sábado, 31 de agosto de 2019

Aloísio Toledo César*: A instabilidade e suas razões

- O Estado de S.Paulo

Se depender de Bolsonaro, corremos, sim, o risco de um governo autoritário

Neste momento em especial da vida política brasileira, temos à frente da República um presidente que busca livrar-se psicologicamente de culpa e de atos social e politicamente inaceitáveis, atribuindo-os a outros.

Todos nós, brasileiros, estamos percebendo que não é fácil conhecer um governante e por isso mesmo vale um rápido mergulho na psicanálise, como fez Freud, para melhor compreender o comportamento humano. Aquele extraordinário psicanalista foi talvez quem mais se aprofundou no reino inconsciente de desejos reprimidos que levam os homens a se afastar das regras de condutas aceitáveis.

Freud observou que no reino político, mais do que em qualquer outro, o inconsciente se manifesta e por isso os homens raramente admitem motivos egoístas, ao mesmo tempo que procuram racionalizar e criar bodes expiatórios para justificar crueldades. Esse o motivo também por que projetam a culpa sobre os outros, responsabilizando-os – como, por exemplo, no caso das queimadas na Amazônia.

Para predizer e compreender o comportamento de políticos com essa natureza, a atenção deve estar voltada não apenas para os seus atos, mas para os motivos psicológicos existentes por detrás deles. É extremamente preocupante, no caso do nosso presidente, que ele não se preocupe em ser compreendido nem demonstre que é capaz de compreender a realidade que enfrenta no dia a dia.

Neste momento em especial, pesa sobre ele uma forte incompreensão universal, à qual não parece dar muita importância. Praticamente todos os países se incomodam com a destruição da Amazônia, mas nosso presidente age como se todos estivessem errados e somente ele estivesse certo. Às vezes parece preferir o isolamento, abandonando de vez o caminho mais seguro da diplomacia (de outra parte, é incrível não perceber que a indicação de um de seus filhos para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos choca grande parcela dos brasileiros, soando como algo leviano e ao mesmo tempo autoritário).

Essa conduta faz lembrar Erich Fromm, outro psicólogo de expressão, para quem o homem moderno está possuído por sentimentos de inferioridade, insegurança, impotência, solidão, humilhação e insignificância. Por isso é muitas vezes levado a aparentar superioridade, segurança, poder, integração, prestígio e glória na área política, “especialmente por meio de ideologias e movimentos totalitários”.

João Domingos: Freios e contrapesos

- O Estado de S. Paulo

Mesmo em choque, as instituições democráticas têm funcionado bem

É possível que, da Proclamação da República para cá, não tenha sido testada tão insistentemente, como tem sido testada no governo de Jair Bolsonaro, a Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu, conhecida também como Sistema de Freios e Contrapesos. Por essa teoria, na qual se baseia a maioria das nações democráticas modernas, um poder vigia o outro, evitando excessos, desmandos, quedas pelo autoritarismo, omissões e descumprimento da lei, de forma que cada um fique ali no seu quadradinho.

Não há uma semana em que o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal não mande um recado para o presidente Bolsonaro, naquele bom estilo do “menas, menas”. Brigado com o presidente da França, Emmanuel Macron, o presidente Bolsonaro fez beiço e decidiu rejeitar a ajuda de cerca de R$ 83 milhões oferecida para ajudar no combate às queimadas na Amazônia. Para Bolsonaro, tratava-se de uma esmola, de uma tentativa de comprar o Brasil em suaves prestações. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu. Disse que não se deve dispensar nenhum dinheiro que vier, mesmo que seja apenas R$ 1.

Quando Bolsonaro, ainda irritado, atacou a França, Maia contemporizou. Num encontro com empresários franceses ele destacou que muitas das instituições brasileiras foram criadas com base no modelo francês. Além de elogiar a tradição libertária da França e o principal legado da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Adriana Fernandes: Sob sigilo

- O Estado de S.Paulo

Os militares serão os únicos contemplados com reajustes salariais no Orçamento

A pressão externa sobre a Receita Federal colocou em evidência a segurança do armazenamento dos dados dos contribuintes pelos servidores do órgão.

O Fisco tem hoje 600 sistemas de informações dos contribuintes empresas e pessoas físicas. Garantir sua inviolabilidade é função primordial de um País com economia do tamanho da brasileira.

Essa proteção ganhou ainda mais importância no momento atual, em que o órgão é alvo de críticas de ministros do STF, do presidente Jair Bolsonaro e de outras autoridades que foram investigadas por auditores fiscais da elite da Receita. Informações sigilosas sobre os negócios e a vida privada dos contribuintes e de seus familiares é munição certeira para uso político, independentemente do espectro ideológico em que ele esteja. A punição da corregedoria do órgão para esse tipo de prática tem que ser exemplar.

É por meio das informações de “log” de consultas que o Fisco consegue identificar que servidor fez o acesso, horário, modificação de conteúdo, tempo de permanência, quantidade de cópias impressas de dados e tudo que possa apontar depois,se houve acesso imotivado para fins não republicanos. Funciona como uma espécie de impressão digital do usuário do sistema.

Os “logs” de acesso, a depender das suas características, ficam armazenados por um período de 8 a 16 anos. A Receita paga por esse serviço ao Serpro e ao Dataprev, empresas de processamento de dados do governo federal.

Todo cuidado é pouco com esse tema tão delicado para que não haja motivo também de ataques aos procedimentos de fiscalização do órgão. Muita coisa está em jogo nesse momento, inclusive o trabalho de anos de fortalecimento das investigações. Uma vez perdida, a confiança no sigilo fiscal, muito tempo se leva para recuperá-la.

A pressão por mudanças na Receita teve como origem o vazamento de investigações realizadas por auditores envolvendo autoridades do STF e reclamações de Bolsonaro sobre investidas do órgão contra seus familiares. A crítica é de atuação política de auditores do órgão. A crise ganhou força após a recomendação, por pessoas ligadas a Bolsonaro, para a demissão de José Alex Nóbrega de Oliveira, titular da Delegacia da Aduana de Porto de Itaguaí.

À coluna, a Receita informou que não há intenção de reduzir o tempo de retenção dos “logs”. Pelo contrário: o órgão diz que avalia aumentar ainda mais o controle sobre as consultas realizadas pelos auditores fiscais.

O sistema responsável pelos relatórios dos “logs” de acesso é o DW-LEL, mas ele não é único. Há outros mecanismos de consulta aos “logs” de sistemas. A alegação de que a auditoria dos “logs” seria inviável não merece prosperar, diz a Receita. Mas é inegável também que precisa reforçar os controles.

O assunto ganha mais importância nesse momento em que o governo incluiu o Serpro e a Dataprev na lista das estatais que serão privatizadas. Como o governo vai garantir a segurança dos dados sigilosos é uma resposta a ser dada rapidamente.

Merval Pereira: A perda da esperança

- O Globo

Falta ao presidente a compreensão de que é o representante de um país, e não de um restrito grupo de apoiadores

A incongruência desse governo, em dizer-se parte do mundo ocidental e defender posições completamente em desacordo com os legados mais básicos da cultura desse mundo, ficou patente na recente crise das queimadas da Amazônia.

Como se fosse uma síntese de suas convicções mais arraigadas, no mesmo episódio o presidente Bolsonaro menosprezou os problemas do meio-ambiente, embora tenha sido avisado pelos estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e entrou em conflito, direto e pessoal, com o presidente Emmanuel Macron, da França, país símbolo das liberdades individuais e dos direitos humanos, legados fundamentais do Ocidente à civilização.

Civilidade que não esteve presente no desacato à primeira-dama francesa, Brigitte Macron. Embora tenha dito que não a ofendeu, Bolsonaro apagou sua mensagem misógina do twitter, numa autoincriminação.

