segunda-feira, 21 de março de 2016

Opinião do dia – Miriam Leitão

É preciso renunciar à própria inteligência para acreditar que a presidente Dilma de nada soubesse, jamais tenha desconfiado do que se tramava para elegê-la e mantê-la no poder. Essa abstração da realidade já foi feita em relação a Lula no mensalão. E nos fez mal. O chefe passou a ser José Dirceu, que pode sim reivindicar o papel de chefe adjunto, mas não o do fim da cadeia de comando. Na hipótese irreal de que nem rumores tenham chegado aos ouvidos de Dilma, então ela deveria deixar o cargo, espontaneamente, por inépcia. É perigoso ter alguém tão alheio aos fatos no comando do país.

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Miriam Leitão é jornalista, ‘O inimigo de todos’, O Globo, 20/03/2016

Defesa de Lula pede ao STF que pare Moro

• Advogados querem frear iniciativas do juiz sobre ex-presidente até decisão do Supremo

Advocacia Geral da União solicita que a ação saia das mãos de Gilmar Mendes e fique com Teori Zavascki

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governo apelaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tirar das mãos do ministro Gilmar Mendes todas as decisões judiciais que envolvam o petista. E querem barrar qualquer decisão do juiz Sérgio Moro sobre Lula até que o plenário do Supremo se manifeste sobre o caso. Eles querem que o relator da Lava- Jato no STF, Teori Zavascki, assuma o caso Lula, que teme a possibilidade de ter sua prisão decretada em primeira instância.

Recurso para bloquear Moro e Gilmar

• Em uma tentativa de livrar Lula da prisão, sua defesa e AGU querem que Teori assuma caso no STF e que Lava- Jato espere decisão do plenário

Renato Onofre, Mariana Sanches e Catarina Alencastro - O Globo

- CURITIBA, SÃO PAULO E BRASÍLIA- A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governo apelaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tirar das mãos do ministro Gilmar Mendes todas as decisões judiciais que envolvam o petista e para barrar qualquer decisão do juiz Sérgio Moro no processo, até que o plenário do Supremo se manifeste sobre o caso. Nos pedidos, os advogados de Lula e a Advocacia- Geral da União ( AGU) sugerem que o relator da Lava- Jato no STF, Teori Zavascki, assuma o caso do ex- presidente. A petição de Lula argumenta que cabe a Teori, e não a Gilmar, a prerrogativa de examinar processos relacionados à Lava- Jato.

Eles interpretam como interferência de Gilmar, crítico contumaz do PT e do governo, em um assunto que cabe a Teori, a decisão tomada na noite de sexta- feira suspendendo a posse de Lula como ministro da Casa Civil e devolvendo para a 13 ª Vara Federal ( a do juiz Sérgio Moro) o poder de decidir sobre o ex- presidente. Ao mesmo tempo, o advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, pediu que Teori suspenda todas as decisões judiciais que impedem a posse do petista como ministro. Esta é a segunda vez que o governo recorre ao STF.

Os advogados do ex-presidente Lula entraram ontem com um habeas corpus no Supremo. Eles pedem que nenhuma medida seja tomada na ação que envolve Lula, até que o ministro Teori Zavascki volte a avaliar o status do ex-presidente. Na prática, a defesa quer que o juiz Sérgio Moro fique impedido de dar decisões, expedir pedidos de prisão ou autorizar qualquer outra ação nas investigações que envolvem o ex- presidente. Além dos defensores de Lula, assinam o documento seis juristas. Entre eles, Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato.

Os defensores do petista afirmam ainda que “ao contrário do que vem sendo falsamente divulgado na imprensa, a nomeação de Lula para a Casa Civil não interrompe as investigações, mas as transfere para o núcleo da Lava- Jato em Brasília. Também é falso dizer, como faz a imprensa, que Lula estaria, com isso, ‘ fugindo’ de investigações. Isto é, uma ofensa a Lula e ao próprio STF”.

A defesa voltou ainda a questionar a divulgação das escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal e que tiveram Lula como alvo. Os advogados pediram que nenhuma outra interceptação seja divulgada. Nos áudios, Lula questiona a competência do Congresso e do STF para resolver as questões do país, chama de “ingrato” o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e demonstra medo da Operação Lava- Jato, a qual classifica de “república de Curitiba”. As conversas de Lula geraram um mal- estar generalizado na cúpula do poder em Brasília.

