quinta-feira, 7 de março de 2019

José Antonio Segatto*: Incivilidade política

- O Estado de S.Paulo

Podemos ter de viver tempos infaustos para os valores democráticos e o exercício da cidadania

Um importante intelectual alemão, Karl Marx, em 1852, no livro O 18 de Brumário, em perspicaz análise do processo político francês dos anos 1848-51, revela como foram criadas as “circunstâncias e condições que possibilitaram a um personagem medíocre e grotesco (Luís Bonaparte) desempenhar um papel de herói”.

Guardadas as singularidades dos acontecimentos na França da época, posteriormente, nos séculos 20/21, fenômenos com alguma similitude com aqueles se sucederam em outros lugares e situações particulares, até mesmo em tempos recentes. Podemos citar como exemplos, circunscrevendo-nos apenas ao continente americano e à contemporaneidade, as eleições presidenciais que elegeram o agrônomo Alberto Fujimori (Peru, 1990), o coronel Hugo Chávez (Venezuela, 1998), o empresário Donald Trump (Estados Unidos, 2016) e o capitão Jair Bolsonaro (Brasil, 2018).

O caso do Brasil, o mais recente, é deveras ilustrativo desses fatos. Político obscuro e sem qualidades, que durante quase três décadas engrossou as fileiras do baixo clero no Congresso Nacional, Bolsonaro fez carreira de deputado federal por partidos fisiológicos e clientelistas ou de aluguel. Representante do corporativismo militar e do nacional-estatismo, arauto do regime ditatorial e apologeta de seus métodos despóticos e cruéis, manteve sempre a coerência de concepções e a constância de práticas em sua trajetória parlamentar: a demonização da política e o ultraje da democracia, a glosa dos direitos de cidadania e a hostilidade aos valores humanistas, o combate às manifestações identitárias e multiculturais.

O desafio, todavia, é explicitar como um sujeito incivil e rústico, sem projeto, sem estrutura partidária e com recursos limitados, pôde angariar tantos adeptos e obter tamanha votação, que permitiu sua eleição para a Presidência da República de um país deveras complexo.

Inúmeras têm sido as respostas dadas por jornalistas e cientistas políticos, por especialistas e leigos, para compreender o sucedido. Dentre elas, algumas podem ser destacadas:

1) A severa crise econômica e suas sequelas teriam criado insatisfação generalizada.

2) A revelação dos muitos e graves escândalos de corrupção nos diversos níveis do aparato estatal, envolvendo partidos governistas – sobretudo o consórcio PT-PMDB –, associados a práticas fisiológicas, clientelistas e patrimonialistas, teria produzido reprovação indignada do establishment político pela opinião pública. Ademais, seria responsável pelo depauperamento do centro político e pela perda de credibilidade do sistema partidário, permitindo a emergência no cenário político de novos atores.

3) A incapacidade de governos na segurança pública teria propiciado as condições para o aumento exponencial da criminalidade, da violência e da disseminação do medo e da apreensão social.

4) A ineficácia da gestão do Estado e da condução das políticas públicas, concatenada aos malfeitos dos donos do poder, teria criado clima de insatisfação e descrédito sem precedentes da política e dos políticos, dos partidos e das instituições.

5) O ativismo de entidades e movimentos identitários, na busca de reconhecimento, teria desencadeado uma reação conservadora afrontosa, em especial de igrejas evangélicas, em defesa de valores tradicionalistas.

6) Os influxos da onda conservadora e/ou de direita em ascensão na Europa e nos Estados Unidos teriam fomentado a disseminação de concepções extemporâneas e reacionárias: xenófobas, racistas, populistas, nacionalistas e antiglobalistas – em consonância, propalou-se uma atroz persecução a socialistas e partidos de esquerda em geral, além de movimentos identitários, de defesa de direitos civis e/ou humanos. A ira antipetista propagou-se como uma centelha e atingiu a esquerda indistintamente.

Clóvis Rossi: Civilização dá passos atrás

- Folha de S. Paulo

Parte do mundo, Brasil inclusive, regressa às trevas

Gideon Rachman, um dos bons colunistas do Financial Times, está preocupado com o que supõe ser a perspectiva de o século 21 se transformar no século do "Estado Civilização", em contraponto ao "Estado Nação", que caracterizou o século 19.

O que seria o "Estado Civilização"? Seria aquele país que representa não apenas um território histórico ou um idioma particular ou um dado grupo étnico, mas uma civilização diferente. Uma ideia que estaria ganhando terreno na Turquia, na China, na Índia, na Rússia e mesmo nos EUA.

Já seria incômodo o avanço desse tipo de mentalidade, que, sempre segundo Rachman, teria implicações iliberais, na medida em que pressuporia que definições universais sobre direitos humanos e padrões democráticos perderiam valor, posto que "cada civilização necessita instituições políticas que reflitam sua cultura única".

Compartilho essa preocupação, mas ouso supor que o problema seja bem mais sério e mais imediato: o que está em curso nos países mencionados —e aos quais ouso acrescentar o Brasil de Jair Bolsonaro—não é a construção de uma nova civilização, mas um retrocesso importante no processo civilizatório.

Não vou discutir os casos de Turquia, China, Índia e Rússia, primeiro por falta de espaço e, segundo, por estarem distantes da realidade brasileira, ao contrário dos Estados Unidos.

O que Trump está fazendo por lá é retroceder aos piores momentos do patriotismo, já definido, faz uns 300 anos, como "o último refúgio dos canalhas" (para citar o escritor inglês Samuel Johnson, 1709-1784).

Um dos mantras preferidos do presidente americano ("America First") é irmão siamês do "Deutschland, Deutschland über alles" (Alemanha acima de tudo), primeira estrofe do hino nacional alemão. Felizmente, a democracia pós-nazismo resolveu sabiamente pular essa parte, para que, nas cerimônias oficiais, seja cantada apenas a terceira estrofe.

Míriam Leitão: Este carnaval foi das críticas

-O Globo

Carnaval é festa tradicional, movimenta a economia e permite críticas e sátiras. Não se resume ao vídeo que o presidente postou

Este foi um carnaval de críticas ao governo, nos blocos, nas avenidas, nas letras, nos enredos e nas fantasias, nas alegorias e nos bordões. Normal. O carnaval é irreverente, ácido, inclemente. As autoridades são sempre alvo. Era assim no período autoritário, quando em plena Brasília nasceu o bloco “pacotão”, parodiando o pacote de abril do Geisel. E tem sido assim no período democrático. Houve enredos de protesto e sátiras, nas últimas décadas, que se tornaram clássicos. O certo é o governo seguir com seu trabalho nos dias úteis, após as cinzas, e ponto final.

O presidente Jair Bolsonaro iniciou uma nova polêmica desnecessária quando postou seu vídeo criticando o carnaval, e depois fazendo postagem contra artistas, misturando isso com a lei de incentivos à cultura. A cena é escatológica, mais do que obscena. Um perfil com 3,4 milhões de seguidores pode transformar um fato pouco visto numa viralização. O presidente da República dar exposição a uma situação como aquela é um completo nonsense. E a nota divulgada ontem à noite pela Presidência não anula o erro da postagem.

