilíbrio de suas contas previdenciárias e contratam-se dilemas futuros. Esta é uma boa hora de se pensar em atacar esse problema com todas as armas. A fiscalização é necessária, mas não suficiente. O país precisa conhecer as causas mais profundas dessa separação dos com e sem carteira, que tem se mantido em momentos de escassez e de abundância no mercado de trabalho.

Outro problema estrutural é o do nível de escolaridade. Os avanços na educação nas últimas décadas foram insuficientes e lentos. Na comparação com o mundo, e até com os países vizinhos, perdemos em anos de estudo da população economicamente ativa. É insensato não enfrentar esse problema com senso de urgência, porque essa é a era do trabalho qualificado, seja em que área for. Envelheceram as velhas divisões que opunham o emprego que exigia cérebro do que exigia apenas a força bruta. Hoje, como se sabe, a busca do conhecimento constante em todas as áreas profissionais é o que aumenta a produtividade da economia como um todo. O acompanhamento das novas tecnologias, o estudo de manuais, a dispersão da cadeia produtiva em diferentes países, tudo exige, por exemplo, a destreza em outros idiomas. O atraso na educação brasileira é um dos mais importantes gargalos ao aumento da competitividade da economia.

As desigualdades salariais, de oportunidades, de ascensão na carreira separam os grupos por gênero, cor da pele e idade. Esse tem sido um tema recorrente neste espaço. As estatísticas de emprego e renda mostram todo mês que continuam presentes as travas artificiais impostas pela discriminação a alguns grupos sociais. É preocupante o alto desemprego de jovens de 18 a 24 anos. Em 2011, as pesquisas mostraram que entre 13% e 14% dos jovens que procuraram emprego não conseguiram vaga. O número caiu um pouco mas continua alto demais para um país que está num bom momento.

O que inquieta no mercado de trabalho brasileiro é que as autoridades de qualquer nível, as lideranças empresariais que gerem recursos do Sistema S, o BNDES, que é em parte financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, os líderes das centrais sindicais não parecem preocupados com quem está fora das garantias trabalhistas. A preocupação é sempre a de aumentar os direitos para quem já está dentro do mercado formal; e nunca em avaliar os defeitos de um sistema, que em qualquer conjuntura, mantém fora do mercado formal, expostos aos riscos e ao desalento, 50 milhões de brasileiros.

FONTE: O GLOBO

O BCE injeta dinheiro::Celso Ming

O rebaixamento da qualidade da dívida da França e de mais oito países da área do euro, ontem comentado nesta Coluna, eclipsou o sucesso que o Banco Central Europeu (BCE), conduzido desde novembro pelo italiano Mario Draghi (foto), vinha tendo para virar o jogo, antes perdedor, do refinanciamento das dívidas soberanas na área do euro.

Há apenas algumas semanas, os juros prevalecentes nos leilões de títulos de dívida vinham batendo recordes de alta. A Itália, por exemplo, teve de se conformar a ter de pagar mais de 7,00% ao ano. A Espanha chegou a se comprometer com juros quase nos mesmos níveis. E até mesmo a Alemanha, que em novembro passou pelo vexame de não conseguir comprador para seus títulos, na semana passada não só encontrou o dobro de interessados por 9 bilhões de euros por títulos de cinco anos, como também passou a pagar juros baixíssimos de 0,90% ao ano ou mesmo negativos na oferta de títulos por seis meses.

O que estava mudando? Primeiramente, o BCE intensificou as recompras de títulos da Itália e da Espanha, largados no mercado secundário. O principal efeito dessa atuação foi o aumento da procura por esses papéis e uma alta dos rendimentos (yields) pagos. A segunda operação consistiu em abrir, a partir do início de dezembro, crédito ilimitado aos bancos sob sua jurisdição. Com mais dinheiro barato (de 1% ao ano), os bancos se encorajaram a subscrever mais aplicações em títulos soberanos - que vinham pagando até mais de 7,0% ao ano.

Dados divulgados nessa semana pelo BCE acusam aplicações de 213 bilhões de euros em dívidas de países da área do euro desde maio de 2010. E quase meio trilhão de euros foi repassado aos bancos, perfazendo a injeção de mais de 700 bilhões de euros. É uma dinheirama que agora poderá ser reforçada para compensar os efeitos do rebaixamento das dívidas europeias pela Standard & Poor"s.

