quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Vera Magalhães - Para além do grupo de WhatsApp

O Globo

Judiciário tem combatido risco de ruptura institucional, mas precisa agir com transparência

Quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli abriu o inquérito das fake news, em 2019, e entregou, sem sorteio, a relatoria a Alexandre de Moraes, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, oficiou a Corte pedindo seu arquivamento, por solapar atribuição do Ministério Público Federal.

Citada por Jair Bolsonaro no Jornal Nacional para justificar seus ataques a Moraes e o que considera perseguição do ministro contra si, a ex-PGR era entrevistada do Roda Viva horas depois e disse, em resposta, que reviu sua posição. Para ela, a palavra final nesses temas tem, sim, de ser do Supremo Tribunal Federal (STF). E as instituições, avalia, estão vivendo um processo de ressignificação de seu papel para atuar na nova demanda que existe de defesa do Estado Democrático de Direito.

Essa reacomodação de papéis tem gerado alguns dos grandes solavancos institucionais que temos visto com maior intensidade no governo Jair Bolsonaro, dada sua insistência em negar princípios elementares da democracia, mas já se faz sentir desde ao menos o auge da Lava-Jato.

Não se sabe em detalhes o que motivou Moraes a determinar a operação de busca e apreensão contra oito empresários bolsonaristas flagrados pelo jornalista Guilherme Amado defendendo a preferência por um golpe de Estado a um novo governo do PT. Colegas próximos ao ministro do STF e presidente do TSE afirmam que ele não se baseou apenas numa conversa jogada fora no WhatsApp.

Elio Gaspari - Bolsonaro passou pelo JN

O Globo

O candidato aprendeu a ouvir perguntas de jornalistas

A grande notícia saída da entrevista de Jair Bolsonaro a Renata Vasconcellos e William Bonner é que ele aguentou os 40 minutos de perguntas. Por muito menos ele já insultou jornalistas, mandou que se procurassem vacinas “na casa da tua mãe” e abandonou uma entrevista com André Marinho que lhe perguntava se “rachadinha” era crime. (Em 2002 Lula abandonou a mesa de almoço da Folha de S. Paulo diante de perguntas de Otávio Frias Filho.)

Bolsonaro deveria ter aceitado a sugestão de submeter-se a um treinamento com profissionais. Preferiu treinar com ministros. Disso resultou um candidato defensivo. Parecia um boxeador querendo apenas ficar de pé até o fim do certame. Faltou-lhe qualquer vestígio de senso de humor.

Ele saiu da armadilha que ele mesmo criou ao hostilizar o Supremo Tribunal Federal, com a frase mágica da “página virada”. Contudo o livro de Alexandre de Moraes na presidência do Tribunal Superior Eleitoral tem mais páginas.

Não conseguiu explicar o mau desempenho de seus ministros da Educação. (O segundo da série, Abraham Weintraub, endossou o ataque de Wilker Leão que chamou-o de “tchutchuca do Centrão”: “Verdades são difíceis de engolir”.) Bolsonaro entrou numa realidade paralela quando disse que, em 2018, “não tinha Centrão”. Tinha desde o século passado e continuará a existir no mandato do próximo presidente, sempre o apoiando.

Bernardo Mello Franco - Dom Pedro sobe a rampa

O Globo

Monarquismo é a doença infantil do bolsonarismo; presidente tenta usar o coração do imperador em sua campanha à reeleição

A ideia foi bizarra até para os padrões do governo atual. A pretexto de festejar o bicentenário da Independência, Jair Bolsonaro mandou trazer de Portugal o coração de Dom Pedro I. O órgão desembarcou em Brasília na segunda-feira, mergulhado num pote de formol.

Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon morreu em 1834. Seu corpo foi enterrado no panteão real em Lisboa. O coração foi levado ao Porto, onde fica trancafiado numa igreja.

O órgão descansou em paz durante 188 anos. Agora saiu da urna de mogno para servir ao projeto político de Bolsonaro. À revelia, o imperador foi transformado em cabo eleitoral do capitão.

A víscera subiu a rampa do Planalto com honras de chefe de Estado. Aviões da Esquadrilha da Fumaça desenharam um coração no céu de Brasília. A artilharia de campanha disparou 21 tiros de canhão. Criancinhas cantaram o hino e agitaram bandeiras do Brasil.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro ganhou mais do que perdeu no JN

Correio Braziliense

A entrevista estabeleceu um padrão de questionamento dos entrevistadores aos entrevistados que deve se repetir com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

O presidente Jair Bolsonaro se saiu melhor do que a encomenda na entrevista concedida a Willian Bonner e Renata Vasconcellos no Jornal Nacional, segunda à noite. Cobrado insistentemente pelos dois apresentadores sobre temas que são as causas de sua alta rejeição, como a atuação durante a pandemia de covid-19 e a questão ambiental, saiu pela tangente, mentiu às vezes, porém, não perdeu a cabeça e partiu para a agressão verbal, como acontece na maioria das entrevistas “quebra-queixo” que concede, quando é confrontado por algum jornalista.