Além disso, a equipe jurídica de Lula estuda adotar uma outra investida: apresentar no STF uma ação de suspeição de Gilmar Mendes. No habeas corpus de ontem, a questão da antecipação do julgamento do ministro já é atacada, mas a defesa cogita um ato mais incisivo cobrando posição do Supremo. Para a defesa, Gilmar deveria ser declarado impedido de julgar sobre Lula.

À espera do Supremo
Neste caso, os advogados sustentariam que o ministro teria feito um prejulgamento sobre sua decisão contra Lula, ao se manifestar na véspera, no plenário do STF, a respeito do ex- presidente; que a advogada que assina a petição do PPS contra a posse de Lula, deferida por Gilmar, Marilda Silveira, é membro do Instituto Brasiliense de Direito Público ( IDP), coordenado pelo ministro do Supremo; e o fato de Gilmar ter almoçado com a cúpula do PSDB, outro partido que pedia a suspensão da posse de Lula como ministro, dois dias antes de ter decidido a favor da ação da sigla.

A reclamação com relação à decisão de Gilmar tem como pano de fundo um temor, entre auxiliares da presidente Dilma Rousseff, de que o juiz Sérgio Moro aproveite a brecha até a decisão final sobre a situação de Lula para mandar prendê-lo.

Com a possibilidade de reassumir hoje as investigações contra o ex-presidente, o juiz Sérgio Moro decide se mantém os oito inquéritos numa espécie de banho-maria, ao menos até se resolver definitivamente o imbróglio a respeito da nomeação de Lula como ministro da Casa Civil, ou se permite que as investigações avancem. Há forte preocupação entre os integrantes da Lava Jato com as investigações envolvendo o ex-presidente. Parte deles considera que se Moro der seguimento ao processo antes de uma decisão do STF, obrigatoriamente terá que haver uma deliberação entre os investigadores sobre um pedido de prisão de Lula.

— Há fortes indícios de que o ex-presidente tentou atrapalhar as investigações. Se voltarmos a ter o caso, vamos ter que avaliar isso ( um pedido de prisão), com certeza — afirmou um delegado ao GLOBO.

Por isso, outros investigadores defendem a posição de Sérgio Moro de deixar o processo em banho-maria.
— Acredito que não teremos nada de novo até que o pleno do STF se manifeste. A situação tem que estar um pouco mais estável para avançarmos com segurança — disse o investigador.

Há, porém, uma certeza entre os investigadores: na retomada das investigações todos os processos devem voltar a ficar em sigilo.

— A publicidade dos autos atrapalhou alguns dos nossos futuros atos. Teremos que rever alguns passos — pondera o investigador.

A indefinição sobre o status de ministro de Lula gerou o cancelamento de toda a programação feita para esta semana no Palácio do Planalto. Até às 18h de sexta-feira, estava tudo pronto para o ex-presidente começar a despachar hoje do quarto andar do Planalto. Já a intensa movimentação política capitaneada por Lula para tentar ganhar votos na Câmara contra o impeachment da presidente Dilma deverá ser tocada de São Paulo, e não de Brasília.

Para amanhã, estava marcado um grande ato político pró- Lula no evento de transmissão de cargo de Jaques Wagner, seu antecessor na Casa Civil, para o ex-presidente. No entanto, o ex-presidente está sendo aconselhado a não dar expediente no Planalto. Com o ambiente entre Lula e Judiciário fragilizado, Lula tem sido avisado de que despachar da sede do Executivo com sua nomeação sub- judice pode ser interpretado como uma afronta à Suprema Corte. Por isso, o petista deve manter uma agenda de governo, conversando com parlamentares, mas sem pisar no palácio.

Interlocutores de Lula apontam que o tom conciliador do discurso que fez no alto do carro de som das manifestações pró- governo na último sexta indicam que ele quer “baixar a bola” e evitar o enfrentamento com o mundo jurídico. Apesar disso, aliados relataram que ele ficou indignado com a decisão de Gilmar Mendes. Argumentam que o ministro resolveu suspender a posse de Lula após ver a numerosa adesão dos atos pró- Lula e pró- Dilma ocorridos na sexta à noite.