Essas operações contornaram a proibição expressa nos tratados de que o BCE financie diretamente os Tesouros dos países do bloco. Como, no entanto, os principais credores dessas dívidas são os bancos, os eurodutos abertos garantiram nova e ilimitada fonte de refinanciamento dessas dívidas.

Uma das consequências desse novo jogo foi a forte desvalorização do euro em relação ao dólar (veja no Confira). É um efeito não muito diferente do que o obtido pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), com suas duas grandes operações denominadas afrouxamento monetário quantitativo, num total de US$ 900 bilhões. Essa desvalorização do euro foi um dos principais fatores que provocaram, também, a valorização do real no câmbio brasileiro, de 4,07% apenas neste início de janeiro.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ganhou notoriedade em 2011 por denunciar a guerra cambial deflagrada pela desvalorização do dólar. Agora tem razões para estender sua queixa para a ação do BCE. Se o fizer, Draghi poderia repetir a resposta dada por Ben Bernanke: os países que se queixam de prejuízos provocados pela valorização de suas moedas, em consequência das operações de afrouxamento quantitativo, teriam mais a perder se o Fed nada fizesse para estancar a crise.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A China não é mais aquela:: Vinicius Torres Freire

Reservas crescem menos, saldo comercial cai, salários sobem mais: modelo chinês de crescimento vai mudar?

No final de 2011, as reservas internacionais da China caíram pela primeira vez desde a crise asiática, em 1998 (na comparação trimestral): de US$ 3,2 trilhões para US$ 3,18 trilhões (reservas são os haveres em moeda forte ou equivalentes, que servem como seguro e/ou caixa para pagamentos de um país, guardados num banco central).

Para os chineses, trata-se de uma ninharia. Mas não é isso que importa. Considere-se a lista de clichês sobre a China (não importa se economicamente amalucados ou não) e, a seguir, as mudanças no país:

1) O país manipula sua moeda, a mantém desvalorizada, o que contribui para seus maciços superavit nas contas externas (vende mais bens e serviços para o exterior do que os compra); acumula reservas internacionais demais;

2) A China poupa e investe demais, o que colabora para seu superavit externo (e impede a melhoria do padrão de vida do povo e pode criar bolhas de superinvestimento, como no caso dos imóveis);

3) Tudo isso (moeda barata, baixo consumo) provoca grande desequilíbrio na balança comercial e financeira do mundo (tal como endividamento excessivo nos EUA).

Certos ou não, os clichês começam a não dar conta de fatos econômicos elementares da China.

Primeiro, considere-se o caso das reservas, que duplicaram de 2007 para 2011, mas começam a parar de crescer. Além do mais, cai o investimento estrangeiro direto, e os chineses investem cada vez mais no exterior ("investimento produtivo").

Há fuga de capitais da China desde outubro. Sim, a causa mais imediata disso é a fuga do risco, causada pela crise europeia. Mas não só.

Segundo, considere-se o superavit comercial. Fora de US$ 296 bilhões em 2008. Em 2011, deve ter ficado em US$ 155 bilhões. Em termos relativos, o pico do saldo comercial foi em 2007: 7,5% do PIB. Em 2010, deve ter ido a 2,1% do PIB.

O mundo em crise desde 2008 não explica a redução do saldo comercial chinês. As exportações continuaram crescendo (de US$ 1,43 trilhão para US$ 1,9 trilhão no período 2008-2011). Mas as importações cresceram ainda mais rápido.

Terceiro, houve uma queda veloz mas regular do superavit em conta-corrente (o saldo das transações de bens e serviços de um país com o exterior). O superavit chinês era de 11% do PIB em 2007. Deve ter ficado em 3,8% do PIB no ano passado. Sim, ainda é um superavit enorme (o Brasil tem deficit de 2% do PIB). Mas o tombo foi grande.

Quarto, o governo chinês tem como política fazer com que os salários cresçam ao ritmo de 15% ao ano nos próximos cinco anos, quase 60% mais rápido do que a velocidade do crescimento do PIB desde 2008 (2007 ficou de fora dessa conta quinquenal porque o PIB cresceu à taxa de 14,2% naquele ano, extraordinária até para a China).

