segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Luiz Carlos Azedo - Posse de Lula simbolizou o resgate do poder civil

Correio Braziliense

Lula demarcou o terreno entre seu governo democrático e o projeto autoritário de Bolsonaro

A cerimônia de posse de um presidente da República é um rito de passagem, que simboliza na democracia a ideia de um governo do povo para o povo. O papel das percepções sociais e das expectativas tem importância muito grande, porque o poder não deriva apenas da posse e do uso dos recursos do Estado, assegurados no plano institucional. A imagem social do governo exerce influência sobre o poder real. Há muitas leituras possíveis sobre a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem. Podemos enumerar as principais, sem grandes dificuldades.

Nesse aspecto, subliminarmente, caracterizou-se uma ruptura entre o governo Bolsonaro, que projetava a tutela das Forças Armadas sobre as instituições da democracia, e o restabelecimento pleno da ordem democrática, com a reencarnação do poder civil pela Presidência. Foram muitas as simbologias. O fato de ter desfilado em carro aberto ao lado da primeira-dama Janja e do vice Geraldo Alckmin, acompanhado da mulher Lu Alckmin, contrariou os que defendiam que fizesse o trajeto da Catedral de Brasília ao Congresso num carro blindado, Lula não renunciou ao calor humano da grande massa de militantes petistas que ocupou a Esplanada.

Venceu o medo de que houvesse um atentado, disseminado pelos bolsonaristas radicais, desde o frustrado atentado a bomba num caminhão tanque cheio de gasolina de aviação, nas imediações do Aeroporto de Brasília. Confiou no planejamento de segurança adotado em sua posse, na qual o Comando Militar do Planalto teve um papel fundamental. Entretanto, a escolta de Lula não foi feita por agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), mas pela Polícia Federal. Os batedores que abriram o cortejo presidencial eram motociclistas da Polícia Militar do Distrito Federal, e não do Batalhão de Guarda Presidencial ou do Corpo de Fuzileiros Navais.

Fernando Gabeira - Os restos a pagar do ano que se foi

O Globo

Foi um erro grande aumentar salários de ministros e deputados no apagar das luzes de 2022

Virou o ano. Não quero alimentar a ilusão de que tudo recomeça do zero. A história seria impossível. Há muita coisa a ser lembrada se queremos realmente renovar.

Parte substancial do país começa o ano com esperança de melhoras. Outra parte está frustrada com o resultado das eleições e a dissipação de seus delírios. No princípio, eram 72 horas de espera e pronto; depois vieram os acenos do Tribunal Internacional, a prisão de Alexandre de Moraes, as conversas com extraterrestres, os hinos cantados diante de pneus.

Alguma coisa vai acontecer, diziam insistentemente. Alguma coisa sempre acontece, o mundo é um milagre dinâmico. Nem sempre acontece o que se espera; a realidade tem a autonomia de um gato, só vai para onde resolve ir, apesar dos desejos humanos.

Merval Pereira - Um presente de Bolsonaro a Lula

O Globo

Representação acrescentou à cerimônia a mensagem de união nacional que presidente quis marcar nos seus discursos

Bolsonaro acabou proporcionando a Lula uma entrega de faixa com grande simbolismo, muito além da simples transmissão de cargo. A representação da diversidade brasileira acrescentou à cerimônia a mensagem de união nacional que Lula quis marcar nos seus discursos.

Apesar da referência permanente à unidade, tendo ressaltado várias vezes que a disputa eleitoral acabou, e que não existem dois países, Lula não contemporizou com Bolsonaro, embora não o tenha citado nenhuma vez pelo nome. Chamou de “genocídio” a morte de quase 700 mil brasileiros durante a pandemia de Covid-19 e prometeu punição severa para o responsável, leia-se Bolsonaro. Diante de tal prognóstico sombrio, e também depois do pronunciamento do ex-vice-presidente Hamilton Mourão, que o acusou, também sem citar, de, com seu silêncio, ter levado o país ao caos e as Forças Armadas a levarem a culpa, Bolsonaro deve ampliar sua permanência na Disney. O povo na praça gritando “sem anistia” completa o quadro sombrio.

