quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Vera Magalhães: Escolha seu governo

O Globo

Está em cena um espetáculo engraçado, protagonizado por Jair Bolsonaro, seus ministros e representantes no Congresso.

Trata-se de uma peça em que cada um se finge de desavisado enquanto todos sabem que o governo promove, em mais de uma frente, a discussão de propostas que visam, artificialmente, reduzir o preço dos combustíveis para que o tanque eleitoral do presidente saia da reserva e seu carro rode mais alguns quilômetros.

Antes mesmo de Flávio Bolsonaro tascar sua impressão digital na tal PEC Kamikaze, já se sabia que vinha da Casa Civil uma versão menos suicida de proposta, que aportou na Câmara.

Ainda assim, Paulo Guedes topa, de novo, encenar o ato em que o ministro da Economia luta contra moinhos de vento e tenta defender os cofres públicos de uma “bomba” armada logo ali do lado, pelo seu chefe e pelos seus colegas.

Do jeito que Guedes pinta o quadro de infortúnios que o impediram de fazer as reformas que imaginou e de vender as empresas que prometeu, o último responsável é Bolsonaro. Na sua frente estão o Congresso, a imprensa, os economistas “social-democratas” e sabe-se lá mais quem.

Pois não é nenhum desses personagens secundários que está no palco, quando as luzes rapidamente se apagam, e a cena da peça muda, tratando de, mais uma vez, promover benesses eleitoreiras à custa de um estica e puxa no Orçamento da União.

Elio Gaspari: Temer, vítima do ‘lava-jatismo’

O Globo

Em março de 2019, o mundo parecia outro. Sergio Moro reinava como ministro de Bolsonaro, Donald Trump recebia o capitão no jardim da Casa Branca e admitia a possibilidade de o Brasil entrar para a Otan. Eram os tempos da Operação Lava-Jato. Ela tinha fases, sempre com nomes pitorescos: Erga Omnes, Vidas Secas, Saqueador ou Calicute. Aquela batizada como Radioatividade foi a 16ª e tratava de negócios em torno da construção da usina nuclear de Angra 3.

No seu rastro, a pedido do Ministério Público, o juiz Marcelo Bretas, encarnação carioca da República de Curitiba, determinou a prisão preventiva de Michel Temer e mais sete pessoas. A decisão tinha 46 páginas, amparando-se em tratados internacionais e na defesa do bem público. Naquele angu, abundavam insinuações, e faltava carne. Seu texto continha pelo menos 20 vezes a palavra “parece”, mas o espetáculo estava garantido.

Numa quinta-feira, o ex-presidente da República foi detido na rua e mandado para a cadeia sem ter sido indiciado, denunciado, condenado ou sequer ouvido. Tudo a partir do que o juiz dizia ser “uma análise ainda superficial” dos fatos.

Luiz Carlos Azedo: Arrocho na Lei Rouanet é um duro golpe contra a cultura

Correio Braziliense

Desde a campanha, Bolsonaro defende mudanças na lei, pois crê que a política cultural é uma forma de dominação da esquerda

No mês do centenário da Semana de Arte Moderna, a cultura nacional sofreu um duro golpe do governo federal, que mudou as regras da Lei Rouanet e reduziu a capacidade de financiamento da nossa indústria cultural. É mais um elemento do ambiente político e ideológico tóxico que estamos vivendo, pautado pelo obscurantismo da política oficial. Não à toa, ocorre num momento tão simbólico como essa efeméride.

Marco da história de São Paulo, que emergia como centro dinâmico da economia brasileira e polo hegemônico da Primeira República, a Semana de Arte Moderna de 1922 foi uma ruptura com o parnasianismo, o simbolismo e a arte acadêmica, que iria se somar e influenciar outras manifestações modernistas, que ocorriam no Rio de janeiro e outras capitais do país. Agora, parece que o governo quer fazer a roda da história voltar para trás e inviabilizar teatros, cinemas, a música, o audiovisual e, principalmente, a vida profissional de artistas, diretores e produtores culturais.