Quinto, o deficit do setor público (dos governos) chinês fora de 0,3% do PIB no triênio (2006-08). No triênio 2009-11, subiu a 2,2% do PIB (o governo poupa menos, pois).

Sexto, o governo por ora tem conseguido desinflar sem traumas a bolha de investimento imobiliário (embora muita gente razoável diga que isso ainda não vai acabar bem, com uma crise à moda do Japão dos 1990, que dura até hoje).

Difícil saber no que isso vai dar, mas a China não é mais aquela.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O fim do fim da história

Claudia Antunes

Cientista político Francis Fukuyama defende "novo populismo" e maior regulação estatal contra problemas do liberalismo

RIO - O cientista político americano Francis Fukuyama, que há 23 anos previu a vitória global do liberalismo econômico e político no famoso artigo sobre o "fim da história", está preocupado com o futuro dessa conquista do "século americano".

Em artigo na primeira edição de 2012 da revista "Foreign Affairs", ele afirma que a ausência de competição ideológica resultou em políticas ultraliberais regressivas, que acentuam o declínio da classe média nos países desenvolvidos, pondo em risco a própria democracia.

No texto, Fukuyama convoca agentes políticos e teóricos a desenvolverem um "novo populismo", que "reafirme a supremacia da política democrática sobre a economia". Ele explica sua proposta, decorrente da preocupação com a "latino-americanização" dos EUA.

Folha - Quando o sr. diz que preceitos do liberalismo viraram pura ideologia, está propondo que a democracia abandone o rótulo "liberal"?

Francis Fukuyama - Não é uma questão de abandonar o liberalismo, é uma questão de grau. Houve uma revolução liderada por [Ronald] Reagan e Margaret Thatcher nos anos 80 que reduziu o tamanho do Estado e aumentou a liberdade individual. Essa correção era necessária, mas a revolução foi longe demais e aprisionou os EUA numa ideologia muito rígida. Uma sociedade liberal será sempre necessária, mas vamos precisar de uma volta de maior regulação estatal e políticas sociais que preservem os ganhos da classe média e encorajem a ascensão dos pobres para a classe média.

O sr. diz que a social-democracia não é uma resposta adequada. Por quê?

Acho que as velhas formas social-democratas não vão funcionar porque em muitos casos o Estado é problemático e não tem a habilidade de implementar políticas. Isso explica bastante a debilidade da esquerda nos EUA e na Europa. Só uma volta à velha social-democracia não será sustentável fiscalmente nem melhorará os serviços públicos. Esse é o dilema.

Quando o sr. propõe um novo populismo, quais são as referências históricas?

O problema com alguns movimentos populistas é que eles não são democráticos, querem mudanças tão grandes que se apoderam do Estado. Não é o tipo de populismo de que precisamos. Seja o que for, tem que ser na tradição democrática. Acho que nos EUA há dois precedentes. Um do início do século 20, o movimento progressista liderado por Theodore Roosevelt [1901-09], que teve o objetivo de limpar a política da influência do poder econômico e aprovou leis antitruste que desmembraram o monopólio Rockefeller. O outro foi, claro, o presidente Franklin Roosevelt [1933-45], que usou a crise dos anos 30 para criar uma coalizão em torno do New Deal que ficou no poder por 40 anos. Todo mundo esperava que Obama fizesse algo semelhante, mas por várias razões -eu acho que ele não era um político habilidoso o bastante- isso não aconteceu. Ele nunca explicou o problema que enfrentamos de maneira mais ampla; as soluções também não tinham amplitude.

O sr. vê nos EUA forças capazes de construir essa ideologia alternativa?

Não, por isso escrevi o artigo. Estamos precisando.

Por que se criou nos EUA e na Europa um fosso entre as medidas contra a crise e os sentimentos das pessoas comuns?

