domingo, 26 de agosto de 2018

Alberto Goldman: As pesquisas e o que nos espera

Vera Magalhães: Bolsonaro entrincheirado

- O Estado de S.Paulo

Líder nas pesquisas recolhe exércitos e reforça os territórios já conquistados

O início oficial da campanha levou Jair Bolsonaro para atrás das trincheiras. Ex-capitão do Exército e fã confesso de estratégias militares, o líder nas pesquisas preferiu recolher seus homens e reforçar os territórios de votos já conquistados para esperar a pesada artilharia adversária que virá.

A decisão de restringir ao máximo, e talvez até abandonar, a presença em debates se inscreve nessa lógica defensiva. Bolsonaro vinha abrindo o flanco e gostando desse tipo de confronto. Contribuiu para sua sensação de que podia ir para cima o desempenho acima do esperado no Roda Viva, para o qual contribuiu a prevalência de perguntas sobre os temas que ele está acostumado a debater – ainda que sua opinião nessas matérias choque uma parte da sociedade, esta não é aquela propensa a votar nele. Veio a sabatina na GloboNews e, de novo, ele achou que saiu por cima com a tática de eleger a imprensa como adversária.

Aquela semana positiva fez com que os adversários de Bolsonaro fossem ao primeiro debate acovardados e poupassem o capitão. Essa fase acabou no debate da RedeTV!, e como escrevi aqui ainda no calor do programa, ele acusou o golpe. Tanto que mudou de estratégia. Abrir mão dos debates na posição de Bolsonaro é uma aposta de risco. Ele é o que é hoje graças a uma mística de valentão, que não foge do confronto e diz verdades na cara dos inimigos e da sociedade.

Faltar a uma, duas, três sabatinas, ignorar encontros de setores aliados, como a Confederação Nacional da Indústria, e deixar em suspenso até a participação nos debates das grandes emissoras mostra um candidato temeroso das próprias fragilidades – programáticas, discursivas, posturais.

Eliane Cantanhêde: PT: mídia, internet e TV

- O Estado de S.Paulo

Lula, Bolsonaro e Alckmin têm artilharia; mas Lula tem, além da própria, a dos adversários

Lula é imbatível ao usar (e abusar) da mídia e estar sempre nos jornais, rádios, TVs e revistas. Bolsonaro viu antes de todos o poder multiplicador das redes sociais. Alckmin dispõe de um latifúndio da propaganda eleitoral no rádio e na TV. Marina e Ciro vão ter de enfrentar essa artilharia no gogó.

Lula foi condenado e preso, o PT afundou até vencer numa única capital – a pequena Rio Branco, no Acre – e, apesar de tudo isso, o ex-presidente foi se recuperando e hoje é o campeão nas pesquisas de primeiro e segundo turnos. Como explicar?

Fácil. Ele e o PT são mestres no marketing, na propaganda, sabem criar notícia, garantir visibilidade e usar a patrulha para acuar os críticos. Lembram do “Fome Zero”? Um plano vazio, mas de efeito midiático acachapante. No final, virou um selinho escondido nos programas sociais da era PT, na verdade uma fusão dos herdados de FHC.

Aliás, que tal a “herança maldita”? Como diz Marina Silva, Fernando Henrique escancarou o seu governo para Lula, na mais civilizada transição pós-redemocratização, mas a primeira coisa que Lula fez ao assumir foi escrachar a “herança maldita”. Colou, apesar do Plano Real, da blindagem do sistema financeiro, das agências reguladoras e dos planos sociais, como o Bolsa Família. Tudo que Lula “vende” cola.

E, aí, temos Lula campeão de votos, mesmo preso, mas Jair Bolsonaro não é bobo. Político medíocre, do “baixo clero” da Câmara, ele foi esperto e viu antes o poder multiplicador da internet. Enquanto os adversários trabalhavam ou se viam às voltas com a Justiça, como Lula, ele amealhava multidões na nuvem e mergulhava nelas viajando pelo País afora.

Rolf Kuntz: Ideias desastrosas como programas de governo

- O Estado de S.Paulo

Ninguém estranharia se fossem apresentadas pelo presidente Donald Trump ou por algum de seus conselheiros econômicos

Há um fascinante cardápio de ideias desastrosas nos programas de governo. Ninguém estranharia se fossem apresentadas pelo presidente Donald Trump ou por algum de seus conselheiros econômicos. Em alguns casos, bastaria remover a tintura de esquerda. Políticas de juros, câmbio, impostos, comércio exterior e finanças públicas são algumas das áreas ameaçadas pelas promessas de campanha. As falas são tentadoras para quem ainda acredita em crescimento fácil, crédito barato por decisão de governo, câmbio controlado sem custo econômico e gestão pública sem restrição financeira. Alguns desses crentes, pouco mais sofisticados que a média, classificam como neoliberal quem leva em conta a limitação de recursos. Outros, com um pouco mais de leitura, proclamam-se herdeiros do keynesianismo. Um ex-ministro já se declarou keynesiano desde criancinha. De fato, essa turma apenas confunde políticas fiscais anticíclicas, necessárias em certos momentos, com a mais chapada e grosseira irresponsabilidade fiscal. Keynes ganharia facilmente, contra esse pessoal, um processo por difamação e calúnia.

Vale a pena selecionar, da grande lista de besteiras incluídas em programas de governo, algumas muito perigosas, mas nem sempre notadas por boa parte – talvez a maioria – dos eleitores. Algumas até podem ser bem-intencionadas.