Bruno Boghossian: Emergência eleitoreira

Folha de S. Paulo

Bolsonaro está disposto a gastar o que for preciso para reduzir chances de derrota nas urnas

Os políticos que mantêm Jair Bolsonaro de pé montaram uma operação para dar fôlego à campanha do presidente. Num pacote generoso, integrantes do governo deram aval a duas propostas no Congresso para cortar tributos sobre combustíveis, criar um auxílio-diesel para caminhoneiros e ampliar subsídios para a compra de gás de cozinha.

As bondades devem ter um custo estimado em mais de R$ 100 bilhões, segundo o Ministério da Economia –que é contra as medidas. Os cálculos dão uma ideia do buraco em que o Palácio do Planalto enxerga a candidatura de Bolsonaro a esta altura da disputa pela reeleição.

Fernando Canzian: Traição final


Folha de S. Paulo

Ele prepara agora a traição a seus eleitores do mercado

Entre todos os embustes vendidos pelo então candidato Jair Bolsonaro na campanha de 2018, o mais bem disfarçado talvez tenha sido o seu aceno ao mercado, personificado na biografia de Paulo Guedes, escolhido para atrair empresários e bancos para o seu lado.

Nos campos político e pessoal, um deputado medíocre e ignorante como Bolsonaro talvez não produzisse mesmo nada melhor do que a sujeição humilhante ao centrão e posicionamentos contrários aos dos eleitores de quem depende, como demonstrou seu negacionismo versus a aderência da população às vacinas.

O resultado é que Bolsonaro entra em sua campanha à reeleição pequeno, desmoralizado e sem ter onde se agarrar.

Lançados tardiamente, mesmo seus principais programas sociais, o Casa Verde e Amarela e o Auxílio Brasil, seguem muito identificados com o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, ambos criados por Lula.

Apesar do valor médio de R$ 400, mesmo o Auxílio Brasil atual é muito inferior, em reais e em abrangência, em relação ao montante recebido pelos mais pobres anteriormente, reforçando o "efeito piora". No geral, o que o presidente entrega em seu último ano é um país em estagflação, crescendo quase nada e inflacionado. Nada menos promissor.

Hélio Schwartsman: Na crise da Ucrânia, Putin tem razão

Folha de S. Paulo

Ele não quer que o país vizinho integre a aliança militar ocidental

Vladimir Putin é um autocrata e são fortes as suspeitas de que esteja envolvido em crimes graves, incluindo assassinatos consumados e tentados.

O presidente dos EUA, Joe Biden, já o chamou ao vivo de assassino. Documentos oficiais do governo britânico chegaram a conclusão semelhante após investigar o homicídio de um ex-espião soviético que vivia em Londres. Mais diplomática, a ex-chanceler alemã Angela Merkel culpou o Kremlin (evitando nomear Putin) pelo envenenamento do dissidente russo Alexei Navalni. Basicamente, é difícil manter com o dirigente russo um relacionamento que não seja tóxico.

Bernardo Mello Franco: Aquela canção do Roberto

O Globo

Em 2013, estrelas da MPB lançaram uma cruzada para proibir a circulação de biografias não autorizadas. O movimento foi liderado por Roberto Carlos, que já havia pedido a prisão do autor de uma obra que não o agradou.

Nove anos depois, a elite da música brasileira quer barrar as paródias musicais nas eleições. O caso também está ligado às idiossincrasias do Rei. Sua gravadora processou um candidato que ousou imitá-lo na TV.

A controvérsia surgiu na campanha de 2014, quando o deputado Tiririca fez piada com a música “O Portão”. No hit original, o cantor anunciou: “Eu voltei/ Agora para ficar/ Porque aqui/ Aqui é o meu lugar”. No horário eleitoral, o palhaço brincou: “Eu votei/ De novo vou votar/ Tiririca, Brasília é o seu lugar”.

O juiz Márcio Teixeira Laranjo, da 21ª Vara Cível de São Paulo, não achou graça. Condenou o deputado a indenizar a gravadora EMI e acrescentou que programa eleitoral “não é — ou não deveria ser — programa humorístico”. A sentença seria anulada por unanimidade pela Terceira Turma do STJ.