— O Lula está indignado com a forma com que o Supremo decidiu uma questão tão grave para a conjuntura política, numa decisão monocrática, num ambiente de efervescência social no país — afirma um aliado. (Colaborou Jailton de Carvalho)

FHC defende impeachment e diz que Lula é irresponsável

‘Agora o caminho é o impeachment’

• FHC afirma que ruas ditam ritmo do processo e que sentiu tristeza por ‘Lula enterrar a própria história'

Alberto Bombig – O Estado de S. Paulo, Domingo, 20/03/2016

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou com exclusividade ao Estado que a petista Dilma Rousseff precisa ser afastada da Presidência pelo Congresso. Segundo ele, essa é a única saída para as crises política e econômica.

No início deste ano, FHC chegou a questionar a legitimidade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu no Supremo Tribunal Federal, para conduzir o processo de afastamento. Mas, depois do último dia 13, quando milhões de brasileiros se uniram no maior protesto contra Dilma e o PT, ele afirma que a legitimidade do processo não vem do Congresso, mas das ruas.
FHC diz que o PSDB deve contribuir com eventual governo do atual vice-presidente, Michel Temer (PMDB), com ou sem cargos na Esplanada dos Ministérios.

O ex-presidente negou que tenha enviado recursos de maneira ilegal para a jornalista Mirian Dutra no exterior, com quem manteve um caso extraconjugal, e disse que não participou da decisão dela de deixar o Brasil. 

Leia a seguir a entrevista:

No fim do ano passado, o senhor mantinha dúvidas em relação ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mudou a percepção do senhor?

Mudou. Eu fui passo a passo. Cheguei a defender que ela tivesse um gesto de grandeza e renunciasse. Eu sempre procurei ter uma atitude serena em relação a esses processos políticos e especialmente em relação à presidente Dilma. Dificilmente você vai ver uma palavra agressiva minha em relação à presidente Dilma. Não apenas pela consideração institucional, mas também pessoal. Mas, com a incapacidade que se nota hoje de o governo funcionar, de ela resistir e fazer o governo funcionar, eu acho que agora o caminho é o impeachment. Se eu bem entendi o que as ruas gritaram, foi isso. As ruas gritaram (no dia 13) renúncia, fim, impeachment.

Mas o senhor sempre alertou que esse era um processo doloroso...

Continua sendo doloroso, mas os fatos se impõem. Tão doloroso quanto o impeachment é assistir ao desfalecimento da economia e da sociedade.

E a ação de seu partido, o PSDB, no TSE, para impugnar o mandato?

Ela é demorada e permite recurso no Supremo. Deve seguir, mas eu acho que, neste momento, se requer urgência para uma solução no Congresso.

E o pós-Dilma, caso o impeachment venha a se concretizar?

As instituições brasileiras estão mais sólidas do que estavam no impeachment do ex-presidente Fernando Collor (1992). Não há temor de um retrocesso institucional. Tudo na política depende não apenas das circunstâncias, mas da capacidade de condução do processo. No caso do impeachment, o natural é que assuma o vice, o Michel Temer. Vai depender dele e das forças que ele for capaz de juntar. O País quer a continuidade da Lava Jato, soluções para as questões econômicas prementes, respeito à institucionalidade.

Como o senhor avalia a crise?

Eu fiquei chocado com o que vi nesta última semana. A maneira pela qual pessoas que são detentoras de cargos públicos e, no particular, nas conversas, alimentam motivações, ideias e desejos que não são institucionais, usando inclusive palavras de baixo calão, falando “nessa hora vamos quebrar o pau, você tem de fazer não sei o que, não sei o que lá, tem de forçar...”

O senhor está se referindo aos grampos do ex-presidente Lula?