Vera Magalhães - Um chamado à responsabilidade

O Globo

Principal mensagem de uma posse memorável foi o clamor pela frente contra a desigualdade

Foi uma posse memorável, a terceira de Luiz Inácio Lula da Silva no cargo de presidente do Brasil. Dos discursos à subida da rampa e passagem da faixa a cargo de representantes diversos do povo brasileiro, foram muitos os símbolos de resgate da democracia e da cidadania e de afirmação do pluralismo e da representatividade.

Mas a principal mensagem veio no final do segundo discurso de Lula, quando ele convocou a sociedade brasileira a formar uma Frente Ampla contra a Desigualdade. Esta exortação é tão importante quanto difícil de executar, porque, para que vá além da retórica, demandará ações por parte do governo que enfrentem lobbies poderosos, num momento em que a maior parte daqueles que precisam abrir mão de privilégios não está no grupo de apoio ao novo presidente.

Para reduzir o fosso social que separa quem está na fila de ossos nos açougues dos que aguardam o próprio jatinho são necessárias mudanças estruturais, como o fim de subvenções e uma reforma tributária que taxe os mais ricos, para ficar em duas medidas apenas, e ambas de dificílima aprovação.

Míriam Leitão - Uma posse de simbologia inédita

O Globo

Tudo teve um significado forte; os que subiram a rampa representam os que têm estado apartados do Brasil por tempo demais

Tudo teve um significado forte. Nada era apenas a formalidade. Os que subiram a rampa representam os que têm estado apartados do Brasil por tempo demais. O Rolls-Royce significava que o presidente Lula não se atemorizou com as ameaças dos extremistas. O passar em revista as tropas que emocionou Lula era símbolo de que as Forças Armadas estavam ali se submetendo ao novo comandante em chefe. E ele só é o comandante temporariamente e por delegação do povo brasileiro. Uma posse diferente de todas as outras, que teve como trilha sonora no momento mais importante o nosso imenso Villa-Lobos.

Malu Gaspar - O que faltou dizer

O Globo

Cerimônia destaca símbolos do novo governo, mas ainda não dá pistas sobre a solução dos dilemas

A posse de um presidente é o cartão de visitas do governo que se inicia – e nesse quesito, não existe imagem mais emblemática do que Lula subindo a rampa com representantes da diversidade do povo brasileiro.

A imagem é potente, mas representa um ideal. Para os resultados do dia-a-dia, as pistas que interessam estão nos discursos de Lula no Congresso Nacional e no parlatório. E aí é importante observar tanto o que que foi dito quanto o que não foi.

A primeira mensagem desses discursos, à qual Lula deu tintas fortes, foi a reedição da antiga ideia da "herança maldita" – as "terríveis ruínas" que o petista afirma ter recebido de Jair Bolsonaro, e sobre as quais ele terá de reconstruir o país.

Lauro Jardim - Discurso é impecável, mas há desafios

O Globo

MP que desonera combustíveis expõe a dificuldade que presidente terá em aliar equilíbrio fiscal e políticas sociais

Os discursos de posse de Lula, no Congresso e no Parlatório, foram impecáveis. Nada do que interessa foi esquecido. Estava lá o apelo à união nacional. Como em 2003, o presidente falou da sua obsessão em acabar com a fome no Brasil. Deu também o destaque devido à questão ambiental. Enfatizou a chaga que é a desigualdade absurda do país. Lula reservou ainda um espaço generoso para a obrigatória pauta da inclusão e da diversidade — neste sentido, pela primeira vez uma posse presidencial tem a cara do século XXI.

Os dois textos, lidos em cerca de uma hora no total, por um Lula com voz firme são, portanto, peças bem escritas, abrangentes e acertam ao tentar mandar o recado de que a “disputa eleitoral no Brasil acabou”.

