quinta-feira, 21 de março de 2019

Opinião do dia: Agnes Heller

Os filósofos podem mudar a sociedade em que vivem? A voz deles continua a ser escutada?

"Marx disse que os filósofos são os intérpretes do mundo e que apenas os cidadãos devem mudá-lo. Embora seja algo que me cause alguns problemas. Primeiro, os filósofos sempre quiseram influenciar a sociedade em que viveram. Nunca se conformaram com explicá-la. Mas a questão é saber com que meios e objetivos queriam fazer isso. E muitas vezes quiseram convencer líderes absolutistas para realizar essas transformações. De Platão e o tirano de Siracusa até Sartre com Fidel Castro ou Khrushchov. É o caminho errado, nunca chegaram a persuadir o ditador de nada, mas seu nome foi manchado. No entanto, há outro tipo de pensador que quer participar na vida pública, convencer a sociedade, oferecer um serviço, como Espinosa e Kant. Sua filosofia era: use-as ou deixe-as de acordo com suas necessidades e interesses, são apenas recomendações. É o que fez, por exemplo, John Locke, que influenciou os pais fundadores da Constituição dos EUA. Nosso dever é escrever livros, dar palestras, servir ao público."


*Agnes Heller (Budapeste, 1929) Esta filósofa, uma das pensadoras mais influentes da segunda metade do século XX, sobreviveu ao Holocausto, embora seu pai tenha sido assassinado em Auschwitz. Após a Segunda Guerra Mundial, esta discípula do filósofo marxista Georg Lukács se tornou uma dissidente na Hungria comunista, após a invasão soviética de 1956, e acabou se exilando, primeiro na Austrália, onde foi professora em Melbourne, depois na Universidade de Nova York. Em entrevista ao El País, 02/09/2017.

William Waack: O mínimo de preparo

- O Estado de S.Paulo

Fascinado por Trump, Bolsonaro piora crise externa e interna com a Venezuela

Se o presidente Jair Bolsonaro tem um mínimo de informação sobre o estado das Forças Armadas brasileiras, ele sabe que elas ainda não estão em condições de enfrentar sequer duas greves simultâneas de PMs, quanto mais se meter numa intervenção em país vizinho.

Se o presidente Jair Bolsonaro tem um mínimo de informação sobre o que pensam os vários quatro estrelas com os quais ele trabalha diretamente no governo ou interage inclusive por redes sociais, ele sabe que não há da parte desses profissionais a menor intenção de embarcar numa aventura militar contra um vizinho brasileiro – no caso, a Venezuela – e isso nada tem a ver com a capacidade operacional das Forças Armadas.

Se o presidente Jair Bolsonaro tem um mínimo de informação sobre o que o próprio estabelecimento militar americano pensa sobre “regime change” com o emprego de uma invasão (seria o caso na Venezuela, com “boots on the ground”), especialmente à luz de Afeganistão (2001) e Iraque (2003), sabe que uma invasão da Venezuela só existe, eventualmente, na cabeça de um falastrão como Donald Trump.

Então qual a razão de o chefe de Estado brasileiro deixar no ar, como o fez em pelo menos três ocasiões, em Washington, a hipótese de que uma intervenção militar americana na Venezuela tenha sido discutida sigilosamente com Trump? E, nesse mesmo raciocínio, que tivesse deixado aberta a possibilidade de o Brasil participar como coadjuvante (alguns talvez digam “lacaio”, mas, gente, vamos com calma, tá?) numa aventura absurda desse tipo?

Luis Fernando Verissimo: Bannon sorriu

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Por absoluto obsoletismo, a palavra ‘escrúpulo’ deve ser imediatamente cortada dos dicionários sérios do mundo

Certas palavras perdem o sentido, mas mantêm seu poder evocativo. Pense na palavra “entreguismo” e você estará evocando toda uma época, quase outra civilização. Estará lembrando os anos do petróleo é nosso e dos maiôs Catalina, do teatro de revista com suas vedetes coxudas, das manifestações estudantis e das primeiras lambretas. “Entreguista”, naquele tempo, era quem queria entregar tudo para os americanos, pois já tínhamos entregue nossas almas, ao som do roquenrol. A esquerda – lembra dela? – era contra os entreguistas.

Estes tinham a retórica poderosa do Roberto Campos defendendo a privatização do País inteiro, mas conseguiram manter o petróleo mais ou menos nosso. Pelo menos até anteontem. Não se sabe o que combinaram fazer com a Petrobrás na reunião de Washington.

Falando em palavras que caem em desuso, uma, a palavra “escrúpulo”, deve ser imediatamente cortada dos dicionários sérios do mundo, por absoluto obsoletismo. Há anos ninguém diz “escrúpulo” em público a não ser acompanhada por um sorriso irônico. A delegação brasileira que acompanhou o Eduardo Bolsonaro a Washington não levou escrúpulo.

A orientação era oferecerem o que os americanos quisessem, a começar pela base de Alcântara, sem medo de serem chamados de “entreguistas” como antigamente, pois ninguém mais é. As cenas de subserviência festiva e de exaltação à América de Trump se repetiram sem que nada parecido com escrúpulo interviesse.

Steve Bannon, um dos ideólogos da direita mundial, participou das festividades em Washington, sorrindo secretamente da avidez dos brasileiros em se tornarem americanos vendendo o Brasil. Ou, como já estão falando em Brasília, Brazil. Estranha a ausência dos irmãos Koch na festa. Eles são, com Bannon, os maiores exemplos do dinheiro infindável posto a campo para inviabilizar qualquer alternativa ao capital predador. Devem estar vindo por aí.

Zeina Latif*: Sobrou para o BC

- O Estado de S.Paulo

É recomendável evitar idas e vindas na Selic, em especial com mudança de membros

Os números falam por si só. A economia brasileira está praticamente estagnada e os sinais são de um crescimento modesto do PIB este ano. Analistas rebaixam as projeções, que estão agora em 2,1%. O risco é de número mais modesto. A fraqueza da economia acendeu o debate sobre a possibilidade de o BC retomar o ciclo de corte da Selic interrompido em maio de 2018, com a taxa em 6,5% ao ano.

Convém discutir o espaço para corte dos juros, mas não defender a redução com vistas a estimular a economia, como pregam alguns. A meta a ser perseguida pelo BC é de inflação, e, não, de crescimento do PIB.

