domingo, 23 de maio de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Grande política: uma fotografia e duas hipóteses

É forte o simbolismo da fotografia do encontro entre os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Ignácio Lula da Silva, na casa do ex-ministro Nelson Jobim. Discutir o Brasil é frase genérica e adequada para não deixar qualquer conteúdo concreto de pauta disputar espaço com o efeito simbólico. Há nele uma pedagogia política importante (mostrar que diálogos entre diferentes é possível), um reconhecimento de que a situação do país é grave a ponto de instigar a cooperação entre adversários consumados e um recado político direto sobre a amplitude da rejeição à ideia de reeleição de Bolsonaro. A saúde da democracia agradece e só isso já permite avaliar o encontro como gesto de grande política. 

Grande política, no entanto, numa democracia altamente competitiva como a nossa, não produz outros resultados, além do simbólico, se não estiver conectada com a pequena política, do dia a dia, ofício que ocupa agentes cujos perfis e condutas carregam, em geral, aos olhos do público, simbolismos negativos. Numa democracia, a pequena política, alvo de censura difusa e protestos indignados de quem acredita – ou finge acreditar – que boa política é aquela que se pratica desinteressadamente, precisa ser o destino de toda “boa ação” que pretenda ser, de fato, política. Na relação entre governantes e governados não se pode dispensar o idioma plebeu da pequena política, sem o qual nobreza e democracia não conversam. Valores e interesses são mundos conectados. A política democrática vive da interação de ambos.

Se pensarmos na necessária tradução que um gesto político largo - como foi o do encontro entre os dois líderes - precisa encontrar no terreno que, na política, corresponde ao que Rômulo Almeida chamou de “chão das realidades vulgares”, é legitimo especular sobre seus desdobramentos práticos possíveis. Farei isso a seguir, correndo os riscos de imprecisão e erro que são inerentes a toda interpretação.

A leitura mais direta e corriqueira do fato saliente na superfície é a de que ele corresponde ao realismo político de FHC e ao faro eleitoral de Lula. Convencido da ausência de um nome competitivo do seu partido para concorrer às eleições do ano que vem, FHC teria achado um modo de reforçar, simbolicamente, as reconhecidas restrições de tucanos históricos de diversas tendências ao obstinado governador de São Paulo. Também pessimista quanto às chances de agregação do centro em torno de algum outro pré-candidato externo ao PSDB, o tucano teria se disposto a um entendimento que poderá resultar em aliança com a esquerda, ao menos no segundo turno das eleições. Por essa que chamo de hipótese A, Fernando Henrique estaria dando seguimento a uma declaração pública de que contra Bolsonaro apoiaria “até Lula”. Vendo esse caminho como o mais provável, teria apressado o passo, antecipando o entendimento na expectativa também de que isso poderia moderar o discurso de pré-campanha do petista de modo a ser mais amplo, agregador e acolher também valores e interesses políticos do centro liberal-democrático com os quais ele, FHC, se afina.

Merval Pereira - Coisas de internet

- O Globo

O presidente Bolsonaro, ao que tudo indica, conseguiu convencer os militares de que a política vive de aparências e de promessas vãs, que não precisam ser cumpridas. Seria uma espécie de prestidigitação para enganar o cidadão eleitor. Militar que saiu dos quartéis diretamente para a arena política defendendo seus companheiros em reivindicações salariais e corporativas que os fardados não podem fazer, Bolsonaro ficou quase 30 anos praticando a baixa política, que deu a ele e aos filhos uma vida confortável através de artifícios como a “rachadinha” dos salários dos funcionários dos seus gabinetes, e a manipulação de outras verbas de representação, fundos partidários e eleitorais.

Pequenos assassinatos morais cotidianos, que não são exclusivos dos Bolsonaros mas, levados ao centro de decisão do país, distorcem permanentemente a prática política. Deve-se a essa distorção moral o grave fato de o General de Divisão da ativa Eduardo Pazuello ter a audácia de dizer, em uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que a frase emblemática que proferiu - “A questão é simples, um manda, e o outro obedece”- era “coisa da internet”, apenas para impressionar o público das redes sociais, que estava cobrando de Bolsonaro uma posição depois que ele, como ministro da Saúde, havia anunciado a compra da vacina Coronavac, “a vacina chinesa do Dória”.