O carnaval é festa tradicional, e no Brasil movimenta a economia, atrai turistas e produz formas variadas de manifestações culturais. Por isso ele é tão diverso. Obviamente não se resume a uma cena. O presidente particularmente pode não gostar do carnaval. Há o grupo, no qual me incluo, que prefere o momento para se recolher e descansar com a família. Mas os que não gostam da folia certamente não ficam procurando motivos para impedir que os foliões façam seu carnaval. É uma escolha, cada um faz a sua. O presidente quer o que ao postar o tal vídeo? Dizer que aquilo foi o carnaval?

Ele pode, como governante, não gostar de uma lei e propor sua revogação ou sua alteração. Todo incentivo, ou política que envolva dinheiro público, deve estar sob constante fiscalização para aperfeiçoamento, atualização, comprovação de que cumpre seu objetivo. Há inúmeros tipos de incentivo no Brasil, o ministro Paulo Guedes prometeu durante a campanha que iria reduzir essas renúncias fiscais. Até agora nada evoluiu. Exceto as declarações contra a Lei Rouanet, o que indica que não é a renúncia fiscal que preocupa o governo, mas as críticas que eventualmente tem recebido de artistas.

Merval Pereira: Momento deprimente

- O Globo

É deprimente ter que tratar de um assunto desses no momento em que o país tem em jogo tantos assuntos importantes para o seu futuro. Ser fiscal dos costumes não é, definitivamente, o papel de um presidente da República. Para isso, há leis e órgãos de fiscalização e repressão.

Não se trata de defender, muito menos de eximir de culpa os que praticaram os atos pornográficos exibidos pelo presidente em seu Twitter. Atentado ao pudor merece as penas da lei. Mas generalizar um comportamento pervertido como sendo o retrato de blocos de carnaval é uma atitude desprezível, sobretudo para o presidente de um país que tem no Carnaval a sua maior festa, que injeta dinheiro em uma economia paralisada, promove empregos, mesmo que temporários, e é o símbolo do povo brasileiro, que cativa os estrangeiros.

Bolsonaro, postando um vídeo daquele nível numa rede pública, está cometendo um atentado ao decoro, divulgando material pornográfico com a chancela da presidência da República. O presidente Jair Bolsonaro tem é que estar empenhado em aprovar as reformas importantes, sobretudo a da Previdência, sobre a qual são poucas suas manifestações na internet.

Além do mais, ao sugerir que esta é a imagem do Carnaval, está sendo injusto com a imensa maioria dos foliões, e prejudicando um dos ativos intangíveis mais valiosos que a cultura brasileira tem. Por que não publicar os milhares de vídeos mostrando uma comemoração saudável, com famílias inteiras nos blocos, inclusive crianças?

Não tem sentido, mesmo que tenha razão nas críticas, publicar um vídeo pornográfico em seu twitter pessoal. Se quer dar prioridades aos temas de costumes, poderia ter feito comentários, chamando a atenção para fatos como os que exibiu explicitamente. Fazer campanha contra o turismo sexual é, sim, papel do governo e saudável para o país.

É inacreditável, no entanto, que Bolsonaro não tenha noção do que seja uma impropriedade da função para a qual foi eleito. O perigo é que confunde suas convicções pessoais com as da Nação. Se quer que seu moralismo exacerbado seja o novo normal do país, tem que dar o exemplo. E postar pornografia não é certamente a melhor maneira de preservar sua autoridade, a nível nacional e internacional.

Bolsonaro já admitiu, entre gargalhadas, num programa CQC na Rede Bandeirantes, que, quando adolescente, fez sexo com diversos animais como “jumentinho” e “galinha”. A isso chama-se zoofilia, atração sexual de humanos por animais. Assim como a cena exibida por Bolsonaro é chamada de urofilia. Ambas são patologias classificadas como parafilia, “preferências sexuais anormais e doentias”.

Ascânio Seleme: Carnaval de Itamar e Bolsonaro

- O Globo

(“Tô no meio da rua, tô louca. Tô no meio da rua sem roupa. Tô no meio da rua com água na boca, vestida de rebeldia, provocando a fantasia”) Caetano Veloso

A história é quase inacreditável. Experimente contar seus detalhes para um jovem na casa dos 20, 25 anos. Ele vai dizer que é carnaval, e você bebeu demais. Um presidente da República dançando num camarote da Sapucaí com uma modelo sem calcinha? Conta outra. E pior, fotografado de um ângulo em que toda a intimidade da moça ficou exposta ao lado de um presidente em êxtase. Mentira? Claro que não. Você sabe que não. Era assim o carnaval do Sambódromo dos anos 80, 90 e início dos 2000. Uma alegria devassa insuperável.

No dia seguinte, os jornais estamparam a foto do presidente Itamar Franco com a modelo Lilian Ramos, alguns nas suas primeiras páginas. O que fez o presidente? Nada. Não acusou a moça, não ficou irado, não veio a público atacar a permissividade do carnaval. Ao contrário, à noite ligou para Lilian e tentou iniciar um romance com a moça. Não colou. A modelo queria apenas a publicidade da companhia presidencial num desfile da Sapucaí.

Outra história inacreditável vimos na noite de terça-feira, no Twitter do presidente Bolsonaro. A cena escatológica distribuída por ele entre seus 3,6 milhões de seguidores mostra como Bolsonaro pensa, ou como pensa pequeno. Imaginar que aquelas imagens representam os blocos do carnaval é não enxergar um palmo à frente de seu nariz. Não precisava ir às ruas para entender como funcionam os blocos, bastava ficar meia hora assistindo à GloboNews.

Bernardo Mello Franco: Obscenidades presidenciais

- O Globo

Com a tuitada pornográfica, Bolsonaro tentou revidar as críticas que sofreu no carnaval. Já seria uma atitude imprópria, mas ainda assim o presidente passou do ponto

É difícil se chocar com as declarações de Jair Bolsonaro. O presidente já exaltou torturadores, elogiou um ditador pedófilo, disse que uma deputada não merecia ser estuprada porque era “muito feia”. Mesmo com este histórico, ele conseguiu causar escândalo ao divulgar um vídeo escatológico a pretexto de “expor a verdade” sobre o carnaval.

Bolsonaro não precisou sair do palácio para saber que foi malhado por blocos e escolas de samba. Em todo o país, foliões ironizaram trapalhadas do governo e entoaram coros contra o presidente. O laranjal que ronda o Planalto caiu na boca do povo. Nas ruas do Rio, para cada pierrô parecia haver alguém fantasiado de Queiroz.

A tuitada pornográfica foi uma clara tentativa de revide. Já seria uma atitude imprópria, mas ainda assim o presidente passou do ponto. Sua postagem ofendeu milhões de brasileiros que participaram da folia sem praticar as obscenidades do vídeo. Além disso, difamou a maior festa popular do país.

Roberto Dias: A agenda shower de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Feed presidencial pauta a agenda do país da forma que lhe interessa

Quem ainda acha que o clã Bolsonaro vai descer do palanque, fingir que dá qualquer importância ao chamado decoro do cargo ou ter pudores de alguma espécie pode desistir, se ainda não o fez.

Também não é o caso de esperar que alguém vá controlar o que o presidente diz. Até porque descontrolado não está. A estratégia bolsonarista é bem mais racional do que parece, o que só torna as coisas piores.