A fragilidade da economia decorre de fatores conjunturais e estruturais. No primeiro caso, um País que sofre com os resquícios da recessão. Muitas empresas ainda enfrentam dificuldades financeiras, o que, aliado à ociosidade elevada, contém a contratação de mão de obra. No segundo caso, uma economia com potencial de crescimento muito baixo, possivelmente abaixo de 2%, devido aos limites de infraestrutura, mão de obra qualificada e capital instalado.

Merval Pereira: Caminho perigoso

- O Globo

Ambiente político não comporta distensão nas duas pontas, e o embate ideológico abrange poderes da República

O ataque do senador Jorge Kajuru ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que viralizou nas redes sociais e foi tema de amplo debate no Senado, é exemplo da disputa de poder que está em curso entre o Legislativo, o Ministério Público e o Supremo, criando uma potencial crise institucional.

O ministro Gilmar Mendes, acusado por Kajuru de vender sentenças e ser sócio de políticos que manda soltar, pediu as providências cabíveis ao presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli. Mas o próprio Gilmar, em seu voto no julgamento que acabou enviando para a Justiça Eleitoral os processos sobre corrupção política, insinuou aos brados que os procuradores de Curitiba estão atrás do “ouro”, devido à fundação privada que pretendiam criar para gerir a multa bilionária em dólares que a Petrobras pagou para se livrar de processos nos Estados Unidos devido ao escândalo do petrolão.

Disse ainda que eles adotam “métodos de gangaster”, chamou-os de “gentalha despreparada”, “cretinos”. Poderia ser processado, assim como o senador Kajuru também. Mas os procuradores do Ministério Público se consideram doniscda verdade, e invitam a opinião pública contra os que lhes fazem críticas.

Fez bem o ministro Gilmar Mendes de não ampliar o escopo da tal investigação secreta mandada instaurar sobre “fake news” e insultos contra o STF e seus membros.

Ascânio Seleme: O traficante e o presidente

- O Globo

Onde estava o serviço de segurança do Palácio do Planalto que não conseguiu enxergar um dos maiores, se não o maior, traficantes de armas do Rio morando a cem metros do presidente Jair Bolsonaro? Parece impossível ter ocorrido, mas ocorreu. Bolsonaro foi o candidato mais votado no primeiro turno, em seguida eleito presidente, e nenhum agente da Presidência bateu na porta do ex-sargento Ronnie Lessa para tomar informações? Pelo jeito, a segurança não deve ter averiguado nenhum dos vizinhos do presidente eleito. Se averiguou, apenas ouviu e nada checou.

Não conheço outras palavras para designar esse tipo de conduta que não descaso e incompetência. Alguém consegue imaginar este nível de insegurança ser oferecido a Donald Trump, Emmanuel Macron ou a Theresa May? Ou a um hermano como Mauricio Macri ou Sebastián Piñera? Nunca, em tempo algum, um presidente americano seria submetido a este risco. Imaginem Ronald Reagan morando a cem metros de Pablo Escobar. Nos EUA, a varredura da vizinhança ocorre ainda na campanha eleitoral. O FBI dá proteção total ao candidato que pode ser eleito presidente do país.

No caso de Bolsonaro, a atenção deveria ser redobrada, já que pouco antes ele fora alvo de um atentado. Ao ir para o segundo turno, todo seu entorno deveria ser checado, rechecado e higienizado. Se isso tivesse sido feito, Ronnie Lessa teria sido preso ainda em outubro do ano passado. Se não preso, ao menos isolado e investigado para se entender como um sargento reformado com salário de R$ 6 mil poderia ocupar aquela casa. A única explicação seria o próprio Bolsonaro dizer que Ronnie era amigo, e a segurança não precisava se preocupar. Como ninguém acredita nesta hipótese, pode-se tratar o episódio como de incompetência aguda.

As autoridades do Ministério Público e da polícia sabem que, ao prender Ronnie Lessa, não chegaram apenas ao assassino da vereadora Marielle Franco; alcançaram também um megatraficante de armas que há anos abastecia o crime organizado e as milícias do Rio. Além de explicações da segurança presidencial, outras questões deverão ser respondidas no decorrer da investigação. A primeira e mais importante delas, por que um executivo do tráfico de armas do porte de Ronnie Lessa agiu pessoalmente no assassinato de Marielle?

É preciso saber quantas pessoas Ronnie Lessa já executou e entender qual o critério que ele usava para agir pessoalmente como na morte da vereadora. Os responsáveis pelas investigações também precisam descobrir quantas armas em quantos carregamentos Ronnie já trouxe para o Rio. Quais as rotas que usava e quem lhe dava apoio. Tão importante quanto saber quem mandou matar Marielle é saber o modo de operação da super quadrilha do ex-sargento.

Bernardo Mello Franco: A lua de mel durou pouco

- O Globo

Bolsonaro conseguiu uma proeza: encolheu em três meses, e sem a ajuda da oposição. Seu derretimento é resultado de erros e confusões criadas no campo governista

Durou pouco a lua de mel de Jair Bolsonaro. A aprovação do presidente caiu 15 pontos desde janeiro. O percentual de eleitores que consideram o governo bom ou ótimo recuou de 49% para 34%, informou ontem o Ibope. É a pior largada de um presidente eleito para o seu primeiro mandato desde a redemocratização do país.

Bolsonaro conseguiu uma proeza: encolheu sem a ajuda da oposição. O derretimento é resultado de erros e confusões criadas no campo governista. O caso Queiroz, o laranjal do PSL, as trapalhadas dos primeiros-filhos e os laços do clã com as milícias aceleraram o desgaste. O presidente deu a sua cota com declarações desastradas e caneladas virtuais. A aposta na polêmica rendeu frutos na campanha, mas começa a mostrar limitações no exercício do poder.

A diretora-executiva do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari, diz que Bolsonaro também alimentou a esperança de que resolveria problemas num passe de mágica. “Como as coisas não mudam rapidamente, há um sentimento de frustração”, observa. Ela vê risco de o presidente continuar descendo a ladeira nos próximos meses. “A curva é perigosa”, alerta.