Quatro anos atrás, o presidente que tomava posse jogava na cara dos brasileiros um discurso noutro tom. Não pronunciou uma mísera vez as palavras “desigualdade” e “fome”. Nem que fosse por formalidade pregou a união nacional. Em vez disso, despejou à plateia temas inéditos numa cerimônia de posse: Jair Bolsonaro chegou a proclamar que aquele era o dia em que o país “começaria a se livrar do politicamente correto” e que um dos seus objetivos era o “combate à escola sem partido”. Eram essas algumas das prioridades.

Entrevista | Celso Rocha de Barros: ‘Lula podia fazer choque ortodoxo em 2003, hoje não há condição política’

Por Bernardo Mello e Thiago Prado / O Globo

Autor de ‘PT, uma história’ vê lulismo e governadores petistas como condutores de guinada ao centro do partido, e aponta urgência de refundar relação com Congresso

O sociólogo Celso Rocha de Barros é autor do livro "PT, uma história" (Companhia das Letras), lançado recentemente em meio a disputa eleitoral. A publicação resgata a história do Partido dos Trabalhadores, de sua fundação, nos anos 1980, até os dias atuais. Em entrevista ao GLOBO, ele fala sobre os desafios do novo governo de Lula e a importância de modificar a relação com o poder legislativo.

Lula começa um governo precisando apresentar resultados na economia. A tendência é de uma gestão mais para Antonio Palocci ou Guido Mantega?

O cenário que Fernando Haddad enfrenta é bastante diferente do de Palocci. Uma coisa é suceder Fernando Henrique Cardoso e o (ex-ministro da Fazenda) Pedro Malan, outra é Bolsonaro e Paulo Guedes. Em 2003, Lula podia perfeitamente dar um choque ortodoxo que ninguém tentaria um golpe. Hoje não há circunstâncias políticas para administrar dois anos de impopularidade, fazendo ajuste fiscal e esperando os programas sociais darem certo. Também há diferenças em relação ao que o Mantega fez depois da crise de 2008. A PEC da Transição é muito mais para segurar as políticas sociais do que trazer uma visão desenvolvimentista e heterodoxa de como fazer o gasto.

Miguel de Almeida - O PT e os motoristas búlgaros

O Globo

É sabida a implicância — para não dizer ojeriza — do escritor Michel Houellebecq às situações trazidas pela globalização. Tendo oportunidade, ele desfia seu elenco de abluções, de críticas — como seu horror aos motoristas búlgaros nas autoestradas da União Europeia.

Difícil deixar de imaginar um motorista búlgaro, entre Barcelona e Toulouse, e não sorrir com a despreocupada tolice: um búlgaro ao volante! Em seu novo livro, “Aniquilar”, ao dissertar sobre os diferentes, autoexcludentes e aleatórios ingredientes postos nos pratos pelos chefs contemporâneos, ele dá um grito e anota: “O frango brasileiro, não!”. Sem esquecer que Houellebecq é francês, impossível não concordar com a observação: o frango brasileiro tem a sensualidade da voz de um caixa eletrônico, algo anódino.

Houellebecq, se informado, riria do princípio ou do conceito por trás da formação do ministério do novo governo. Ali estão contemplados, em conta-gotas, os motoristas búlgaros, o frango brasileiro, a quinoa do Cerrado e a ginkgo biloba do Centrão. Não fosse o malsucedido gabinete britânico de Liz Truss, que durou poucas semanas, dada sua incompetência, a formação trazida à luz por Lula e Gleisi seria a primeira na História mundial a se escudar no lugar de fala como critério político. Mais pela simbologia, pouco pelo crédito ou credenciais.

Irapuã Santana - Mentira, pobreza e orçamento

O Globo

A história recente tem mostrado que o Brasil tem plenas condições de combater a pobreza, mas simplesmente não quer

Dois governos, de espectros políticos distintos, mentiram para nós no ano de 2022.

Em julho, o Congresso aprovou uma PEC para ter uma injeção no Orçamento de R$ 41 bilhões, com a justificativa de combater a fome no Brasil. Seis meses depois, há um novo furo no teto de gastos de mais R$ 145 bilhões, sob o argumento de socorrer os mais vulneráveis.

Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), o aumento do Bolsa Família elevaria o custo em R$ 51,8 bilhões. Ora, e os R$ 93,2 bilhões para onde vão?!

É preciso deixar uma coisa clara: não falta dinheiro para o governo combater a pobreza, mas sim vontade efetiva.

Talvez por isso, José Guilherme Merquior disse em 1987 que “a verdade é que temos, ao mesmo tempo, Estado de mais e Estado de menos”. Prova disso é que, segundo o relatório de 2021 sobre o Panorama Social da América Latina, elaborado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), antes da pandemia, em 2019, 22,5% do PIB brasileiro era dedicado a gastos sociais.

Daniela Chiaretti - Com ênfases precisas, discurso contemporâneo sobre meio ambiente

Valor Econômico

Presidente falou em desmatamento zero, separou bioeconomia de empreendimentos da sociobiodiversidade e deu a real medida do desafio climático

O texto lido no plenário do Congresso foi o mais contemporâneo dos discursos de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O petista falou em desmatamento zero sem qualificar se é legal ou ilegal, separou bioeconomia dos empreendimentos da sociobiodiversidade, deu a real medida do desafio climático e a régua da diplomacia brasileira - na base de “um diálogo ativo e altivo” com os EUA, a União Europeia e a China.

“Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental, a partir da criatividade da bioeconomia e dos empreendimentos da sociobiodiversidade”, disse Lula no Congresso Nacional.

A separação é importante. Bioeconomia é um termo amplo que pode incluir produtores de álcool e florestas de eucalipto. A sociobiodiversidade fala aos produtores de castanhas e coletores de óleo de copaíba.

É o agronegócio e a indústria de um lado, o agricultor familiar e as comunidades quilombolas de outro. Lula incluiu todo mundo.

Alex Ribeiro - Promessa é de desenvolvimentismo com responsabilidade

Valor Econômico

Faltaram os detalhes sobre como vai compatibilizar as duas coisas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu primeiro discurso no cargo, prometeu um Estado desenvolvimentista e nacionalista com responsabilidade fiscal e monetária. O que faltou foram os detalhes sobre como vai compatibilizar as duas coisas.

No recado mais direto ao mercado financeiro, chamou o teto de gastos públicos de uma “estupidez” e indicou que vai extingui-lo. Apesar da frase de impacto, isso já estava na conta da maioria. Desde a eleição, o Banco Central e o mercado já haviam se conformado que a regra fiscal será substituída por uma nova, provavelmente que envolva uma trajetória de superávits primários que coloque a dívida pública em trajetória sustentável.

Bruno Carazza* - O que os discursos sinalizam para o futuro

Valor Econômico

Contra herança maldita, a aposta em propostas do passado

Cada época traz consigo os sonhos e os desafios de cada geração. Primeiro presidente eleito democraticamente desde 1960, Fernando Collor iniciou seu discurso de posse perante o Congresso Nacional exaltando a conclusão do longo processo da transição democrática. Olhando para frente, delineou as demais diretrizes de seu autointitulado projeto de reconstrução nacional: “A inflação como inimigo maior, a reforma do Estado e a modernização econômica, a preocupação ecológica, o desafio da dívida social e a posição do Brasil no mundo contemporâneo.”

As preocupações tinham razão de ser. Lá fora, o mundo vivia o contexto da queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética. Por aqui, Collor prometia “liquidar” a hiperinflação reduzindo o tamanho do Estado e aplicando um choque de liberalização econômica sobre o setor privado.

Bruno Boghossian - Lula exibe antibolsonarismo e apelo social

Folha de S. Paulo

Ainda que descarte revanche, presidente usa rejeição a Bolsonaro em primeiro plano para preservar apoio

Nas palavras escolhidas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo que ele pretende fazer nos próximos anos teve quase tanto peso quanto os tempos que ficam para trás. Os primeiros discursos do novo presidente mostram que o antibolsonarismo será uma arma política relevante para o petista durante o mandato.