Com seus posts aparentemente absurdos, engraçadinhos sem ter graça nenhuma, escritos sabe-se lá quando pelo pai, sabe-se lá quando pelo filho zero-dois, o feed presidencial vai pautando a agenda do país da forma que lhe interessa.

O que não lhe interessa, obviamente, é falar sobre a dura caça aos votos necessários para aprovar a reforma da Previdência ou da expectativa cada vez mais baixa para o crescimento da economia neste ano.

Argumentar que o post carnavalesco de Bolsonaro apresenta a milhões de seguidores o que imagina ser a festa (que deve desconhecer) aparece como crítica compreensível, mas também inocente. É exatamente esse ruído que ele procura.

Bruno Boghossian: Pouco a mostrar, muito a esconder

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro insiste em guerra fantasiosa para desviar atenção de mandato ainda sem realizações

O mais recente vexame presidencial é característico de um governo que tem pouco a mostrar e muito a esconder. O vídeo obsceno que Jair Bolsonaro divulgou é uma peça da guerra suja que ele insiste em conclamar para desviar atenções em seus primeiros meses de mandato.

Quando quer agitar a população, o presidente veste a fantasia de babá cultural. Desta vez, reproduziu imagens de conteúdo sexual que mostravam um episódio isolado do Carnaval de rua em São Paulo e tratou a cena como se fosse a regra de "muitos blocos". Bolsonaro mentiu de novo.

A falsa batalha cumpre múltiplas funções: mobiliza um eleitorado que vê poucos avanços concretos até agora; mantém vivo um personagem transgressor, que atropela a liturgia política com maluquices inimagináveis; disfarça a incapacidade administrativa do governo; e ajuda a encobrir seus retrocessos.

Matias Spektor*: Forma de governar

- Folha de S. Paulo

Tuíte de Bolsonaro é resposta a uma crise que não acabou

Não foi o acaso que levou o presidente da República a compartilhar vídeo pornográfico para desqualificar o Carnaval. Antes, o gesto é um ato político da maior importância.

O tuíte veio na esteira de uma semana de péssimas notícias para o governo.

Primeiro, pesquisa encomendada pela CNT revelou uma taxa de aprovação de apenas 38,9%. São dez pontos abaixo de Dilma e muitos pontos abaixo de FHC e Lula, no mesmo período. É uma sangria preocupante para quem, antes da posse, gozava de 65% de expectativa "boa ou ótima" (Datafolha).

Na sequência, foram divulgados os números da economia. O desemprego aumentou e 2019 não promete virote rápido. Além disso, Fabrício Queiroz informou o Ministério Público que o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro operou esquemas ilegais de "rachadinha" e de contratação de cabos eleitorais. As investigações prometem chegar a outros membros da família do presidente.

De quebra, Rodrigo Maia disse faltar ao governo maioria para aprovar a PEC da reforma da Previdência nas comissões parlamentares necessárias, primeira notícia nesses três meses de governo que gerou preocupação entre aqueles que torcem por Bolsonaro em Washington e Nova York.

Janio de Freitas: A escolha ideal

- Folha de S. Paulo

Não há eleitor inocente nos que produziram a vitória nas urnas

O autor da cafajestada tuiteira que escandaliza as classes média e rica tem todo o direito de estar, ele sim, com o mais sincero e legítimo espanto. Tudo o que levou a fazê-lo presidente veio de iniciativas dessas classes. Não por acaso, as mais informadas sobre o tenentinho desordeiro, depois sobre o político estadual defensor da ditadura e das milícias, e logo o deputado federal que enriqueceu as características precedentes com duas demonstrações: a ignorância sem brechas e uma variedade insuperável de atos qualificáveis, desde sempre, como molecagens, cafajestices, falta de decoro e de educação, e daí para pior. Não cabe falar em deselegância, em falta de sensibilidade.

Foram três décadas de exibição, bem exposta ao país pela comunicação em geral, até que esse personagem anômalo se revelasse o ideal, político e de governante, das classes média e rica para o Brasil. O direitismo de Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles foi desprezado como insignificância diante do "mito".

Ricardo Noblat: O chá que Bolsonaro tomou

- Blog do Noblat / Veja

Um presidente que não respeita os governados não se dá ao respeito

Roga-se a quem possa informar sobre o tipo de chá que o presidente Jair Bolsonaro tomou durante o carnaval, se possível o nome do fabricante, e onde o chá pode ser encontrado.

Mais preciosa ainda para quem se preocupa com o futuro seria a informação sobre se ele não tomou chá algum, se tem agido, portanto, unicamente de acordo com o seu pleno juízo.

Depois de escandalizar o país e o mundo com o compartilhamento de um vídeo onde um homem passa o dedo no ânus, e outro urina em sua cabeça, Bolsonaro indagou no Twitter: “O que é ‘Golden shower’?”

Se a pergunta refletisse de fato sua ignorância, ele teria feito melhor se a dirigisse a qualquer um dos seus garotos, ou a um assessor. Ao fazê-la numa rede social, o que ele quis foi causar. E causou.

“Golden shower” é um termo em inglês que, ao pé da letra, significa “chuveiro dourado”. Refere-se a uma prática sexual em que um parceiro ou parceira urina no outro.

Se nunca antes na história deste país um presidente havia se despido da majestade do cargo para abordar publicamente o que se passa debaixo dos lençóis alheios, Bolsonaro o fez.

Em seu socorro saiu a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República que, em nota, negou o que o presidente da República escrevera sobre o vídeo pornográfico.

Ao compartilhá-lo, Bolsonaro escreveu a propósito da cena que ocorreu em cima de um ponto de ônibus em São Paulo: “É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”.

Bloco não desfila em cima de ponto de ônibus. Não se sabe sequer se os dois homens faziam parte de algum bloco. Nada de parecido foi flagrado durante o carnaval em qualquer outra parte do país.

A nota da Secretaria que desmente o que Bolsonaro escreveu informa que o presidente não teve a intenção de criticar “o carnaval de forma genérica, mas sim caracterizar uma distorção do espírito momesco”.

Quando se imaginou que a folia presidencial havia cessado, Bolsonaro decidiu bater boca com o ator José de Abreu que, hoje, mora na Grécia, mas que em breve estrelará uma nova novela na Globo.

Abreu autoproclamou-se presidente do Brasil só para ironizar Juan Guaidó, que fez o mesmo na Venezuela. Em mensagem postada no twitter para anunciar o seu retorno do país, Abreu disparou:

“Seu meteoro chegou. Sou eu, seu fascista”, dirigindo-se a Bolsonaro. Que logo em seguida respondeu: “Estamos processando alguns e este ‘meteoro’ será o próximo”. Abreu deve ter delirado de alegria.

Um presidente que não respeita os governados não se dá ao respeito.