Paulo Celso Pereira: É difícil governar só para convertidos

- O Globo

Uma das origens da crise que fulminou o segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff estava na incompreensão da petista em relação ao resultado de sua reeleição. Após derrotar o tucano Aécio Neves pela menor margem vista em nossa história republicana, Dilma entendeu que a população lhe dera um salvo conduto para dobrar a aposta em seu estilo. Tratava-se do oposto. Em vez de processar o mea-culpa pelos muitos erros cometidos até então, Dilma fechou-se ainda mais em torno de seus seguidores incondicionais. Deu no que deu.

Desde que foi eleito, o presidente Jair Bolsonaro adotou postura semelhante. Em nenhum momento fez acenos aos derrotados e seguiu com ataques a inimigos reais e imaginários — em suma, todos que não partilham integralmente de sua visão de mundo. De fato foi o discurso radical que o tirou do baixo clero do Congresso e o levou ao papel de principal representante da direita brasileira. Mas sua chegada ao Planalto não foi consequência de um alinhamento da sociedade com o discurso extremista. Pelo contrário.

A principal razão para sua eleição foi a rejeição da maioria da sociedade a dar mais um mandato presidencial ao PT. Durante a campanha, as pesquisas mostravam que qualquer adversário, que não Fernando Haddad, bateria o então candidato do PSL no segundo turno.

Em vez de olhar para o resultado com humildade e buscar um caminho que unisse o país após quatro longos anos de crise política, o presidente optou pelo oposto. Desde outubro, suas manifestações são direcionadas essencialmente para o núcleo que o tirou do ostracismo, os militantes mais aguerridos da direita brasileira. Nessa trilha, Bolsonaro abriu mão inclusive de organizar uma base parlamentar que dê sustentação efetiva às reformas imprescindíveis para a retomada econômica.

Maria Cristina Fernandes: Um brasileiro mais pobre no clube dos ricos

- Valor Econômico

Renda salarial média no Brasil é de um quinto da OCDE

O Brasil recebeu sinal verde para entrar no clube dos ricos no momento em que se prepara para tornar metade dos brasileiros que trabalham mais pobres. Não se trata do Benefício de Prestação Continuada, cuja mudança tem sido rechaçada em prosa e verso por condenar miseráveis à inanição. A redução no BPC, proposta na reforma da Previdência, atingirá menos da metade dos 4,8 milhões de beneficiários, visto que 56% deles são portadores de deficiência e, por pressão do ministro Osmar Terra (Cidadania), acabaram excluídos do corte. Já o fim do abono salarial abrange 23 milhões de trabalhadores, o que equivale à metade da força de trabalho formal. Só uma parcela de menos de 10% dos trabalhadores, que ganham um salário-mínimo, continuará a fazer jus ao benefício.

No primeiro aperto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou o ônus do BPC sobre o secretário Rogério Marinho. Quanto ao abono, reina o silêncio, até da oposição. O cálculo de seu impacto fiscal é uma das muitas omissões do governo sobre as contas que embasaram a proposta. O trilhão que Guedes quer economizar está para a Previdência como o milhão que Bettina Rudolph ganhou, em três anos, gerenciando R$ 1,5 mil. Ninguém sabe de onde vêm as contas.

O Instituto Fiscal Independente, do Senado, começou a fazê-las. Destrinchou o impacto do abono e aquele do BPC, colocados, pela equipe de Guedes, numa única rubrica de R$ 182,2 bilhões em dez anos. Nos cálculos do IFI, a mudança no BPC renderia R$ 28,7 bi e o abono, R$ 150 bi. Ou seja, para cada idoso de benefício reduzido, haverá três trabalhadores de renda mensal de R$ 2 mil que ficarão sem seu décimo-quarto salário.

Para a turma que já faz as contas do bônus do final do ano, o décimo-quarto é a concessão dos mais pobres pelo bem do Brasil. Que a Previdência precisa de uma idade mínima e da equiparação dos regimes público e privado, não parece haver dúvida. A conta que não parece fechar é como o Brasil pretende alavancar a economia com uma reforma que vai tirar R$ 150 bilhões do mercado de consumo. Não é um brasileiro em busca do segredo de Bettina a ser afetado, mas sim aquele que vai ter que tirar muito mais que o iogurte de sua cesta básica. Como mostrou o Ibope, a popularidade do presidente cai na mesma velocidade em que se esvazia o carrinho de supermercado.

A tecnocracia parece iludida de que basta diminuir a proteção social e as amarras da regulamentação do trabalho que o mercado se encarregará de prover empregos e renda. A reforma trabalhista já caminha para completar dois anos sem ter feito cócegas num e noutro.

Nessa toada, a OCDE, clube dos ricos com o qual o Brasil passou a sonhar, vai ganhar um integrante diferenciado. A renda salarial média dos 35 países que integram o bloco é de US$ 40 mil anuais. A do Brasil, segundo o ValorData, é de US$ 8 mil (a partir do IBGE/2017). O brasileiro ganha metade dos ricos mais pobres, os mexicanos, aqueles que se compadeciam por estarem tão perto dos Estados Unidos e tão longe de Deus.

Ao Brasil cabe uma terceira graça, como resumiu Guedes em seu discurso na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. Saudado, por Bolsonaro, como o responsável pelos 100 mil pontos do Ibovespa, ele retribuiu dizendo que os investidores poderiam confiar na "bravura" do presidente da República e na índole do brasileiro: "É um povo pacato". Só sendo para merecer tão bravos dirigentes.

Míriam Leitão: Curto-circuito na reforma

- O Globo

Militares quiseram fazer a reforma e corrigir salários ao mesmo tempo e conseguiram elevar o ruído em torno da Previdência

A mudança nas pensões e aposentadorias dos militares chegou com tantos bônus que elevou o ruído em torno da reforma da Previdência. Ficou mais difícil aprová-la a partir de agora. É impossível explicar que, a esta altura, o governo dê um aumento tão grande nos soldos. Se o gasto médio anual será de R$ 8,6 bilhões, o que está acontecendo é uma elevação de cerca de 34% no custo da folha dos militares da ativa, que hoje é de R$ 25 bilhões.

As Forças Armadas têm razão quando dizem que criou-se uma defasagem nos últimos anos entre a carreira militar e outras do setor público. Eles perderam na época de Fernando Henrique. No período petista houve muito aumento para algumas carreiras, muitos concursos em que os funcionários de todos os poderes progrediam rapidamente e passavam a altos salários. Por isso o ministro Paulo Guedes se referiu ao fato de que um servidor civil com poucos anos de trabalho, dependendo do setor, pode ganhar mais que um general.