Nas redes sociais, durante a entrevista, bolsonaristas e petistas, principalmente, travaram uma guerra virtual que repercutia a sabatina em tempo real. Principalmente no Twitter, Bolsonaro perdeu as batalhas quando tratou das urnas eletrônicas e das ameaças de golpe, da crise da falta de oxigênio nos hospitais de Manaus e das vacinas. Também não ficou bem na fita quando negou corrupção no governo. Mas, se saiu melhor quando falou do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e da aliança com o Centrão. Na métrica do monitoramento das redes sociais, teve em torno de 35% de menções positivas e 65% de menções negativas. Não foi um mau resultado.

Hélio Schwartsman - Hostilidade à democracia deve ser considerada crime?

Folha de S. Paulo

Democracia tende a beneficiar-se de críticas bem-feitas

As investigações dirão se Alexandre de Moraes, do STF, acertou ao ordenar operações de busca e apreensão contra empresários bolsonaristas que defenderam um golpe de Estado no Whatsapp. Se a Polícia Federal encontrar indícios de que eles se organizaram para promover uma mudança ilegal de regime político, aí é processo e cana neles. Mas se eles apenas manifestaram hostilidade em relação à democracia, sem envolver-se em planejamento ou ações para derrubá-la, penso que isso não deve ser considerando um delito, mesmo tratando-se de bolsonaristas.

Meu ponto é que a lei pode e deve exigir que ninguém se envolva com sedições, mas não pode obrigar as pessoas a apoiarem a democracia. E quem não gosta dessa forma de governo deve ter o direito de dizê-lo. Uma interpretação muito rigorosa das leis de defesa do Estado silenciaria várias correntes de pensamento.

Bruno Boghossian - O golpismo em circulação

Folha de S. Paulo

Presidente usa risco como arma política, mesmo quando finge amenizar as próprias bravatas

Parecia até que o presidente havia sido tomado por mais um pressentimento. Horas antes de a Polícia Federal bater na porta de oito empresários que discutiam casualmente um golpe de Estado, Jair Bolsonaro dizia para 43 milhões de brasileiros que defender o fechamento do STF não era "nada de mais". "Para mim, isso daí faz parte da democracia", afirmou, no Jornal Nacional.

A afinidade de Bolsonaro com a ideia de uma ruptura democrática não é nenhuma novidade. Mas é interessante observar como o presidente emite um tipo de salvo-conduto e estimula o golpismo entre seus seguidores mesmo quando ele próprio age estrategicamente para reduzir o volume dessas bravatas.

Bolsonaro insiste na circulação da ameaça porque explora o fantasma do golpe como arma política. Em primeiro lugar, a retórica da ruptura ajuda o presidente a se vender como líder de uma guerra contra "o sistema" e manter o engajamento de seus apoiadores mesmo nos momentos em que ele parece frágil.

Mariliz Pereira Jorge - Primeira-ministra baladeira

Folha de S. Paulo

Mulher, jovem e festeira destoa no cenário masculino e sisudo da política

Só em 1960 uma mulher veio a ser eleita democraticamente chefe de governo. Foi no Sri Lanka. Hoje, cerca de 20 países são governados por uma pessoa do sexo feminino. É pouco. A política ainda é feita por homens e o mundo parece longe de se acostumar com a presença de mulheres em posições de poder, muito menos com aquelas que não se enquadram no estereótipo terninho, cabelo comportado, vida discreta.

Se não tivesse lido que era a primeira-ministra da Finlândia a moça dançando muito animada, o vídeo que circulou na internet nem teria me chamado a atenção. Há dúzias de clipes iguais no Instagram: gente jovem, um tanto calibrada, rebolando até o chão, em geral em frente a uma câmera de celular. É isso o que a maioria faz aos finais de semana.

Vera Rosa - O festival de besteira que assola o País

O Estado de S. Paulo

Horário eleitoral começa na esteira de ‘guerra santa’, ‘tchutchuca do Centrão’ e mais ameaça de golpe

Faltam apenas dois dias para a estreia da propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio. E, pelo espetáculo deplorável dos últimos dias, tudo indica que estaremos diante de um novo Festival de Besteira que Assola o País, o famoso Febeapá, como diria Stanislaw Ponte Preta.

Em uma disputa na qual até o “Cramulhão” foi importado da novela Pantanal para dar as caras na campanha, temas como possessão demoníaca, aborto, kit gay e fechamento de igrejas evangélicas voltam a aparecer. Um retrocesso sem fim.

Líder das pesquisas, o ex-presidente Lula (PT) quer levar a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) para o centro do debate. A presença de Marina é importante ativo para Lula, e não apenas por seu prestígio na área ambiental.

Roberto DaMatta - Sobre urnas e votos

O Estado de S. Paulo

No mundo civilizado, primeiro se arruma o país. No Brasil, primeiro se arrumam os vencedores

Uma poderosa reflexão sobre as urnas como um instrumento de escolha de governantes foi feita por Machado de Assis no conto A Sereníssima República, publicado em 1882. É Richard Moneygrand, meu velho mentor harvardiano, indignado com a tentativa de ilegitimar a urna eletrônica feita por Bolsonaro, quem fala num e-mail.