Luiz Carlos Azedo: A chuva dourada

-Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A postagem de um vídeo obsceno postado por Bolsonaro virou chacota na imprensa mundial, porém, mobilizou os partidários do presidente”

Desde “Pelo telefone” (Donga), composta em 1916, no quintal da casa da Tia Ciata, na Praça Onze, a relação do samba e do carnaval com os bons costumes e a ordem instituída foi tensa. A letra original do primeiro samba, “O chefe da folia/ Pelo telefone / Mandou me avisar / Que com alegria / Não se questione / Para se brincar”, foi alterada para a versão mais conhecida hoje em dia, “O Chefe da Polícia / Pelo telefone/ Manda me avisar/ Que na Carioca / Tem uma roleta/ Para se jogar”. Composto por Sinhô e gravada em 1928 pelo seu aluno de violão, Mário Reis, e depois por Aracy Cortes e Noel Rosa, o samba “Jura”, mais recentemente gravado por Zeca Pagodinho, nasceu no teatro de revista, com uma letra que insinua o sexo não-convencional: “Jura. Jura de coração/ Para que um dia/ Eu possa dar-te o meu amor/ Sem mais pensar na ilusão/ Daí então dar-te eu irei/ Um beijo puro na catedral do amor.”

No começo dos anos 1970, uma professora primária escandalizou o país ao exibir os seios num baile do Clube Sírio e Libanês, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Era uma época em que as grandes sociedades, como o Clube dos Democráticos e os Tenentes do Diabo, estavam em absoluta decadência, o desfile de escola de samba ainda era na Avenida Presidente Vargas e os blocos de massa, apenas dois, Cacique de Ramos e Bafo da Onça. Quem quisesse brincar na rua os quatro dias de carnaval no Rio de Janeiro teria de ir à Avenida Rio Branco e correr atrás dos chamados blocos de sujo, que se formavam quase espontaneamente.

A Banda de Ipanema, que desfilara a primeira vez em 1965, inspirando o surgimento de dezenas de bandas pela cidade, fez renascer das cinzas o carnaval de rua. Sua musa inspiradora, a atriz Leila Diniz, com seu biquíni bem-comportado, escandalizara a cidade ao exibir na praia o barrigão da gravidez. Criada por Ferdy Carneiro, Albino Pinheiro, Jaguar, Ziraldo, Sérgio Cabral, o pai, e demais integrantes de O Pasquim, a banda reunia os protagonistas do cinema novo e da bossa nova, era um contraponto satírico a inúmeras proibições à cultura feitas pelo regime militar.

Com o tempo, os bailes nos clubes foram ficando cada vez mais permissivos; os desfiles de escolas de samba mais luxuosos e glamourizados; a folia de rua, mais popular e democrática. O gigantismo da Banda de Ipanema levou ao surgimento de outros blocos na Zona Sul carioca, como o Simpatia é Quase Amor, inspirado num personagem de Aldir Blanc. O carnaval, com sua força transgressora, foi a vanguarda da revolução dos costumes, em curso no mundo ocidental, desde as manifestações de 1968.

Naquela época, tudo acabava a zero hora de Quarta-feira de Cinzas. Apenas dois blocos desfilavam no Rio de Janeiro depois disso: “O que é que eu vou dizer em casa”, que reunia os foliões mais exaltados, que saiam do xadrez da antiga Delegacia de Averiguações, na Avenida Presidente Vargas; e o “Chave de Ouro”, liderado por playboys do Cine Imperator, na Avenida Dias da Cruz, no Meier, subúrbio carioca da Central do Brasil, que promoviam um jogo de gato e rato com os policiais mobilizados para impedir a folia.

Maria Cristina Fernandes: Como se comunica um cidadão de bem

- Valor Econômico

Não é por desvario mas por cálculo que Bolsonaro se move

Depois de uma viagem ao Brasil no início do ano passado, o editor do jornal argentino 'Ámbito Financiero', Marcelo Falak, escreveu que os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no meio militar estavam convencidos de que os dois anos de psicanálise que o ex-capitão havia feito o teriam colocado nos eixos para enfrentar uma campanha presidencial.

A informação, colhida na peregrinação do jornalista por gabinetes de generais da ativa e da reserva, fontes de suas publicações sobre a segurança da Tríplice Fronteira, nunca foi desmentida. Parte da reação negativa ao vídeo obsceno publicado pelo presidente da República em seu Twitter sugere que o serviço do suposto psicanalista restou incompleto.

Outra fatia da reação, no entanto, demonstra que o presidente da República não foi acometido por um surto de desvario ao compartilhar em uma rede social conteúdo que o próprio Twitter, duas horas depois de sua publicação, não apenas considerou sensível, como submeteu ao filtro destinado a conteúdos "pornográficos ou destinados a causar excitação sexual".

O presidente pinçou uma cena de dois supostos homossexuais para simbolizar a degeneração de um carnaval que exibiu as primeiras manifestações de massa contra seu governo. Poderia ter escolhido atos hétero de abundante e explícita oferta no Carnaval. Ao escolher a cena grotesca do bloco Blocu da tarde da segunda-feira no centro de São Paulo, Bolsonaro incitou as plateias mais radicalizadas em sua defesa nas redes sociais, especialmente as religiosas, que têm se mostrado avessas a reformas como a da Previdência.

Nas primeiras 24 horas da publicação do vídeo havia amealhado 66 mil 'curtidas' e 11 mil compartilhamentos. A Bytes, que acompanha suas redes sociais, registrou que o presidente mantém uma média de 9 mil 'curtidas' e 4 mil compartilhamentos em cerca de 500 postagens desde a posse.

Ao esmiuçar a reação positiva ao vídeo do presidente, encontrou interação com grupos evangélicos e de católicos conservadores que se manifestaram contrariamente, por exemplo, ao desfile da Gaviões da Fiel, em São Paulo, quando um integrante da escola, no papel de diabo, derrota um outro, que representava Jesus.

William Waack: Lição americana

- O Estado de S.Paulo

Toda política externa sofre quando profissionais são desprezados e vence a gritaria na internet

Para interessados em diplomacia e política externa, vale a pena ler The Back Channel, as memórias profissionais de William Burns, um dos mais importantes diplomatas americanos dos últimos 30 anos. Ele serviu a cinco presidentes e dez secretários de Estado e acompanhou todos os principais momentos que vão da vitória na Guerra Fria à concepção de mundo de Trump. É uma rica descrição da transição da diplomacia da era pré para a era pós-Twitter.

É uma obra com importantes lições para o debate atual sobre política externa brasileira, desatado pela crise da Venezuela. Burns serviu a republicanos e democratas e sua principal crítica a figuras como George W. Bush ou Barack Obama é basicamente a mesma: a de que o profissionalismo de diplomatas (e suas escolas) cedeu lugar à esfera do Twitter e ficou em segundo plano a ideia de que diplomacia serve sobretudo para comunicar, convergir e manobrar para obter vantagens futuras, especialmente por meio de alianças. Lição para o Brasil.

Burns contribui para provar que um “staff” profissional bem conduzido é capaz de identificar tendências com grande antecedência, como demonstra memorando que ele enviou a Bill Clinton, em 1992, afirmando que a vitória americana na Guerra Fria traria maior fragmentação e o mundo recuaria para nacionalismos e extremismo religioso, ou uma combinação dos dois – é uma boa descrição de parte das crises internacionais atuais. Como governantes se preparam ou reagem a contingências é outra história. Nesse sentido, Burns é duro com Obama, mas a paulada maior é na política da “America First” de Trump. “Uma sopa nojenta de unilateralismo beligerante, mercantilismo e nacionalismo bruto”, caracterizada por “posturas de força e afirmações desvinculadas de fatos”, escreve Burns. Lição para o Brasil.