As queixas salariais represadas estouraram quando o ex-presidente Michel Temer apresentou sua proposta. Os militares exigiram ficar de fora e formular eles mesmos uma reforma e junto fazer uma reestruturação da carreira. Seria apresentada depois da aprovação do projeto de Temer que, contudo, nunca foi a plenário. As regras foram decididas dentro das Forças Armadas. À equipe econômica coube engolir e justificar algo que desafina completamente com tudo o que vem sendo dito pelo ministro Paulo Guedes. Ontem ele afirmou que a previdência dos militares será superavitária após a reforma. Não será, evidentemente. Hoje o rombo é de R$ 40 bilhões. O déficit real é menor porque não há contribuição patronal. Mesmo assim, o ganho médio de R$ 1 bi por ano não resolve o buraco.

Ribamar Oliveira: Regra de ouro será cumprida com sobra

- Valor Econômico

Lucro contábil do BC e devolução do BNDES salvam o governo

Contrariando todas as expectativas e depois da celeuma criada no ano passado, o governo vai cumprir neste ano, com sobra, a chamada "regra de ouro" das finanças públicas. Tudo indica que haverá um substancial saldo positivo. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso, na semana passada, um projeto de lei pedindo autorização para emitir R$ 248,9 bilhões em títulos públicos para cumprir a regra.

A reviravolta na expectativa do governo foi provocada pelos mesmos fatores que permitiram o cumprimento da "regra de ouro" nos últimos anos: a transferência para o Tesouro do lucro contábil do Banco Central nas operações com as reservas cambiais e o pagamento antecipado dos empréstimos que o BNDES recebeu do Tesouro.

O lucro do BC nas operações com as reservas é contábil porque não resulta de venda de moeda estrangeira, mas apenas da desvalorização do real frente ao dólar. Como as reservas em moedas estrangeiras são contabilizadas em reais, toda vez que a moeda brasileira sofre uma desvalorização em relação ao dólar, o valor em reais da reserva aumenta. O aumento é considerado "lucro" e transferido em dinheiro ao Tesouro.

A "regra de ouro" proíbe o governo de se endividar em valor superior à despesa de capital (investimentos, inversões financeiras e amortizações de débitos). Ou seja, a regra busca evitar que o Estado aumente sua dívida para pagar despesas correntes.

O Orçamento de 2019 foi elaborado com a previsão de uma insuficiência de R$ 248,9 bilhões para cumprir a "regra de ouro". Ou seja, a proposta orçamentária não cumpria a regra", pois as operações de crédito neste ano iriam superar em R$ 248,9 bilhões as despesas de capital, com o objetivo de pagar despesas correntes.

A solução encontrada foi incluir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um artigo permitindo que o Orçamento fosse elaborado com despesas correntes condicionadas a uma autorização futura do Congresso para a emissão de R$ 248,9 bilhões em títulos públicos. O entendimento do governo foi que o inciso III do artigo 167 prevê essa saída desde que o projeto de lei seja aprovado pela maioria absoluta do Senado e da Câmara. O Congresso concordou com essa interpretação.

O projeto de lei enviado por Bolsonaro na semana passada cumpriu a determinação da lei orçamentária. A questão agora é que não há mais necessidade da emissão dos títulos porque não existirá insuficiência para cumprir a "regra de ouro".

O imbróglio em que o governo se meteu é que despesas com benefícios previdenciários e com o programa Bolsa Família neste ano estão condicionadas à aprovação da emissão dos títulos. Assim, do ponto de vista da contabilidade pública, as despesas só poderão ser executadas se a operação de crédito for aprovada, de acordo com especialistas consultados pelo Valor. Dito de forma direta, o Congresso terá que aprovar a emissão de títulos se quiser que um montante considerável de despesas na área social (R$ 248,9 bilhões) seja executado.

Carlos Alberto Sardenberg: O Brasil é nosso

- O Globo

Alinhamentos automáticos são um enorme equívoco no mundo de hoje. Nossos problemas estão bem aqui dentro

Antigamente era mais fácil. Tinha, de um lado, Estados Unidos; de outro, União Soviética. E assim seguia: capitalismo x comunismo; Otan x Pacto de Varsóvia; Ocidente livre x Cortina de Ferro; democracia x ditadura.

Mas havia um desvio, digamos assim, neste último quesito. Considerando-se, no Ocidente, claro, que o comunismo era o inimigo principal, admitia-se que as Forças Armadas assumissem o governo, com ditaduras, para eliminar o inimigo vermelho.

E assim, os Estados Unidos, sob diversos governos, patrocinaram golpes e revoluções pelo mundo afora para, como se dizia, defender o Ocidente livre da sanha comunista. Do lado do Pacto de Varsóvia, que não tinha nenhuma preocupação com isso de democracia e liberdade — o caminho era a ditadura do proletariado —, tratava-se de patrocinar golpes e revoluções para derrubar o capitalismo burguês.

Tudo ruiu nos anos 80. Para surpresa de muitos, inclusive dos estrategistas dos dois lados, o mundo caminhou na direção da democracia e da economia de mercado. Ditaduras dois lados deram lugar a regimes democráticos, o comunismo soviético praticamente sumiu.

Parecia que as coisas ficariam mais simples, um mundo mais homogêneo. Durou pouco essa percepção.

Ficou mais complicado. Há um cenário bipolar, com Estados Unidos de um lado e China, de outro. Os EUA procurando manter sua hegemonia e a China se movimentando como a potência emergente.

Mas há também um cenário multipolar, no campo da economia e do mercado. No tempo da Guerra Fria, comércio e investimentos ocorriam dentro de cada bloco. O Brasil, por exemplo, de vez em quando conseguia vender café na União Soviética, via Finlândia.

Hoje, pós-globalização, a China tornou-se o principal parceiro do Brasil, lugar que cabia antes aos Estados Unidos. E a própria China tornou-se a maior vendedora no mercado de consumo americano. Na verdade, a China está no mundo todo, comprando, vendendo e investindo.