Juros e câmbio controlados estão entre as promessas mais atraentes, com certeza, para muitos eleitores. Para quem acredita nesse tipo de conversa, conter juros é uma forma de beneficiar os consumidores, principalmente os mais pobres, de garantir crédito acessível às empresas e, portanto, de favorecer o crescimento econômico. Além do mais, é um meio de enquadrar o exército malfazejo de rentistas e de proteger o Tesouro contra os parasitas da dívida pública.

De modo um tanto nebuloso, os bancos são vistos como se os banqueiros tivessem forçado o governo a tomar empréstimos. Pelo senso comum, empréstimos foram tomados porque o governo gastou mais do que arrecadou, mas o senso comum também é neoliberal.

Tentativas de controle político de juros foram feitas várias vezes, no Brasil e em outros países. Resultaram apenas em retração dos financiadores do setor público, em aumento da inflação e, afinal, em juros mais altos depois de confirmado o previsível desastre. Uma das últimas experiências ocorreu entre 2011 e 2013. Depois o Banco Central (BC), desmoralizado, teve de mudar de rumo, às pressas, para reverter o desastre, mas o conserto foi demorado.

Merval Pereira: Visão de um intelectual público

- O Globo

Malan durante anos alertou sobre a excessiva complacência com que as autoridades lidavam com o equilíbrio fiscal

Com a fina ironia que lhe é peculiar, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan cunhou a frase “no Brasil, até o passado é incerto”, uma decorrência do que um de seus autores preferidos, Millor Fernandes, disse de nosso país: “a cada 15 a 20 anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos 15 a 20 anos”. A frase é também atribuída ao jornalista Ivan Lessa, assim como a de Malan o é a outros. É assim com frases marcantes.

Talvez por isso tenha reunido artigos dos últimos 15 anos, para que não sejam esquecidos. E para que o passado seja menos incerto. Intelectual público exemplar, e reconhecido internacionalmente, Malan está lançando pela editora Intrínseca uma coletânea de artigos escritos entre 2003 e 2018, publicados no Estado de São Paulo.

Sua intenção sempre foi analisar a economia em suas relações com a política, e lendo-se o conjunto de artigos, têm-se uma visão completa do que pensa e como age. Com uma cultura multifacetada, encontra no sociólogo alemão Max Weber uma referência para os que, como ele, querem ser servidores públicos conjugando a “ética da convicção”, dos princípios morais aceitos em cada sociedade, e a “ética da responsabilidade”, que prevalece na atividade política.

Ele, ao longo desses anos, abordou não apenas as questões econômicas, mas elas dentro de um cenário “de uma sociedade ainda injusta, com carências e mazelas sociais que são ética e politicamente incompatíveis com o grau de civilização que acreditamos termos alcançado”.

Míriam Leitão: Rede: metas altas em busca de lastro

- O Globo

Rede tem metas ousadas para um partido que não tem base parlamentar. Dificuldade para implementar o seu projeto será maior

O programa da Rede é ousado, mas vago em como alcançar os objetivos principalmente para um partido quase sem parlamentares. O projeto de Marina Silva é apostar na reforma da Previdência, que apresentará logo no começo de um eventual governo, e na chegada de investimentos do setor privado. Há medidas impopulares ou difíceis como conter salários do funcionalismo e aumentar imposto sobre combustíveis fósseis, que implicaria acabar, de cara, com o subsídio ao diesel.

A Globonews encerrou a semana de entrevistas com os assessores econômicos dos principais candidatos sabatinando o economista Eduardo Giannetti, um dos formuladores do programa da Rede. Ele esclareceu que apenas as diretrizes foram entregues ao TSE e agora elas serão detalhadas em programas para cada setor. Mesmo sendo apenas linhas gerais, há lá propostas concretas e difíceis.

A reforma da Previdência será com o estabelecimento de idade mínima, de 65 anos para homem, um tempo menor para mulher, mas convergindo no futuro. O rumo é enfrentar a enorme desigualdade do sistema. “O benefício médio no INSS é de R$ 1,3 mil, no Executivo federal é R$ 7 mil, no Legislativo, R$ 16 mil, no Judiciário, R$ 27 mil médio. Isso é um escândalo. São castas”, disse Giannetti. Para reduzir desigualdades passadas, e que o tempo consagrou como direito adquirido, ele propõe aumentar a contribuição dos que mais recebem. 

No documento, a Rede mira até o servidor que entrou no serviço público antes da reforma do Lula, em 2003, o que juridicamente é muito difícil atingir. Sobre salário do funcionalismo, Giannetti lembrou que eles são, em média, 67% acima do setor privado. É áspero o caminho de quem quer combater privilégios no Brasil. Exige uma grande coalizão. Com quem Marina fará alianças? Esse é o maior ponto de interrogação de um programa que quer enfrentar o estabelecido.

Perguntado sobre o financiamento das universidades públicas, Giannetti citou Marx, no texto “Crítica ao programa de Gotha”, em que o pensador alemão analisou as ideias do Partido Social Democrata. “Quando fizeram essa proposta, Marx disse que significava financiar o estudo dos ricos com um fundo geral de impostos.” Ele sugere cobrar dos que podem pagar. Criticou a expansão insustentável do Fies, instrumento que deve ser usado com lastro e critério na busca da expansão do acesso ao ensino superior.