É um mistério. Nos EUA, em contraste com a Europa, boa parte da classe média tendeu, nos últimos 30 anos, a votar nos republicanos, em conservadores, mesmo quando as políticas implementadas por eles prejudicaram seu interesse econômico. Há razões para isso. Uma é que esse eleitorado tende a ser culturalmente conservador e não se sente representado por democratas ou esquerda tradicional. Outra é o enfraquecimento de sindicatos e organizações sociais. Finalmente, há na cultura política a crença de que esta é uma terra de oportunidades, de que você pode se dar bem no futuro mesmo que seja pobre agora. Então as pessoas são contra aumento de impostos para os ricos porque, se elas ficarem ricas...

Essa fatia se identificaria mais com o Tea Party do que com o "Ocupe Wall Street"?

Acho que há uma divisão. Houve grande controvérsia a respeito do "Ocupe" porque ele é formado principalmente por jovens, com uma ideologia de esquerda, que não representam os sindicatos ou a classe média trabalhadora em termos mais amplos. Não aposto muito nas perspectivas do movimento a longo prazo. Sua base social é muito estreita. Se a classe média trabalhadora se mobilizar por políticas mais progressistas, terá a forma de um movimento populista poderoso.

Nos EUA, é a direita que tem sido populista, no ataque às elites culturais, aos poderosos. Ao mesmo tempo, se opõe à regulação financeira, a aumento de impostos. Por que os democratas resistem ao discurso populista?

É outra peculiaridade da cultura política americana. Em certo sentido, a esquerda ainda é dominante na academia, na mídia. A direita tem sido mais bem-sucedida na política, controla hoje as duas casas do Congresso, muitos governos estaduais. Apesar disso, muita gente de direita ainda acha que os liberais [esquerda, nos EUA] controlam o establishment. Isso não reflete o balanço real de poder, mas o sentimento continua forte e alimenta o ressentimento populista contra as chamadas "elites liberais" que teriam destruído o país. Obama é parte delas.

O sr. associa a força da classe média com a consolidação da democracia, mas em países como China e Índia a nova classe média pode ser bastante conservadora.

O fortalecimento da democracia depende de que proporção da sociedade chega à classe média. Quando a classe média é pequena e parte da elite tradicional, ela vê o governo como protetor de seus interesses e teme que, se houver uma democracia integral, ela sairá perdendo. É o que acontece na China agora. Na Índia, é mais complicado. A questão lá é que a grande massa de pobres se beneficia da democracia por meio de clientelismo, que a classe média considera como uma forma de corrupção.

Como avalia a democracia em países como Brasil, Indonésia, onde parte dos pobres está entrando no mercado?

Essas democracias estão emergindo justamente porque mais gente começa a alcançar um status de classe média. Mas a situação ainda é muito frágil; se houver uma grande recessão global e a economia brasileira voltar a ter mau desempenho, muitos vão recair na pobreza. No passado, foi a desigualdade que provocou a polarização política no Brasil e em toda a América Latina, em que se enfrentavam uma direita autoritária e uma esquerda populista que nem sempre tinha compromisso com a democracia liberal. Para superar isso, só criando uma classe média ampla e reduzindo o fosso entre os pobres e a elite privilegiada. O que é de fato importante no Brasil agora é que a desigualdade está diminuindo, em parte devido ao crescimento econômico, em parte a programas sociais como o Bolsa Família. Mais brasileiros poderão fazer parte da economia, ter propriedades e um maior interesse no sistema político democrático.

Os EUA estão se latino-americanizando?

Uma das coisas que me chocam é que os EUA começam a parecer a velha América Latina. Se você pedir aos ricos que paguem mais impostos, eles vão dizer que não, que o governo desperdiçará o dinheiro com corrupção e serviços de má qualidade. O desempenho do governo não pode melhorar, já que não tem fundos suficientes, mas ninguém quer pagar mais impostos porque o desempenho é ruim. Os EUA saíram dessa armadilha nos anos 30 e agora voltam a cair.

O seu artigo é uma mudança de 180 graus em relação ao do fim da história?

Não concordo. Eu ainda acredito que a democracia liberal é o melhor sistema político. A questão é que está sob ameaça nos EUA e devemos preservá-la. Meu objetivo é o mesmo, só que em 1989 estávamos nos primeiros anos da virada conservadora e agora a realidade mudou, a desigualdade aumentou, as instituições se deterioraram.

Há um deficit democrático nos EUA e na Europa?

