segunda-feira, 4 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

PIB de 2023 mostra desafios ao crescimento sustentado

Valor Econômico

O investimento, em especial, continua fraco, e a atividade econômica ficou estagnada no segundo semestre

O crescimento da economia brasileira em 2023 ficou em 2,9%, superando com folga o 0,8% projetado no fim de 2022. Pelo segundo ano seguido, o Produto Interno Bruto (PIB) registrou uma expansão por volta de 3%, número que está longe de ser exuberante, mas é razoável para os padrões brasileiros de 2014 para cá. O resultado pode ser visto como positivo, mas uma análise mais detalhada dos números evidencia os desafios que o país ainda tem para crescer a taxas mais altas de modo sustentado. O investimento, em especial, continua fraco, e a atividade econômica ficou estagnada no segundo semestre.

Ao analisar os componentes da demanda doméstica, o crescimento veio em grande parte do consumo das famílias, que avançou 3,1% em 2023, e do consumo do governo, com alta de 1,7%. A força do mercado de trabalho, as transferências de renda e a queda da inflação alimentaram o poder de consumo das famílias. Mas o investimento, fundamental para garantir a expansão da economia a um ritmo mais forte e duradouro, caiu 3%. Sem que se invista mais, o crescimento cedo ou tarde esbarrará em gargalos na produção, que tendem a se traduzir em pressões inflacionárias.

Entrevista | Gabriel Zucman: Taxar ricos pode funcionar mesmo sem consenso

Por Marcelo Osakabe / Valor Econômico

Cobrança de 2% sobre fortunas pode render R$ 250 bilhões, estima economista francês

Um imposto global sobre os bilionários pode ser efetivo mesmo que não exista consenso global sobre o tema. Essa é a aposta do economista francês Gabriel Zucman, diretor do Observatório Fiscal da União Europeia, para quem mesmo a ausência dos Estados Unidos, país que abriga perto de um terço dos cerca de 2,7 mil bilionários do mundo, não impede que o novo tributo seja eficiente.

Convidado pelo governo brasileiro para apresentar sua proposta de taxar as grandes fortunas globais em 2% aos ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20, na semana passada, Zucman estima que a medida pode render US$ 250 bilhões por ano, metade do que se estima que as nações desenvolvidas precisarão para enfrentar mudanças climáticas.

A proposta chega ao G20 em um momento em que os “dois pilares” propostos pela OCDE para combater a evasão tributária global, que envolvem o imposto corporativo mínimo sobre multinacionais de 15% e o imposto sobre serviços e produtos digitais, sofrem revezes e questionamentos. O economista não vê perigo em sobrepor as agendas e argumenta não ser necessário que a grande maioria adote o imposto para que ele seja efetivo. “Basta que um número suficiente de países implemente a regra, e acredito que já chegamos a ele”, diz, em entrevista ao Valor.

Sergio Lamucci* - O peso do agro e da indústria extrativa no crescimento

Valor Econômico

Há uma forte correlação entre a renda gerada pelos setores de commodities e as oscilações do PIB

O crescimento da economia brasileira em 2023, de 2,9%, refletiu especialmente a força dos setores de commodities pelo lado da oferta. A agropecuária avançou 15,1%, alta concentrada no primeiro trimestre, enquanto a indústria extrativa, em que se destacam petróleo, gás e minério de ferro, aumentou 8,7%. Nas contas dos economistas Bráulio Borges e Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, os dois segmentos responderam diretamente por 1,3 ponto percentual da expansão do PIB de 2,9%, o equivalente a quase 45%. Neste ano, o desempenho desses setores deverá ser mais fraco. Com isso, o impulso ao crescimento terá de vir de outras áreas da economia.

Bruno Carazza* - Palavras de Barroso não pagam custo do Judiciário

Valor Econômico

No dia 25/02/2024, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, publicou um artigo na Folha de S.Paulo intitulado “Quanto vale o Judiciário?”

O texto foi uma defesa institucional ao estudo elaborado pelas Secretarias do Tesouro Nacional e do Orçamento Federal, em conjunto com o IBGE, que estimou em R$ 116 bilhões (ou 1,6% do PIB) as despesas totais do sistema judiciário no Brasil em 2022 - custo muito superior à média dos países emergentes (0,5% do PIB) e das economias mais avançadas (0,3% do PIB).

Impossibilitado de refutar os dados, o ministro Barroso optou pela retórica, como é bastante comum no mundo jurídico. Num duplo twist carpado, o atual presidente do Supremo inverteu a pergunta; para ele, mais importante do que discutir o custo, o correto seria indagar quanto vale o Judiciário.

Carlos Pereira* - A democracia precisa de democratas?

O Estado de S. Paulo

A combinação de apoio à democracia com a performance gera o desejo de uma democracia melhor

Democracias estariam mais seguras diante de maior apoio popular? Ou, estariam em risco de retrocessos quando o apoio dos eleitores é menor? Há muito que se argumenta que regimes democráticos e seu respectivo apoio popular se reforçariam mutuamente. Que elevados níveis de apoio popular garantiriam que democracias permaneceriam fortes e duráveis. Ao mesmo tempo que experiências de governança democrática virtuosa gerariam suporte robusto da sociedade em favor da democracia.

Camila Rocha* - Natureza é motivo de orgulho para maioria dos brasileiros

Folha de S. Paulo

Meio ambiente e economia não são como água e óleo

Nos últimos anos, muitas pesquisas procuraram explorar os fatores que condicionam a divisão política no país. Passou a ser algo corriqueiro compreender tal divisão como uma síntese da opinião pública. Brasileiros seriam como água e óleo a depender de suas escolhas eleitorais.