Bruno Boghossian: As chances de Alckmin

- Folha de S. Paulo

Tucano precisa dobrar eleitorado em cinco semanas para chegar a etapa final

Em contagem regressiva para o início da propaganda eleitoral, Geraldo Alckmin (PSDB) tem diante de si uma ladeira íngreme que o separa do segundo turno:

1) Não conseguiu penetrar em nichos tucanos; 2) Tem dificuldade para se destacar no congestionamento de candidatos do chamado campo azul; 3) Precisa, no mínimo, dobrar seu eleitorado em cinco semanas.

Com 9% nas pesquisas, Alckmin não deve ser descartado como jogador viável porque sua estrutura na TV e no rádio pode fazer a diferença.

O ex-governador não decolou como um tucano típico. Seu desempenho é modesto até em grupos que apoiaram o PSDB em outras disputas. Ele não rompe os 10% entre eleitores de classe média alta ou com curso superior —segmentos em que Aécio Neves batia os 30% em 2014.

Em mais um ano de polarização com o PT, rei do campo vermelho, Alckmin só chegará ao segundo turno se frear a dispersão na ala azul.

O tucanato perdeu espaço para Jair Bolsonaro: mais de 40% dos apoiadores do deputado do PSL votaram em Aécio na última eleição.

Luiz Carlos Azedo: A escolha errada

- Correio Braziliense

A recessão do governo Dilma foi um desses momentos em que o país andou para trás. Ao final de 2016, a economia havia encolhido quase 8% em dois anos

Um país de dimensões continentais como o Brasil não costuma andar para trás. Seu progresso tem uma inércia poderosa, que empurra o país para frente em situações difíceis, como aconteceu, por exemplo, no governo Sarney: em plena hiperinflação, todos os indicadores sociais avançaram. Por isso mesmo, previsões catastrofistas não costumam se confirmar. No governo Dutra, após a redemocratização de 1945, a esquerda dizia que o país havia entrado num processo de “atraso progressivo”, porém, a industrialização avançava. Àquela época, muita gente acreditava que não haveria industrialização com “latifúndio e dominação imperialista”; deu-se exatamente o contrário, a industrialização avançou com o capital estrangeiro; a monocultura de exportação possibilitou a modernização do campo. Entretanto, quase 70 anos depois, uma parte da esquerda ainda acredita nisso.

Nos momentos em que o país retrocedeu ou se estagnou, as escolhas políticas erradas foram deliberadas, para privilegiar determinados grupos de interesse. Foi o que aconteceu no longo reinado de Dom Pedro 2º, por exemplo. Em 1800, o Brasil contava com uma população de 4,4 milhões de habitantes, um pouco menos que os Estados Unidos, que tinham 5 milhões. O porte das duas economias era semelhante. Por causa da escravidão, com o tempo, a distância se tornou abissal. A renda per capita do norte-americano triplicou entre 1820 e 1900, passando de 1,3 mil para 4 mil dólares, cinco, sete vezes a do brasileiro. A população norte-americana, com o fim da escravidão, saltou de 35 milhões, em 1865, para 63 milhões em 1890, 4,5 vezes maior que a brasileira. A renda per capita cresceu 55%. A produção agrícola representava apenas 22% do valor da produção, enquanto a indústria atingia 41%.

Ricardo Noblat: A última de Dilma

- Blog do Noblat | Veja

Desrespeito à inteligência alheia

Que Dilma carecia de qualidades para governar o país, ninguém mais duvida disso. Nem mesmo seus companheiros de partido. Ela encarregou-se de provar. Lula já despediu desculpas por tê-la escolhido. Não foi nem será desculpado.

Que Dilma queira ser senadora, ela tem esse direito. Foi-lhe concedido pelo Senado, à época sob o comando do ministro Ricardo Lewandowski, quando cassou seu mandato e, em seguida, rasgou a Constituição para preserva-lhe os direitos políticos.

Nem por isso Dilma deveria se permitir dizer barbaridades como a que serviu ontem aos eleitores de Contagem a pretexto de defender Lula. Em ato de campanha, ela afirmou que Lula foi preso apenas para não se eleger presidente em outubro próximo.

Quando um eleitor gritou “Lula ladrão”, ela respondeu: “Esse pessoal é o pessoal do ódio, o pessoal da intolerância, o pessoal que quer o Lula preso porque não conseguem ganhar no voto, tentam ganhar na violência”.

À parte o português como sempre mal tratado, e quando nada em respeito ao cargo que ocupou, Dilma deveria sentir-se obrigada a respeitar a inteligência alheia. Lula está preso e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Ponto.

Boa parte dos brasileiros que desejam votar nele sabe disso, mas não liga porque acha que todos os políticos roubam, mas que pelo menos Lula fez algo por eles. O que dirá Dilma quando se esgotarem todos os recursos judiciais para libertar Lula?

Por ora, ela, Lula e sua turma atacam o juiz Sérgio Moro e os desembargadores de Porto Alegre que por duas vezes confirmaram a sentença de Moro. Mais tarde atacarão o Supremo Tribunal Federal cuja maioria de ministros foi indicada por eles?

Em telefonema gravado e que se tornou público, Lula já chamou o Supremo de “Corte acovardada”. Para ele que se diz democrata e respeitador de leis, o Supremo só deixará de ser uma casa de covardes se o absolver e soltar.

A lei pode ser para todos, menos para Lula.

Vinicius Torres Freire: Como montar um presidente: instruções

- Folha de S. Paulo

Ainda que inconclusiva, literatura sobre condicionantes do voto dá pistas sobre a eleição

“Se todos os economistas fossem enfileirados, eles não chegariam enfim a uma conclusão”, diz a frase sarcástica atribuída a George Bernard Shaw.