São situações diferentes. O deficit democrático nos EUA tem a ver com o poder do dinheiro e de grupos de interesse, de lobbies, cujo peso no sistema político é desproporcional em relação aos grupos sociais que eles representam. Na Europa em geral, o maior problema não é em cada país, mas em nível europeu, uma vez que a tentativa de integração resultou em instituições falhas, com união monetária mas sem união fiscal.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Custo de vida no Brasil já é mais alto que nos EUA

Situação apontada por dados do FMI é atípica entre os emergentes; valorização do real explica o fenômeno O custo de vida do Brasil medido em dólares superou o dos EUA em 2011, segundo dados do FMI. Em uma lista de 150 países em desenvolvimento, o Brasil é praticamente o único cujo custo de vida superou o americano em 2011, informa o repórter Fernando Dantas. Com isso, ficou o mais caro entre todos os emergentes. "Tudo agora é mais vantajoso comprar nos EUA", diz um advogado que vive entre São Paulo e Nova York. O alto preço das commodities exportadas pelo Brasil e o fluxo de capitais para o País são apontados como as principais razões para a valorização do real, o fator mais importante para explicar o motivo de a economia do País ter encarecido dessa maneira.

Custo de vida do Brasil supera o dos EUA

Dados de 187 países-membros do FMI relativos ao ano passado apontam fato considerado anormal para um país emergente

Fernando Dantas

RIO - O custo de vida do Brasil superou o dos Estados Unidos em 2011, quando medido em dólares, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o PIB dos 187 países-membros. Este fato é extremamente anormal para um país emergente. Em uma lista do FMI de 150 países em desenvolvimento, o Brasil é praticamente o único cujo custo de vida supera o americano em 2011, o que significa dizer que é o mais caro em dólares de todo o mundo emergente.

Na verdade, há outros quatro casos semelhantes, mas referentes a São Vicente e Granadinas, um arquipélago minúsculo; Zimbábue, país cheio de distorções, onde a hiperinflação acabou com a moeda nacional; e Emirados Árabes Unidos e Kuwait, de população muito pequena, gigantesca produção de petróleo e renda per capita de país rico.

Considerando economias diversificadas como o Brasil, contam-se nos dedos, desde 1980, os episódios em que qualquer um de mais de cem países emergentes apresentasse, em qualquer ano, um custo de vida (convertido para dólares) superior ao dos Estados Unidos.

Há uma explicação para isso. O preço da maioria dos produtos industriais tende a convergir nos diferentes países, descontadas as tarifas de importação. Isso ocorre porque eles podem ser negociados no mercado internacional, e, caso estejam caros demais em um país, há a possibilidade de importar. Mas a maioria dos serviços, de corte de cabelo a educação e saúde, não fazem parte do comércio exterior. Assim, eles divergem muito em preço entre os países.

Em nações ricas, com salários altos, os serviços geralmente são muito mais caros do que nos emergentes. Isso se explica tanto pelo fato de que a renda maior tende a puxá-los para cima, como pelo fato de que a mão de obra empregada no setor de serviços recebe muito mais e representa um custo maior. Dessa forma, é principalmente o setor de serviços que faz com que o custo de vida seja mais alto no mundo avançado. Na comparação com os Estados Unidos, os países emergentes são quase sempre mais baratos.

É por isso que espanta que o Brasil apareça como mais caro do que os EUA nas tabelas de projeções do PIB de 2011 do FMI. "Essa inversão mostra que as coisas estão fora do padrão, porque a taxa de câmbio está completamente fora do padrão histórico, com uma valorização gigantesca nos últimos anos", diz o economista Armando Castelar, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio.

O custo de vida relativo dos países pode ser derivado da comparação entre as estimativas do FMI para o PIB em dólares correntes e o PIB ajustado pela paridade de poder de compra (PPP). Esse segundo método busca neutralizar - ao se fazer o cálculo do PIB - a diversidade dos preços, convertidos para dólares, dos mesmos produtos em diferentes países.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Eleitor elege 'corrupto do ano' na internet

Movimento anticorrupção, no Rio, cria votação em rede social para premiar políticos com o Troféu Algemas de Ouro

O pré-carnaval do Rio de Janeiro vai ter uma festa diferente este ano: é o baile do "Pega Ladrão", marcado para a próxima quinta-feira, onde os políticos envolvidos em suspeitas de corrupção vão ser "homenageados" com o Troféu Algemas de Ouro. A celebração é organizada pelo Movimento 31 de Julho e recebe o apoio de outros grupos anticorrupção que, desde o ano passado, vêm promovendo manifestações por todo o Brasil.