Não só do Lula. Do Lula eu fiquei mais estarrecido com o depoimento dele à Polícia Federal. Eu fiquei estarrecido, sabe por que? Porque eu também sempre que pude preservei a memória do Lula. Eu conheço o Lula há décadas, vi o Lula em São Bernardo (do Campo). Você se lembra que quando o Lula ganhou na eleição do candidato do meu partido e fiz tudo para que houvesse uma transição dentro das instituições. Foi com emoção que eu passei a faixa pra ele e vice-versa. São momentos densos historicamente. Você ver o Lula enterrar a própria história? Isso me dá tristeza. Eu não comemoro esse fato, me dá tristeza, bem ou mal o Lula teve um papel no Brasil. Você lê o depoimento dele à Polícia Federal... As palavras que ele usa, a negativa sobre qualquer responsabilidade sobre qualquer coisa. O Brasil está precisando do contrário disso. Se alguém vier a suceder a Dilma, esse alguém tem de transmitir ao País um sentido simbólico até de respeitabilidade, responsabilidade, cuidado com as palavras, atenção ao povo e, sobretudo, um sinal de que é capaz de unir o País. Não se trata apenas de coesão com os partidos, que estão na sua pior fase, se trata de coesão com o País. Quem vão ser os ministros? Pessoas que sejam comprometidas com as suas áreas.

O PSDB, se for chamado a participar de um novo governo, deve dizer sim?

O PSDB necessariamente deverá responder o que se espera dele, que é ajudar dar a dar rumo ao Brasil. Quem comanda é quem dá a pincelada fundamental, é o presidente. O PSDB não pode dizer “eu quero ser ministro”. O PSDB tem de perguntar ao presidente o que ele vai fazer com o País. Se estiver de acordo, tem de apoiar. Necessariamente, não significa ministério. Ir além disso é fazer especulação.

Qual seria a primeira tarefa do novo presidente?

Mudar a estrutura político-eleitoral. Isso não se faz do dia para a noite. A eleição, com as regras de hoje, repete a Câmara e o Senado. O sistema está truncado. Até 2018 tem de mudar isso. A rua não confia no sistema.

E o parlamentarismo?

Sou parlamentarista, mas hoje não há condição. Sem haver base partidária sólida, não tem como. O futuro presidente pode criar condições para. Parlamentarismo agora é o poder ao Congresso. Quem vai ser o primeiro ministro? O presidente da Câmara também é atingido (pela Lava Jato).

Eduardo Cunha tem legitimidade para conduzir o impeachment?

A legitimidade do impeachment não está vindo do Congresso hoje, está vindo da rua.

O senhor é alvo de uma investigação da Polícia Federal...

Ainda não, mas espero ser.

De qualquer forma, já foi anunciado pelo ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo que o senhor será por conta das acusações da jornalista Mirian Dutra de que o senhor fez remessas para o exterior de maneira ilegal.

Essa senhora foi contratada por uma empresa que não era brasileira. Remeter o que? Para quem? Se o pagamento era feito lá fora por uma empresa não brasileira? Se crime tivesse, já teria sido prescrito, foi em 2002. Ela foi contratada nos meus últimos 15 dias de mandato. Nunca remeti divisa nenhuma. Eu fui professor nos Estados Unidos, no Chile, na França, na Inglaterra. Eu tinha conta em todos esses lugares, registradas, de maneira legal. Eu acho bom (a investigação) para acabar com as suspeitas que foram lançadas por uma única pessoa, sem nenhum documento, nem nada. Agora, eu, como todo brasileiro, tenho obrigação de esclarecer se me disserem o que eu fiz.

Ela disse numa entrevista que foi exilada no exterior (segundo a jornalista, em entrevista à Folha de S. Paulo, ela se sentia exilada na Europa depois de ter deixado o Brasil quando teve um filho que chegou a ser atribuído a FHC) e que o senhor teria participado desse exílio...

Nunca. Absolutamente, nunca. Pergunte a ela como foi o processo dela ir para fora. Eu não sabia.

É possível reverter o cenário atual em curso ou a mudança é obrigatória na sua visão?

Quando há a ameaça de que esse governo vai ser substituído, a bolsa sobe e o dólar cai. A questão fundamental é de credibilidade. Chegamos a este ponto por erros acumulados de política econômica, mais da Dilma do que Lula. O Brasil saiu um pouco da linha da história.

Michel Temer tem condições de liderar este momento?

A história faz o líder.