Aproveitando-se de uma demagogia ecológica de Macron, que tentou levar a discussão para o lado da internacionalização da Amazônia, Bolsonaro tirou da manga a carta do patriotismo que, como disse Samuel Johnson, numa versão amenizada, é o último refúgio dos sem argumentos.

Não era preciso, Macron foi isolado pelos demais líderes europeus de peso, como Angela Merkel, da Alemanha e Boris Johnson, da Inglaterra.

Míriam Leitão: Mais emprego, mais informais

- O Globo

Dois milhões de pessoas ocupadas a mais do que há um ano, mas ainda há muitos sinais deque precariedade no mercado de trabalho

O Brasil tinha no trimestre de maio a julho 2,2 milhões de pessoas a mais trabalhando do que no mesmo período do ano anterior. Essa é uma boa notícia na vastidão das más notícias quando o assunto é desemprego. É o melhor número no dado divulgado ontem, que tem que ser entendido por inteiro. O percentual do desemprego caiu de 12,3% no mesmo período do ano passado para 11,8%. Porém, o próprio IBGE diz que ficou “estatisticamente estável”. Parece contraditório, mas não é.

É preciso olhar com calma os números que vivem sendo atacados pelo presidente da República quando trazem notícias desagradáveis. O aumento da população ocupada aconteceu no segmento que não tem carteira assinada e nos trabalhadores por conta própria. O total de pessoas desempregadas era 12,8 milhões há um ano e agora é 12,6 milhões. Ou seja, em número de pessoas está quase igual, mas em percentual caiu.

Parece estranho que tenha mais de dois milhões de novos trabalhadores na população ocupada, e ao mesmo tempo se diga que a desocupação está “estatisticamente estável”. O que se mede é o número de pessoas procurando emprego sem encontrar, por isso o total de trabalhadores ocupados pode crescer, sem que o estoque de desocupados caia fortemente. Além disso, há os jovens que entram no mercado todos os anos, e isso influencia no cálculo da taxa.

Marcus Pestana: Sonhos, conquistas e tropeços de uma geração

- O Tempo (MG)

O artigo poderia se chamar simplesmente “Por que não vou assumir”. Nas últimas eleições obtive 72.099 votos para deputado federal. Votação maior que a de dezenove dos eleitos e a maior entre centenas de suplentes. Fiquei como primeiro suplente da coligação. Agora, com a licença temporária do experiente deputado Bilac Pinto, fui convocado para assumir a vaga.

A vida pública e a militância política sempre foram o centro de minha trajetória. Comecei muito cedo. Em 1976, com apenas dezesseis anos, liderei a maior manifestação secundarista pós-68 em Juiz de Fora. Em sequência, participei do movimento pela Anistia e presidi o Diretório Acadêmico de Economia e o Diretório Central dos Estudantes da UFJF. Fruto dessa experiência, aos 22 anos, em 1982, me elegi vereador na histórica campanha ao lado de Tancredo Neves, Itamar Franco e Tarcísio Delgado. As forças democráticas conquistaram uma grande vitória abrindo o horizonte para a Nova República. Minha motivação sempre foi alimentada pela busca da liberdade, da justiça social e do desenvolvimento econômico sustentável. Portanto, a minha recusa em assumir o mandato temporário nada tem a ver com qualquer postura antipolítica. Ao contrário, é uma homenagem e um reconhecimento a todos aqueles que se dedicam a mais nobre atividade humana, a maior ferramenta para melhorar o mundo e transformar a vida.

Nos trinta e três anos do ciclo da Nova República avançamos muito. Consolidamos a democracia, derrotamos a hiperinflação, iniciamos o combate às desigualdades, construímos as bases do SUS, universalizamos o ensino fundamental, modernizamos o Estado, privatizamos estatais ineficientes, introduzimos a preocupação com a responsabilidade fiscal. Mas é inevitável sentir nos resultados de 2018 certo gosto amargo de fracasso geracional. A criminalização da política, a forte rejeição no seio da sociedade aos políticos, a desmoralização do quadro partidário tradicional, a corrupção endêmica revelada pela Lava Jato e a radicalização extrema do jogo político foram me transformando em uma “ideia fora do lugar”, um “peixe fora d’água”.

Demétrio Magnoli*: Soldados de Caxias

- Folha de S. Paulo

Maduro utiliza, para as ONGs de direitos humanos, a mesma linguagem que Bolsonaro usa para as ONGs ambientalistas

“Os governos imperialistas aproveitam a crise para lançar uma ofensiva em torno da questão ambiental para atacar a soberania nacional brasileira. Aos incautos que insistem em tutelar os desígnios da brasileira Amazônia, não se enganem: os soldados do Exército de Caxias estarão sempre atentos e vigilantes, prontos para repelir qualquer tipo de ameaça.”

Quem escreveu isso? Assim, ninguém. A primeira frase é do Partido da Causa Operária, um grupúsculo de ultraesquerda (e, nela, depois da “crise”, aparece um “criada por Bolsonaro”).

Já a segunda é do general Edson Pujol, comandante do Exército, na Ordem do Dia lida no último dia 23. Mas as duas ficam bem juntas, abraçadas no ninho do nacionalismo. A nação, ensinou Benedict Anderson, é uma “comunidade imaginada”. O patriotismo nacionalista, registrou Samuel Johnson, é “o último refúgio dos canalhas”.

A invocação da soberania nacional é o refúgio clássico de governantes quando estrangeiros apontam rupturas dos compromissos internacionais assumidos pelo país, desrespeito às leis nacionais ou violações dos direitos dos cidadãos. Os canalhas perfilam-se à sombra da bandeira sempre que emergem temas diplomáticos globais, como as políticas ambientais e os direitos humanos. Nessas horas, a extrema direita e a esquerda tradicional revelam suas notáveis semelhanças. Então, uns e outros começam a empregar as palavras “imperialismo” e “colonialismo”.

Julianna Sofia: Quando a poeira baixar

- Folha de S. Paulo

Tentativa de Bolsonaro e Moro de mostrar que ainda é possível colar os caquinhos é trégua de araque

O teatrelho de Jair Bolsonaro e Sergio Moro nos salões do Palácio do Planalto na quinta-feira (29) tapeia poucos. Blandícias em excesso num esforço para demonstrar publicamente que ainda é possível colar os caquinhos depois de todo o desgaste da relação entre o presidente e seu (ex-super) ministro da Justiça. Trégua de araque.

Na Polícia Federal, o clima se deteriora progressivamente desde que Bolsonaro atropelou Moro e declarou que poderia trocar superintendente, diretor-geral e o escambau. Não há superbonder que dê jeito nisso. Aliás, a ausência de Maurício Valeixo (o DG) foi notada na plateia da ópera-bufa encenada por Jair e Sergio no palco palaciano. Na véspera do evento, sua permanência no cargo fora reafirmada por um ministro pouco convicto ("as coisas eventualmente podem mudar").

Oscar Vilhena Vieira*: Custos do Estado de Direito

- Folha de S. Paulo

O desafio é combater a corrupção, respeitando a lei

O processo do mensalão e a Operação Lava Jato estabeleceram um novo padrão de relacionamento entre os Poderes no Brasil.

A tradicional cordialidade e complacência dos agentes de aplicação da lei em relação ao corpo político, agraciada com generosos privilégios corporativos, foi subitamente substituída por uma postura de confronto.

Alavancados pela introdução das delações premiadas, instrumento essencial para o combate ao crime organizado, introduzido pela lei 12.850/13, agentes da lei foram expondo as teias de corrupção que enredaram nosso sistema representativo.

Com isso, juízes e procuradores alcançaram um enorme apoio da opinião pública, dos meios de comunicação e, sobretudo, daqueles que se opunham ao governo do PT, principal alvo das investigações.