Ao inaugurar seu terceiro governo, Lula exibiu algumas de suas principais ferramentas para governar. A rejeição a Jair Bolsonaro (PL) terá papel central na preservação de apoio político, enquanto um discurso centrado em apelos sociais será um ponto-chave para implementação de sua plataforma.

Durante a campanha, o antibolsonarismo ajudou Lula a expandir seu eleitorado para além da esquerda e agregar forças políticas distantes do campo de influência do PT, principalmente no segundo turno.

O próprio presidente reconheceu a utilidade da ferramenta. Em seu pronunciamento no Congresso, o presidente disse ter compreendido desde o início que deveria ser candidato "por uma frente mais ampla" do que seu campo político e declarou que "essa frente se consolidou para impedir o retorno do autoritarismo ao país".

Celso Rocha de Barros - A terceira posse de Lula

Folha de S. Paulo

Posse foi festa que democracia merecia após quatro anos em cativeiro

O golpe perdeu, o Olavo morreu, o Jair fugiu, e o Brasil voltou a ter um presidente digno de cantar o hino nacional brasileiro.

Cantou-o com entusiasmo, como cantou a multidão que foi a Brasília assistir à terceira posse presidencial de Lula. Foi uma festa bonita, a começar porque o Jair não foi. Em seu lugar, uma comitiva entregou a faixa presidencial a Lula. Foi, sem dúvida, o momento mais bonito da posse. A comitiva representava um país que é, ao mesmo tempo, diverso, culturalmente rico e melhor do que Jair Bolsonaro no desempenho de absolutamente qualquer tarefa.

Resta torcer, enfim, para que o desastre Jair Bolsonaro vacine o povo brasileiro contra novas experiências autoritárias. Afinal, não é possível que este palhaço não seja capaz de vacinar ninguém contra nada.

Marcus André Melo* - O STF sem Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Quem perde e quem ganha com a alteração regimental da corte?

A dinâmica institucional futura no país dependerá do que vai acontecer com o recente protagonismo hiperbólico do STF. A decisão do ministro Gilmar Mendes autorizando gasto para o Bolsa Família fora do teto constitucional introduziu novo padrão de intervenção da corte na área fiscal, jogando por terra boas práticas em torno de regras fiscais e "hard-budget constraints".

Foi uma liminar, mas seus efeitos sobre o jogo político são claros. Há muitas decisões similares fora da seara fiscal protagonizadas pelo ministro Alexandre de Moraes. Na mesma semana, o STF anunciou mudanças substantivas no seu regimento interno, às vésperas da investidura do novo presidente.

Eliane Cantanhêde - Agenda de ‘reconstrução’ e diversidade na posse

O Estado de S. Paulo

Sem golpe, atentado terrorista e Jair Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o seu terceiro mandato num dia de sol, festivo, desfilando no Rolls-royce e dizendo que tomou posse pela primeira vez em 2003 com uma palavra-chave – mudança –, e agora adotou outra: reconstrução. É a diferença de receber o governo de Fernando Henrique Cardoso ou de Bolsonaro, que lhe deixou uma terra arrasada e não fez falta. Quem passou a faixa presidencial para Lula foram representantes da diversidade brasileira, que foram entregando a faixa um para o outro até chegar ao peito do presidente eleito, diplomado e agora empossado pelas mãos de uma mulher negra, de 33 anos, catadora desde os 14. Veio pela segunda vez o Hino Nacional. Lula chorou.

Em cerimônias cheias de simbologia e emoção, com muita gente e alegre cantoria, Lula esteve todo o tempo ao lado de sua mulher, Janja, do seu vice, Geraldo Alckmin, e da mulher dele, Lu, repetindo, assim, a demonstração de força e cumplicidade que também deu ao seu primeiro vice, José Alencar. Se a intenção era apresentar seu governo como “frente ampla”, isso não estava em sintonia com as multidões maciçamente de vermelho.