Você analisou esse conto, diz meu amigo, que tem um pouco de Kipling e antecede Kafka, porque o seu centro é a comunicação de um erudito Cônego com aranhas. Tendo aprendido o idioma das aranhas, o pesquisador - a pedido delas - sugere a adoção do regime republicano no qual o poder passa por meio de urnas e votos. É obvio, portanto, que a urna e o voto sejam envoltos numa atmosfera peculiar, porque são substituídos da velha sucessão por sangue, feita nas casas reais. 

Fernando Exman - Uma ampulheta sobre a mesa de Bolsonaro

Valor Econômico

Governo aguarda medidas populares se converterem em votos

A menos de 40 dias do primeiro turno, a campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro corre contra o tempo.

Dia após dia, integrantes do comitê monitoram os sinais vitais da economia com a tarefa de saber quando a já perceptível melhora nas expectativas de agentes econômicos chegará à ponta. Ou, em outras palavras, tentam prever se e quando essas mudanças nas projeções em relação ao crescimento da economia e à inflação de 2022 se converterão em votos.

Não é uma conta simples. Em público, adotam o discurso segundo o qual o Brasil vai melhor do que outros países. Isso foi dito, por exemplo, na segunda-feira pelo próprio presidente a milhões de telespectadores durante sua entrevista ao “Jornal Nacional”. Mas não importa. A portas fechadas, trabalha-se como se uma ampulheta estivesse sobre a mesa. Há pressa. E não se descarta a possibilidade de novas notícias positivas serem produzidas nas próximas semanas a fim de acelerar esse processo.

Daniel Rittner - Estatais querem uma nova lei do saneamento

Valor Econômico

Propostas serão apresentadas a presidenciáveis

No início, as privadas não eram nem um pouco privadas. As latrinas públicas de Roma podiam ter 20 assentos ou mais em íntima proximidade, com os usuários conversando animadamente, como hoje andamos juntos de ônibus. O rei Charles II (1660- 1685), da Inglaterra, levava ao banheiro dois assistentes. Em Londres, era comum observar cidadãos agachados em plena rua, aliviando-se à luz do dia.

O hábito das necessidades em solidão não veio acompanhado de cuidados coletivos. As fossas sépticas em bairros pobres da adensada capital britânica na revolução industrial raramente eram limpas e frequentemente transbordavam. Fezes humanas, bem como resíduos industriais e animais mortos, iam parar no rio Tâmisa. Ensaiou-se uma solução em 1778, quando foi patenteada a primeira descarga moderna. O tiro saiu pela culatra. As famílias passaram a despejar, no projeto de vaso sanitário, todos os restos das casas. Havia entupimentos e odores insuportáveis. O drama só foi resolvido com a invenção de Thomas Crapper (entendedores entenderão a excrescência do sobrenome, que é apenas acaso).

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Bolsonaro mente e é autoritário — mas não perde o prumo

O Globo

Entrevista ao JN demonstrou por que, apesar das barbaridades, ele continua um candidato competitivo

Sobraram mentiras e faltou um compromisso inequívoco com o respeito ao resultado das urnas na entrevista que o presidente Jair Bolsonaro concedeu à bancada do Jornal Nacional como candidato à reeleição. Nisso, não houve surpresa. A novidade foi o comportamento mais sereno que tentou adotar, é verdade que nem sempre com sucesso.

Cobrado a assumir o compromisso público de que não contestará o resultado da eleição, Bolsonaro adotou uma postura ambígua que lhe permite, ao mesmo tempo, dizer aos críticos que recuou e afirmar ao aduladores que foi coerente. Depois de um vaivém de perguntas precisas e respostas evasivas, disse que poria um “ponto final” e aceitaria o resultado desde que as eleições fossem “limpas e transparentes”. É pouco, pois manteve uma brecha aberta a futuras contestações — e confusão — caso perca. Também atribuiu às Forças Armadas o papel de árbitro do assunto, absurdo que não encontra amparo constitucional. Seu lado autoritário transpareceu quando se negou a criticar seguidores que defendem a ditadura e um golpe para mantê-lo no poder. “Quando alguns falam em fechar o Congresso, é liberdade de expressão deles”, afirmou. “Eu não levo para esse lado.” Como Pilatos, lavou as mãos do golpismo que ele mesmo incentivou.

A entrevista também deixou claro seu pendor incorrigível pela mentira. Negou ter xingado integrante do Supremo, apenas para ser contestado e se ver obrigado a admitir que chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”. Disse que, na pandemia, o governo socorreu Manaus em dois dias, quando o oxigênio levou nove para chegar, enquanto a cidade vivia um morticínio sem paralelo. Negou ter imitado pacientes de Covid-19 com falta de ar, quando as imagens estão ao alcance de qualquer cidadão.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Lira do amor romântico

 

Música | Teresa Cristina - Nem ouro, nem prata