terça-feira, 12 de abril de 2022

Merval Pereira: Falta de apetite

O Globo

Se existisse a possibilidade de surgir um candidato alternativo que unisse a centro-direita contra Lula e Bolsonaro, talvez ele pudesse chegar ao segundo turno. Mas não existe nenhum Macron no mercado político brasileiro que afaste do segundo turno um dos polos extremos do nosso espectro, e não por falta de eleitores. Por falta de interesse dos políticos.

O que se engendra nos bastidores do Centro Democrático é uma chapa anódina, que reuniria o presidente do União Brasil, Luciano Bivar, e a senadora Simone Tebet, do MDB, tanto faz em que posição ficarem. Seria uma chapa para deixar livres os eixos daqueles partidos que querem aderir a Lula ou Bolsonaro.

Parte significativa dos senadores do MDB foi a um jantar com Lula em Brasília, organizado pelo ex-senador Eunício Oliveira. Bivar como representante do União Brasil, numa provável chapa única da frente centrista, ameniza o desconforto dos ex-integrantes do DEM que não querem parecer adversários frontais de Lula como pareceriam se escolhessem o ex-juiz Sergio Moro ou até mesmo Ciro Gomes, do PDT.

Os dois têm em torno de 10% das preferências do eleitor, na margem de erro. Seria um bom começo, se unissem os partidários do nem nem, mas isso é cada vez mais improvável, diante dos interesses regionais e da quase certeza de que a polarização nacional se repetirá na maioria dos pleitos estaduais.

Luiz Carlos Azedo: Contra quem se articula a terceira via?

Correio Braziliense

Perguntem ao ex-governador João Doria (PSDB): quem é o seu adversário principal? A mesma pergunta pode ser feita a Simone Tebet (MDB) ou a Ciro Gomes (PDT). Não quererão responder

Na arte da guerra, não identificar o inimigo principal pode ser um erro capaz de levar ao desastre. Numa ordem democrática, é melhor chamar o “inimigo” de adversário, porque ele pode ser o aliado de amanhã, como está acontecendo agora, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB), seu rival no segundo turno das eleições de 2006, então pelo PSDB. Numa eleição polarizada entre Lula e o presidente Jair Bolsonaro, o desafio da chamada terceira via é identificar o adversário principal no primeiro turno.

A história está repleta de erros de avaliação sobre essa questão. O mais notório foi o confronto entre comunistas e social-democratas na Alemanha, que dividiu o movimento sindical e a intelectualidade, abrindo caminho para Adolf Hitler chegar ao poder. Os comunistas chamavam os social-democratas de social-fascistas, o que era um equívoco, mas havia lá suas razões: o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, que representavam o espírito revolucionário da época. Eles acusavam a Social-Democracia Alemã de traição, por ter aprovado os créditos de guerra no Reichstag (parlamento alemão), em 4 de agosto de 1914. Liebeneck foi o único deputado a votar contra a guerra.

Quando a onda da Revolução Russa impactou a Alemanha derrotada na guerra, em 1918, com o surgimento de conselhos operários, a queda do Kaiser e a Proclamação da República, o governo ficou nas mãos dos dirigentes mais conservadores da social-democracia, que fizeram um pacto com o estado-maior militar para liquidar o levante dos operários da Liga Spartacus, núcleo inicial do Partido Comunista Alemão. Em 15 de janeiro, um destacamento de soldados prendeu Liebknecht e Rosa, que lideravam o levante. Foram levados para o Hotel Éden, quartel-general dos Freikorps — veteranos do exército do Kaiser —, no centro de Berlim, paramilitares com os quais o governo social-democrata havia feito um acordo para reprimir a insurreição. Os dois líderes foram espancados, arrastados e mortos a tiros. O trauma da guerra dividiu a esquerda mundial, principalmente depois de Revolução Russa, e nunca mais foi superado.

Andrea Jubé: Jantar de Lula com MDB já estava precificado

Valor Econômico

Palanque de Jucá em RR tem PL de Bolsonaro na vice

Quando era presidente do Senado, o então senador Eunício Oliveira (MDB-CE), acomodado em uma mesa do café atrás do plenário, rabiscou em uma folha de papel, com a destreza de uma criança de quatro anos, um suposto mapa do Brasil. Dividiu o esboço em 27 círculos e anotou, em cada um, o nome do cacique que dominava aquela região.