Fundamental para o avanço da Operação Lava Jato foi o respaldo conferido pelos tribunais superiores, que raramente impuseram limites à atuação de magistrados e membros do Ministério Público.

Com a expansão da Lava Jato em relação a importantes membros da oposição —e governistas que abandonaram Dilma— o corpo político começou a se reposicionar em relação à operação.

Também o Supremo Tribunal Federal, a partir da alteração de posicionamento de alguns de seus membros, passou a impor alguns importantes limites à operação, restringindo o uso de conduções coercitivas, separando crimes de corrupção e lavagem de dinheiro dos delitos eleitorais, retirando os últimos da Justiça comum.

A própria questão da prisão em segunda instância, elemento essencial para o sucesso da operação, está em xeque no tribunal.

Com a adesão do ex-juiz Sergio Moro ao governo Bolsonaro e a divulgação dos diálogos entre membros da operação pelo The Intercept Brasil, abusos na condução do processo e a própria quebra do primado da imparcialidade judicial, que já vinham sendo denunciados há muito, passaram a ser criticados de forma mais ampla e contundente, abrindo espaço para que o Congresso Nacional, com razoável facilidade, aprovasse uma nova lei de abuso de autoridade.

Ao presidente da República caberá determinar a extensão dos limites impostos aos agentes da lei, ao sancionar ou vetar a nova legislação, sabendo que eventual veto poderá ser derrubado no parlamento.

Uma cronologia da troca de farpas entre presidente e governador

Antes aliados, Jair Bolsonaro e João Doria se distanciam em estratégia para eleições presidenciais de 2022

João K'er | O Estado de S.Paulo

A aliança das eleições de 2018 estampada pelo slogan Bolsodoria, usado pelo governador paulista, João Doria (PSDB-SP), para vencer a disputa na onda que elegeu Jair Bolsonaro (PSL), ficou para trás. Nesta quinta-feira, 29, o distanciamento entre os dois ficou mais evidente após quase dois meses de farpas trocadas. Nas redes, Bolsonaro acusou o tucano de “mamar nas tetas” do PT, ao comentar o financiamento pelo BNDESde um jatinho particular do governador. Nesta sexta, 30, Doria rebateu: “Nunca precisei mamar em teta nenhuma”.

De olho nas eleições de 2022, ambos deixaram para trás os tempos em que faziam flexões de braço lado a lado. Abaixo, o Estado relembra em ordem cronológica os desentendimentos públicos entre Bolsonaro e Doria:

“Não é hora de eleição. É momento de gestão” - 24 de junho

O primeiro ‘conflito’ entre Bolsonaro e Doria esteve relacionado à disputa entre São Paulo e Rio pela realização do GP Brasil de Fórmula 1, cujo contrato vence em 2020. O presidente afirmou que a disputa tem “99% ou mais” de chance em ser transferida para o Rio de Janeiro, enquanto defendeu a ida da prova para a capital carioca.

Na mesma ocasião, Bolsonaro também aproveitou a oportunidade para provocar Doria: “A imprensa diz que ele será candidato à Presidência em 2022, então ele tem de pensar no Brasil. Se ele disputar a reeleição, aí ele pensa no seu Estado”, afirmou, dois dias após confirmar sua própria candidatura à reeleição para o cargo. “A questão da Fórmula 1 não é política. É econômica. Não é hora de eleição. É momento de gestão”, rebateu o tucano.

“Declaração infeliz” - 29 de julho

Quatro dias após o presidente ter provocado polêmica nas redes sociais ao afirmar que sabia o que ocorreu com Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, que foi morto durante a ditadura militar. O governador afirmou que a fala (“Se ele quiser saber como o pai morreu, eu conto”) foi “infeliz”.

“Como filho de um deputado que foi cassado na época do regime militar, eu acho que foi uma declaração infeliz”, disse sobre os comentários do presidente de que Santa Cruz desapareceu no Rio de Janeiro.

Desemprego recua com recorde de trabalho informal

Taxa de desemprego caiu para 11,8% e atingiu 12,6 milhões de pessoas no trimestre, diz IBGE

Diego Garcia | Folha de Paulo

RIO DE JANEIRO - A taxa de desemprego recuou no país, mas devido à criação de vagas no mercado informal, que bateu novo recorde.

O número de empregados sem carteira assinada atingiu 11,7 milhões no trimestre encerrado em julho, enquanto os trabalhadores por conta própria —cuja maior parte não tem CNPJ— chegaram a 24,2 milhões, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta sexta-feira (30).

Os números são os mais altos já registrados pelo IBGE na série da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), iniciada em 2012.

No período, a taxa de desocupação no Brasil caiu para 11,8%, o que representa 12,6 milhões de pessoas desempregadas, contra 12,5% no trimestre imediatamente anterior (fevereiro a abril de 2019).

“Desde o início da crise econômica a inserção por conta própria vem sendo ampliada em função da falta de oportunidade no mercado formal”, afirmou Cimar Azeredo, gerente da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE.

O total de empregados do setor privado sem carteira de trabalho assinada teve um aumento de 3,9% (441 mil pessoas) frente ao trimestre anterior e de 5,6% (619 mil pessoas) em relação ao mesmo trimestre de 2018.

Já o número de trabalhadores por conta própria subiu 1,4% (343 mil pessoas) na comparação trimestral e 5,2% (1,2 milhão de pessoas) em comparação ao mesmo período do ano passado.

Segundo Azeredo, experiências de crises anteriores apontam que, quando o mercado de trabalho se recupera, o emprego informal cai, em vez de aumentar. Ou seja, o recorde da informalidade indica que o mercado de trabalho ainda não se recuperou, apesar da queda na taxa de desemprego.

Como vagas informais costumam pagar menos que as formais, um aumento no número de postos sem carteira reduz a média salarial da população. Segundo o IBGE, o rendimento médio real habitual do trabalhador chegou a R$ 2.286, contra R$ 2.311 nos três meses antes.

O número de empregados no setor privado com carteira assinada marcou 33,1 milhões, estável em comparação ao trimestre anterior e ao mesmo período do ano passado.

Populismo, o corruptor da democracia

Ação de Boris Johnson para ampliar recesso parlamentar é última de uma série que mina lentamente valores liberais

- The Economist*| O Estado de S.Paulo

No geral, o que persiste é a noção de que as democracias morrem por um cano de revólver, em golpes e revoluções. Hoje, entretanto, é mais provável que ela seja estrangulada lentamente em nome do povo. Veja o caso da Hungria, onde o partido no governo, o Fidesz, utiliza sua maioria parlamentar para tomar conta das agências reguladoras, dominar o mundo empresarial, controlar os tribunais, comprar a mídia e manipular as normas eleitorais.

O primeiro-ministro Viktor Orbán não precisa infringir a lei, porque o Parlamento que ele controla pode alterá-la. E não necessita da polícia secreta para subtrair seus inimigos durante a noite. Eles podem ser colocados no devido lugar sem violência, pela imprensa dominada ou pelo fisco. Na forma, a Hungria é uma democracia florescente, mas no espírito é um Estado de um único partido.

As forças que atuam na Hungria estão socavando outros sistemas de governo também. Isso vem ocorrendo não apenas em jovens democracias, como a Polônia, onde o Partido da Lei e da Justiça decidiu copiar o Fidesz, mas mesmo em outras mais perenes como Reino Unido e Estados Unidos. Esses sistemas de governo já estabelecidos não estão prestes a se tornar Estados de um único partido, mas já mostram sinais de decadência. E quando a deterioração se instala, é extremamente difícil de conter.

No âmago da degradação da democracia húngara está o cinismo. Depois que o chefe de um governo socialista visto como corrupto admitiu ter mentido para o eleitorado em 2006, os eleitores aprenderam a imaginar o pior dos seus políticos.