Se todos os estudos de politólogos sobre os determinantes do voto brasileiro fossem empilhados, esse monte de indefinições acadêmicas nos deixaria com uma pilha ainda maior de dúvidas sobre como pensar a eleição. Ainda assim, essa literatura dá pistas para especulação menos desordenada sobre a disputa para presidente.

Uma hipótese que serve para delimitar as possibilidades dos candidatos é a de que extremistas teriam pouco apreço do eleitor. Sempre nuvem em movimento, a definição de extremismo ficou mais atrapalhada. A aparição de Jair Bolsonaro (PSL) deslocou para o que ora se chama de “centro” nomes como o de Geraldo Alckmin (PSDB). Mas passemos.

De fato, centro-esquerda e centro-direita dominaram as eleições de 1994 a 2014. Não foi assim justamente na eleição que é prima desta de 2018, a de 1989.

O que então passava por extremo, a salada liberal de Fernando Collor (PRN) e a feijoada esquerdista de Lula da Silva (PT), foi ao segundo turno. Porém, fizeram juntos apenas 48% dos votos válidos no primeiro turno. Nas demais eleições, tucanos e petistas tiveram no primeiro turno pelo menos 70% dos votos (2002) ou até 90% (2006).

Hélio Schwartsman: Nós não somos tão importantes

- Folha de S. Paulo

David Christian explica de forma didática os primeiros instantes do universo

O que pesa mais na definição do curso da história? A ação de indivíduos ou movimentos desencadeados por forças mais profundas? Embora algumas historiografias oficiais enfatizem o papel de grandes líderes —pense no quadro de Pedro Américo retratando a proclamação da Independência por dom Pedro 1º—, durante a maior parte do século 20 preponderaram correntes que valorizavam os grandes movimentos.

Destacam-se aí o marxismo, com a luta de classes e o materialismo histórico, a turma dos Annales, com sua “longue durée” e o pessoal da biogeografia, para quem características topográficas, climáticas e demográficas são decisivas. Todas essas escolas, porém, se mostram acanhadas diante da “big history”, que pretende reunir saberes de todas as disciplinas para contar a história do que aconteceu desde o Big Bang, 13,8 bilhões de anos atrás, até o presente e ainda antecipar o que ocorrerá nos próximos 10100 anos.

David Christian, um dos principais representantes da “big history”, lançou há pouco “Origin Story”, que coloca esse ambicioso projeto no papel.

Elio Gaspari: No filme de Tancredo, uma aula para hoje

- O Globo

Vem aí uma aula de política. É o filme "O Paciente", de Sérgio Rezende. Conta a agonia e morte de Tancredo Neves, em 1985. Na véspera de sua posse, o presidente eleito foi internado às pressas para o que seria uma cirurgia banal, talvez de apendicite. Os médicos e os hierarcas de Brasília informaram que ele sairia do hospital em poucos dias, e os principais jornais do país noticiaram sua alta iminente em dez ocasiões. Tancredo entrou no Palácio do Planalto 36 dias depois, para o velório.

O filme conta uma história dramática de erros médicos, dissimulações e mentiras que hoje soam como uma narrativa concatenada. Para quem tem menos de 40 anos, o drama faz sentido e seu desfecho é minuciosamente exposto, mas, à época, tudo o que hoje se vê no filme era segredo.

"O Paciente" é uma aula. Mostra como se mentiu e como se manipulou a opinião pública. Horas depois da primeira cirurgia, oficialmente bem-sucedida, Tancredo teve uma parada respiratória e quase morreu, mas isso foi escondido. Daí em diante, tudo o que podia dar errado, errado deu.

Othon Bastos, o Corisco de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", é um Tancredo impecável, apesar dos muitos quilos a mais. Suas expressões ressuscitam o memorável mineiro. Paulo Betti como o "professor doutor" Henrique Pinotti é um primor na exposição de um intrujão megalomaníaco e exibicionista. O egocentrismo das equipes médicas não tem exageros e é coisa de dar medo a quem entra hoje num hospital.

Quem matou Tancredo? Todos os personagens do filme, inclusive ele, que escondia seus padecimentos. Suas dores abdominais haviam começado em janeiro e ele se iludia tomando antibióticos. Deixou que os médicos falassem em apendicite, mas sabia que extraíra o apêndice havia 50 anos. (Essa é a única imprecisão do filme, pois informa que o apêndice estava lá.)

A morte de Tancredo mutilou a base da redemocratização do país, pois colocou na Presidência o vice José Sarney, assombrado pela contestação de sua legitimidade. As pessoas foram dormir esperando que na manhã seguinte veriam Tancredo com a faixa e acordaram com Sarney vestindo-a. A posse do ex-presidente do partido da ditadura era constitucional, mas não fazia sentido. Tudo bem, porque Tancredo ficaria bom.

Passaram-se 33 anos e hoje não há médicos na crise, mas algumas coisas também não fazem sentido. Assim como fingia-se que Tancredo reassumiria, finge-se que Lula preso, com 39% das preferências na pesquisa do Datafolha, é apenas um detalhe. Lula foi condenado em duas instâncias e garante que nunca ouviu falar das roubalheiras petistas. Ainda assim, em vez de cair nas pesquisas, sobe.

Em 1985, fez-se o que a lei mandava. Em 2018, faz-se o que a lei manda, mas pode-se intuir o tamanho da próxima crise. Felizmente, agora pode-se escolher o próximo presidente.