Na ocasião, Eunício explicou que o MDB era um partido de lideranças regionais, onde cada um era dono do seu quadrado. Assim, há mais de uma década, Eunício controla o diretório do Ceará, enquanto o ex-presidente José Sarney comanda o MDB no Amapá e no Maranhão, Renan Calheiros dirige o MDB de Alagoas, Jader Barbalho, o diretório do Pará, e o ex-senador Romero Jucá, o diretório de Roraima, para citar alguns dos principais cardeais.

É nessa configuração de potências regionais que o presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), trabalha para construir maioria em torno da pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República.

O desafio de Baleia é duplo: garantir o MDB, e, na sequência, vencer o páreo na terceira via, entre a dupla de adversários tucanos: os ex-governadores João Doria e Eduardo Leite. O ex-juiz Sergio Moro tem afirmado que não saiu da corrida, mas o fato é que o União Brasil não lhe dará legenda para concorrer ao Planalto.

Pedro Cafardo: Em qual político citado abaixo você votaria?

Valor Econômico

É arriscado escolher candidatos com base em perfis superficiais

Com a proximidade das eleições, vale pedir ao leitor um exercício: votar em um dos três candidatos cujos perfis estão resumidos abaixo.

O primeiro teve poliomielite e demonstra dificuldade para caminhar, é hipertenso e anêmico, mente quando lhe convém e consulta astrólogos sobre política. Fuma muito e trai a mulher.

O segundo tem sobrepeso, pressão alta, já sofreu dois ataques cardíacos e perdeu três eleições. É difícil trabalhar ao lado dele, porque fuma charutos sem parar. Toda noite toma champanhe, vinho ou uísque e dois calmantes para dormir.

O terceiro é um cabo herói de guerra condecorado que trata bem as mulheres, ama animais, não fuma e só bebe uma cerveja em ocasiões especiais.

Esse exercício de voto foi feito a seus alunos pelo professor Martin, interpretado pelo ator dinamarquês Mads Mikkelsen, no filme “Druk - Mais uma Rodada”, Oscar de melhor filme internacional em 2021. E qual dos três candidatos foi escolhido pelos alunos? Todos disseram que votariam no terceiro. Aí o professor Martin revelou os nomes dos candidatos.

Maria Clara R. M. do Prado: Impasses em torno da inflação

Valor Econômico

Preocupa a persistência do processo de alta de preços, que se arrasta desde o segundo semestre de 2021

A inflação de março medida pelo IPCA, cujo nivel de 1,62% a todos assustou, sem dúvida preocupa. Menos pela variação tão elevada em apenas um mês e mais pela persistência do processo de alta de preços que se arrasta desde o segundo semestre do ano passado.

De fato, é a maior inflação observada em um mês de março na era do Real. Em igual período de 1995, o IPCA fechou em 1,55% o mais elevado da série até então. Não vale comparar com março de 1994, quando a URV (Unidade Real de Valor) entrou em vigor, porque os preços ainda eram denominados em cruzeiro real, a moeda velha que desapareceu do cenário monetário brasileiro em 1º de julho daquele ano.

O moribundo cruzeiro real amargava nos últimos meses de vida uma inflação mensal de mais de 40%, como se sabe, e boa parte deste aumento deveu-se às remarcações preventivas de preços pelo receio dos empresários com as consequências imediatas da estabilização. Portanto, havia um forte componente de imprevisibilidade a explicar parte do descompasso inflacionário daquele período.

Hélio Schwartsman: Bolsonaro consagra o cinismo na política

Folha de S. Paulo

Nossa falha moral foi não tê-lo submetido a um impeachment

É difícil ser humano. Estamos meio que condenados a nos equilibrar precariamente entre o apego a princípios e os imperativos da realidade. Se tratamos tudo como um embate moral, o risco é nos tornarmos fanáticos, daqueles que punem o menor deslize com a fogueira. Se consideramos que tudo é negociável, o perigo é nos convertermos em cínicos, daqueles que pregam o relativismo absoluto.