No entanto, existem valores profundos que nos unem, a despeito de nossas diferenças. A maioria das pessoas se guia por crenças mais estáveis do que opiniões expressas nas urnas, o que possibilita a criação de canais de diálogo e consensos sobre temas de extrema importância, como o meio ambiente.

Fernando Gabeira - Os sinais de regressão

O Globo

Como explicar a notícia de que o assassino de Chico Mendes dirigia o PL numa pequena cidade do Pará?

No fim deste mês, lembraremos os 60 anos da ditadura militar. O tempo passou velozmente. Ainda terei a chance de recordar aqueles anos em que a ideia de resistência iluminava nossos olhos e eletrizava nossos corpos jovens.

Quem diria que comecei a semana escrevendo sobre os problemas de um país polarizado? Usei um verso de Yeats que fala da desolação da realidade para descrever o que restou de tanto som e fúria.

Na verdade, tenho de confessar que me preocupa algo ainda pior: a sensação de que, em alguns campos, corremos o perigo de regressão.

Como explicar a notícia de que o assassino de Chico Mendes dirigia o PL numa pequena cidade do Pará e se tornou candidato a vereador com o nome de Pastor Daniel?

Ainda me lembro daquela véspera de Natal quando viajei às pressas para o Acre e, já no Aeroporto de Rio Branco, enfrentava a hostilidade de fazendeiros, que nos cercaram, raivosos, a mim e a Roberto Smeraldi. Percebi como era forte a posição que sobrevive até hoje, uma espécie de ânsia de derrubar a floresta, matar seus defensores e expulsar os povos ancestrais de suas terras. Mais tarde em Anapu, no enterro de Dorothy Stang, confirmei essa sensação, reforçada recentemente com o assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira no Vale do Javari.

Marcello Averbug* - O mérito inútil de Joe Biden

O Globo

Apesar dos êxitos obtidos, a popularidade do presidente é baixa e, como consequência, sua reeleição está ameaçada

Algo inédito acontece nos Estados Unidos, conflitando com os ensinamentos da História a lógica da atividade política. Esse acontecimento influenciará o destino do país devido a seu impacto sobre as eleições de novembro.

O presidente Joe Biden vem implementando políticas que conduziram o país a uma situação melhor que a de anos anteriores e superior à de qualquer outra nação desenvolvida. A taxa anual de crescimento econômico durante o atual mandato presidencial foi superada apenas em quatro ocasiões nos últimos 24 anos. O desemprego está em 3,7%, nível historicamente baixo. Ao longo dos últimos três anos foram criados 17.973.000 empregos, enquanto no primeiro triênio do governo Donald Trump criaram-se 7.994.000.

Quando Biden se instalou na Casa Branca, o país estava em meio à turbulência provocada pela Covid-19. A maneira como enfrentou a pandemia e seus efeitos econômicos contribuiu para a tranquilidade nacional e a retomada da expansão do PIB. Inspirado pelo New Deal de Franklin Roosevelt, mobilizou o governo como incentivador de investimentos em infraestrutura, energia limpa e pesquisa tecnológica, além dos estímulos à indústria.

Demétrio Magnoli - O lugar do Brasil, segundo Lula

O Globo

Uma política externa oscilante, inconsistente — eis o que pensa a revista The Economist. “Lula quer que o Brasil seja todas as coisas para todos: um amigo do Ocidente e um líder do Sul Global, um defensor do meio ambiente e uma potência petrolífera mundial, um promotor da paz e um amparo para os autocratas”. O diagnóstico gira em falso, como refém da retórica ilusionista do governo. De fato, existe uma Doutrina Lula.

A orientação de política externa pode ser decifrada a partir de dois movimentos estratégicos. O primeiro renega o discurso oficial; o segundo elimina suas ambivalências.

1. O Novo PAC lançado pelo governo, no eixo consagrado à transição energética, prevê recursos de R$ 565,4 bilhões, dos quais 64% para óleo e gás e meros 12% para fontes limpas. Os investimentos em combustíveis fósseis fluirão principalmente do Estado, enquanto as fontes alternativas dependerão de financiamento privado.

2. O Brasil aumentou radicalmente seu intercâmbio com a Rússia desde a invasão da Ucrânia. O crescimento apoiou-se especialmente nas importações de petróleo, diesel e fertilizantes. As importações de diesel saltaram de 101 mil toneladas em 2022 para 6,1 milhões em 2023 — ou, em valores, de US$ 95 milhões para US$ 4,5 bilhões. No cenário do embargo europeu, o Brasil converteu-se no terceiro maior importador de hidrocarbonetos russos, atrás apenas da China e da Turquia.

Marcus André Melo* - Limites aos mandatos presidenciais

Folha de S. Paulo

Evitar abusos e responsabilizar governantes são valores democráticos em conflito

A explicação canônica para o dilema das repúblicas independentes da América Latina no século 19 era que tinham que escolher entre tirania e anarquia. Escolheram a primeira. Na Bolívia, em 1826, Simon Bolívar sustentou que "um presidente perpétuo, com o direito de escolher seu sucessor, é a mais sublime inspiração para uma ordem republicana".

Só mais tarde o dilema assumirá um novo conteúdo: tirania ou democracia. A ideia de limites aos mandatos de presidentes é parte do objetivo de assegurar a alternância de poder e impedir presidentes de se perpetuarem no cargo.

Presidentes que buscam reeleição foram vitoriosos 70% das vezes entre 1788 e 2008, em uma base de dados exaustiva de 2.230 casos. Na América Latina, do final dos anos 70 a 2017, os titulares dos cargos buscaram reeleição 27 vezes, e só perderam em 3 delas. A vantagem do incumbente é clara. O potencial de abuso de poder é alto.

Poesia | Se as flores e os rios sorriem, de Fernando Pessoa

 

Música | Baila Nova - Chega de Saudade, de Antônio Carlos Jobim