Essa encenação revelada candidamente por Pazuello demonstra a que ponto Bolsonaro conseguiu condicionar os militares que o rodeiam e apoiam para assumirem situações de envergonhar uma pessoa de bem. É sabido que Bolsonaro, eleito por 57,7 milhões de votos no segundo turno, sempre disse a seus assessores que quem entende de política é ele, cortando-lhes qualquer possibilidade de argumentação contrária.

Bernardo Mello Franco - Crônica da reconciliação

- O Globo

Hoje pode soar estranho, mas Fernando Henrique Cardoso quase se filiou ao PT. Aconteceu no fim da ditadura, quando trabalhadores do ABC paulista começaram a organizar um partido. Intelectuais como Antonio Candido, Sergio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes embarcaram no projeto. O sociólogo FH ficou indeciso.

“Tive muitas dúvidas sobre que direção tomar. Se apoiar o novo partido que estava se desenhando sob a batuta do Lula, o Partido dos Trabalhadores, se permanecer no MDB ou se criar algo mais homogêneo”, conta Fernando Henrique no recém-lançado “Um intelectual na política: Memórias”.

“Muitos dos meus amigos, a maioria, foi para o PT”, prossegue FH. Ele decidiu não ir à fundação da sigla, em 1980. Logo começaria a se distanciar dos petistas, que considerava “agressivos”. “Até a criação do PT, eu ainda acreditava na possibilidade de uma frente mais ampla. Depois ficou difícil, o PT era intransigente: crê ou morre”, justifica.

O sociólogo e o operário se conheceram antes da política, quando pesquisadores do Cebrap estudavam o novo sindicalismo. Em 1978, FH foi a São Bernardo do Campo em busca de apoio para se candidatar ao Senado. Lula o recebeu numa salinha esfumaçada do Sindicato dos Metalúrgicos.

“Eu, que não sou nem de bebida nem de cigarro, não estava à vontade”, confessa FH. Apesar das diferenças, Lula topou ajudá-lo. “Ele ia aos comícios e falava. Sempre falou bem. Cativava”, elogia o ex-presidente, que se elegeu suplente de Franco Montoro.

Eliane Cantanhêde - Do Brasil para o mundo

- O Estado de S. Paulo

Núcleo paralelo articula levar pacotaço com relatório final da CPI a cortes internacionais

Um núcleo de oposição ao presidente Jair Bolsonaro articula um destino prático e explosivo para o relatório final da CPI da Covid no Senado, com seus depoimentos, mentiras e sobretudo as provas do desleixo ou má-fé no combate à pandemia. Esse destino são as cortes internacionais, tanto a Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, quanto a de Justiça, em Haia, na Holanda.

Os atos e omissões do governo federal e do presidente Bolsonaro já são fartamente conhecidos e documentados em vídeos, áudios e textos, mas as mentiras dos governistas e os documentos, cartas e e-mails que chegam à CPI dão consistência jurídica à realidade já sabida e embasam processos contra os responsáveis.

Exemplos: a plataforma TrateCov oficializando a cloroquina para a Covid; as mais de uma dezena de mensagens enviadas pela Pfizer ao governo oferecendo vacinas, sem resposta; as manifestações da empresa White Martins e dos governos dos EUA, do Amazonas e da Venezuela, antes e durante a crise do oxigênio em Manaus. E vai por aí afora.

Roberto Romano* - Poderes ocultos na falsa república

- O Estado de S. Paulo

Quando examinamos os conselheiros do nosso príncipe, um nome vem à mente: Rasputin

Raros governos na história política mundial agiram sem conselheiros. Embora já na Ilíada o astuto Ulisses recomende o poder de um só, a liderança exige partilhas. Reunir num dirigente decisões estratégicas traz inconvenientes só remediados pela tirania. Escritos clássicos evidenciam a relevância dos ministros, secretários e similares na ordem estatal. Os conselheiros podem agir às claras ou exercer seu ofício nas sombras. Não raro surgem conflitos entre poderosos e auxiliares, o que traz desgraças aos dois.

Platão exemplifica a tragédia do aconselhamento. Dionísio, tirano da Sicília, pediu-lhe ajuda para definir uma administração justa e verdadeira. O autor da República caiu na armadilha, ensinou ao hospedeiro verdades insuportáveis. Como “prêmio” ele foi vendido como escravo. A Carta Sétima platônica narra as desventuras do infeliz conselheiro. Maquiavel entra no rol dos sapientes em desgraça após cumprir as missões secretas da república. É imensa a lista dos desenganos vividos nos palácios.