É difícil aqui fugir ao conselho, algo acaciano, de Aristóteles, segundo o qual a virtude está no meio. Não podemos nem ser tão moralistas que não consigamos construir soluções negociadas, nem tão relativistas que não reconheçamos qualquer hierarquia nos valores. O Brasil vem fracassando miseravelmente nessa busca pelo equilíbrio.

Cristina Serra: Pacheco, e a CPI do MEC?

Folha de S. Paulo

Legislativo que não cumpre seu papel colabora com a ruína da democracia

São abundantes as denúncias feitas pela imprensa sobre o assalto de predadores da educação ao cofre do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). É como praga em plantação. Deixa terra arrasada, mas enche o bolso de pastores trambiqueiros, da escumalha do centrão e de empresários de fachada.

Na esbórnia com dinheiro público, propina é cobrada em ouro e empurram-se jogos de robótica para escolas que não têm água nem internet, onde as aulas são suspensas por causa do calor e a descarga nos banheiros não funciona. O destino dos robôs será ferrugem e poeira.

Joel Pinheiro da Fonseca: Talvez Bolsonaro seja um pouquinho corrupto...

Folha de S. Paulo

Carreira do presidente é marcada por enriquecimento suspeito de mulheres e filhos

Podem xingar Bolsonaro de tudo, desde que não se esqueçam de "corrupto". Tanto no passado como no presente, a conduta do nosso mandatário é a mesma: onde Bolsonaro está, lá tem esquema.

O maior golpe de marketing de sua campanha em 2018 foi mostrar-se como paladino de valores morais e cruzado anticorrupção. Toda sua carreira é marcada pela corrupção e enriquecimento suspeito de seus filhos e mulheres.

O esquema é simples: contrate funcionários que não fazem nada e fique com uma parte do salário deles, tudo pago pelos cofres públicos. Até o filho Eduardo teve seu primeiro emprego em Brasília enquanto cursava Direito e surfava no Rio.

O resultado era expressivo: dinheiro para toda a família. A ex-mulher de Bolsonaro comprou 14 imóveis, cinco deles com dinheiro vivo. Flávio também é adepto dessa modalidade inusual de transação.

Ala do MDB rifa candidatura de Simone Tebet em jantar com Lula

Senador Renan Calheiros afirma que a união de partidos que tentam viabilizar a terceira via é 'somar nada com pouca coisa'

Matheus Teixeira / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Um grupo de caciques do MDB aproveitou o jantar com o ex-presidente Lula (PT), nesta segunda-feira (11), para fritar a candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS) à Presidência da República.

Integrantes do partido fizeram uma comparação entre a parlamentar e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles em 2018, que representou o partido na disputa presidencial e acabou o pleito com 1,2%.

Colega de partido de Tebet, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou que não há espaço para sua correligionária crescer nas pesquisas de intenção de votos devido aos altos índices de Lula e do presidente Jair Bolsonaro (PR).

Segundo ele, nem a união de MDB, União Brasil e PSDB, que anunciaram que divulgarão o nome de uma candidatura única em maio, terá potencial para alterar o cenário.

"Se você somar quem tem 1% com quem tem 2%, não vai alterar a fotografia das pesquisas. É somar nada com pouca coisa", disse.

Pedro Fernando Nery*: A ameaça consumista

O Estado de S. Paulo

Eleitor brasileiro está pronto para ouvir que consome demais?

Entre as declarações de Lula na semana passada, ganhou menos destaque a de que o Brasil teria uma classe média que não existiria em nenhum outro lugar do mundo, nem na Europa. Isso porque a classe média “ostenta muito um padrão de vida acima do necessário”.

No domingo, de forma mais cifrada, foi a vez de Ciro Gomes, que falou em “conforto consumista”. Ele se referia ao dólar baixo dos governos do PSDB e do PT, uma prática que seria populista e que agora estaria sendo copiada por Bolsonaro – já que o câmbio vem caindo em 2022. 