“Nossa meta é crescer para gerar emprego e renda”, diz Alckmin

O candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, visitou neste sábado a cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, onde se reuniu com prefeitos da região e parou para um café. O presidenciável reiterou seu compromisso com a geração de empregos e falou do potencial brasileiro para ser o país da energia limpa.

”Nossa meta é crescer, para gerar emprego e renda. E para crescer vamos precisar de energia. A região de Ribeirão Preto é muito forte no etanol. Temos ainda todo o potencial da energia eólica, que tem crescido muito no Rio Grande do Sul e no Nordeste, e da energia solar”, ressaltou. ”Não é aceitável ter 27 milhões de pessoas sem trabalho enquanto o mundo cresce 4% ao ano. Estamos com os melhores economistas do país e vamos resolver os problemas”, prosseguiu.

Alckmin ainda reafirmou seu compromisso com a reforma política, que classificou como uma das mais necessárias, para pôr fim ao voto obrigatório e reduzir o número de partidos.

Alckmin critica solução ‘à bala’, e Bolsonaro nega crise

Ciro Gomes diz que tem evitado confronto com candidato do PSL para não parecer ‘arrogante’

Jussara Soares e Gustavo Schmitt | O Globo


CATANDUVA (SP) – O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, negou ontem que haja um racha pelo comando nacional do seu partido. Presente na mesma atividade de campanha em Catanduva, no interior de São Paulo, a candidata a deputada estadual pelo PSL Janaína Paschoal, que chegou a ser cotada para concorrera vice-presidente na chapado ex-capitão, disse que o partido tem que se unir sem “ti-ti-ti”.

—Vamos nos unir sem ti-titi, sem nhém-nhém-nhém, sem ficar procurando pelo em ovo, sem briga entre quem está do mesmo lado. Quem está do mesmo lado tem que estar coma cabeça firme, no lugar, para aguentar as pancadas. Se agente ficar brigando internamente o lado de fora vai ganhar—disse a advogada. A declaração de Janaína ocorre um dia após reportagem do site “Buzzfeed Brasil” revelar brigas no PSL. Segundo o site, apoiadores de Bolsonaro estariam descontentes coma atuação do presidente do partido, Gustavo Bebianno, e do vice, Julian Lemos, que teriam grande influência sobre o presidenciável. As supostas desavenças foram publicadas em grupo de uma rede social. Bolsonaro negou conflitos envolvendo Bebianno, a quem chamou de “quase irmão” e disse que é mais uma tentativa de atacar sua candidatura: — Nosso partido é pequeno, não tem problema nenhum. Pelo que soube há muitas ilações contra o presidente.

MARINA E AS MULHERES
Em visita a Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, disse que não dá para resolver os problemas do Brasil “à bala”. Ele havia sido questionado sobre o avanço de Bolsonaro no Oeste paulista. — Em política a gente não obriga, a gente conquista. Não vamos resolver os problemas do Brasil à bala, com violência.

Vamos resolver com eficiência, com competitividade, reformas que o Brasil precisa —disse o tucano. Também em São Paulo, em evento com a militância jovem, o candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, afirmou que tem evitado confronto direto em debates com Bolsonaro, a quem classificou como “despreparado”, para não parecer arrogante: —Se um cara como eu partir pra cima de uma pessoa com aquele despreparo parece arrogância.

Já a candidata da Rede, Marina Silva, tem intensificado agendas voltadas para o eleitorado feminino desde que teve um embate com Bolsonaro, na semana passada, no debate da RedeTV!, sobre a disparidade salarial entre os dois sexos. Ela defendeu ontem políticas públicas em defesa dos direitos das mulheres em evento em Mauá, no ABC Paulista: —É preciso fiscalizar aqueles que não pagam salários iguais.

Na seara lulista

Lauro Jardim | O Globo

A campanha de TV de Geraldo Alckmin vai mirar em Jair Bolsonaro para ter de volta votos que um dia foram dos tucanos, certo? Nem tanto. Claro, o capitão será um alvo. Mas a avaliação é de que Bolsonaro tem uma massa muito convicta de eleitores. Dali, não se tirará tantos votos quanto Alckmin precisa para ir ao segundo turno. Por isso, várias das peças que entrarão no ar a partir de sexta-feira querem seduzir o eleitor de Lula. Não o militante petista, mas o brasileiro mais pobre. Neste caso, portanto, Lula não apanhará. A ideia é produzir filmes carregados de emoção com o objetivo de atrair o eleitor que queria “ser cuidado” por Lula e dizer que Alckmin também pode fazer isso por ele.

Em SP, Bolsonaro herda votos do malufismo e tira de Alckmin

Fenômeno ajuda a explicar bom desempenho do deputado no Estado e fragilidade do tucano em seu reduto

A união de valores conservadores à defesa da linha dura contra o crime vem garantindo a Jair Bolsonaro (PSL) o apoio de eleitores que se identificam com o discurso associado ao ex-governador Paulo Maluf (PP). O fenômeno, segundo analistas, ajuda a explicar o desempenho do deputado, que lidera as pesquisas de intenção de voto no Estado nos cenários sem o ex-presidente Lula, condenado e preso em Curitiba. O apoio dos “órfãos” do malufismo, que haviam passado a votar no PSDB a partir dos anos 2000, vem produzindo ainda um efeito colateral: o ex-governador tucano Geraldo Alckmin é o único dos candidatos ao Planalto mais bem colocados nas pesquisas a ter fraco desempenho em seu próprio Estado. “São eleitores capturados por uma liderança que pode ser caracterizada como neopopulista, sem muita preocupação com valores democráticos”, diz o cientista político José Álvaro Moisés.