Esta tendência foi explorada entusiasticamente por Viktor Orbán. Em vez de apelar para a tolerância e generosidade dos seus compatriotas, ele semeia a divisão, instiga o ressentimento e explora seus preconceitos, especialmente no tocante à imigração. Este teatro político tem por finalidade desviar a atenção do seu objetivo real, a manipulação astuta de regras e instituições obscuras para garantir seu controle do governo.

Juan Arias: Na guerra sobre a Amazônia, o Brasil ganhou e Bolsonaro perdeu

- El País

Quem sai engrandecido dessa guerra são, de fato, os brasileiros e sua luta na defesa do meio ambiente

Na guerra sobre a destruição da Amazônia, o presidente, Jair Bolsonaro, saiu derrotado enquanto o Brasil e suas riquezas naturais foram defendidos em todo o mundo. As ideias destrutivas do líder brasileiro e seus comentários depreciativos e até grosseiros pronunciados, por exemplo, sobre presidentes europeus como Emmanuel Macron, da França, e Angela Merkel, da Alemanha, acabaram ofuscando ainda mais sua já surrada figura no exterior.

O presidente brasileiro que havia dito, dias atrás, que não iria ser um presidente “banana”, acabou sendo visto como tal pelos líderes mais importantes do estrangeiro. Suas chacotas sobre a Amazônia apelando até a uma linguagem de cunho anal como quando disse que bastava “um cocô petrificado de índio” para paralisar uma obra, não foram apreciadas fora do Brasil. O mundo sempre admirou e até invejou o santuário natural da Amazônia que abriga o maior bioma do planeta e que é reconhecido como um dos maiores tesouros ecológicos ainda vivos da Terra.

Também se tornaram um bumerangue as zombarias sobre o Presidente Macron nas redes sociais aplaudidas por Bolsonaro sobre a comparação entre sua esposa, Brigitte, já idosa, e a jovem Michelle, a esposa do Presidente brasileiro. E mesmo as brincadeiras de mau gosto do vice-presidente, o general Mourão, sobre os tremores que às vezes afetam a líder alemã Merkel. Todas essas atitudes serviram principalmente para que o mundo constatasse que o Brasil, possuidor não somente de imensas riquezas naturais, como também humanas, merecia alguém mais digno e preparado para ser governado.

A atitude do Presidente brasileiro e de seu governo durante o episódio da Amazônia, que abalou o mundo, serviu também para expor a ausência dramática de uma política externa à altura das circunstâncias, algo que sempre foi considerado como uma das glórias e acertos da política brasileira, seja de direita ou de esquerda.

O que pensa a mídia | Editoriais

Brasil precisa de política ambiental consistente: Editorial | O Globo

Bolsonaro quer construir proposta conjunta com Trump, mas EUA não são boa referência no setor

Antes mesmo de assumir, o presidente Jair Bolsonaro já demonstrava descaso com a proteção ao meio ambiente, tema prioritário na agenda de luta coletiva para redução do aquecimento global.

Bolsonaro pretendia fundir o Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura, o que representaria grande retrocesso. Felizmente, recuou da ideia, e a pasta foi mantida. Não significou muito. Em oito meses de gestão, construiu-se pouco e desconstruiu-se muito em termos de política ambiental.

Não faltaram sinais de alerta. Em maio, os ex-ministros do Meio Ambiente Rubens Ricupero, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira, José Sarney Filho e Edson Duarte subscreveram manifesto no qual advertiam: “A governança socioambiental do Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição”.

O roteiro do desmonte parecia claro já antes da posse. Ao participar de solenidade na Academia Militar das Agulhas Negras, em dezembro, Bolsonaro disse que não admitiria mais que Ibama e ICMBio saíssem multando a torto e a direito: “Essa festa vai acabar”. Excessos, certamente, existiam, mas a mensagem presidencial foi percebida como uma liberação generalizada.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Música | Roberto Silva - Escurinho ( Geraldo Pereira)

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

César Felício*: Bolsonaro, entre a cruz e a espada

- Valor Econômico

Fraquejada pode gerar oposição à direita

Na brecha que se abre entre o bolsonarismo e o lavajatismo, situações há pouco tempo inimagináveis começam a ganhar concretude. Estudiosa há seis anos do perfil dos manifestantes de rua no Brasil, a antropóloga Isabela Kalil, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp) identificou no domingo traços de que ganha corpo um núcleo que está à direita de Jair Bolsonaro.

Sim, no universo ultraconservador brasileiro, há os que pensam que o presidente não é radical o suficiente. Isabela já havia apontado a existência deste núcleo nos últimos meses, em entrevista à repórter Carolina Freitas publicada no Valor no mês passado. Ele ganhou um desenho mais nítido com a sequência de acontecimentos nas últimas semanas que levaram o presidente a reduzir notavelmente seu nível de atrito com o presidente do Supremo Tribunal Federal e com os presidentes das casas legislativas, em um contexto em que Sergio Moro foi enfraquecido com a perda do Coaf e a intervenção branca na Polícia Federal.

As manifestações do domingo foram mais discretas do que as anteriores. Não foram registradas em todos os Estados, como as demais, por exemplo, mas em 21 deles. A vertente anti-institucional, a favor do fechamento do Supremo e da tal intervenção militar constitucional, lá estava. O grupo de faixa etária mais baixa, menos ideologizado e centrado na veneração do "mito" teve representação menor.

Uma parcela importante de quem ficou na rua até agora defende mais ideias e não uma pessoa. A sanção presidencial do projeto de lei de abuso de autoridade, que deverá vir acompanhada de alguns vetos, ganha assim importância direta na engrenagem bolsonarista.

Maria Cristina Fernandes: A cruzada do papa pelos povos da floresta

- Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

"Nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora". O presidente Jair Bolsonaro ainda não tinha nem mesmo campanha na rua quando Jorge Bergoglio fez este profético discurso em 19 de janeiro de 2018. Naquele dia, o papa Francisco, reunido com lideranças indígenas em Porto Maldonado, no Peru, deu início aos preparativos para o Sínodo da Amazônia, em outubro próximo, no Vaticano.

O encontro pode fazer do papa o maior anteparo à política de Bolsonaro para a Amazônia. Ao contrário do presidente francês, Emannuel Macron, contido por seus rivais europeus na comedida reunião do G-7, Jorge Bergoglio contará, no sínodo, com bispos de oito países (Brasil, Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Guianas e Suriname) afinados em sua cruzada pela região.

Órgão consultivo do papa, o sínodo discute as ações da Igreja Católica em missões por ele definidas. A nuance de exército eclesiástico é relativizada pelo formato. O papa não participa do encontro e não está obrigado a seguir suas recomendações. No tema em questão, porém, somam-se bispos comprometidos com a região e um papa que, desde o início do seu pontificado, identificou, na questão ambiental, um tema transversal às disputas de cunho moral que dividem o clero.

Com habilidade, o papa cuida para que seu discurso não seja facilmente carimbado. Não se alinha à tese de "pulmão do mundo", que seria engrossada pelo presidente francês mais de um ano depois. Em Porto Maldonado, mostrou-se disposto a "romper com o paradigma histórico que considera a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados, sem ter em conta os seus habitantes".

Para isso, deu nome a quase todos os bois da floresta, desde a "pressão de grupos econômicos por petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais" quanto o interesse de movimentos que, "a pretexto de conservar a floresta, se apropriam de grandes extensões de terra e a tornam inacessível aos povos nativos".

O sínodo, cujas reuniões preparatórias já entraram no radar da Agência Brasileira de Informações (Abin), não se limita às fronteiras da floresta. Ao fincar estaca no discurso ambiental, o papa também firma sua liderança contra a nova direita mundial e seus principais porta-vozes.