Para eleger quem seria o político mais impune do Brasil, foi criada uma enquete no Facebook e sugeridos nove nomes. Além dos seis ministros do governo Dilma demitidos após denúncias de irregularidades, completam a lista o presidente do Senado, José Sarney (PMDB), o ex-ministro José Dirceu (PT), réu no processo do mensalão, e a deputada Jaqueline Roriz (PMN), absolvida em agosto pela Câmara depois de ter sido flagrada em vídeo recebendo dinheiro.

Os critérios para a escolha dos candidatos foram definidos pelos organizadores do concurso e estão explicados no blog do movimento (movimento31dejulho.blogspot.com). A votação termina hoje. Por enquanto, quem lidera a competição é Sarney, seguido por Dirceu e Jaqueline. Até sexta-feira, mais de 6 mil pessoas haviam votado. O baile de premiação será no Clube dos Democráticos, no bairro da Lapa, reduto da boemia carioca.

"Nós já compramos as algemas e os três primeiros colocados vão recebê-las: tem a de ouro, a de prata e a de bronze", diz uma das organizadoras do evento, Ana Luiza Archer. A trilha sonora da festa também foi pensada para prestigiar a ocasião: no salão serão tocadas marchinhas e sambas que remetem à impunidade da política brasileira, como Se gritar pega ladrão, de Bezerra da Silva, e Onde está a honestidade?, de Noel Rosa.

Segundo Ana Luiza, a ideia de promover um baile e não uma marcha na rua como os protestos anteriores surgiu para aproveitar o clima mais descontraído desta época do ano, que se aproxima do carnaval. "Janeiro é mês de férias, de festas, ninguém está com cabeça para pensar em manifestação", diz, lembrando que "a alegria e o deboche também são formas de protestar".

Planejamento. Ela afirma que essa será a primeira de muitas ações que os movimentos anticorrupção estão preparando para este ano. A intenção é realizar manifestações mensais com objetivos mais específicos, para acabar de uma vez com as críticas de que os grupos que surgiram em 2011 não defendem bandeiras claras. "Entendemos que com ações focadas fica mais fácil mensurar o resultado, para não dar a impressão que a causa "contra corrupção" é gigantesca", afirma.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Ás vésperas da reforma, Dilma convoca ministros

Às vésperas da reforma, Dilma convoca ministros para traçar novo plano de vôo

Vera Rosa

BRASÍLIA - Às vésperas de promover uma reforma no primeiro escalão, a presidente Dilma Rousseff fará três dias consecutivos de reuniões setoriais com grupos de ministros, nesta semana, para discutir os cortes de despesas no Orçamento e os projetos prioritários para 2012. Dilma quer um plano de voo que também sirva para os novos ministros e melhore a gestão do governo depois da temporada de crises políticas .

Os encontros com a presidente ocorrerão nas próximas quinta e sexta-feira e também no sábado. Serão preparatórios para a primeira reunião ministerial do ano, marcada para o dia 23.

"É melhor assim porque, com 38 ministros, não conseguimos obter uma avaliação detalhada nem aprofundar os assuntos num único dia", afirmou Dilma, em conversa reservada.

Empenhada em fazer o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) andar e em pôr de pé os programas sociais, mesmo com a tesourada no Orçamento - que será anunciada em fevereiro -, a presidente dividiu a equipe em grupos de Produção, Infraestrutura, Comunicações e Ciência e Tecnologia e Direitos Humanos.

O Ministério da Fazenda acredita que será necessário um corte drástico nos gastos, na casa de R$ 60 bilhões, para cumprir a meta cheia de superávit primário, de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Dilma, porém, cobra novos cálculos e tenta fazer um ajuste menor, porque quer preservar os investimentos neste ano de eleições.

Ao enviar na sexta-feira os ofícios de convocação para os encontros setoriais com Dilma, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, pediu que todos os auxiliares compareçam munidos de um CD com a prestação de contas de suas pastas.