Bruno Boghossian: Bolsonaro na classe média

- Folha de S. Paulo

Presidente queria força da rua para driblar políticos, mas pode ficar emparedado

Celebrado pelo clã Bolsonaro, o estrategista Steve Bannon define o populismo como um modo de governar que se aproxima do povo para driblar as elites políticas. “Populismo é basicamente garantir que a classe média e a classe trabalhadora terão um lugar à mesa”, disse, em entrevista recente à Folha.

Os números da última pesquisa do Ibope indicam que o presidente brasileiro perdeu pontos fora dos palácios. A popularidade de Jair Bolsonaro caiu de 49% para 34% em pouco mais de dois meses de mandato. O tombo foi grande em diversos grupos e mais forte em segmentos de renda baixa e intermediária.

Um de cada três brasileiros de classe média que consideravam o governo ótimo ou bom mudou de ideia. Em janeiro, Bolsonaro tinha apoio de 53% na faixa de renda de 2 a 5 salários mínimos. Agora, são 35%. Na fatia mais pobre da população, o índice caiu de 41% para 29%.

A desidratação é relevante porque esses grupos são numerosos (só 8% da população pesquisada recebe mais de 5 salários) e ajudaram Bolsonaro a expandir seu eleitorado para chegar à Presidência. Os mais ricos aderiram cedo à campanha do então deputado. Ele só conquistou maioria ao cativar outros segmentos.

Janio de Freitas: Em troca de nada

- Folha de S. Paulo

Em visita a Trump, Bolsonaro entregou mais do que levou e nada trouxe

É fácil imaginar o que no Brasil sucederia a Lula, Dilma, Sarney ou Itamar se um deles fizesse uma pequena parte das entregas, em troca de absolutamente nada, de Jair Bolsonaro a Trump.

Nem é preciso considerar, na comparação hipotética, o espetáculo de subserviência e bajulação —palavras da imprensa americana— dado em nome do Brasil. A comitiva brasileira, sem exceção para os generais, em momento algum se lembrou, um mínimo que fosse, de que representava um país cuja degradação ainda não arruinou a sua dignidade internacional —a última reserva.

Além das concessões substanciais, como importar trigo americano em desrespeito ao acordo que nos traz o trigo argentino, e de comprometimentos no jogo dos organismos internacionais, Bolsonaro e Paulo Guedes renegaram as muitas vantagens da filiação brasileira à OMC, Organização Mundial do Comércio. Como presente de consolação, o governo Trump promete (sem dar garantia) apoiar a entrada do Brasil na OCDE, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Da qual já se recebe a colaboração mais útil.

Simbólica das promessas que enrolaram as concessões brasileiras, ficará para a crônica histórico-anedótica. É a promessa de que Trump "se esforçará" para ver, por desejo seu, o Brasil na Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Para isso, teria duas hipóteses. Dadas as possíveis dificuldades para levar o Brasil até o Atlântico Norte, Trump pode ceder ao velho desejo americano inspirado pela Amazônia e fazer do Brasil o que fez do Alasca.

Clóvis Rossi: China, 3º na cama de Brasil e EUA

- Folha de S. Paulo

Quando o comunismo quer só fazer negócios

Donald Trump e Jair Bolsonaro trocaram na terça-feira (19) as previsíveis juras de amor eterno. Previsíveis porque os dois vieram da mesma chocadeira, o populismo de direita, ainda por cima tosco.

Até aí, tudo bem. Resta ver se todo esse amor resistirá a um terceiro elemento no romance, chamado China.

Há, como se sabe, uma guerra comercial entre China e EUA. Mas não é ela o elemento crucial no triângulo Brasil/EUA/China. O Brasil pode se safar perfeitamente de qualquer chamado a ser mais a favor de um lado do que do outro, aliás os dois grandes parceiros comerciais do país.

O ministro Paulo Guedes já deu o mote, ao dizer, em Washington, que, se os Estados Unidos podem ter intenso comércio com a China, o Brasil também pode. Puro bom senso. Acho que até o destrambelhado do Trump aceita essa lógica.

O problema é que a guerra comercial é apenas uma batalha em meio a um combate muito mais amplo. A China está tentando disputar com os EUA a liderança mundial no futuro não tão distante. E o campo de batalha é a chamada economia do conhecimento.

O Brasil, goste ou não, queira ou não, foi chamado ao combate na véspera do encontro Trump/Bolsonaro. Um alto funcionário americano fez um “briefing” (jargão para sessão informativa em que o nome do “briefador” não é mencionado) em que expôs todas as amabilidades que os dois presidentes depois repetiriam publicamente.

Luiz Carlos Azedo: A barganha dos militares

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Como os policiais militares e os bombeiros também serão incluídos na reforma das regras de aposentadoria dos militares, o Distrito Federal e os estados terão uma economia de R$ 52 bilhões em 10 anos”

O presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso a proposta de reforma do sistema previdenciário dos militares, em troca da reestruturação das carreiras das Forças Armadas, uma operação que pode representar aos cofres da União uma economia de R$ 10,45 bilhões. Foi uma espécie de toma lá dá cá: para aceitar um corte de R$ 97,3 bilhões no seu sistema de proteção social — não se aposentam, são reformados e podem ser convocados a qualquer momento —, os militares exigiram como compensação a reestruturação das carreiras, cuja remuneração atualmente é muito defasada em relação aos servidores civis do mesmo nível hierárquico. A reestruturação da carreira dos militares era um compromisso de campanha de Bolsonaro.

Trocando em miúdos, foi um acordo estratégico com a equipe econômica, porque conseguiram transformar em remuneração mensal um corte estrutural na Previdência que seria feito mais cedo ou mais tarde, se a crise do sistema previdenciário não fosse resolvida com a reforma. Sem a mudança casada, ou seja, a reestruturação, que custará R$ 86,65 bilhões, esses recursos provenientes dos cortes na Previdência seriam engolidos pelo deficit público e não incorporados aos soldos. Para embrulhar o peixe, o governo anunciou que, em 30 anos, a economia será de R$ 33,65 bilhões, com um sistema de proteção social das Forças Armadas equilibrado.