Cristovam Buarque*: Flores da epidemia

Correio Braziliense

Em seu posfácio ao livro “Um Tempo para não Esquecer”, o doutor José de Jesus Camargo diz que a diplomacia pode ter perdido um grande talento, mas a medicina ganhou, quando Margareth Dalcolmo, a autora, optou pela carreira médica. As letras também ganharam, porque o livro une conhecimento médico ao talento de escritora. Não é por acaso que esta médica começa sua apresentação, lembrando que antes de iniciar os artigos do livro “recorreu a releituras seminais em minha formação” para dar o testemunho de um tempo que ficará para sempre. As páginas desses 81 artigos, que se unem por um fio condutor, descrevem o que vivemos, no inesquecível período entre abril de 2020 e novembro de 2021.

Logo no início, Margareth lembra como começaram “estes tempos duros que marcaram, indelevelmente nossas vidas e que, podemos dizer, deram início ao século XXI”. Sua formação médica aparece na descrição da doença e seu enfrentamento, a formação literária surge em dezenas de citações apropriadas, não apenas de cientistas e médicos, também de escritores, filósofos, dramaturgos.

Paulo Delgado*: Liberais clássicos, nova esquerda e cidadão comum

O Estado de S. Paulo

O País deveria apostar em um novo padrão de maioria política formado por princípios e programas, e não em promiscuidade

Eles não são alguém que devolveu o troco errado. São os que chegam ao poder com uma mentira na alma. Com as pessoas vivendo numa ampulheta, dominadas por um materialismo existencial que faz o tempo passar por influência dos outros – a vida finge ser um jogo de opostos.

A emoção tem partes vis que quando entram em nossa vida com a falsa familiaridade de notícias de massa é difícil perceber o que está acontecendo. Em assuntos feitos para uso de outros, os sentimentos que transmitem ocupam uma sala grande e mal iluminada da nossa emoção. Na sociedade de públicos manipulados, o que influencia você mecanicamente dificilmente é a seu favor.

O excesso de informação disponível dificulta à pessoa viver a simplicidade da vida moral e a tranquilidade de seguir sua vocação. A ideia, por exemplo, de que somos puro produto de questões econômicas e políticas, como a parte mais importante de tudo, não se aplica a todas as situações da vida. O coração humano é insondável e pode ser levado ao abismo pela simplificação em moda.

Daniel Rittner: Prioridades legislativas do ano na infraestrutura

Valor Econômico

Setor privado vai a Lira e Pacheco com lista de prioridades

Um grupo de dez associações empresariais pretende levar nos próximos dias aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), um apelo para que sete projetos de lei em fase adiantada de análise sejam colocados para votação.

A avaliação do setor privado é que esses projetos são essenciais para acelerar o investimento em infraestrutura no país e já estão com tramitação muito avançada para ficarem abandonados em um ano eleitoral. O trabalho de organizar a lista de prioridades legislativas coube ao deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), que obteve um compromisso de apoio de vários parlamentares - da esquerda à direita - para essa iniciativa. Ele já pediu agenda para Lira e para Pacheco, junto com as entidades empresariais, na expectativa de sensibilizá-los.

Raphael Di Cunto: Congresso convicto da vitória de Lula

Valor Econômico

Desonerar gasolina é a mais nova solução mágica (e errada)

Políticos de diferentes matizes, da esquerda à direita, voltaram para o Congresso do recesso em suas bases eleitorais convencidos de que o ex-presidente Lula (PT) vencerá a eleição em outubro. O sentimento é de que o “timing” para construção de uma terceira via já passou e que há hoje uma forte aversão dos eleitores ao presidente Jair Bolsonaro (PL), seja pela condução desastrosa da pandemia, seja pela inflação alta, seja pela economia parada.

Um deputado do Centrão que pretende ingressar no PL para colar na imagem de Bolsonaro na campanha, principalmente por questões locais, diz que o presidente tem força no interior, mas está muito desgastado nas grandes cidades. A população está cansada do discurso beligerante, irritou-se com a negação das vacinas e vê seu dinheiro minguar com as seguidas altas de alimentos, moradia e combustíveis. Para nenhum desses casos, afirma, parece haver solução próxima.