Dilma está muito preocupada com os problemas de gestão e com o agravamento da turbulência internacional. No Palácio do Planalto, a avaliação é a de que os quatro fóruns do governo, lançados em 2011 (Desenvolvimento Econômico, Infraestrutura, Desenvolvimento Social e Direitos e Cidadania), não funcionaram. Além disso, os programas sociais acabaram ofuscados por uma crise atrás da outra.

Reforma. Pré-candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, o ministro da Educação, Fernando Haddad, pode ser o único a deixar a equipe pouco antes da reforma ministerial, prevista para fevereiro. Em conversa com Haddad, na semana passada, Dilma garantiu que autorizaria a saída dele até o dia 30 deste mês.

O substituto de Haddad já está escolhido: será o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante (PT).

A presidente também quer convencer o PP a apadrinhar a volta de Márcio Fortes ao Ministério das Cidades, no lugar de Mário Negromonte. Ex-titular da pasta no governo Lula, Fortes comanda hoje a Autoridade Pública Olímpica (APO).

A simpatia de Dilma por Fortes contraria o PT, que luta para retomar o controle do Ministério das Cidades, dono de um orçamento de R$ 8,92 bilhões. É nessa cadeira - ocupada por Olívio Dutra (PT) no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva - que os petistas sonham em ver o deputado José De Filippi Jr., ex-tesoureiro da campanha presidencial.

O retorno do PT para Cidades é considerado improvável, mas a saída de Negromonte aparece como "favas contadas" nos bastidores do Palácio do Planalto. Tanto que também assanha o PMDB do ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco, louco para mudar de lugar na Esplanada.

Um emissário de Dilma sondou, no fim do ano passado, o senador Francisco Dornelles (RJ), presidente do PP, sobre a opção Márcio Fortes em Cidades. Disposta a evitar atritos com aliados neste ano eleitoral, Dilma quer saber se há resistências a Fortes, o seu preferido para a vaga. Publicamente, no entanto, Dornelles nega o contato.

"Eu espero que o Ministério das Cidades seja mantido com o PP, mas a presidente é livre para nomear e demitir", desconversou o senador. Cauteloso, Dornelles disse, ainda, que a relação de Negromonte com a bancada do PP na Câmara está "pacificada". Não é bem assim.

Mais da metade dos 39 deputados do partido quer que o ministro - acusado de oferecer mesada de R$ 30 mil aos parlamentares, em troca de apoio - deixe logo o cargo.

"De qualquer forma, o que estou dizendo é que o Mário tem o apoio da presidência do partido", insistiu Dornelles. Em agosto do ano passado, Negromonte previu que a briga entre os seus aliados e os de Márcio Fortes terminaria "em sangue".

Diante do impasse, a bancada do PP na Câmara prefere indicar o deputado Márcio Reinaldo (MG) para Cidades. Nesse cenário, tudo indica que, se voltar ao poderoso ministério, Fortes será puxado na cota de Dilma, e não na do partido.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Rasgando a fantasia

Justiça quebra sigilo da Liesa e de 6 escolas de samba suspeitas de lavar dinheiro do bicho

Sérgio Ramalho

E passo a passo no compasso o samba cresceu, já dizia Aluísio Machado no antológico enredo do Império Serrano "Bum bum paticumbum prugurundum", chamando atenção no carnaval de 1982 para as "superescolas de samba S/A". Passados quase 30 anos, agremiações turbinadas por patronos ligados à contravenção tiveram o sigilo bancário e fiscal quebrado pela Justiça Federal, que apura um suposto esquema de lavagem de dinheiro. A suspeita de que o lucro do jogo de bicho e da exploração de caça-níqueis financiou desfiles também resultou no monitoramento das contas da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), onde foram contabilizados R$35 milhões sem origem comprovada.

Em nota, a Liesa informou que o presidente da entidade, Jorge Luiz Castanheira, não tem conhecimento da ação: "Por oportuno, esclareço que a liga rechaça de imediato qualquer tipo de acusação no que diz respeito a valores não identificados em sua contabilidade, lembrando que em todos esses anos a entidade foi por diversas vezes auditada, inclusive várias vezes pela Receita Federal, sem que houvesse qualquer tipo de fato que desabonasse a conduta fiscal".