Ciro respondia a uma pergunta da economista Laura Carvalho sobre a centralidade que o câmbio alto tem nas suas propostas de governo. Em seu plano, o real barato ajudaria o Brasil a exportar em indústrias sofisticadas em que hoje não é competitivo, formando uma nova base para a economia nacional. Indagado sobre se o plano do dólar alto não empobreceria demais os trabalhadores, Ciro falou em “ilações”, mencionou viagens de brasileiros para fora do País e jogou a expressão que me deixou pensando: “conforto consumista”. Talvez compartilhe a visão de Lula sobre a classe média-ostentação?

Felipe Salto*: Dinheiro não é capim. Acorda, Brasil!

O Estado de S. Paulo

Como é que se promete um conjunto de escolas novas de quase R$ 6 bilhões, se o orçamento disponível não passa de R$ 0,1 bilhão?

Breno Pires, André Shalders e Julia Affonso escreveram uma das matérias mais importantes de 2022. O trabalho foi capa do Estadão de domingo (10 de abril). Apesar das 3,5 mil escolas inacabadas no País, estão jogando recurso público pela janela para sustentar a fantasia de erguer mais 2 mil. A questão é que o orçamento “disponível” não representa nem 0,5% do necessário para as novas escolas. Basta desses despautérios.

Que bom seria se tivéssemos, nas leis e na Constituição, normas a brecar essa sandice. Pois é, já as temos, como aprendi com Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI). Mas nem só de regras, normas, leis, postulados, papel e rios de tinta vive o bom uso do dinheiro público. Eles precisam ser combinados à atividade política, à cultura, ao bom funcionamento das instituições e a valores, muitas vezes, ignorados.

A Emenda Constitucional n.º 102, de 2019, inseriu o parágrafo 12 ao artigo 165 para determinar que: “Integrará a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) (...) anexo com previsão de agregados fiscais e a proporção dos recursos para investimentos que serão alocados na Lei Orçamentária Anual para a continuidade daqueles em andamento”. Ainda, no parágrafo 14: “A Lei Orçamentária Anual poderá conter previsões de despesas para exercícios seguintes, com a especificação dos investimentos plurianuais e daqueles em andamento”.

Na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o artigo 45 manda priorizar as obras inacabadas: “(...) a lei orçamentária e as de créditos adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em andamento (...), nos termos em que dispuser a Lei de Diretrizes Orçamentárias”.

Em jantar com Lula, caciques do MDB indicam que podem tentar barrar candidatura de Tebet em convenção

Encontro aconteceu na casa do ex-presidente do Senado Eunício Oliveira, em Brasília, e reuniu cinco dos 13 parlamentares da sigla

Camila Zarur e Bruno Góes / O Globo

BRASÍLIA — Caciques do MDB que se reuniram com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na noite desta segunda-feira, em Brasília, indicaram que podem tentar barrar a candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS) à Presidência, na convenção da sigla, que deve ocorrer até o início de agosto. Pelas regras da Justiça Eleitoral, um candidato precisa ter aval da maioria do partido para poder concorrer.

Ainda pouco conhecida dos eleitores, Tebet tenta se viabilizar como nome da chamada terceira via na corrida pelo Palácio do Planalto, mas sofre resistência de uma ala do próprio partido, que tenta rifá-la da disputa para que a sigla possa compor a aliança de Lula. O MDB, no entanto, fechou acordo com o União Brasil e o PSDB para lançar uma candidatura única, a ser anunciado no dia 18 de maio.

O apoio do MDB a Lula é defendido principalmente por caciques do Nordeste, que tentam colar no ex-presidente para colher frutos eleitorais. Dos 13 senadores da legenda, cinco estiveram com o petista em jantar oferecido pelo ex-presidente do Senado Eunício Oliveira (CE).

— Há uma tendência natural de não irmos novamente para um suicídio político. Nós fomos de (Henrique) Meirelles em 2018 quando nós sabíamos que ele não tinha a menor condição eleitoral — afirmou Eunício, lembrando da candidatura do ex-ministro da Fazenda de Michel Temer, que ficou em sétimo na disputa, com 1,2% dos votos.