Bolsonaro herda eleitor e temas do malufismo em SP

Marcelo Godoy José Maria Tomazela | O Estado de S. Paulo

A candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República encontrou em São Paulo a recepção de um eleitor que se identifica com o discurso e os valores associados ao ex-governador Paulo Maluf (PP). Essa é a opinião de analistas ouvidos pelo Estado. O deputado lidera as pesquisas de intenção de voto no maior colégio eleitoral do País (22%), no cenário que exclui o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado e preso na Lava Jato, e recebe ainda o apoio de políticos-símbolo do malufismo.

A identificação de Bolsonaro com parte do eleitorado paulista produziu um fenômeno nesta campanha: o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) é o único dos candidatos ao Planalto mais bem colocados nas pesquisas a ter um desempenho fraco em seu próprio Estado (16%). Bolsonaro é, para analistas, a reedição do neopopulismo de direita, fenômeno caracterizado por líderes carismáticos surgidos nos anos 1980 e 1990 com o confronto entre a cultura democrática e a autoritária com o fim de ditaduras na América do Sul.

Essas lideranças associavam o discurso da força e da ordem à defesa do liberalismo econômico, como Alberto Fujimori, no Peru. Em São Paulo, tal bandeira se resumia em um slogan: “A Rota vai para a rua”. Usado por Maluf, maior expressão dessa corrente no Estado, o discurso unia valores conservadores à defesa da linha dura contra o crime.

‘Votar por ódio leva a riscos muito grandes’, diz Boris Fausto

Entrevista com Boris Fausto, historiador

Historiador diz que descrença nos partidos abre as portas para candidaturas que podem ameaçar a democracia

Gilberto Amendola e Aguinaldo Novo | O Estado de S.Paulo

O historiador e cientista político Boris Fausto, de 87 anos, vê com preocupação o atual quadro eleitoral. Em entrevista ao Estado, ele diz que a candidatura à Presidência do deputado Jair Bolsonaro (PSL) representa a ascensão de uma extrema-direita que “aceita regras fora do jogo democrático”. E nenhuma outra força política, ao centro ou à esquerda, tem hoje força para se contrapor a esse avanço, dado o descrédito dos partidos tradicionais.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

• Qual o retrato do País às vésperas de uma eleição presidencial?

Estamos à beira do abismo, em uma situação muito complicada. Há uma crise institucional muito grave. Há uma incerteza com o resultado da eleição. E existem candidatos que são, ao menos um candidato notadamente, muito preocupantes.

• O sr. se refere ao deputado Jair Bolsonaro?

(Rindo) Você é quem falou...

• O que faz dele alguém tão bem colocado nas pesquisas?

Ele vem de uma coisa inegável, que não chegamos a perceber, que foi o avanço da extrema-direita. O Bolsonaro vem nessa onda. Ele é nitidamente um candidato que hoje entrou no jogo, mas que também aceita regras fora do jogo democrático.

• Como se deu o fortalecimento dessa extrema-direita?

O que levou a isso foi a corrosão do jogo democrático. Corrupção, descrença nos candidatos e nos partidos, seja à esquerda ou à direita. Isso proporcionou o avanço da extrema-direita e o crescimento da ideia de um regime forte. Essa ideia vem sempre associada aos militares, porque, na cabeça de alguns, se alguém tiver de implantar um regime forte são eles, os militares. Tem também muita gente jovem que apoia o Bolsonaro e não conheceu a ditadura. E mais grave: gente que conheceu a ditadura e diz que é isso mesmo. É um eleitorado que diz que cansou dos políticos de centro, dos bem comportadinhos, dessa esquerda que é muito demagógica. Quando você vota por ódio ou por raiva, os riscos são muito altos. Se estoura tudo, o caos é instalado e as consequências tendem a ser autoritárias. Ainda assim, mesmo que chegue ao segundo turno, parece difícil que o Bolsonaro ganhe a eleição. Na França, as pessoas se assustaram quando Marine Le Pen (candidata da extrema-direita ao governo francês) chegou ao segundo turno (em 2017) e se juntaram nas candidaturas enquadradas dentro da normalidade.

• Uma união entre partidos para enfrentar Bolsonaro num segundo turno será automática?

PT e PSDB não vão se dar as mãos. Vão, no máximo, fazer uma aliança pragmática.

• Derrotado, Bolsonaro será um fenômeno efêmero?

Diria que Bolsonaro é uma má personificação, é muito caricatural. Isso pode agradar a um setor, mas, para articular um movimento, esse homem é muito tosco. Uma corrente de extrema-direita vai persistir, mas outro alguém vai encarnar essa corrente, alguém que não ensine uma criança de 5 anos a atirar.

• Existe algum partido que se contraponha à extrema-direita?

Não e esse é o drama do País. Nem ao centro e nem à esquerda. Agora, tem uma figura que ganhou pontos, foi a Marina Silva, que inteligentemente peitou o Bolsonaro. Coisa que o (Geraldo) Alckmin não faz. Ele fica fazendo suas considerações aritméticas e um joguinho que, ao meu ver, não funciona mais.

• A Marina tem força para se impor e com chances eleitorais?

Com chances eleitorais, sim. Se ela vai para o segundo turno, ganha de qualquer um. Mas daí começariam problemas de toda ordem. A força de articulação dela é muito baixa. Vejo pouca capacidade dela no jogo institucional.

• Considera haver riscos para a democracia no País?

O risco de intervenção militar, acho menor do que em 1964. Mas o risco de uma descida aos infernos por uma via autoritária que seja, até certo ponto, formalmente democrática tem chance de ocorrer como nunca.