Zeina Latif*: Batata quente

- O Estado de S.Paulo

Reforma proposta é passo importante para eliminar desigualdade do sistema

Passou o carnaval e o País aguarda os próximos passos do governo. Em meio a um início atrapalhado, a proposta de reforma da Previdência talvez seja dos poucos destaques positivos.

Os próximos meses serão de incertezas quanto ao conteúdo final da reforma. Seria muito importante aprová-la na Câmara ainda no primeiro semestre, enquanto o presidente conta com popularidade elevada. O tempo conspira contra. Uma tramitação lenta eleva o risco de maior encolhimento da matéria. Servem de alerta a modesta aprovação do governo, de 40% segundo pesquisa da XP, e o tímido crescimento do partido do presidente, o PSL, contrariando as expectativas.

Esta que é a principal iniciativa do governo, e que vai mexer com a vida de todos, não foi, porém, tema da campanha eleitoral, dificultando sua aceitação. De quebra, Bolsonaro é inexperiente e se mostra perigosamente sensível a redes sociais. Enquanto isso, assistimos à pressão nada republicana de setores organizados do funcionalismo contra a reforma e à manipulação desonesta do seu conteúdo por grupos da oposição. Em alguma medida, a repetição das dificuldades enfrentadas por Michel Temer.

O risco de uma reforma tímida é, portanto, elevado. Nesse contexto, ganha particular relevância a proposta de retirar do texto constitucional a maioria dos dispositivos que regulamentam o acesso aos benefícios previdenciários. A intenção é estabelecer normas gerais na Constituição e definir detalhes por lei complementar, aproximando o Brasil da experiência mundial.

Vinicius Torres Freire: O circo de aberrações e o dinheiro

- Folha de S. Paulo

Tumultos do governo Bolsonaro não afetam preços no mercado, mas irritação cresce

Os vexames do governo de Jair Bolsonaro causam consternação, raiva ou nojo em parte considerável do eleitorado, mas até agora não há sinais de que abalem as condições financeiras do país, embora o povo do dinheiro pareça mais irritado com o descalabro da imagem do presidente.

Nesta quarta-feira (6), era possível ouvir que as "polêmicas", a "comunicação ruim" e a "falta de foco" do presidente podem empurrar investidores para a "defensiva".

Um exemplo teria sido o dia ruim da reabertura do mercado depois do Carnaval.

A explicação parece furada. O dia foi ruim nas finanças pelo mundo.

O pessoal deve estar chateado mesmo porque o investidor estrangeiro não voltou a comprar ações brasileiras, ao contrário, o que ajuda a emperrar a Bovespa. Ainda assim, há apreensão política.

Os fluxos financeiros para o Brasil e o investimento estrangeiro direto no país vão bem.

As taxas de juros de curto e longo prazo continuam em níveis menores ou parecidos com os de janeiro. O dólar se desgarrou um tanto, é verdade. Neste dia de Cinzas, chegou ao maior nível desde o Réveillon, mas essas andanças são difíceis de explicar no curto prazo e dependem muito de humores externos.

Além da política e da finança internacional, o que pode balançar o coreto é a confirmação de que a economia brasileira desacelera e, em caso positivo, se o Banco Central vai tomar alguma atitude a respeito, assunto da semana que vem.

No mais, é a política. O governo sempre pode criar um tumulto no intervalo entre dois tuítes, mas o "primeiro jogo de campeonato", como diz um investidor, será na semana que vem, quando o Congresso volta a trabalhar. Seria então possível verificar o efeito prático do circo de aberrações de Bolsonaro.

O teste do governo seria demonstrar que começou a montar uma estrutura parecida com a de qualquer início de mandato: controle de comissões e relatorias com gente capaz, líderes partidários mostrando boa vontade de fazer parte de uma coalizão. O arroz com feijão do Congresso.

Ribamar Oliveira: "Melhorar a gestão e pôr fim à roubalheira"

- Valor Econômico

Manaus Previdência terá diretores com mandatos fixos

Em janeiro de 2013, o regime próprio de previdência social dos servidores de Manaus estava insolvente, tinha um déficit atuarial de R$ 3 bilhões, 51,75% dos seus recursos estavam aplicados em 17 fundos problemáticos, compostos pelos chamados "ativos podres", e corria o risco de não ter renovado o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP). O CRP permite ao município receber transferências voluntárias da União, além de empréstimos de instituições financeiras federais e avais do Tesouro.

Em janeiro deste ano, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB), encaminhou um projeto de lei à Câmara Municipal propondo autonomia administrativa aos diretores do Manaus Previdência, que terão mandatos não coincidentes com o do prefeito. Com isso, Virgílio espera impedir que a gestão do órgão e seus recursos possam sofrer influência política, colocando em risco o pagamento dos benefícios dos servidores do município. Será o primeiro RPPS de município brasileiro a ter diretores com mandatos fixos.

Para chegar a esta nova realidade, Virgílio adotou uma série de medidas para sanear a previdência municipal. "Melhoramos a gestão das contas e colocamos um fim na roubalheira", disse o prefeito, em conversa com o Valor. Mudar a forma de aplicação dos recursos foi a primeira batalha do prefeito. "Os fundos podres eram majoritários", lembrou.

Em 2013, a carteira de investimentos do regime previdenciário era de R$ 465 milhões, sendo que R$ 240,9 milhões estavam aplicados em fundos problemáticos. Hoje, a carteira de investimentos do órgão é de R$ 1,03 bilhão, em que apenas 8% são considerados problemáticos.

O prefeito criou a Manaus Previdência, em substituição ao Manausprev, e fez aquilo que os economistas chamam de "segregação de massas": separou os servidores em dois grupos. Um grupo formado por todos os servidores ativos, aposentados e pensionistas que estavam no regime próprio até o dia 31 de dezembro de 2009. Outro pelos servidores que ingressaram no regime a partir de 1º de janeiro de 2010.

Divulgação de vídeo obsceno gera críticas a Bolsonaro

Após polêmica, presidente diz que ato era ‘crime’, mas defende carnaval

A decisão de Jair Bolsonaro de compartilhar um vídeo de um ato obsceno entre dois homens num bloco gerou críticas de adversários e apoiadores e repercutiu até no exterior. Em nota, o governo disse que o presidente ficou escandalizado com a cena, mas não quis criticar o carnaval.

POSTAGEM OBSCENA

Bolsonaro divulga vídeo com prática sexual em bloco e provoca reações no Congresso

Bruno Góes, Daniel Gullino e Karla Gamba / O Globo

BRASÍLIA - Após postar um vídeo com cenas pornográficas no seu perfil em uma rede social, na noite de terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro tornou-se alvo de uma série de críticas, no Brasil e no exterior. A postagem em que dois homens realizam um ato obsceno, durante um bloco de carnaval em São Paulo, recebeu cerca de 2 milhões de visualizações. O Palácio do Planaltos e viu obrigado ase pronunciar sobre a polêmica.

Na postagem, Bolsonaro afirmou que não se sentia confortável “em mostrar, mas te mosque expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conslusões (sic)”, escreveu o presidente, que foi alvo de críticas em vários blocos pelo Brasil”.

O presidente ampliou a polêmica ao publicar, na sequência, uma pergunta em que buscava saber o que significava “golden shower”, o nome, em inglês, para o ato, filmado no bloco de carnaval em São Paulo, em que um parceiro urina sobre o outro.