O mais estridente deles, Steve Bannon, conselheiro do bolsonarismo, disse, em entrevista recente ao "National Catholic Register", jornal católico e conservador dos Estados Unidos, que o papa transformou a Igreja Católica num partido político: "Ele [Jorge Bergoglio] hoje é parte do sistema global contra mudança climática. Não é nem mesmo um centro-esquerda, é da esquerda radical. Seu partido político apoia os Verdes, que, para mim, são, essencialmente, um movimento teológico".

José de Souza Martins*: O fogo e o queimador

Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

Quando governantes acham que consumir o meio ambiente com as chamas é lícito e que disso depende o PIB, confessam que dinheiro de poucos é mais importante do que a vida de todos 

A transformação da questão ambiental em vômito de ignorância no templo da natureza preocupa a parte humana do mundo cujo cérebro não foi corroído pelos gases tóxicos da voracidade incondicional de lucros incendiários. Os obtidos à custa do presente e do nosso futuro. Justificar a transformação da Amazônia em dinheiro súbito, porque o país se tornou um entreposto de commodities, não é próprio de verdadeiros empresários e menos ainda de competentes governos. O tempo do desenvolvimento econômico e social não é o tempo do imediato, é o tempo histórico da prudência. Sem consciência do futuro, o atual é pressa tola.

No Brasil, no entanto, não é incomum que o governo e as autoridades, que devem fiscalizar e reprimir os crimes e as atividades antissociais, tenham sempre uma desculpa para o indesculpável. É o caso em relação às queimadas destrutivas do meio ambiente. Este é um momento particularmente significativo dessa violação do dever governativo.

Quando governantes acham que consumir o meio ambiente com a motosserra e as chamas é lícito, para assegurar os ganhos dos poucos em prejuízo dos muitos, e que disso depende o PIB, confessam que o dinheiro de poucos é mais importante do que a vida de todos. Quando dizem que o trabalho escravo, um item amazônico, não é escravo, confessam que a liberdade não é um valor essencial desta sociedade. O que dessa liberdade faz mera liberdade condicional.

Quando proclamam e asseguram que possam armar-se os que quiserem, especialmente no meio rural, onde é alta a violência dos que podem contra os que não podem, revogam o princípio de que é das Forças Armadas o monopólio da violência, para cumprir as leis e assegurar os direitos de todos. E os da própria nação, como sujeito coletivo da nacionalidade.

Marina Silva e João Paulo Capobianco*: O joio e o trigo no agronegócio brasileiro

- O Estado de S.Paulo

É chegada a hora de o segmento mais moderno e responsável do setor mostrar suas diferenças

O agronegócio brasileiro enfrentará grandes desafios nos próximos anos. Serão tempos de turbulências causadas pelo chamado “fogo amigo”, ou seja, por seus próprios pares.

Depois do salto propiciado por um ciclo vitorioso de desenvolvimento no campo que permitiu superar seu desenvolvimento tardio, o Brasil deixou a posição de importador de alimentos para se tornar um dos mais dinâmicos produtores e exportadores de produtos da agropecuária do mundo. Nas últimas quatro décadas, a produtividade cresceu a uma taxa anual média de 3,43%, muito superior à americana, de 1,38% ao ano. Nesse período, a produção de grãos saltou de 40,6 milhões para 237,8 milhões de toneladas, contribuindo para garantir o equilíbrio da balança comercial do País.

A façanha que colocou o agronegócio brasileiro na vanguarda da produção mundial se deu, no caso da produção de grãos, em parte pela incorporação das chamadas tecnologias cristalizadas, aquelas que estão nas sementes melhoradas, em equipamentos de precisão e insumos mais eficientes. Entretanto, destacam os maiores especialistas na área, mais importante do que elas foram as tecnologias conhecidas como não cristalizadas (ou não materializadas em produtos de prateleira). Para Eliseu Alves, um dos fundadores e ex-presidente da Embrapa, “o conhecimento sobre sistemas de produção impactou mais a agricultura brasileira do que equipamentos, máquinas e sementes”.

Essa é uma questão central que deve ser considerada quando discutimos o futuro da agropecuária no Brasil. As tecnologias que tratam dos modelos de produção inovadores, como o manejo de pragas, plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta e outras técnicas de agricultura de baixo carbono, por exemplo, são produzidas pelas instituições de pesquisa e encontram dificuldades para chegar aos seus destinatários no campo. Principalmente quando as limitações orçamentárias afetam seu desenvolvimento e a extensão rural.

O desafio do setor, que se encontra no limiar de ruptura com os atuais sistemas de produção no campo por causa da pressão da sociedade, está na incorporação dos novos padrões sustentáveis de produção, e não simplesmente no uso de algum insumo milagroso ou máquina ultramoderna. A cada dia se exige maior conhecimento e respeito às condições de produção de nossos espaços naturais – que incluem o solo, o clima, as fontes de água e a biodiversidade – e o melhor aproveitamento da área que já está disponível para a agropecuária pela remoção da cobertura vegetal original. Há milhões de hectares nessa condição que estão subutilizados, enquanto o desmatamento segue em ritmo extremamente acelerado, como é o caso da pecuária extensiva, responsável por cerca de 80% do desmatamento e uma produtividade muito baixa, de apenas uma cabeça animal por hectare.

Eliane Cantanhêde: O efeito Macron

- O Estado de S. Paulo

Francês deu a Bolsonaro o discurso aglutinador de ‘soberania’ e ‘patriotismo’

Ao falar em internacionalização da Amazônia, o francês Emmanuel Macron mexeu com os brios brasileiros e deu ao presidente Jair Bolsonaro um discurso poderoso e aglutinador baseado em duas palavras mágicas: soberania e patriotismo. Mesmo antibolsonaristas convictos caíram nessa. Mexeu com a pátria, mexeu comigo.

Com esse discurso, Bolsonaro deu voz unida e reuniu novamente os militares do seu governo em torno dele. Ordem, disciplina, patriotismo. E não se fala mais de demissões de generais nem de medalha para o guru que os tratava aos palavrões.

Com o escorregão de Macron, todos perfilaram, bateram continência e respiraram aliviados por ter bons motivos para reverenciar o capitão que virou “comandante em chefe.” Ele manda, eles obedecem. Ele cobra soberania e patriotismo, eles adoram. Ele grita “a Amazônia é nossa”, eles fazem coro. O resto é passado.

Se une os militares, o presidente também usa Macron e a Amazônia para animar a sua tropa real e virtual e deve estar se divertindo à beça com os “inimigos” que tanto falaram mal de suas posições devastadoras sobre o meio ambiente e agora se sentem obrigados a reconhecer que Macron passou do ponto, é um atrevido.

Enquanto os três Poderes dão tratos à bola para reunir recursos para proteger a Amazônia e o governo toma medidas práticas contra desmatamento e queimadas, Bolsonaro vai tirando proveito político da crise e cobra pedido de desculpas de Macron, que o chamou de “mentiroso”, apesar de ele ter atacado primeiro, com a “live” cortando o cabelo na hora marcada para o chanceler francês.

Luiz Carlos Azedo: Moro, o imexível

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A saída de Moro do governo seria um desastre, porque o ministro carregaria consigo a bandeira da Lava-Jato e se tornaria forte candidato a presidente da República”

A palavra imexível é uma criação do ex-ministro do Trabalho e Previdência Social Antônio Rogério Magri, por ocasião do lançamento do chamado Plano Collor, em 1990. Sindicalista, o então ministro referia-se ao direito de greve. O termo acrescenta o prefixo negativo latino in ao adjetivo mexível, o que é chamado de neologismo léxico. A expressão foi ridicularizada, mas não tinha nada de errado e, por isso mesmo, entrou para o dicionário político nacional. É usada toda vez que um ministro tem muito prestígio e não pode ser exonerado pelo governante, sem que isso cause grande desgaste político e o defenestrado vire um concorrente natural.