O processo 2007.5101.806.866-6, no entanto, tramita na 6ª Vara Federal Criminal. A quebra do sigilo bancário e fiscal da entidade, das agremiações e de várias empresas foi autorizada em meio aos processos relacionados às quatro fases da Operação Hurricane (deflagrada pela Polícia Federal em abril de 2007, contra a máfia dos caça-níqueis).

Bicheiro exaltado pela escola

Na lista de escolas de samba que tiveram as contas investigadas pela PF e pela Procuradoria da República, figuram Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense, Vila Isabel, Mocidade Independente de Padre Miguel, Viradouro e Grande Rio. Em comum, todas têm ou tiveram bicheiros como patronos. Na Beija-Flor, por exemplo, o "esquenta" - música que apresenta a agremiação antes do desfile - é uma espécie de ode ao bicheiro Aniz Abrahão David, o Anísio, preso pela Polícia Civil na quarta-feira. O contraventor responde a processos na Justiça federal e estadual por formação de quadrilha armada, lavagem de dinheiro, contrabando e corrupção.

Foragido da Justiça, o bicheiro Luiz Pacheco Drummond, o Luizinho Drummond, é o presidente da Imperatriz Leopoldinense. Ele é apontado em processos como um dos integrantes da antiga cúpula da contravenção no Rio, juntamente com Anísio, Aílton Guimarães Jorge (o Capitão Guimarães), José Caruzzo Escafura (o Piruinha) e Antônio Petrus Kalil (o Turcão). A ligação dos contraventores com escolas de samba é antiga. O primeiro presidente da Liesa, entre 1984 e 1985, foi Castor de Andrade. Desde então, já presidiram a entidade Anísio, Capitão Guimarães e Luizinho Drummond.

Além da Beija-Flor e da Imperatriz, a suposta legalização de dinheiro da contravenção seria feita também na Vila Isabel, agremiação que teve o ex-presidente Wilson Alves, o Moisés, preso pela PF por envolvimento com contrabando e exploração de caça-níqueis. Ligado ao Capitão Guimarães, ele foi condenado a 23 anos de prisão. A Mocidade teria recebido recursos do bicheiro foragido Rogério Andrade. Já a Viradouro teria sido financiada com dinheiro de Turcão.

Uma das caçulas do Grupo Especial, a Grande Rio, de Duque de Caxias, tem como presidente Hélio de Oliveira, o Helinho, que também está foragido da Justiça. O contraventor teve a prisão preventiva decretada a partir de investigações da Corregedoria da Polícia Civil, que desencadeou em dezembro a Operação Dedo de Deus.

Procurados pelo GLOBO para comentar a quebra do sigilo bancário e fiscal por suspeita de lavagem de dinheiro, os representantes das agremiações não se manifestaram. A Liesa, por sua vez, informou não ter como dizer se a ação na Justiça interferiu de forma negativa na captação de recursos para o desfile deste ano.

Nos bastidores da Cidade do Samba, circulam informações de que algumas dessas escolas enfrentam dificuldade para financiar os desfiles - resultado da quebra de sigilo associada ao bloqueio das contas dos chefões da contravenção. Nem a Beija-Flor, campeã do carnaval de 2011, teria escapado da falta de dinheiro. Prova disso seria a demora para consertar o telhado da quadra, em Nilópolis. A estrutura desmoronou em julho passado, durante uma tempestade.

A rede montada pela cúpula da contravenção para lavar os lucros do jogo ilegal, entretanto, não se limita às escolas de samba. A análise dos processos em andamento na Justiça federal e, mais recentemente, na estadual revela a suposta utilização também de construtoras, empresas de importação e exportação, produtoras de eventos, apart-hotéis, agências de viagens, haras, motéis, postos de gasolina e até um educandário.

É o caso do Educandário Abrão David, que tem cerca de mil estudantes do ensino fundamental em Nilópolis. A instituição, mantida pela família de Anísio, também teve o sigilo quebrado. Procurado pelo GLOBO, o advogado Ubiratan Guedes, que representa Anísio, informou não ter dados para se pronunciar sobre o assunto.

- Sei que o educandário atende gratuitamente moradores da região - afirmou.

FONTE: O GLOBO