Depois da ampla repercussão, o Planalto disse que a intenção do presidente não era criticar o carnaval “de forma genérica”, “mas sim caracterizar uma distorção clara do espírito momesco, que simboliza a descontração, a ironia, acrítica saudável e a criatividade da nossa maior e mais democrática festa popular”. E completa, afirmando que as cenas reproduzidas por Bolsonaro violentam “os valores familiares e as tradições culturais do carnaval”.

A oposição reagiu. Deputados anunciaram a intenção de levar o caso à Procuradoria-Geral da República (PGR), para que seja apurada a suposta violação da lei que trata de divulgação de pornografia sem consentimento dos envolvidos. O líder do partido na Câmara, Paulo Pimenta (RS), chegou a sugerir o encerramento da conta do presidente no Twitter. Já o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que a atitude não é “condizente” com o cargo de presidente e que falta “decoro”.

Outros políticos de diferentes partidos, como DEM e PPS, também condenaram a postura de Bolsonaro. “Há muitas boas razões para criticar o carnaval, não faltam problemas que poderiam ser evidenciados e evitados. Isso não justifica mostrar uma obscenidade para milhões de famílias (...) Isso não é postura de conservador”, escreveu o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).

A gestão das redes sociais do presidente tornou-se motivos de discórdia na cúpula do governo. Atualmente, o filho, vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), controla as redes do pai.
Correligionários do presidente no PSL e um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (SP), saíram em defesa de suas publicações. “O cara toma banho de mijo em público, mostra o ânus de cima de um local alto para todos verem, mas o problema é o JB (Bolsonaro) (...) A esquerda é doente”, escreveu Eduardo em uma rede social.

Líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP) também apoiou o presidente e criticou a esquerda que “apoia a exposição de adultos pelados”. Líder do PSL, Delegado Waldir (GO) disse que há “hipocrisia” entre os críticos.

O vice-presidente Hamilton Mourão preferiu fazer apenas um rápido comentário: “Morre amanhã. Está morto amanhã. Tudo passa”.

O carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, também mencionou o episódio, ao comemorar a vitória da escola.

—É um recado político para o presidente. Isso daqui é a festa do povo, não o que ele acha que é —disse Viera.

Oposição e aliado criticam Bolsonaro após publicações obscenas em rede social

Petistas dizem que vão processar presidente; militares veem ação do filho Carlos no episódio

Daniel Carvalho, Angela Boldrini, Igor Gielow / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Integrantes da oposição e aliados deJair Bolsonaro (PSL) reagiram nesta quarta-feira (6) às publicações obscenas recentes feitas pelo presidente da República em uma rede social. Já militares da ala que integra o governo e outros do serviço ativo viram em geral com reserva a publicação do post.

Na terça-feira (5), Bolsonaro compartilhou em sua conta oficial do Twitter um vídeo de uma cena que causou polêmica no Carnaval paulistano na qual um homem aparece dançando após introduzir o dedo no próprio ânus e um outro rapaz surge urinando na cabeça do que dançava.

Em sua publicação, Bolsonaro diz que não se sente "confortável em mostrar", mas argumenta que tem "que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conslusões [conclusões]".

Já na manhã desta quarta-feira, o presidente publicou uma pergunta: "O que é golden shower?" Golden shower é o nome popular (em inglês) para o fetiche de urinar na frente de um parceiro ou sobre ele.

Opositores de Bolsonaro defenderam a necessidade de "intervenção psíquica" e disseram que vão representar criminalmente por "crime de divulgação, sem o consentimento da vítima, de cena de sexo, nudez ou pornografia".

Aliado de Bolsonaro, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) afirmou que a publicação é "incompatível com a postura de um presidente, ainda mais de direita", e a classificou como "bola fora".

"Há muitas boas razões para criticar o Carnaval, não faltam problemas que poderiam ser evidenciados e evitados. Isso não justifica mostrar uma obscenidade para milhões de famílias por meio de uma rede social sob o pretexto de criticar a festa. Isso não é postura de conservador", escreveu o parlamentar.

Líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP) disse acreditar que a intenção de Bolsonaro era chamar a atenção "para essas coisas sem limites". "Acho que tem mais praticante do que pessoas que conhecem a terminologia", afirmou, aos risos, o senador sobre o fetiche de urinar na frente de um parceiro ou sobre ele.

"O objetivo dele foi dizer que parcela da população perdeu seus limites morais, de cidadania. Vai muito no estilo Jair Bolsonaro de comunicação. Ele simplesmente vem mantendo o estilo de comunicação direta", afirmou Major Olímpio, para quem não houve quebra de decoro e as publicações não são uma cortina de fumaça para as críticas de que Bolsonaro foi alvo durante o Carnaval em diferentes cidades.

Assessor especial internacional do Palácio do Planalto, Filipe Garcia Martins evocou o ex-presidente americano Theodore Roosevelt para argumentar que Bolsonaro recorreu ao “bully pulpit” (púlpito intimidador, em tradução livre) para postar o vídeo nas redes. O termo se refere a um palanque de destaque para se manifestar e ser ouvido, no caso a rede social em que o presidente tem 3,47 milhões de seguidores.

"Theodore Roosevelt dizia que a Presidência da República é um 'bully pulpit', uma posição pública que permite falar com clareza e com força sobre qualquer problema. Foi o que o presidente @jairbolsonaro fez ao expor o estado de degeneração que tomou nossas ruas nos últimos dias", escreveu Martins.

"Se uma mulher se ajoelhasse para um homem heterossexual e este fizesse xixi na cabeça dela, as feminazis diriam que se trata de subjugar a mulher. Sendo um gay, pode?? Pois é, o problema não está no delito, mas Presidente ter compartilhado... Sei....", escreveu a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) em sua conta no Twitter.

OPINIÃO DOS MILITARES
Já militares da ala que integra o governo e outros do serviço ativo viram em geral com reserva a publicação do post. Segundo três deles, ouvidos pela Folha, o tom alarmista da postagem e o baixo nível das imagens causou uma associação incorreta entre o episódio filmado e o Carnaval como um tudo.

Para especialistas, post de vídeo publicado por Bolsonaro representa quebra de decoro e da liturgia da Presidência

Estudiosos das áreas da comunicação e da ética reprovaram postura adotada pelo presidente; imagens obscenas foram vistas por 2 milhões de usuários

João Paulo Saconi / O Globo

RIO - Especialistas ouvidos pelo GLOBO nesta quarta-feira classificaram como inadequadas as publicações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro em relação a atos obscenos no carnaval de rua. Bolsonaro compartilhou na noite de terça-feira um vídeo em que dois foliões do Blocu, em São Paulo, praticavam o fetiche chamado de "golden shower" (chuva dourada, que envolve o ato de urinar no parceiro ou na parceira) ao ar livre — no dia seguinte, ele perguntou a internautas do que se tratava a expressão em inglês . Junto às imagens, o presidente fez ponderações sobre as manifestações carnavalescas e disse que era preciso "expor a verdade" sobre o que têm "virado muitos blocos de rua".

Segundo o jurista Miguel Reale Júnior, a publicação do post configura quebra do decoro e poderia até mesmo justificar um pedido de processo de impeachment do presidente. Em 2015, Reale foi um dos autores do pedido que levou à saída de Dilma Rousseff (PT) do cargo.