Bolsonaro foi à Câmara para entregar pessoalmente a proposta ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acompanhado do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Na ocasião, pediu celeridade na apreciação da reforma da Previdência: “Eu peço celeridade, sem atropelo, para que essas propostas, essa e a outra (reforma da Previdência), no máximo no meio do ano, cheguem a um ponto final e nós possamos sinalizar que o Brasil está mudando”. O gesto de Bolsonaro foi uma tentativa de melhorar o clima na Câmara em relação ao governo, pois há muita insatisfação dos políticos com o tratamento que vêm recebendo no Palácio do Planalto. A animosidade aumentou depois de ataques de partidários de Bolsonaro ao presidente da Câmara nas redes sociais, acusando-o de querer chantagear o governo.

Ibope: aprovação do governo Bolsonaro cai 15 pontos

Pesquisa realizada pelo Ibope aponta que 34% dos entrevistados consideram o governo Bolsonaro bom ou ótimo, uma queda de 15 pontos percentuais em relação ao início da administração, em janeiro. A avaliação é pior que a registrada por seus antecessores no terceiro mês do primeiro mandato.

Aprovação em queda

Avaliação positiva do governo diminui 15 pontos, aponta Ibope

Daniel Gullino / O Globo

Uma pesquisa divulgada ontem pelo Ibope mostra que a aprovação do presidente Jair Bolsonaro caiu 15 pontos percentuais desde a posse, em janeiro. Segundo o levantamento, 24% dos entrevistados consideram a atual administração ruim ou péssima, enquanto 34% avaliam como ótima ou boa —percentual que, em janeiro, era de 49%.

De acordo com o Ibope, a avaliação do governo Bolsonaro é pior do que a registrada por seus antecessores na mesma altura do primeiro mandato. No seu terceiro mês após tomar posse, em março de 2011, Dilma Rousseff (PT) tinha um governo avaliado como ótimo ou bom por 56% dos entrevistados pelo Ibope.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também registravam aprovações superiores à de Bolsonaro neste ponto do governo. No caso do tucano, o percentual que avaliava o mandato como regular (43%) era superior aos que consideravam o governo ótimo ou bom (41%).

QUEBRA DE EXPECTATIVA
A diretora-executiva do Ibope, Márcia Cavallari, lembrou que uma pesquisa realizada pelo Ibope em dezembro, antes da posse de Bolsonaro, mostrou que 64% dos entrevistados consideravam que o presidente faria uma gestão ótima ou boa. Bolsonaro foi eleito, em outubro, com 55,13% dos votos válidos.

— Esta pesquisa de expectativa em relação ao novo governo era bem parecida com a de outros presidentes. Todo mundo caiu em relação a essa expectativa, mas a queda foi menor (nos antecessores). Aparentemente, essas pessoas que não votaram (em Bolsonaro), mas estavam dando um voto de confiança, estão saindo de forma mais intensa —avaliou Cavalari.

Os principais índices negativos a Bolsonaro aparecem no Nordeste, onde 49% afirmam desaprovar o atual governo. A região, a única em que Bolsonaro não obteve mais votos nas eleições de 2018, também registrou o recuo mais acentuado na aprovação do governo, que caiu 19 pontos desde janeiro. Houve ainda uma queda significativa entre quem ganha entre dois e cinco salários mínimos, segmento em que a aprovação do presidente diminuiu 17 pontos, e entre homens, com queda de 18 pontos percentuais.

Maia diz que projeto de Moro é "copia e cola" e será apensado

Por Isadora Peron, Marcelo Ribeiro, Ana Krüger, Raphael Di Cunto | Valor Econômico

BRASÍLIA - O ritmo da tramitação do pacote anticrime e anticorrupção colocou ontem o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em rota de colisão. Maia demonstrou irritação com a repercussão dada à sua decisão de suspender por 90 dias a tramitação do projeto e com a insistência de Moro de que o texto poderia tramitar junto com a reforma da Previdência.

"Moro está desrespeitando um acordo meu com o governo. Nosso acordo é priorizar a Previdência. Eu espero que ele [Moro] entenda que hoje ele é ministro de Estado, ele está abaixo do presidente. Eu já disse a ele que esse projeto vai ser posterior à reforma da Previdência. Ele não é deputado", afirmou.

Maia contou que acertou com Bolsonaro que a Câmara daria prioridade para a discussão sobre as mudanças das regras da aposentadoria. Para ele, Moro, que é ex-juiz da Operação Lava-Jato, precisa entender que agora é "funcionário" de um governo. "Eu sou presidente da Câmara. Ele é ministro, funcionário do presidente Bolsonaro. O presidente Bolsonaro é quem tem que dialogar comigo. Ele está confundindo as bolas. Ele não é presidente da República, não foi eleito para isso. Está ficando uma situação ruim para ele, porque está passando daquilo que é a responsabilidade dele."

Na semana passada, Maia decidiu adiar a tramitação do projeto e criou um grupo de trabalho para discutir o texto junto com outras propostas que já estão em debate na Câmara, como o projeto elaborado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao comentar o teor da proposta do ex-juiz da Lava-Jato, que altera 14 leis e mira o combate ao crime organizado, a corrupção e os crimes violentos, Maia disse que o texto era um "copia e cola" do projeto de Moraes e que iria dar prioridade a esse projeto. "Aliás, ele [Moro] está copiando o projeto do ministro Alexandre de Moraes, copia e cola. Não tem nenhum novidade. Nós vamos apensar um ao outro. O projeto prioritário é do ministro Alexandre de Moraes. No momento adequado, depois que votarmos a reforma da Previdência, vamos votar o projeto dele", disse.

Para o presidente da Câmara, Moro "conhece pouco" de política e não deveria tentar interferir no processo de tramitação da proposta no Congresso. Ele, que anda descontente com a articulação do governo, também criticou o Planalto. "Se você não quer que o Parlamento governe junto, vamos manter a independência. Se você quer governar junto, vamos manter harmonia", disse.

Projeto de militares é criticado por parlamentares

Deputados temem que tratamento dado à categoria tenha um impacto negativo na reforma dos demais trabalhadores

Marcello Corrêa e Bruno Góes / O Globo

BRASÍLIA - A proposta de reestruturação das carreiras dos militares já começou a ser criticada dentro da própria base do governo. Após a entrega do projeto que muda o sistema das Forças Armadas, o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), disse que não era o momento para tratar do assunto no Congresso:

— Eu penso que vem num momento difícil. No meu entendimento, era um diálogo que não era para este momento. O momento agora é de sacrifício. Penso que outras carreiras vão pedir essa mesma reestruturação.