É o caso do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que estava sendo fritado pelo presidente Jair Bolsonaro por se opor à decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que suspendeu todas as investigações que estavam sendo feitas pela Polícia Federal com base em informações fornecidas sem autorização judicial pela Comissão de Controle de Operações Financeiras (Coaf). A liminar fora requerida pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República, que estava sendo investigado no caso do seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Moro articulava a derrubada da liminar pelo plenário do Supremo; Bolsonaro ficou sabendo.

A reação de Bolsonaro foi muito dura. Transferiu o Coaf do Ministério da Justiça para o Banco Central, cujo presidente, Roberto Campos Neto, substituiu o chefe do órgão por um funcionário de carreira da instituição. O presidente da República também exigiu mudanças nos quadros da Receita Federal e da Polícia Federal no Rio de Janeiro, cujo superintendente será substituído, sob pena de demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Apesar do mal-estar criado entre os delegados federais, a mudança acabou aceita. Moro recuou, e Bolsonaro manteve o ministro, antes que as críticas ao seu comportamento tirassem a bandeira do combate à corrupção das suas mãos.

Esse é o busílis da questão. A bandeira da Lava-Jato é mais de Moro do que de Bolsonaro. O prestígio popular de Moro, apesar da crise causada pela revelação de suas conversas com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato pelo site Intercept Brasil, permanece inabalável na opinião pública, apesar de ter queimado o filme no mundo jurídico. A imparcialidade do juiz é um valor cultivado entre magistrados, porém, a troca de figurinhas entre juízes e promotores durante as investigações é mais frequente do que se imagina. Além disso, a opinião pública adora o linchamento moral dos políticos, ou seja, quer mais é que o juiz “prenda e arrebente”.

Reinaldo Azevedo: Filhos de Januário, pais de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Temos de decidir se a Lava Jato se subordina à Constituição ou o contrário

Vários grupos do Telegram, nos quais procuradores da República comemoravam o funeral do Estado de Direito e debochavam dos funerais de parentes de Lula, chamavam-se “Filhos de Januário”.

Filhos de Januário, sim, mas pais de Jair Bolsonaro. No momento, essa família moral está em litígio. Seus integrantes disputam a primazia do Estado policial. Deixo este fio aqui para ser retomado mais tarde. Preciso ir ao Supremo.

O pleno do tribunal acabará decidindo que destino terá um fundamento da Constituição que é pilar das democracias na preservação dos direitos individuais em face da pretensão punitiva do Estado.

Refiro-me ao Inciso LV do Artigo 5º da Constituição: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Com base nesse fundamento, a Segunda Turma da Corte, por 3 votos a 1, anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, e devolveu o processo para a primeira instância.

Aproveito para saudar o reencontro com uma Cármen Lúcia comprometida com os direitos fundamentais e com o devido processo legal. Também votaram com a Constituição Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

É incrível! A dita Carta Magna estava sendo violada a céu aberto, e não nos dávamos conta.

Como era possível que um réu delator e um réu delatado entregassem ao mesmo tempo suas alegações finais quando o primeiro está a fornecer elementos contra o segundo, sem que este tenha chance de se defender das acusações?

Hélio Schwartsman: Guinada antilavajatista

- Folha de S. Paulo

É estranha a decisão do STF anulando sentença de Moro que condenou o ex-presidente da Petrobras

É estranha a decisão da segunda turma do STF que anulou a sentença do então juiz Sergio Moro que condenara Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras. Devemos aguardar novos julgamentos para entender melhor o alcance da guinada antilavajatista, mas já está claro que o ímpeto condenatório da Justiça arrefeceu. Um ano atrás, a chance de o Supremo anular uma sentença de Moro com base num argumento técnico plausível, mas não irrefutável, teria sido mínima.

O ingrediente principal da reviravolta é político. A divulgação de diálogos de Moro com procuradores da Lava Jato feriu seriamente a imagem das autoridades envolvidas na operação. Como se isso fosse pouco, Moro, agora no Ministério da Justiça, vem sofrendo sabotagens sistemáticas do presidente Bolsonaro.

Bruno Boghossian: Saidão da milícia

- Folha de S. Paulo

Em defesa de policiais em serviço, presidente pode acabar beneficiando criminosos

O policial militar Adriano da Nóbrega foi preso três vezes antes de ser expulso da corporação, no Rio, em 2014. Nesse tempo, foi acusado de assassinar um guardador de carros e de trabalhar como segurança de um bicheiro. Em sua carreira, ele recebeu duas homenagens do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Uma medalha foi concedida quando o PM estava na cadeia.

Adriano era suspeito de usar a farda para cometer crimes. Ficou um ano e meio atrás das grades por matar um homem que havia denunciado policiais por extorsão. Foi solto depois que a sentença foi revertida em segunda instância.

Se Jair Bolsonaro estivesse no poder à época, talvez ele nem tivesse ficado preso por muito tempo. O presidente anunciou que vai conceder indulto a “colegas policiais que estão presos injustamente pelo Brasil”. Em sua transmissão semanal ao vivo pelas redes sociais, pediu que o público mandasse nomes para que ele pudesse “botar na rua” esses agentes.

A intenção é ampliar sua campanha para reduzir a punição a policiais que matarem em serviço. O saidão de Bolsonaro vai libertar agentes que atuaram em confrontos com criminosos, mas também pode ajudar milicianos e esquadrões da morte.

Pedro Doria: O que é pior neste governo

- O Globo

Muitas características fazem, do governo atual, ímpar. Gosta de romper com políticas de Estado consolidadas há décadas, por exemplo. Tem dificuldades de lidar com os limites constitucionais impostos ao Poder Executivo. Não se envergonha de nepotismo e tem orgulho de ser obscurantista. Mas, quando passar —e todo governo passa —, uma destas características poderá custar muito, muito caro ao Brasil. É o obscurantismo. Ou, em outras palavras, a repulsa à ciência.

A repulsa à ciência aparece de muitas formas. Quando ministros põem em dúvida aquilo que é consenso entre cientistas, como as mudanças climáticas, é um caso. Ou, então, quando o governo enxerga ideologia em números do IBGE, do Inpe, certamente outros exemplos virão. De uma forma mais ampla, porém, esta recusa da ciência põe em perigo o futuro econômico do Brasil. De duas formas.

A era digital, na qual entramos, é em essência aerada matemática. Os dois braços de avanços tecnológicos nos quais estamos mergulhando —em biotecnologia e em inteligência artificial —têm por pedestal uma matemática muito sofisticada. É ama temática do DNA e ama temática por trás dos softwares capazes de aprender.

Não bastasse, a conclusão de que vivemos um tempo de violentas mudanças climáticas se baseia em modelos matemáticos.

Nunca o Brasil precisou tanto de gente que conhece em profundidade matemática. E isso ocorre justamente quando temos um presidente da República que encontra, nos números, ideologia.

Bernardo Mello Franco: Os procuradores diante do luto

- O Globo

Nos grupos da Lava-Jato, oito procuradores ironizaram as mortes da mulher, do irmão e do neto de Lula. Desde que as mensagens vieram à tona, só uma pediu desculpas

Em janeiro de 2017, Marisa Letícia sofreu um derrame. No grupo dos procuradores da Lava-Jato, Deltan Dallagnol escreveu que ela chegou ao hospital “sem resposta, como vegetal”. Januário Paludo comentou: “Estão eliminando as testemunhas...”. A ex-primeira-dama morreria dez dias depois. Deixou marido, quatro filhos e seis netos.