Para Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a postura do presidente revela uma falta de conhecimento dele sobre o cargo para o qual foi eleito em outubro do ano passado. O filósofo compara as postagens de Bolsonaro a declarações dos ex-presidentes Fernando Collor de Mello (que em 1991 disse que tinha nascido com "aquilo roxo") e Luiz Inácio Lula da Silva (em 2000, quando chamou a cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, de "exportadora de veados").

— Bolsonaro cometeu um atentado ao decoro público, ao decoro do cargo e da República brasileira. Foi um dos atentados mais violentos que um chefe de Estado já fez à moralidade pública. É ainda pior, para além das imagens, ele ter afirmado que esse comportamento é comum nas festas de carnaval do país. Ele atribuiu o comportamento de duas pessoas a milhões e milhões delas. Com que direito ele faz isso? — questiona Romano.

O especialista disse ainda que o presidente repetiu o comportamento do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, que em entrevista à revista "Veja" classificou turistas brasileiros no exterior como "canibais" que roubam objetos de hotéis e aviões.

— Um chefe de Estado não pode caluniar o próprio povo. A suposição de que todos o Brasil vive à beira de uma eclosão obscena não pode ser provada. Bolsonaro precisa ter cuidado com as próximas publicações, ou vai conseguir conquistar a antipatia da população — projetou Romano.

Liturgia do cargo
Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em marketing político, Gaudêncio Torquato chamou a publicação de "lamentável" e disse acreditar que Bolsonaro até poderia tecer críticas ao carnaval, mas sem compartilhar as imagens. A publicação do conteúdo teria representado uma quebra da liturgia presidencial.

— O presidente tem que cumprir uma liturgia do poder. O cargo exige comportamentos e atitudes que contemplam a cena escatológica e pornográfica. Se ele tinha a intenção de mostrar que o carnaval tem práticas como essa, não poderia recorrer a esse fato dantesco — disse Torquato.

Post polêmico de Bolsonaro tem destaque na imprensa internacional

O jornal britânico 'Independent' destacou o questionamento do presidente sobre o significado de 'golden shower'

- O Globo

RIO — O polêmico post do presidente Jair Bolsonaro , que publicou em seu perfil no Twitter na terça-feira um vídeo com cenas obscenas , gravado durante o carnaval, está repercutindo na imprensa internacional. A publicação foi feita com o intuito de "expor a verdade para a população" sobre o que estaria se tornando a folia no país.

O jornal americano "The New York Times", logo na abertura da matéria, diz sobre o texto: "Faremos todos os esforços para mantê-lo digno".

"O artigo que você está prestes a ler é sobre um vídeo com conteúdo sexual, o presidente da quarta maior democracia do mundo e as guerras culturais que agitam o Brasil", afirma.

O jornal britânico "Mirror" enfatizou que o vídeo é impróprio para menores de idade e "muito obsceno", enquanto o "Independent" destacou a pergunta que Bolsonaro postou nesta quarta-feira, sobre o significado de " golden shower ". A expressão faz referência à prática sexual que aparece nas imagens e está entre os assuntos mais comentados do Twitter nesta quarta-feira.

O também britânico "The Guardian" disse que o presidente foi "ridicularizado" após a publicação. Segundo o jornal, Bolsonaro "provocou indignação, nojo e ridicularização depois de twitar um vídeo pornográfico em uma aparente tentativa de revidar as críticas ao seu governo durante o carnaval deste ano".

Outro portal de notícias a abordar o assunto foi o americano "Insider". No título, o site afirmou que "o presidente do Brasil declarou guerra ao carnaval". O "Insider" também falou sobre manifestações de foliões contra o governo realizadas em blocos no período de festa nacional.
A agência de notícias "Reuters" informou que "Bolsonaro provocou choque e indignação" com o tweet. O veículo ressaltou também que o presidente causou ainda mais polêmica ao publicar hoje pela manhã a pergunta "O que é golden shower?", que é justamente a prática sexual que o vídeo mostra.

Tuíte de Bolsonaro gera críticas até de apoiadores

Presidente foi alertado por auxiliares próximos sobre repercussão negativa de polêmico vídeo de carnaval; Planalto precisou divulgar uma nota para atenuar episódio

Tânia Monteiro, Naira Trindade, Julia Lindner, Tulio Kruse, Matheus Lara, Paulo Beraldo, Fabio Leite / O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro ouviu nesta quarta-feira, 6, de auxiliares próximos a avaliação de que a postagem em sua conta no Twitter de um vídeo no qual dois homens aparecem em atos obscenos no carnaval foi considerada “inapropriada” e “chocante”. A repercussão causou desconforto no núcleo central do governo. A polêmica publicação do presidente gerou críticas entre seus opositores e mesmo entre os apoiadores nas redes sociais. O Palácio do Planalto precisou divulgar uma nota no início da noite para explicar a atitude de Bolsonaro.

Uma pesquisa de monitoramento diário das mídias sociais encomendada pela Secretaria de Comunicação (Secom) e apresentada a Bolsonaro indicou que, no início da tarde, 69% das mensagens sobre o episódio eram negativas. Na avaliação de ministros e auxiliares ouvidos pelo Estado, as imagens provocaram uma reação “virulenta” especialmente do “público interno”, como são classificados os seguidores do presidente nas redes sociais. Diversas publicações estrangeiras repercutiram o tuíte do presidente.

Em pouco mais de dois meses de governo, Bolsonaro tem utilizado o Twitter como principal meio de comunicação com a população. Na plataforma, porém, o presidente fez poucas menções a assuntos classificados como prioridade de sua gestão. A reforma da Previdência foi tema de apenas cinco mensagens desde o início do ano, – o equivalente a menos de 1% das postagens na rede social.

A maior parcela de comentários são textos com teor ideológico em que o presidente critica o globalismo, a suposta partidarização da educação e ações dos governos petistas e da esquerda. O pacote anticrime foi tratado em duas mensagens, e a reforma tributária, em apenas uma.

Durante o carnaval, Bolsonaro fez 29 postagens no Twitter. Nesta terça-feira, 5, ele publicou o vídeo polêmico – dois foliões de um bloco em São Paulo praticam o fetiche chamado “golden shower” (“chuva dourada”, que envolve o ato de urinar no parceiro ou na parceira).

Postagem obscena de Bolsonaro desagrada militares no Planalto

Por Carla Araújo e Fabio Murakawa | Valor Econômico

BRASÍLIA - "Desnecessário" e de "baixo nível" foram algumas das classificações feitas pela ala militar que compõe o governo sobre o fato de o presidente Jair Bolsonaro ter compartilhado na terça-feira um vídeo em que um homem urina sobre o outro aparentemente no Carnaval para criticar o que, segundo ele, "tem virado muitos blocos de rua no Carnaval brasileiro".

A polêmica postagem ocorre após o presidente ser alvo de protestos, xingamentos e ironias em diversos blocos carnavalescos. Isso levou veículos no Brasil e no exterior, como o "Guardian" e o "New York Times" a questionar se Bolsonaro estava retaliando.

"Ele sabe que não deveria ter feito e reconheceu que fez por impulso", afirmou um militar de alta patente que despacha no Palácio do Planalto, ponderando que a "cena horrorosa" do vídeo deixou o presidente muito indignado. A caserna, assim como fez no episódio que culminou com a demissão do ex-ministro Gustavo Bebianno, preferiu evitar declarações públicas sobre o ocorrido na tentativa de não alimentar a polêmica.