Waldir também criticou o aumento de 30 para 35 anos de tempo de contribuição para os militares. Segundo ele, a regra continuará a permitir que um oficial que começou aos 20 anos consiga ir para a inatividade aos 55 anos.

Essa reestruturação também foi criticada pelo líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), que afirmou que os parlamentares terão de analisar o projeto para garantir que todas as categorias estejam dando sua contribuição.

— Não dá para ser seletivo nessa questão da Previdência, privilegiar uma categoria em detrimento de outras, sob pena de agente contaminara votação da reforma aqui na Casa —afirmou Nascimento, que não descartou que o texto fique mais duro para a categoria. —Se o governo não soube aplicar uma equidade maior, nós vamos fazê-lo.

Para Nascimento, se o governo começar a fazer concessões, corre-se o risco de desfigurar a proposta e não alcançar os objetivos.

—Na minha região, há uma frase: onde passa o boi, passa a boiada. Domes mojei toque há defensores dos militares, tem muita gente (parlamentares) chegada à classe do magistério, dos servidores públicos.

Líder do PSD, o deputado André de Paula (PE) destacou um ponto positivo do movimento do governo: mostrar que a reforma vale para todos.

—Política é símbolo. Como o governo tem uma presença maciça militar, soaria estranhos e os militares não dividissem com os outros trabalhadores esse sacrifício—disse.

Bolsonaro beneficia militares e desagrada à base no Congresso

Reforma das Forças Armadas prevê regalias que reduzem economia a R$ 10,4 bi

Thiago Resende , Bernardo Caram , Angela Boldrini , Talita Fernandes e Gustavo Uribe / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em troca da reforma da Previdência dos militares, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) propôs aumentos salariais, de gratificações e adicionais, o que desagradou à base parlamentar do governo.

O tratamento especial às Forças Armadas irritou líderes partidários. A reestruturação das carreiras militares ativou o balcão de negociações para que outras categorias sejam beneficiadas.

O texto prevê uma economia de R$ 10,45 bilhões em dez anos —1% do valor previsto com as mudanças na Previdência de civis, que é de mais de R$ 1 trilhão.

Segundo o secretário de Previdência, Leonardo Rolim, apesar das medidas, o déficit na Previdência das Forças Armadas vai continuar, porém em patamar menor e com resultado próximo do equilíbrio.

Em projeto de lei apresentado nesta quarta-feira (20), o governo propõe endurecer regras para que os militares entrem na reserva e aumentar a tributação para essas carreiras. Isso reduz as despesas públicas em R$ 97,3 bilhões em dez anos.

Por outro lado, Bolsonaro fez concessões, até mesmo com aumento salarial para a base da hierarquia militar. As contrapartidas representam gasto de R$ 86,85 bilhões na década.

Há um mês, ao apresentar a proposta de reforma da Previdência para trabalhadores da iniciativa privada e do setor público, a equipe econômica afirmou que o corte nos gastos com o texto dos militares seria de R$ 92,3 bilhões em dez anos, mas não citou que haveria alteração na estimativa com a reestruturação de carreiras.

A proposta enviada ao Congresso foi elaborada pelo Ministério da Defesa e finalizada na tarde desta quarta em reunião entre Bolsonaro, comandantes das Forças Armadas e ministros do núcleo militar.

Está previsto aumento, de 30 para 35 anos, no tempo mínimo de serviço —para quem vai entrar nas carreiras. Os que não preencherem os requisitos cumprirão o tempo que falta para completar 30 anos de serviço somado a pedágio de 17% do período restante.

A proposta prevê alta na alíquota de contribuição de 7,5% para 10,5% para quem está na ativa; e as pensões, hoje isentas, passam a pagar a mesma taxa de forma escalonada.

Considerando os 3,5% para o sistema de saúde militar, a alíquota total é de 14%.

Outro benefício é a possibilidade de quem vai entrar nas carreiras poder receber, na reserva, o valor da última remuneração (integralidade), corrigido de acordo com reajustes dados aos ativos (paridade).

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), posicionou-se, na terça-feira (19), contra essa possibilidade, pois esses benefícios já foram extintos para novos servidores públicos.

Congresso reage com críticas à proposta enviada por governo

Por Vandson Lima, Marcelo Ribeiro, Ana Krüger e Renan Truffi | Valor Econômico

BRASÍLIA - O projeto de lei que estabelece novas regras de aposentadorias para militares foi recebido com cautela no Congresso Nacional. A inclusão da proposta de reestruturação nas carreiras no texto foi o principal ponto de desagrado, por quase anular o ganho fiscal esperado - o que levou deputados e senadores a reclamar que o governo pode ter deixado para eles o ônus de promover alterações e se indispor com as Forças Armadas.

Presidente da Câmara e diretamente envolvido nas negociações pela Reforma da Previdência, Rodrigo Maia (DEM-RJ), preferiu não fazer comentários porque, segundo ele, ainda não havia lido o texto e preferia se reunir com técnicos antes de emitir opiniões. No Senado, o cuidado foi redobrado por conta de um jantar de confraternização dos líderes partidários com o Comandante do Exército, General Edson Leal Pujol, previsto para ontem.

Encaminhado um mês depois da proposta geral da Previdência, o texto dos militares travou as tratativas políticas no Congresso pela reforma até a sua chegada. A proposta foi entregue ao Legislativo pelo presidente Jair Bolsonaro e pelos ministros Paulo Guedes (Economia), Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Fernando Azevedo e Silva (Defesa).

A presença de Bolsonaro na entrega do texto "foi simbólica", apontou Maia. Ele negou que o presidente tenha vindo apenas para acalmá-lo, após Maia identificar que pessoas próximas do presidente, como o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), seu filho, eram responsáveis por disseminar críticas ao deputado nas redes sociais.

A insatisfação com a proposta incluiu parlamentares do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Líder do PSL na Câmara, o deputado Delegado Waldir (PSL-GO) disse que o partido fará uma análise, mas apontou: "Sabemos que vem junto uma reestruturação de cargos que traz gastos públicos e temos que ver se essa compensação de R$ 10 bilhões realmente é relevante para a economia que o país precisa fazer". O parlamentar admite que o projeto "vem num momento difícil. Agora é hora de sacrifícios e outras carreiras podem pedir essa mesma reestruturação", alertou.