Durante o velório, circulou no chat nota sobre a agonia de Marisa após a operação da PF em sua casa. “Ridículo... Uma carne mais salgada já seria suficiente para subir a pressão... ou a descoberta de um dos milhares de humilhantes pulos de cerca do Lula”, reagiu Laura Tessler. “Sempre tive uma pulga atrás da orelha com esse aneurisma. Não me cheirou bem”, emendou Paludo.

Na manhã seguinte, Antônio Carlos Welter comentou: “A morte da Marisa fez uma mártir petista e ainda liberou ele pra gandaia sem culpa ou consequência politica”. Thaméa Danelon reclamou da ida de outra procuradora ao velório: “É como um colega ir ao enterro da esposa do líder de uma facção do PCC”.

Merval Pereira: No mesmo tom

- O Globo

Polarização continua em plena atividade, e redes sociais trabalham no limite da falta de responsabilidade de ambos os lados

A polarização política continua em plena atividade, e as redes sociais trabalham no limite da irresponsabilidade de ambos os lados. Na mesma semana em que surgiu a reprodução de diálogos de alguns procuradores da Lava-Jato em Curitiba ironizando o luto do ex-presidente Lula na morte de dona Marisa, o próprio Lula deu uma entrevista à BBC Brasil colocando em dúvida que o presidente Bolsonaro tenha realmente sido esfaqueado na campanha eleitoral de 2018.

Para os petistas, os comentários dos procuradores denotam ódio a Lula. Para os bolsonaristas, o comentário de Lula sobre a facada em Bolsonaro demonstra que, para o ex-presidente, nada é mais importante que a disputa política.

Os comentários de alguns dos procuradores são lamentáveis, e a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann foi ao Twitter para condenar, afirmando dramaticamente: "Diálogos de procuradores mostram a pior face do ser humano".

Pode ser exagerado, mas sem dúvida a ironia numa hora dessas é descabida, e revela frieza diante de tragédias pessoais que pode chocar almas mais sensíveis como a da presidente do PT.

Tanto que a procuradora Jerusa Viecili, a mais irônica nos diálogos, pediu desculpas ao ex-presidente Lula por ter feito chacota de seu luto: "Errei. E minha consciência me leva a fazer o correto: pedir desculpas à pessoa diretamente afetada, o ex-presidente Lula", disse, também através do Twitter.

Dora Kramer: Moro se faz de morto no jogo de gato e rato com Bolsonaro

- Revista Veja

De bobo e burro Sergio Moro não tem nada, ou não teria saído do anonimato de uma vara da Justiça 

Federal em Curitiba para a cena nacional como a grande estrela da operação que desmontou o esquema de corrupção na Petrobras e fez a casa de Lula cair. Portanto, requer prudência a avaliação recorrente de que o ministro da Justiça estaria se submetendo inocente e inutilmente a humilhações impostas pelo presidente Bolsonaro.

Cobra-se de Moro uma reação enérgica, que peça demissão ou ao menos responda ao chefe que lhe solapa a autoridade. É possível que estejam corretas as suposições de que o ex-juiz tenha se arrependido de ter trocado o certo pelo duvidoso, mas está feito e não lhe resta opção a não ser bancar o jogo e seguir adiante.

Pelo jeito, ele escolheu atuar conforme os ensinamentos de A Arte da Guerra, usando a força do inimigo para derrotá-lo sem lutar. No popular brasileiro, dando corda para o adversário se enforcar. Isso se o plano do ministro da Justiça chegar a algum lugar. Nesta altura Moro não iria a parte alguma demitindo-se ou exigindo um respeito que Bolsonaro não tem nem se dispõe a dar a ninguém de fora de seu círculo familiar e/ou bajulador.

Ricardo Noblat: Racha na direita

- Blog do Noblat | Veja

MBL rompe com Bolsonaro e seus filhos por causa de projeto de lei contra fake news

Ninguém disposto a seguir aliado ao governo chama o filho do presidente da República de rato, moleque, mentiroso, covarde, “leãozinho de Twitter” que só posa de macho nas redes sociais, e de parlamentar relapso que vota projetos de lei sem tê-los lido.

De tudo isso o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi chamado pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), em discurso na Câmara. Eduardo estava em Brasília, mas preferiu não pôr os pés no plenário.

O discurso de Kataguiri marcou o rompimento oficial do MBL com o bolsonarismo. E foi avalizado, mais tarde, pelo coordenador do movimento, Renan Santos: “Os líderes bolsonaristas são tão autoritários quanto o petismo na esquerda”.

O MBL foi o agrupamento de direita mais importante na convocação de manifestações de ruas que respaldaram o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. No segundo turno da eleição do ano passado, recomendou o voto em Bolsonaro.

Desde então começou a se afastar do presidente e dos seus filhos por discordar de muitas de suas posições. “O bolsonarismo quer que todo mundo seja vaquinha de presépio, igual o lulismo fez com a esquerda. Querem botar cabresto em todo mundo”, acusa Santos.

A explosão de cólera de Kataguiri, que durou 12 minutos, teve a ver com as críticas que Eduardo lhe fez nas redes sociais por causa da aprovação pelo Congresso do projeto que aumentou a pena para quem distribuir notícias falsas nas eleições.

Bolsonaro vetara o projeto. O Congresso derrubou o veto com o apoio de Kataguiri e de outros nomes do MBL. No Twitter, Eduardo ironizou o deputado: “Parabéns por ter viabilizado esse instrumento que vai calar aqueles que não divulgam fake news. A esquerda agradece”.

Quando Kataguiri já não estava mais no plenário da Câmara, Eduardo apareceu por lá e atacou-o em discurso. Disse que a esquerda dispõe de uma “bem aparelhada equipe de advogados que ninguém do lado conservador tem”. E advertiu, para espanto dos que o ouviram:

– Sabe quem é que vai se dar mal com essa lei aqui? Vai ser Allan dos Santos, Bernardo Küster, o Luiz, Olavo de Carvalho, de repente a família Bolsonaro, porque eles [a esquerda] não têm escrúpulos, eles não respeitam a liberdade de expressão.

Allan dos Santos, Bernardo Küster e Luiz são youtubers de direita que apoiam Bolsonaro. Olavo de Carvalho é o autoproclamado filósofo guru dos Bolsonaros. Ora, se eles não disseminam falsas notícias, por que serão prejudicados? Não é verdade?

Eduardo não foi o único Bolsonaro a rebelar-se contra a decisão do Congresso. Na última quarta-feira, Carlos, o vereador, já protestara no Twitter:

“Congresso derruba veto em projeto que tentavam e conseguiram imputar fakenews a quem interessa. Quem ditará o que é fakenews ou não? Já sabemos! A liberdade de expressão sendo cerceada sob pretexto de palavras bonitas. Brasil virando Venezuela!”

Justiça à sombra de Lula

Míriam Leitão: Sinais de melhoras em meio a ruídos

- O Globo

Melhor um resultado positivo no trimestre do que nada. Ainda mais quando ele vem puxado pela indústria de transformação, o setor de construção e o investimento. Não é, contudo, o início da aceleração da economia. Os primeiros dados do terceiro trimestre são fracos, a situação internacional é complicada, a Argentina se aprofunda na crise, o governo entregou menos do que prometeu e o presidente continua sendo uma fonte de instabilidade e tensão. Falta foco ao governo Bolsonaro.

Os dados não enganam. A economia brasileira está passando pelo mais longo e penoso processo de estagnação. Nas recessões anteriores, no vigésimo trimestre após o início da crise, o PIB já estava muito acima do ponto pré-crise. Ou seja, a economia havia recuperado as perdas e subido para outro patamar. Agora, tanto tempo depois do início da crise, o país conseguiu recuperar apenas 42% do que perdeu.