No início da noite, em nota oficial, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República tentou esclarecer a publicação. "No vídeo, postado pelo sr. Presidente da República em sua conta pessoal de uma rede social, há cenas que escandalizaram, não só o próprio Presidente, bem como grande parte da sociedade. É um crime, tipificado na legislação brasileira, que violenta os valores familiares e as tradições culturais do carnaval", diz o texto.

"Não houve intenção de criticar o Carnaval de forma genérica, mas sim caracterizar uma distorção clara do espírito momesco, que simboliza a descontração, a ironia, a crítica saudável e a criatividade da nossa maior e mais democrática festa popular", completa a nota do Planalto.

Alguns auxiliares do presidente disseram que caberá novamente ao grupo militar atuar como poder "moderador" para apagar o incêndio e também para traçar uma estratégia melhor de comunicação para "enquadrar o presidente".

Governe, presidente: Editorial / Folha de S. Paulo

À medida que surgem vetores de desgaste, Bolsonaro tenta escapar para a retórica polarizante da campanha

A esta altura, até mesmo os mais fanáticos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL) perceberam o tamanho e a dificuldade da travessia à frente da administração.

A reforma da Previdência, na hipótese de ser aprovada, dificilmente se resolverá no primeiro semestre. O volume de recursos poupado pela mudança e o objetivo de diminuir as disparidades no acesso ao benefício correm risco palpável de ser substancialmente feridos.

A atividade econômica, que em tese reagiria ao incremento das expectativas com o novo governo, não dá mostras de se animar. Pelo contrário, as estimativas profissionais recuam e anteveem mais um ano de semiestagnação da renda per capita e elevado desemprego.

O governo infante, ademais, demonstra dificuldades precoces no modo de lidar com um Congresso Nacional que bateu na eleição o recorde de fragmentação partidária. Ministros que agradam ao círculo ideológico, como o da Educação e o das Relações Exteriores, exibem estrepitosa inapetência técnica.

Malogram tentativas de justificar transações financeiras atípicas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, que incluem um aporte à primeira-dama.

Ciclo de expansão da economia global está perto do fim: Editorial / Valor Econômico

Os motores da economia mundial estão perdendo força e os riscos de uma desaceleração forte aumentaram. Depois de o Federal Reserve decidir interromper seu ciclo de alta dos juros, hoje deve ser a vez do Banco Central Europeu abandonar qualquer perspectiva de aperto de liquidez e, ao contrário, sinalizar que novas rodadas de injeção monetária podem ser necessárias. A zona do euro está mais perto da recessão, mesmo com juros negativos há meia década.

Os últimos números sobre a indústria e serviços mostram um enfraquecimento geral das atividades nos principais países do mundo. Os Estados Unidos estão descendo do pico de crescimento, de 4,2%. O PIB encerrou o ano com avanço de 2,6% (sujeito a revisões) e caminha para 2%, sua tendência de longo prazo, em 2020. Esse declínio gradual, e ainda distante de recessão, pode ser acelerado pelo aumento dos riscos globais. Donald Trump não encerrou ainda sua guerra comercial com a China, nem sua escalada protecionista, cujos primeiros resultados foram ruins. O EUA tiveram em 2018 o pior déficit comercial em uma década, de US$ 621 bilhões. O esfriamento europeu e das economias asiáticas dão um viés de baixa às projeções de crescimento do país.

No Congresso Nacional do Povo, a China confirmou que segue em trajetória lenta, segura e gradual rumo ao desaquecimento. O primeiro ministro Li Keqiang, disse ontem que a economia vive momentos difíceis e traçou a meta de crescimento para algo entre 6% e 6,5%, abaixo dos 6,5% de 2018. Estimativas de analistas privados indicam que a China já está crescendo abaixo disso. Novos impulsos fiscais e monetários têm sido aplicados para obter o que os dirigentes do PC chinês querem.

O debate sobre o pacote anticrime: Editorial / O Estado de S. Paulo

Na estratégia do governo do presidente Jair Bolsonaro para aprovar no Legislativo o pacote anticrime formulado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, um dos pontos mais importantes é a aproximação da cúpula do Poder Executivo com a cúpula do Poder Judiciário para ouvir críticas, receber sugestões e eliminar eventuais divergências.

O primeiro passo nesse sentido foi dado há cerca de duas semanas, quando um projeto elaborado no ano passado pelo ministro Alexandre de Moraes, com apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi enviado ao ministro Sergio Moro para que o avaliasse.

Esse projeto prevê mudanças na legislação penal e processual penal para fortalecer o combate à criminalidade e tornar a Justiça mais rápida. Algumas dessas mudanças, especialmente as relativas à audiência de custódia, que determina a apresentação de um suspeito perante um juiz até 24 horas depois da prisão, colidem com pontos do pacote anticrime do ministro Sergio Moro.

O projeto do ministro Alexandre de Moraes reforça o poder dos juízes de manter ou não a prisão do suspeito e tem o endosso de seus colegas do Supremo, para os quais a audiência de custódia reforça as garantias individuais. Já o ministro Sergio Moro e sua equipe criticam a medida, considerando-a uma brecha para a libertação de criminosos.

A resistência ao fim do imposto sindical: Editorial / O Globo

Governo edita MP para que se cumpra à risca a reforma trabalhista aprovada em 2017

A importância da reforma trabalhista aprovada pelo Congresso em 2017, no governo Temer, é diretamente proporcional à resistência que corporações sindicais têm a ela. A linha das mudanças obedeceu a críticas constantes, e justificadas, à rigidez da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma herança do Estado Novo getulista, contaminada pelo fascismo do ditador italiano Benito Mussolini, de quem Getúlio era admirador.

Daí as regras do relacionamento entre capital e trabalho terem ficado contaminadas pelo estatismo, logo, por uma espessa burocracia autárquica. Os sindicatos de trabalhadores e patronais se multiplicaram, como braços do Estado, e sob a sua proteção desenvolveram-se fortes corporações.

Na sexta-feira pré-carnavalesca, o governo Bolsonaro publicou em edição extra do “Diário Oficial” a Medida Provisória 873, para reforçar que a contribuição sindical deixou de ser imposto — compulsório, portanto — e passou a ser recolhida apenas com a prévia, voluntária, individual e expressa autorização do trabalhador. Afinal, é o que foi estabelecido pela reforma de 2017.

Mas como a mudança contraria grupos que se encastelaram em sindicatos para se beneficiar do dinheiro fácil daquele imposto, há dificuldades na aplicação das novas regras. Tenta-se, com a ajuda de parte da Justiça trabalhista e do Ministério Público do setor, tornar esta uma lei que “não pegará”. Mesmo que, na sua essência, o fim do imposto sindical —antiga reivindicação, depois esquecida, do metalúrgico Lula na década de 70 — estimule a aproximação das entidades de suas bases, o que aumenta sua legitimidade. O trabalhador sindicalizado só colaborará se for bem representado pelo sindicato.

Mangueira é campeã do Carnaval do Rio 2019

Carlos Drummond de Andrade: A Bruxa

A Emil Farhat

Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.

Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida a meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse nesse minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e calma.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me,
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.