Vitória, sim, mas de Trump: Editorial / O Estado de S. Paulo

Houve, de fato, uma vitória diplomática na visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington, mas, contrariando a avaliação de alguns otimistas, o vitorioso foi o presidente Donald Trump. Sem o custo sequer de um voo em classe econômica, ele recebeu a homenagem e a promessa de apoio quase irrestrito do chefe de governo da maior economia latino-americana. “Eu apoio em grande parte as decisões do governo americano”, disse a um canal de TV o presidente Jair Bolsonaro, referindo-se a possíveis novas ações contra a ditadura venezuelana. Ele se absteve de indicar até onde estará disposto a aplaudir essas ações e é difícil, neste momento, imaginar um limite.

Em Washington, ele chegou a declarar-se engajado na política da Casa Branca. Engajamento, na linguagem do dia a dia, é uma palavra geralmente mais forte que alinhamento. Os fatos poderão mostrar o peso real da linguagem, assim como o custo desse engajamento para o Brasil.

De volta a Brasília, o encarregado formal da diplomacia brasileira, ministro Ernesto Araújo, apresentou à imprensa um balanço da viagem. Segundo ele, a ideia era mostrar um “novo Brasil”, comprometido com as ideias de liberdade e grandeza. Nenhum dos dois compromissos foi mostrado na visita a Washington. O presidente brasileiro aceitou sem discussão renunciar às vantagens de país emergente na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca de uma promessa de apoio a seu ingresso na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A perda pode ser irrelevante, mas a delegação brasileira parece ter chegado a Washington desprevenida em relação ao tema. Terá faltado competência na preparação da viagem? A China também é emergente na OMC e o governo americano tem batalhado para mudar esse status, mas os líderes chineses têm resistido.

Ideologia supremacista se fortalece na esteira do nacional-populismo: Editorial / O Globo

Massacre na Nova Zelândia serve de marca do avanço no mundo do racismo e do sectarismo em geral

O fato de chacinas como as ocorridas no Oriente Médio por sectários, e na Europa, por braços desses grupos radicais, chegarem à Nova Zelândia é por si só um choque. País com baixa taxa de homicídios, os 50 assassinatos cometidos pelo australiano Brenton Tarrant, num ataque contra mesquitas na sexta-feira da semana passada, provocaram, nos 36 minutos em que ele apertou sucessivamente o gatilho, mais mortes do que a violência em um ano inteiro no país.

Outra causa de perplexidades e horror é que o assassino transmitiu ao vivo o morticínio pelo Facebook, por meio de uma câmera que levava no capacete. Mais uma vez, redes sociais ganham algum destaque em atos de desvario como este. Pouco antes, dois desses assassinos, na cidade paulista de Suzano, invadiram a Escola Raul Brasil, como fez Tarrant nas mesquitas neo-zelandesas, e tiraram a vida de cinco alunos e duas funcionárias, se matando em seguida. Há investigações sobre contatos que mantinham pela internet.

A tragédia provocada pelo australiano tem ainda outro aspecto preocupante, o de ele ser um militante supremacista branco. Sintomático que no manifesto que distribuiu tenha elogiado o presidente Donald Trump, acusado de racista por grupos de oposição. O presidente rebateu a menção que Brenton Tarrant fez a ele e se solidarizou com as vítimas, migrantes da Ásia e Oriente Médio.

É conhecida, porém, a simpatia de Trump por supremacistas americanos. Não foi feliz, por exemplo, quando, ao falar sobre o choque entre um grupo de supremacistas, neonazistas e da Ku Klux Klan e manifestantes antirracistas, em Charlottesville, na Virgínia, em 2017, culpou os dois lados. Nos quais “há pessoas boas”. Um carro foi jogado sobre manifestantes antirracismo causando pelo menos uma morte.

Corda esticada: Editorial / Folha de S. Paulo

Decisão de conduzir inquérito sob sigilo no Supremo tende a acirrar tensão

Causou desconforto em toda parte a decisão anunciada na quinta (15) pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, deabrir investigação para examinar ameaças sofridas por integrantes da corte e seus familiares.

Não há dúvida de que o assunto merece atenção. Qualquer tentativa de intimidar os membros da mais alta corte de Justiça do país merece o repúdio de todos que reconhecem seu papel como guardiã das regras do jogo democrático.

Mas a forma de reação escolhida pelo tribunal parece contribuir mais para acirrar as tensões no ambiente político do que para barrar as ações dos interessados em acuar os magistrados.

Embora o caminho natural fosse enviar o caso ao Ministério Público e à Polícia Federal para que realizassem as apurações, Toffoli decidiu que o próprio STF presidirá a investigação e confiou a missão ao ministro Alexandre de Moraes.

Concessões marcam a aproximação com os EUA: Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro foi açodado ao agendar, em menos de três meses de governo, encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A política externa não recebeu nota de destaque em sua breve campanha eleitoral e, desde que assumiu a Presidência, o assunto continuou em tom menor, exceto acordes estridentes emitidos pelo exotismo das posições do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Amadorismo e deslumbramento levaram o governo brasileiro a ceder espaço gratuitamente em troca de atos e gestos que custaram pouco ou nada aos Estados Unidos.

Com alta carga simbólica, o ato inaugural da política externa do novo governo fala por si. Ao escolher os EUA como destino de sua primeira viagem oficial, o presidente Jair Bolsonaro mostra que pretende alinhar-se à política americana de forma mais estreita do que até mesmo os governos militares o fizeram. Se depender do chanceler brasileiro, para quem Trump é o Deus encarnado, esse caminho será trilhado. O presidente, em encontros e entrevistas em Washington, se permitiu até opinar favoravelmente à construção de muro na fronteira dos EUA com o México e profetizar que Trump será reeleito.

A aproximação com os EUA, do ponto de vista do interesse nacional, pode ser um avanço ou um retrocesso. O acordo para uso da base de Alcântara, por exemplo, foi um passo positivo, depois que salvaguardas importantes foram aceitas pelos EUA. Mas o movimento principal do governo brasileiro foi de abrir mão de instrumentos sem necessidade.

Carlos Drummond de Andrade: Amor é bicho instruído

Amor é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Paula Lima: Tirou Onda