• Como explicar a força do ex-presidente Lula mesmo preso?

Ele combina o martírio com a habilidade política. Ele não está se valendo do sofrimento da cadeia. Ele é forte e está vivo, é um quase semideus, e ainda consegue dar um trança-pé do naipe que ele deu no Ciro Gomes. Fundamentalmente, eu não acho que o PT seja um partido democrático. Existe uma corrente autoritária forte no interior do PT. O PT está integrado no jogo democrático porque lhe convém muito bem. Na medida em que a figura salvadora do Lula permanece, algum tipo de homogeneidade interna sobrevive no PT. Enquanto isso, o PSDB se arrebenta, com as acusações de corrupção e a desfiguração de seus quadros. Além disso, toda política do PSDB desde a primeira vitória do Lula foi errada. Em vez de combater na oposição, e apostar no futuro, passou por posições oportunistas.

• Como vê a ideia dos outsiders?

Tenho dúvidas em relação aos outsiders. Eles aparecem com uma marca antipolítica. Se você se aproveita da crise da política, do sistema, isso é um indício negativo.

• A eleição vai pacificar o País?

Vai continuar dividido e polarizado. Vamos dizer que o Bolsonaro seja eleito. Como se estabiliza isso com as características desse homem? Quem vai governar, o Posto Ipiranga? É crise mesmo. O Alckmin é o que tem mais condições de levar a política para frente, mas é muito a velha política. Não é nada muito animador.

Risco à democracia no Brasil é real e angustiante, afirma brasilianista

Historiador americano diz que surgiu no país corrente que não valoriza conquistas

Daniel Buarque | Folha de S. Paulo

LONDRES - A democracia brasileira vive um momento paradoxal às vésperas de uma das eleições presidenciais mais cheias de incertezas, segundo o historiador americano Bryan McCann, professor da Universidade Georgetown.

Ao mesmo tempo em que há espaço para celebrar as conquistas de três décadas desde o fim da ditadura, o país também vive a angústia de ver o crescimento de um movimento que ameaça o pluralismo democrático do país, afirma McCann.

"Surgiu um setor da população brasileira que não respeita essa democracia plural, que não valoriza as conquistas dos últimos 30 anos e pensa apenas na crise mais recente", disse.

Para o professor, a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) é fruto desse pensamento, pois trata-se de "alguém que concorre em uma eleição democrática, mas com saudade da ditadura", disse.

• A eleição presidencial está sendo chamada de a mais imprevisível da história recente no país. Concorda ou acha que as coisas estão começando a se desenhar de forma mais clara?

Sim, concordo. Não só imprevisível, como acho angustiante. E devemos fazer uma reflexão sobre os últimos 30 anos. Sim, é verdade que ao longo dos últimos três anos o Brasil está em crise, mas ao longo de três décadas o Brasil alcançou avanços enormes por causa da consolidação e da construção de uma democracia plural. A eleição é um momento angustiante para a democracia brasileira.

• Em que sentido?

Uma democracia plural tem que ter representação de várias tendências no governo, mas o momento atual é angustiante porque surgiu um setor da população brasileira que não respeita essa democracia plural, que não valoriza as conquistas dos últimos 30 anos e pensa apenas na crise mais recente. A candidatura de Jair Bolsonaro é fruto desse pensamento.

• Isso é ruim para a democracia?

Ele é um risco para a democracia brasileira. Como não sou cidadão brasileiro, não tenho um candidato para apoiar na eleição, mas eu votaria em qualquer um contra Bolsonaro. Ele não respeita essa democracia e fala abertamente que respeita mais o tipo de regime que o Brasil tinha durante a ditadura.

• A revista The Economist diz que Bolsonaro é um perigo para a democracia. Qual a percepção internacional a respeito da candidatura dele?

Mais recentemente ele tem recebido uma maior atenção, sendo comparado a Donald Trump e ao [presidente das Filipinas] Rodrigo Duterte, alguém que tem possibilidade de fazer muito estrago. A cobertura jornalística nos EUA tem sido muito crítica a Bolsonaro, mostrando ele como alguém que concorre em uma eleição democrática, mas com saudade da ditadura.

• Considerando o quadro atual de coligações entre partidos, em que Bolsonaro vai receber pouca verba e vai ter pouco tempo de TV, acha que ele tem chances reais de vencer a eleição?

Acho que sim. Depois da vitória do 'brexit' e da eleição de Trump, o que temos visto nos últimos anos é um mundo político em que um movimento populista que simplesmente quer acabar com a situação atual e quebrar a casa pode vencer, sim.

• O ex-presidente Lula está preso e foi anunciado oficialmente como candidato a presidente. Como isso se encaixa na história política dele no Brasil?

Lula tem uma importância histórica imensa para o Brasil. A questão principal agora é tentar entender como essa importância dele vai ter influência na eleição. Acho que a candidatura dele vai ser barrada, mas acredito que ele tenha grande poder de transferência de votos. E mesmo se o candidato dele não conseguir passar ao segundo turno, Lula ainda terá capacidade de transferir votos no segundo turno, para o candidato que tiver mais proximidade.

• O momento atual tem paralelo na história do país?

Para os historiadores, lembra a eleição de 1945, quando Getúlio Vargas teve poder de transferência de votos que acabou com o resultado da eleição do Dutra. Foi Getúlio que levou à eleição de Dutra. Lula vai ter este tipo de poder em 2018, e falta saber para quem vão acabar indo esses votos.