Felipe Moura Brasil - Já viste que um mito teu fugiu à luta

O Estado de S. Paulo

Em mensagem no Tiktok, ‘paulop1983’ faz mais oposição ao novo governo do que o bolsonarismo raiz

O melhor discurso da transição não foi de Jair Bolsonaro, nem de Lula. Foi de “paulop1983” no Tik Tok.

No sábado, 31, um dia após a viagem de Bolsonaro para Miami e horas antes do discurso de Hamilton Mourão como presidente em exercício, ele disse em vídeo:

“Acabou, gente. O que nós, bolsonaristas, vamos precisar, a partir de segunda-feira (2/1/23), é procurar um psiquiatra. Porque nós ficamos doentes por causa dessa desgraça desse Bolsonaro. É um desgraçado, covarde, que fugiu. Agora, está todo mundo com essa doença aí, ó.

Quem quiser ganhar dinheiro, abre uma clínica de psiquiatria. Vai ficar rico, de tanto bolsonarista que vai ter de procurar um psiquiatra. Porque ficou todo mundo doente, não pensa mais, só ‘Bolsonaro, Bolsonaro, Bolsonaro’.”

William Waack - Discurso alinhado às ‘ideias gerais’ do petismo

O Estado de S. Paulo

Não há nada surpreendente no primeiro discurso do presidente Lula. Está perfeitamente em linha quanto à tática política, que é a de se apresentar como salvador. E alinhado ao que se pode chamar de “ideias gerais” do petismo. Lula diz assumir um país destruído por regime autoritário que dilapidou o patrimônio público, tem responsabilidade por genocídio na pandemia, foi criminoso, negacionista e obscurantista. Lula inicia o mandato, disse, “frente a adversários inspirados no fascismo”.

O extremo lógico desse raciocínio abre caminho para dizer que a enorme oposição ao PT e a Lula – cujo espectro é imensamente mais amplo do que o bolsonarismo – é oposição a quem pretende “reconstruir em bases sólidas a democracia”. É arriscado como tática política num país profundamente dividido.

Denis Lerrer Rosenfield* – Um libertino

O Estado de S. Paulo.

Não é função estatal corrigir costumes seja em nome da moral, da religião ou do que considera como ‘saúde’

A Fábula das Abelhas ou Vícios Privados, Benefícios Públicos, de Bernard de Mandeville, obra clássica do início do século 18, vem a ser publicada no Brasil graças a uma primorosa edição da Topbooks com o patrocínio do Liberty Fund. Uma grande lacuna de pensamento será, assim, preenchida. Esse primeiro tomo, ao qual se seguirá um segundo no próximo ano, é constituído pela Fábula e por uma série de observações nas quais o autor desenvolve toda a sua filosofia moral e política. Diria que é um autor incontornável, sobretudo levando em consideração os valores morais reinantes na sociedade brasileira e as tentativas políticas e morais de reformá-los.

Isso porque Mandeville se inscreve na linha dos pensadores libertinos do século 17, que são propriamente livres-pensadores, sem nenhum apego a convenções ou a qualquer tipo de preconceito. Hoje, diríamos que são politicamente incorretos, críticos sagazes e sarcásticos do que as pessoas consideram, sob influências religiosas e éticas, como virtudes.

Discurso na posse | Lula: 'democracia para sempre'

Esta é a íntegra do discurso de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso Nacional.

“Pela terceira vez compareço a este Congresso Nacional para agradecer ao povo brasileiro o voto de confiança que recebemos. Renovo o juramento de fidelidade à Constituição da República, junto com o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ministros que conosco vão trabalhar pelo Brasil.

Se estamos aqui, hoje, é graças à consciência política da sociedade brasileira e à frente democrática que formamos ao longo desta histórica campanha eleitoral.

Foi a democracia a grande vitoriosa nesta eleição, superando a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu; as mais violentas ameaças à liberdade do voto, a mais abjeta campanha de mentiras e de ódio tramada para manipular e constranger o eleitorado.