Nilson Teixeira: Brasil precisa de um estadista

Valor Econômico

Por saber que a sociedade está dividida, Lula precisará atrair uma coalizão suprapartidária

Muitos participantes de mercado, que nas eleições passadas defenderam sua candidatura, passaram a rejeitar a reeleição de Jair Bolsonaro. Inicialmente, havia a crença de que surgiria um nome que uniria os eleitores que rejeitam o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula, cenário que sempre me pareceu improvável. Mais recentemente, a polarização entre os dois candidatos tornou-se a cena dominante, com uma expectativa de vitória de Lula. Mais do que isso, vários especialistas argumentam agora que esse resultado não seria o desastre previsto anteriormente.

A imagem de Lula no exterior é mais positiva do que na percepção da maioria dos investidores locais. Essa leitura não está restrita apenas aos políticos. Ambientalistas, por exemplo, lembram do governo Lula como um período de avanço nas ações de proteção ao meio ambiente. Do mesmo modo, investidores estrangeiros argumentam que foi um período de crescimento elevado, mesmo cientes dos benefícios do cenário global benigno para os países emergentes e produtores de commodities. Uma parte desse grupo entende que Lula traria tempos melhores de volta, pois seu governo anterior obteve grau de investimento, expressiva elevação de reservas internacionais, forte expansão do mercado de capitais, autonomia do banco central, superávits primários, aumento da renda e do consumo das famílias.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Caso Monark expõe limites da nova comunicação

O Globo

Foram deploráveis, abjetas e devem ser repudiadas com a máxima veemência as declarações feitas na última segunda-feira por Bruno Aiub, alcunhado Monark, que o levaram a ser demitido do podcast que ele próprio fundara. Num episódio em que recebeu os deputados Tabata Amaral (PSB) e Kim Kataguiri (Podemos), Aiub defendeu a legalização de um partido nazista no Brasil e o direito de quem for “antijudeu” a manifestar suas opiniões (apenas Tabata o contestou com a energia necessária). Pior ainda foi ter alegado que estava “bêbado”, num mal-ajambrado pedido de desculpas emitido depois que os patrocinadores começaram a abandoná-lo.

Não foi a primeira vez que Aiub proferiu uma barbaridade do tipo. Em mensagem no ano passado, ele questionava se a expressão de ideias racistas deveria ser crime. Aiub pode achar o que quiser a respeito. A democracia brasileira já tomou sua decisão por meio das várias leis e sentenças judiciais que consideram crime o racismo, o antissemitismo, a homofobia e outros discursos de ódio.

Não pode haver espaço no Brasil ou em qualquer país decente para a defesa de um regime que implantou o extermínio em escala industrial. Não se trata de “debate” ou “discussão” entre vários pontos de vista que devem ser protegidos. Nas palavras certeiras de uma mensagem da embaixada da Alemanha sobre o episódio: “Defender o nazismo não é liberdade de expressão. Quem defende o nazismo desrespeita a memória das vítimas e dos sobreviventes desse regime e ignora os horrores causados por ele”.

Poesia | Antonio Machado - Cantares

Tudo passa e tudo fica
porém o nosso é passar,
passar fazendo caminhos
caminhos sobre o mar

Nunca persegui a glória
nem deixar na memória
dos homens minha canção
eu amo os mundos sutis
leves e gentis,
como bolhas de sabão

Gosto de ver-los pintar-se
de sol e graná voar
abaixo o céu azul, tremer
subitamente e quebrar-se...

Nunca persegui a glória

Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar

Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar

Caminhante não há caminho
senão há marcas no mar...

Faz algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
"Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar"...

Golpe a golpe, verso a verso...

Morreu o poeta longe do lar
cobre-lhe o pó de um país vizinho.
Ao afastar-se lhe vieram chorar
"Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar..."

Golpe a golpe, verso a verso...

Quando o pintassilgo não pode cantar.
Quando o poeta é um peregrino.
Quando de nada nos serve rezar.
"Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar..."

Golpe a golpe, verso a verso.

Música | Joan Manuel Serrat - Cantares