Para ex-presidente, ao se opor a Bolsonaro no enfrentamento do novo coronavírus, governador de SP ganha visibilidade
Pedro Venceslau | O Estado de S.Paulo
Cumprindo o isolamento social em seu apartamento em Higienópolis, região central da capital paulista, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem dividido o tempo entre o trabalho em novo livro sobre sua trajetória intelectual, releituras de Machado de Assis e reuniões e debates virtuais do seu instituto. Eventualmente, faz rápidas caminhadas pelo bairro, sempre de máscara. O cardápio de filmes e séries fica por conta de sua mulher, Patrícia. Mas FHC confessa que não é muito fã de “maratonar” em plataformas de streaming.
Nesta entrevista ao Estado, FHC fez um uma análise do cenário político em tempos de covid-19 e disse que o presidencialismo de coalizão deu lugar a um sistema precário de governo compartilhado entre Câmara, Senado e Supremo Tribunal Federal. Na avaliação dele, o governador João Doria (PSDB) ganhou espaço durante a crise, enquanto o apresentador e possível presidenciável Luciano Huck, de quem é amigo, ficou politicamente menor.
• Alguns especialistas falam em ampliar o isolamento para combater a covid-19, enquanto empresários e a Fiesp defendem a abertura lenta e gradual da atividade econômica. O sr. acha que é o caso de abrir ou fechar mais?
Não sou médico, mas devemos ouvir os especialistas. O único remédio nesse momento é ficar em casa. Não há vacina nem medicamento específico. Qual a objeção de ficar em casa? É dizer que estão olhando mais para o sistema hospitalar, enquanto precisamos da economia funcionando. Vi uma entrevista de um general dizendo que há municípios onde não entrou a epidemia. Tudo bem, mas quem decide isso? Tem que ser uma coisa feita pelo governador e o município. Em tese eu sou mais favorável a manter por mais tempo o regime de ficar em casa.
• O sr. concorda com a medida provisória que permite redução salarial durante a pandemia?
Essa MP foi precipitada. Vai chegar um momento que talvez seja necessário, mas por que começar a apertar quem mais precisa? Quem está empregado quer manter a renda. Vai se mexer nisso? Me parece provocação. Não acho adequado.
• Por que não há um movimento articulado ‘Fora, Bolsonaro’?
A oposição não sabe bem o que fazer. Pedir o impeachment agora com base em quê? O impeachment ocorre quando o governo perde maioria no Congresso e não passa mais nada. Quando perde a capacidade de governar. Segundo, quando há gente na rua e a situação econômica está ruim. Nesse momento, o governo não tem maioria sólida, nem nunca teve porque sempre desprezou a maioria no Congresso, mas continua governando. Não tem gente na rua. Está todo mundo em casa, com medo. O momento é de coesão, de apelar para unidade. E esse é o erro do governo. O impeachment é traumático, deixa marcas. Não vejo que se aplique ao caso atual. Se o presidente começar a errar muito, ele mesmo vai provocar seu autoimpedimento. Tirar o ministro da Saúde foi uma coisa insensata. Um erro grave. Isso vai acumulando e mostrando pouca capacidade de liderança.
• Como o sr. avalia a atuação da oposição neste momento?
Não há oposição organizada. Estamos passando por uma situação curiosa politicamente no Brasil. Tínhamos um sistema baseado em coalizão, que não foi planejado pela Constituinte, mas foi acontecendo. É a coligação de vários partidos para poder governar. O presidente atual despreza os partidos, mas está acontecendo uma coisa curiosa, uma espécie de governo compartilhado. A Câmara e o Senado estão atuando mais efetivamente. O STF também. Não se sabe muito bem o que vai acontecer de tudo isso, mas há outro sistema em funcionamento que não é mais o de coalizão.