Rolf Kuntz - Ninguém governa: esta é a verdade dita por Pazuello

- O Estado de S. Paulo

Com o dito pelo não dito, general mostrou Bolsonaro distante da função presidencial

Não há governo, ninguém manda, ninguém é responsável por erros e omissões cometidos no Palácio do Planalto e no seu entorno desde o surgimento da pandemia. Ninguém falhou, na chamada administração federal, quando o Ministério da Saúde mandou cloroquina em vez de oxigênio a Manaus, enquanto doentes morriam sufocados. De uma ou de outra forma, essas mensagens – com um terrível toque de verdade – foram passadas pelo ex-ministro Eduardo Pazuello em declarações à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Catorze mentiras foram ditas pelo depoente, segundo balanço do relator da CPI, senador Renan Calheiros. O desfile de falsidades foi evidente, como em outros depoimentos, mas convém levar em conta a verdade sinistra embutida nesse falatório.

Governo existe formalmente, assim como formalmente há um presidente da República. O candidato Jair Bolsonaro foi eleito para o cargo, tomou posse legalmente e ocupa o gabinete principal do Palácio do Planalto. Mas – e isto o diferencia de outros ocupantes do posto – nunca assumiu seriamente as funções e responsabilidades da Presidência. Aparentemente, jamais entendeu as suas atribuições.

Além de manter os interesses pessoais e familiares no topo das prioridades, sempre confundiu presidir com mandar, ordenar, impor sua vontade. Mandou e desmandou no Banco do Brasil, interferindo até em sua propaganda, e na Petrobrás, dando palpite na formação de preços e demitindo seu presidente para agradar a caminhoneiros. Não há como pensar no desastre humanitário da pandemia sem lembrar, de novo, o uso desastroso do verbo mandar. A cena, gravada em vídeo, foi revista nos últimos dias.

Affonso Celso Pastore* - O debate sobre a distribuição de rendas

- O Estado de S. Paulo

As diferenças de crescimento das rendas entre ricos e pobres ainda não pautaram uma discussão que é inevitável no Brasil

Se a economia fosse como a física, a vida dos economistas seria muito mais fácil. No mundo econômico os “átomos” pensam, reagem aos estímulos da política econômica, e se agrupam para influenciar o desenho das instituições econômicas e alterar as instituições políticas, que por sua vez voltam a influenciar as instituições econômicas. O debate sobre a distribuição de rendas serve para ilustrar a interação dessas forças. 

Olhemos para uma influente explicação sobre o aumento na concentração da distribuição de rendas nas décadas que precederam o ingresso da economia brasileira na armadilha do lento crescimento. Sua primeira base de sustentação era o modelo dual de crescimento de Arthur Lewis, para o qual existiria na agricultura um “exército de reserva” que, devido à produtividade marginal nula poderia suprir a indústria com todos os trabalhadores necessários, sem reduzir a oferta de alimentos. Em contrapartida, isso garantiria salários baixos na indústria, contribuindo para elevar as taxas de retorno nos investimentos.

Mas havia um problema: se os salários dos operários eram baixos, de onde viria a demanda dos bens duráveis de consumo, cuja produção deveria aumentar naquela particular fase do processo de substituição de importações? Como a demanda não poderia vir dos trabalhadores, teria de ser proveniente dos “capitalistas” e dos “rentistas”. Assim, o aumento das rendas dos mais ricos sem alterar a renda dos mais pobres teria sido o instrumento utilizado pelo governo para acelerar o crescimento econômico.

Ricardo Noblat - Bolsonaro manda demitir secretária de saúde e Queiroga obedece

- Blog do Noblat / Metrópoles

Dono da caneta, o presidente faz questão de mostrar que só ele manda no governo e obriga o ministro da Saúde a demitir secretária

Manda quem pode, obedece quem tem juízo. O presidente Jair Bolsonaro mandou o ministro Marcelo Queiroga (foto em destaque), da Saúde, demitir a médica Luana Araújo, que assumira há menos de 10 dias a Secretaria de Enfrentamento à Covid-19. Queiroga, que tem juízo e não quer perder o emprego, obedeceu.