Eunício completou:

— Se não for uma candidatura viável, não tenho dúvidas que os diretórios vão derrubar na convenção.

Segundo ele, 14 dos 27 diretórios regionais da sigla são contrários à candidatura própria.

Jorge Ithallo dos Santos: Democracias sob ameaça


O Globo

O mundo tem assistido, nos últimos dias, a um verdadeiro assassinato de um país, uma nação, um povo e uma democracia. O responsável é outro país, autocrata, chefiado por um aspirante a ditador, que governa com mãos de ferro há mais de 20 anos, com interesses dos mais espúrios existentes. Vladimir Putin invadiu a Ucrânia e vem destruindo o país, que levará décadas para se reconstruir e gastará bilhões de dólares para isso; porém nada pagará as vidas perdidas. Isso é incalculável.

Na mesma toada da invasão, Putin ameaçou outros países que fazem fronteira com a Rússia e a Ucrânia, caso aderissem à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ou interferissem na guerra. Ele ameaça também cortar o fornecimento de gás para a União Europeia. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, não se via uma escalada tão grande do perigo de uma grande guerra, incluindo a possibilidade do uso de armas nucleares por parte da Rússia.

A Ucrânia sofreu muito no século passado e vinha tentando se recuperar, após retomar sua independência em 1991, com o fim da União Soviética. O regime ditatorial soviético foi o responsável por duas grandes tragédias no país: o Holodomor matou de fome milhões de ucranianos entre 1932 e 1933. Em 1986, houve o acidente nuclear de Chernobyl — até hoje não se sabe ao certo o tamanho dos estragos ambientais e o número de vítimas. Após vivenciar tudo isso no século passado, o país vinha tentando se reerguer, mas sofre com o assédio de Putin desde 2014, quando houve a invasão da Crimeia, que segue até hoje sob o domínio russo.

Míriam Leitão: Cenário mutante na economia

O Globo

A declaração do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que se surpreendeu com a inflação levou vários economistas de volta às suas projeções, desta vez de taxa de juros. Se ele foi surpreendido, pode elevar ainda mais a Selic. O raciocínio é esse. Mas alguns bancos já estavam prevendo que seria mesmo mais forte o aperto monetário. Ontem, entrevistei Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú-Unibanco, e ele já estava prevendo 13,75% de taxa de juros, ou seja, mais dois pontos percentuais de alta pela frente.

E por que tão alta? A inflação tem sido sempre pior do que as projeções. Mesquita mesmo disse que eles estão constantemente revendo o pico da inflação. Era novembro, foi para dezembro, e agora será abril, quando a taxa chegar a 12%. E depois? Durante todo o primeiro semestre o índice ficará em dois dígitos.

Edu Lyra: Escalando montanha

O Globo

Função mais importante do alpinista é deixar trilha para os outros

 ‘Uma liderança social é como um alpinista escalando uma montanha.’ A analogia é de Jorge Melguizo, ex-secretário de Desenvolvimento Social e Cultura Cidadã de Medellín, na Colômbia, cidade que passou por um dos mais arrojados processos de transformação social do continente nas últimas décadas.

De primeira, fiquei intrigado com a comparação. Que relação teria o trabalho de uma ONG com um esporte radical? Jorge então explicou que, ao desbravar uma montanha pela primeira vez, o alpinista vai fincando grandes “pregos” na lateral da rocha, nos quais apoia sua corda e seus equipamentos de segurança.

Terminada a escalada, o que acontece com esses pregos? Permanecem na montanha. Servirão agora de apoio a outros aventureiros, que poderão usá-los para apoiar novas cordas e, assim, alcançar seus objetivos com mais facilidade.

O alpinista não busca, portanto, apenas realização pessoal — ultrapassar seus próprios limites e vencer a montanha. Sua função mais importante é encontrar e construir uma trilha para aqueles que virão depois. É facilitar o caminho de todos os que desejam chegar ao topo, por mais desafiadora que a jornada possa parecer.