Nunca os recursos do estado foram tão desvirtuados em proveito de um projeto autoritário de poder. Nunca a máquina pública foi tão desencaminhada dos controles republicanos. Nunca os eleitores foram tão constrangidos pelo poder econômico e por mentiras disseminadas em escala industrial.

Apesar de tudo, a decisão das urnas prevaleceu, graças a um sistema eleitoral internacionalmente reconhecido por sua eficácia na captação e apuração dos votos. Foi fundamental a atitude corajosa do Poder Judiciário, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral, para fazer prevalecer a verdade das urnas sobre a violência de seus detratores.

Queridos amigos e amigas,

Ao retornar a este plenário da Câmara dos Deputados, onde participei da Assembleia Constituinte de 1988, recordo com emoção os embates que travamos aqui, democraticamente, para inscrever na Constituição o mais amplo conjunto de direitos sociais, individuais e coletivos, em benefício da população e da soberania nacional.

Entrevista | Pepe Mujica / Ex-presidente do Uruguai: 'Espero que militares brasileiros percebam que convém pacificar'

Por Janaína Figueiredo / O Globo

No Brasil para a posse de Lula, ex-presidente uruguaio diz que frente ampla do novo governo 'reafirma democracia republicana diante do autoritarismo’

Aos 87 anos, o ex-presidente do Uruguai José Pepe Mujica, que governou de 2010 a 2015, pretendia pegar um voo via Buenos Aires para chegar a Brasília e presenciar a posse hoje de seu amigo, Luiz Inácio Lula da Silva. Mudou de planos quando foi convidado pelo presidente uruguaio, o conservador Luis Lacalle Pou, para integrar a comitiva oficial, junto ao também ex-presidente Julio Maria Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000). Um gesto de civilidade política que contrasta com uma posse na qual o presidente que sai decidiu não passar a faixa para o que assume.

— De certa forma, [a decisão de Bolsonaro] reflete as enormes dificuldades que Lula enfrentará — disse Mujica ao GLOBO.

Questionado sobre as tensões entre Lula e o mundo militar, o ex-presidente da Frente Ampla de esquerda, que foi guerrilheiro e esteve 13 anos preso durante a última ditadura em seu país (1973-1985), afirmou que é fundamental conversar e relacionar-se com as Forças Armadas. Segundo Mujica, "os militares são parte de nossa sociedade e expressam as contradições de nosso povo. Temos de pedir a eles um certo grau de participação na estabilização do Brasil".

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Unir o Brasil não será tarefa trivial para novo governo

O Globo

Lula acerta ao transmitir mensagem de democracia e união nacional, mas terá de enfrentar obstáculos enormes

Em seu primeiro discurso no cargo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dirigiu não só aos militantes, mas aos milhões de brasileiros que escolheram seu nome e também aos derrotados: “Assumo o compromisso de reconstruir o país e fazer de novo um Brasil de todos e para todos”. Lula afirmou não ter “ânimo de revanche”. “Ao ódio, responderemos com amor; à mentira, com a verdade; ao terror e à violência, responderemos com a lei”, disse. Depois de vestir a faixa presidencial, foi mais enfático: “Não existem dois ‘Brasis’. Somos um único país, um único povo, uma grande nação”.

É louvável a mensagem de união nacional depois de uma eleição vencida por margem estreita em ambiente polarizado. O desafio de unir o Brasil, porém, não será trivial. A discórdia e as paixões políticas desmedidas são um veneno. A preocupação de Lula é mais que pertinente, mas há uma distância razoável entre discurso e prática. Mais que tudo, será preciso entender que o ex-presidente Jair Bolsonaro só pôde florescer num ambiente já polarizado, onde o maior responsável pelo discurso do “nós contra eles” não era outro senão o próprio PT. A estratégia do morde e assopra — um dia prega a paz, no outro demoniza os opositores — não funcionará. Para serenar os ânimos, será essencial consistência.

Poesia | William Shakespeare - O amor e a amizade

 

Música | Canta, Canta minha gente - Martinho da Vila e convidados