No lado da boa notícia, dois economistas com quem eu conversei esta semana disseram que tinham sinais, das conversas com empresários, de que a construção residencial estava melhorando. Tanto José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, quanto Gustavo Loyola, da Tendências Consultoria, disseram esperar que isso viesse no PIB. O movimento é mais forte em São Paulo, mas o índice registrou 1,9% de alta nesse setor no país. A indústria de transformação subiu 2%, enquanto a extrativa mineral ainda tenta se recuperar da tragédia de Brumadinho. Há nos dados do segundo trimestre números positivos, só não se tem é certeza de que esse movimento vai continuar. Uma das razões é a crise em si que se realimenta, na opinião da economista Laura Carvalho, da USP:

Vinicius Torres Freire: O país em que o PIB é gorjeta de 1%

- Folha de S. Paulo

'Surpresa positiva' do crescimento da economia no segundo trimestre é conversa fiada

Houve uma conversa fiada de que o crescimento do PIB no segundo trimestre foi uma “surpresa positiva”. É sintoma de que as pessoas ocupadas com essa numeralha se acostumaram a discutir migalhas, troco miúdo e gorjeta ruim.

Escapamos por ora de nova recaída na recessão? Grande dia! Só que não. O fato é que a economia brasileira cresce ao ritmo anual de 1,2% desde o final de 2017. Casas razoáveis do ramo precário da previsão econômica ainda estimam que o PIB cresça apenas 0,8% neste 2019 —estando certas, isso significa que o crescimento no resto do ano vai desacelerar. Outros dão o chute informado de que se pode chegar a 1%. Os otimistas, 1,2%. Essas diferenças são troco.

Parte do resultado menos lamentável do trimestre se deveu à construção de casas, porque obras de instalações produtivas (indústria, logística, comércio etc.) ou de infraestrutura (estradas etc.) estão ainda na miséria.

O PIB da construção ainda é negativo, nos últimos quatro trimestres, mesma balada em que vem desde a metade de 2014. Foi o setor mais destruído pela Grande Depressão. O nível de atividade no ramo está mais de 28% abaixo do registrado no segundo trimestre de 2014.

O que se pode esperar de recuperação de curto prazo? Que a taxa de juro básico real caia a perto de zero. Quem sabe assim, com os rendimentos zerados das aplicações financeiras, os brasileiros remediados e ricos invistam em imóveis ou mesmo a torrar o dinheiro que têm guardado em carros, TVs e eletrodomésticos. Sim, é quase sarcasmo.

Além dos nossos famosos problemas estruturais, os economistas dizem que o fracasso recente da retomada mínima do crescimento se deveu a choques, que levaram uns décimos ou centésimos percentuais de aumento do PIB. Houve o caminhonaço dos amigos de Jair Bolsonaro em 2018, a crise argentina, que prejudicou a indústria de carros, a piora das condições financeiras (juros e dólar) devida à eleição, odesastre assassino da mina de Brumadinho, os ataques de Nero Trump ao comércio e à sanidade mundiais.

Claudia Safatle: Reflexos do juro baixo na taxa de câmbio

- Valor Econômico

Vendas de swaps ou de reservas têm igual impacto fiscal

Três fatos explicam o movimento de câmbio financeiro negativo de US$ 18,16 bilhões neste ano. São eles: a queda dos ganhos de arbitragem decorrentes da redução do diferencial entre as taxas de juros internas e externas, com o corte da taxa Selic para 6% ao ano; as incertezas domésticas que se retroalimentam com a sucessão de crises produzidas pelo presidente Jair Bolsonaro; e, não menos importante, a tensão em torno da briga comercial entre os Estados Unidos e a China e a crescente aversão à risco.

Sazonalmente o fluxo cambial é positivo no primeiro semestre, sobretudo pelas exportações agrícolas, e perde força nos últimos meses do ano, período marcado pelas remessas de lucros e dividendos das empresas estrangeiras no país.

O fluxo comercial tem sido positivo e, entre janeiro e agosto, abateu em US$ 12,55 bilhões a posição deficitária do financeiro, encerrando o periodo com uma saída líquida pequena, de US$ 5,6 bilhões, segundo dados até o dia 23 de agosto.

O Banco Central entendeu que há um problema de escassez de liquidez em dólares e acentuou as intervenções no mercado de câmbio. Começou com leilões diários de até US$ 550 bilhões com a venda de dólar à vista e simultânea oferta de swap reverso (que corresponde à compra de dólar no mercado futuro).

Nesta semana, porém, o BC surpreendeu ao vender dólares das reservas cambiais no mercado à vista - operação que ele não fazia desde o dia 3 fevereiro de 2009 (durante a crise financeira global). As iniciativas levantaram a suspeita de que a direção do BC decidiu aproveitar o momento de desvalorização do real para começar a reduzir as reservas internacionais.

Os últimos dados oficiais indicam que as reservas somavam US$ 381,203 bilhões anteontem. Essa posição reflete as intervenções feitas pelo BC até segunda. Mas dirigentes do BC salientam que o que importa mesmo são as reservas líquidas, ou seja, depois de abatidos os quase US$ 69 bilhões de contratos de swap e acrescido o saldo positivo de linhas de crédito. Por esse conceito, as reservas cambiais caem para a casa dos US$ 320 bilhões. Esse seria o valor sobre o qual se calcula o impacto fiscal do carregamento de reservas internacionais.

Elena Landau*: A foto e o filme

- O Estado de S.Paulo

Negar avanços de governos anteriores, só nos faz perder tempo

O recente anúncio das privatizações do governo, oito meses depois de empossado, surpreende pela timidez. Nesse ritmo não vai dar trilhão.

A Constituição autoriza a privatização de quase tudo ao tratar a presença do Estado na economia como exceção. Seguindo o comando do art.173, talvez só tenha razão legal de existir umas dez estatais. Se isso for ousado demais para este governo, há outra opção para quem se elegeu com votos anti-PT: simplesmente fechar as mais de 40 estatais criadas nos governos petistas.

A foto não anima, mas o filme é bom. E o final ainda está por ser escrito. As privatizações foram iniciadas como política de governo com o Programa Nacional de Desestatização (PND), criado por Collor, e foram mantidas por Itamar Franco.

O PND começou priorizando a retirada do Estado das atividades econômicas que poderiam ser assumidas pelo setor privado, com maior eficiência e maior retorno para a sociedade. Depois foi ampliado para incluir concessões de serviços públicos e de infraestrutura. Nesse período, foram privatizadas as empresas de siderurgia, petroquímica e fertilizantes. A venda da CSN enfrentou enorme resistência e protestos, mas em nenhum momento houve recuo.

FHC, primeiro como ministro, mas especialmente como presidente, deu um novo impulso à venda de estatais. Logo que assumiu, colocou Vale, Eletrobrás e Telebrás na lista das empresas a serem leiloadas. Seria equivalente hoje a incluir Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa no PND de uma tacada só. Também comandou a privatização de bancos estaduais e avançou nas de distribuidoras estaduais de energia elétrica.

Até mesmo o governo petista, que suspendeu a venda de estatais e ainda criou novas, deu continuidade à outorga de concessões com leilões de energia elétrica, linhas de transmissão, óleo e gás e infraestrutura.

Muitas dessas vendas foram mal desenhadas e tiveram de ser revistas pelo governo Temer, que melhorou a qualidade institucional e regulatória do processo. Com ele foi retomada a desestatização, tendo reduzido em duas dezenas o número de estatais.

Temer também anunciou a capitalização da Eletrobrás e deu início à política de desinvestimentos das estatais, com a venda da TAG – que só ocorreu neste governo porque uma liminar no STF impedia a conclusão do negócio. Gerou R$ 33 bilhões, que corresponde a um terço de tudo que se pretende arrecadar este ano.

A possibilidade de hoje se discutir abertamente a venda da Petrobrás é resultado de um processo iniciado nos anos 90. A história não começou agora.