Era visível seu constrangimento quando anunciou a demissão por meio de uma nota oficial que não explicou o motivo da dispensa, limitou-se a registrar:

 “O Ministério da Saúde informa que a médica infectologista Luana Araújo, anunciada para o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, não exercerá a função. A pasta busca por outro nome com perfil profissional semelhante: técnico e baseado em evidências científicas.”

Ora, se Queiroga quer alguém à imagem e semelhança de Luana, por que não ficou com ela? Eis a razão: a secretária sempre criticou sem papas na língua o uso da cloroquina contra o vírus. E Bolsonaro só se deu conta disso depois de sua posse no ministério. A autonomia que prometeu dar a Queiroga era vidro e se quebrou.

Cristovam Buarque* - Jacarezinho um Crime do Brasil

- Blog do Noblat / Metrópoles

Cada vítima de bala perdida é um Jacarezinho, cada chacina de jovens é um Jacarezinho

Jacarezinho é um ponto geográfico e um momento histórico. Fica no Rio de Janeiro e pertence ao fluxo da história do Brasil. Os principais culpados se sua tragédia são aqueles que puxaram os gatilhos de suas armas, de ambos os lados da disputa. Matando um policial e outras 27 pessoas. Mas Jacarezinho não foi um fenômeno isolado na geografia ou na história. Ela tem alguns séculos de construção e muitos responsáveis. Está sendo preparada por líderes nacionais envolvidos diretamente e por milhões de brasileiros coniventes. Jacarezinho foi mais um passo de brutalidade em relação ao passado e ao que ainda ocorrerá no futuro. O Brasil tem milhares de Jacarezinhos explodindo ao longo de anos, executados por uma lógica que lhe dá sustentação, explica e constrói.

Cada vítima de bala perdida é um Jacarezinho, cada chacina de jovens é um Jacarezinho, o assassinato de um tio e um sobrinho entregues à militância do bairro pelos seguranças de um supermercado é um Jacarezinho. O Brasil é um Jacarezinho.

Vinicius Torres Freire – Lula, Bolsonaro e o futuro do arrocho

- Folha de S. Paulo

Epidemia adiou conflito grave sobre gasto público; campanha antecipada vai revivê-lo

A epidemia suspendeu a discussão séria do que fazer com a dívida e o gasto do governo. “Séria” no sentido de decisões, consequências práticas. Uma campanha eleitoral antecipada logo vai ressuscitar esse debate. Quanto mais provável for um confronto entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro, mais precoce será a campanha e mais evanescente será o fantasma da “terceira via”.

As consequências do que cada um disser ou fizer aparecerão mais cedo também. Como a água suja socioeconômica está pelo nariz, qualquer marola será tsunami. Seja lá o que a leitora pense a respeito de como financiar um governo muito endividado, os donos do dinheiro grosso têm ideias claras do que deve ser feito e cobram o seu preço em taxas de juro e de câmbio.

Querem ao menos a perspectiva de que a dívida pública fique mais ou menos estável nos próximos anos, até 2026, por aí. Para tanto, o país teria de crescer uns 2,5% ao ano, a taxa básica real de juros não pode ir muito além de 3% ao ano (isto é, Selic a 6,5%, com inflação na meta) e o teto de gastos deve ser mantido onde está, para ficar no mínimo essencial. É uma perspectiva otimista.

Samuel Pessôa - Escolha social


- Folha de S. Paulo

A escolha social se baseia em dois modelos, o eleitor mediano e os grupos de pressão

A democracia representativa funciona assim: os representantes da população no Congresso Nacional escolhem as leis que organizarão os diversos aspectos de nossa vida em sociedade. É simples.

Não é simples, contudo, entender de que maneira o Congresso funciona: quer dizer, como os seus integrantes fazem as escolhas sociais por nós. A dinâmica da escolha social se torna menos obscura com a ajuda de dois modelos ideais: o teorema do eleitor mediano e a lógica da ação coletiva, conceito elaborado pelo economista americano Mancur Olson.

O que diz o teorema do eleitor mediano? É com uma escolha social envolver uma troca entre presente e futuro. Parece ser o caso da nova Constituinte chilena. Há claro desejo daquela sociedade de aumentar a carga tributária para elevar as transferências às famílias, na forma de maiores benefícios previdenciários e de um Estado de bem-estar mais generoso.