• Há quem compare o momento atual à eleição de 1989. O que acha?

Há semelhanças com 1989, sim. Na época, [Leonel] Brizola e Lula acabaram dividindo o voto da esquerda. Hoje em dia é até mais difícil, pois não tem um candidato claro da esquerda.

• A manobra do PT que isolou Ciro Gomes [PDT] pode ser vista como uma lição para evitar a divisão de 89?

A esquerda brasileira aparentemente não aprendeu a lição. Não vemos agora uma união de forças contra o Bolsonaro, por exemplo. Vemos Ciro e Lula disputarem, e mesmo dentro do PT tem tendências disputando espaço.

• Como tem sido vista fora do Brasil a candidatura de Lula, que está preso?

Isso gera um pouco de dúvidas e incertezas. Não existe uma percepção geral de que Lula foi injustiçado, entretanto. Mesmo entre as pessoas bem informadas sobre política global. O que há é uma incerteza sobre o que está acontecendo, como ele pode ser candidato, e uma ideia de que no fim ele não vai poder concorrer, então o partido dele vai ter que apoiar outro nome.

Mais um ano de Lava Jato: Editorial | O Estado de S. Paulo

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, prorrogou por mais um ano, até setembro de 2019, a força-tarefa da Lava Jato, concentrada em Curitiba. Com isso, a operação irá para seu quinto ano de existência, e nada impede que, ao término desse prazo, haja nova dilação, pois há muito tempo o objeto central das investigações deixou de ser a corrupção na Petrobrás e passou a ser a corrupção dos políticos em geral e dos empreiteiros em particular – e isso faz da Lava Jato uma operação infinita, pois tão certo quanto o raiar do dia é que o casamento de política com empreitada, por melhor que seja, pode produzir filhos espúrios.

A Lava Jato, é sempre bom frisar, tem uma excelente folha de serviços prestados à Nação, ao desvendar o gigantesco esquema de assalto à Petrobrás e ao colocar na cadeia seus principais implicados – inclusive políticos influentes e empresários poderosos, que até então raramente eram punidos por seus crimes. Tudo isso, é claro, mobilizou os cidadãos brasileiros, indignados com a corrupção desbragada revelada pela Lava Jato e, em igual medida, esperançosos de que, finalmente, havia chegado o momento de dar um basta em tudo isso.

Foi sob essa atmosfera que alguns dos principais protagonistas da Lava Jato, julgando-se capazes de depurar a política e expurgá-la dos corruptos, foram muito além do alvo inicial da operação e deflagraram uma ofensiva contra todos os políticos – que, dali em diante, passaram a ser suspeitos de corrupção ao menor vestígio de irregularidade, real ou imaginada.

Cleptocracia venezuelana flerta com o perigo: Editorial | O Globo

Maduro adota medidas destinadas ao fracasso, reforça miséria e leva Colômbia a mobilizar suas tropas

Na Venezuela, até o que parece impossível acontece. Por exemplo, o governo de Nicolás Maduro conseguiu tornar ainda mais dramática a situação de fome e miséria no país.

Depois de produzir a maior crise humanitária do hemisfério, com 2,3 milhões de refugiados, e fomentar uma inflação inimaginável, no patamar de um milhão por cento ao ano, Maduro ampliou o caos com uma reforma econômica sem chance de dar certo.

Confusas e contraditórias, as medidas lançadas há uma semana estão lastreadas numa miragem —o Petro, criptomoeda que não existe. O dinheiro do país perdeu cinco zeros e seu valor sofreu maxidesvalorização efetiva de 95%. A tributação das atividades econômicas foi elevada e, ao mesmo tempo, se decretou um aumento de 3.000% no salário mínimo.

Isso num cenário em que as empresas, simplesmente, não têm fluxo de caixa para fazer pagamentos, e os consumidores não têm dinheiro para pagar.

Pior sem ele: Editorial | Folha de S. Paulo

Para preservar o SUS sem perspectiva de mais verbas, reformas na gestão serão necessárias

De uma perspectiva otimista, pode-se descrever o Sistema Único de Saúde como um pequeno milagre. O Brasil, afinal, está entre os poucos países de renda média a oferecer cobertura universal no setor.

O SUS inclui ainda um bom programa de imunização, fornecendo todas as vacinas internacionalmente recomendadas, e o maior modelo público de transplantes de órgãos do mundo.

Teve também papel de relevo no enfrentamento da epidemia de Aids, e o país tornou-se um dos primeiros a prover de forma gratuita drogas antirretrovirais.

Não faltam razões para pessimismo, porém. A saúde costuma figurar como principal queixa dos eleitores quanto aos serviços do Estado. Há escassez de médicos e remédios; pacientes morrem à espera de tratamento. Não raro, a primeira providência de uma família que consegue melhorar seu padrão de vida é contratar um plano privado.

Se os dois pontos de vista contemplam elementos verdadeiros, ninguém poderá desconhecer que o sistema enfrenta gargalos que tendem a se agravar nos próximos anos, com a dupla pressão das restrições orçamentárias e do envelhecimento da população.

O principal problema reside no financiamento. Em termos proporcionais, o Brasil gasta 8,9% do Produto Interno Bruto em saúde, patamar semelhante ao de países desenvolvidos. Entretanto a parcela correspondente ao SUS ronda os 3,8% do PIB, abaixo dos padrões internacionais.

Diogo Nogueira, Casuarina,Teresa Cristina,Paulo César Pinheiro - Minha Missão e Portela na Avenida

José Saramago: Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.