Aylê-Salassié F. Quintão*: A "Cupinização" do Estado

Vive-se, por aqui, um cenário de barbárie, de digestão mal comportada e de degradação da estrutura administrativa do Estado e das políticas públicas, sobretudo aquelas que tratam da fiscalização e do controle do manuseio de recursos.  A administração pública no Brasil está cem anos atrasada, e não surge ninguém, em eleição alguma, preocupado em projetar-lhe uma forma e um sentido. Ao contrário, o Estado é que parece ser um grande transgressor.

Ninguém que transitou pelo estrutura gestora do Estado, mesmo transgressivamente, é condenado. Perfil infrator até parece uma pré-condição para o credenciamento a um cargo público. O Tribunal de Contas da União, vez por outra, pune um motorista com a demissão. O da Justiça, um ou outro juiz, com a aposentadoria, mas com direitos e salários da ativa. A Receita Federal tem uma sala exclusiva para os grandes caloteiros. Ex-presidentes da República recebem do Estado para falar contra ele. Nem o que está escrito na Constituição é protegido. Não tem mutirão que consiga hoje organizar o que vem sendo historicamente desarrumado. 

Em um longo e bem articulado voto, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia, com ares de grande corregedora, tocou em um ponto crucial do descompromisso dos ocupantes de cargos públicos com a máquina do Estado. Além de cobrar medidas urgentes do IBAMA e da Funai para conter o desmatamento na Amazônia e o avanço sobre as terras indígenas, apelidou de   "cupinização" a silenciosa e invisível ação e omissão política que sistematicamente corrói a estrutura e a alma do Estado. 

Ela se fundamentou nas tentativas de desqualificar e esvaziar os órgãos de fiscalização ambiental e dos direitos territoriais dos indígenas, ao interpretar uma Arguição de Descumprimento do Preceito Fundamental - ADPF 760, originada de um grupo de partidos políticos, cobrando o esvaziamento do IBAMA, da Funai, do Fundo da Amazônia, do Conama e outros.  Mas, dentro da máquina do Estado, a questão não parece ser apenas pontual. A complexidade é bem maior. Quem a corrói são os próprios políticos, e não as empresas, que agem passivamente. As cobranças vem de dentro do próprio Estado.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Desmandos no MEC precisam ser investigados

O Globo

 O Ministério da Educação se transformou numa fonte aparentemente inesgotável de transtorno e denúncias contra o governo. Começou com a revelação de que pastores estranhos aos quadros do MEC eram presença assídua na pasta, onde decidiam sobre as verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em negociações escusas que, segundo prefeitos, envolviam pedidos de propina em troca da liberação de recursos.

A cada nova revelação fica mais claro que, aparelhado pelo bolsonarismo, o MEC virou um balcão de negócios voltado para atender às demandas políticas do Centrão, e não às necessidades prementes da claudicante educação brasileira. O último dos muitos desmandos é a promessa de construir 2 mil escolas em cidades do interior para as quais não há recursos disponíveis, enquanto existem 3.500 obras paralisadas por falta de verbas, como revelou reportagem do Estado de S. Paulo. Considerando o orçamento atual, a construção das unidades levaria cinco décadas. O projeto, em pleno ano eleitoral, foi apelidado de “escolas fake”.

Os descalabros no FNDE são a consequência esperada da entrega do fundo ao Centrão. A gestão está a cargo do presidente Marcelo Ponte, apadrinhado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. O diretor de Ações Educacionais, Garigham Amarante, foi indicado por Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Resultado: faz-se política partidária onde deveria haver política educacional, fundamental para recuperar o atraso depois de dois anos de escolas fechadas durante a pandemia.

Como revelou O GLOBO, o FNDE, sob comando do Centrão, destinou R$ 4,1 milhões à compra de caminhões para transporte de merenda escolar. Do total, R$ 3,1 milhões (75%) beneficiaram 14 cidades governadas por prefeitos do PP, partido de Ciro Nogueira. Nove ficam no Piauí, seu reduto político. Os recursos foram repassados pelo orçamento secreto, via o famigerado mecanismo das emendas do relator.

Poesia | Bertolt Brecht: O Analfabeto Político

 

Música | Manifestação: Fernanda Montenegro e Chico Buarque pelos Direitos Humanos