É natural imaginar que os ricos prefiram carga tributária menor e maior crescimento. Os pobres, o contrário, pois dependem mais do Estado. O futuro é distante e, no limite, quem tem fome tem pressa.

Janio de Freitas – Por ora, algemas morais

-Folha de S. Paulo

O precário sistema de fiscalização foi destruído na Amazônia e no Pantanal

primeira função da CPI está realizada, embora ainda em andamento: já ficou bem demonstrado a que classe de gente o Brasil está entregue. Entre (ex) ministro das Relações Exteriores, (ex) dirigente da comunicação governamental com as altas verbas, e (ex) ministro-general da Saúde, o governo só teve para apresentar, e representá-lo, impostores. Falsários das atribuições dos respectivos cargos, falsários no cinismo mentiroso com que tentam evadir-se dos próprios atos e palavras no entanto gravados, impressos, criminosos.

A função subsequente da CPI não contará com a contribuição da corja proveniente do governo. Dependerá de como e quanto o relator Renan Calheiros (MDB-AL), até aqui com desempenho competente, e o preciso presidente Omar Aziz (PSD-AM) conduzam a formação das conclusões submetidas à comissão. De conhecimento público antes mesmo da CPI, os fatos em questão não suscitam dúvida, mas a altivez e a coragem política para relacioná-los com o Código Penal e gravíssimas consequências será de ordem pessoal.

Bruno Boghossian – Negligência exposta

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro e auxiliares se esforçaram para deixar os brasileiros sem imunizantes

Jair Bolsonaro se esforçou para deixar os brasileiros sem vacina contra a Covid-19 enquanto foi possível. Quase toda a estrutura do governo parece ter se mobilizado para ignorar ofertas iniciais do imunizante, apontar dificuldades que poderiam ter sido solucionadas com um pouco de trabalho e adiar ao máximo a chegada de doses por aqui.

Na melhor das hipóteses para Bolsonaro, foi exposta a total incompetência do governo para administrar o país, num momento em que as vidas de milhares de cidadãos dependiam de uma ação eficiente. Sob um ângulo mais realista, ficou caracterizada a negligência do presidente e de seus auxiliares em mais um momento crítico da pandemia.

O governo ignorou pelo menos dez emails enviados pela Pfizer durante a negociação para a compra de até 70 milhões de doses da vacina da farmacêutica. Os documentos, revelados pela repórter Julia Chaib, indicam que o Palácio do Planalto demonstrou desinteresse pelo imunizante e atrasou em cerca de um mês as conversas com a empresa.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Bolsonaro não pode regular redes sociais por decreto

O Globo

São conhecidos os pendores autoritários do presidente Jair Bolsonaro. Volta e meia ele reage como se fosse uma espécie de imperador que quer resolver tudo na base do decreto. Já há algum tempo, afirma ter na manga um para proibir todas as medidas de restrição à circulação impostas por governadores e prefeitos com intuito de conter a transmissão do coronavírus. Seria, naturalmente, uma medida inconstitucional, pois o próprio Supremo já arbitrou a questão, decidindo pela responsabilidade compartilhada entre as três esferas de governo.

Nesta semana, diante da remoção de conteúdos que publicara nas redes sociais promovendo tratamentos ineficazes contra a Covid-19 e espalhando desinformação — pelo menos nove vídeos seus foram excluídos de YouTube, Facebook, Instagram e Twitter, além daqueles marcados por desinformar —, Bolsonaro decidiu se vingar. Preparou um decreto, com parecer já favorável da Advocacia-Geral da União (AGU), para proibir as redes sociais de apagar publicações ou suspender usuários sem ordem judicial. Mesmo que permita o bloqueio em casos específicos — como nudez, apologia ao crime, apoio a terrorismo ou ameaça de violência —, na prática, o decreto tornaria ilegal a iniciativa das redes sociais para moderar qualquer conteúdo, em particular notícias fraudulentas e desinformação sobre a pandemia.

É desejável que haja normas transparentes para a suspensão de contas e bloqueio de conteúdos nas redes sociais. Os critérios adotados pelas grandes plataformas são muitas vezes opacos e resultam em decisões caso a caso nem sempre justificáveis do ponto de vista legal ou do interesse público (um caso extremo que despertou controvérsia foi a suspensão por tempo indeterminado das contas do ex-presidente americano Donald Trump ).

Música | Elizeth Cardoso - Barracão de Zinco