‘Diálogos são coisa de chefe de bando’

O senhor se preocupa com o acirramento da disputa política?

Sim. Eles estão colhendo tempestade. Quem começou com a ventania foram eles do PT. Faz muito pouco tempo eu fui almoçar com o prefeito de São Paulo (Fernando Haddad-PT) e depois fui com ele ao teatro. Para mostrar que, por mais que você possa discordar, você não pode transformar seu adversário em inimigo. Fazer o jogo do conflito é fazer o jogo contra as instituições e contra os interesses da democracia. Essa não é a posição da oposição e não deve ser.

Os grampos divulgados pela Lava Jato com o presidente Lula convocando militantes para a briga...

Quer que eu diga o que é? Irresponsável. Um líder nacional não tem o direito de jogar parte do povo contra outras partes do povo e o conjunto contra as instituições. É um palavreado totalmente inadequado. O que mais me chocou nesses áudios, sem discutir se eles são legítimos ou não, se são verdadeiros... Não se discute se eles são verdadeiros, eles são verdadeiros, foi o baixo teor do palavreado e o tipo de atitude revelado através deles. (Os diálogos) Não têm nada de republicano, nada de democrático, é uma coisa de chefe de bando.

Como o senhor interpreta a volta de Lula ao Planalto, a nomeação dele como ministro da Casa Civil?

A presidente Dilma deu um sinal de que renuncia ao poder. Só que não foi institucional. Se é para renunciar, passa para o vice-presidente da República. Aí tem um cheirinho de golpe, de golpe palaciano. A função de um ministro da Casa Civil é de coordenação administrativa. Se você confunde essa coordenação com a política, dá a sensação de que vão usar a função para fazer politiquice.

A intenção foi mudar o foro?

Em política, não adianta você julgar a intenção, são os fatos.

A presidente Dilma sempre repetia que o governo dela apoiava a Lava Jato. De um mês pra cá, ela mudou...

Houve uma mudança efetiva no comportamento da presidente Dilma. O discurso que ela fez (na posse de Lula), o modo como as pessoas foram convocadas, transformaram o palácio num segmento político. Ela fez uma defesa política de seus companheiros, abraçou seus companheiros. Mudou de posição. A posição dela era de magistrada. Ela podia até dizer: “eu, como magistrada, acho que foram além do limite nisto e naquilo”. Pode ser. Eu também respeito direitos individuais, temos de garantir os direitos individuais, não estou endossando tudo que tenha sido feito (pela Lava Jato). Mas não foi isso que ela fez. Ela se confrontou com a Justiça, e a Justiça reagiu. As ruas reagiram.

Qual a interpretação do senhor da Operação Lava Jato?

É a expressão da modernização do Brasil e do robustecimento de instituições, o que é positivo. Eu nunca vi a Polícia Federal ser aplaudida na rua. Houve o reconhecimento de que ela funcionou como órgão de Estado.

O senhor não acha que houve exagero no depoimento coercitivo de Lula e na divulgação do grampo com Dilma?

A medida coercitiva não foi só para o Lula. A divulgação dos áudios é uma questão jurídica. Mas interessa o conteúdo. Aquilo é verdade ou não? Fez não fez? Eu fui pego em grampos duas vezes. Um era um grampo ilegal de briga de empresas e o outro era briga menor e foi feito com autorização do juiz. Não foi a mim, era uma terceira pessoa e me pegaram. A mim nunca passou pela cabeça discutir se era isso ou aquilo. A escuta telefônica é um instrumento que tem de estar sob controle da Justiça, eu não tenho dúvida quanto a isso. Mas eu não vejo que a Lava Jato tem centrado sua atuação nisso, eles têm centrado em busca de provas. Você tem momentos no Brasil de mudança qualitativa. A Constituição foi um, o Real foi outro. Nós estamos vivendo um outro momento desse tipo e a Lava Jato faz parte disso. São pilares da construção de um País mais decente, democrático, confiável. Os exageros devem ser coibidos. Mas o preço desses exageros não deve ser desmoralizar a Lava Jato. Houve a apropriação de setores do Estado por grupos organizados, políticos, que tiveram a conivência de setores empresariais, cujos recursos são públicos foram usados para sustentação de partidos e de pessoas. É um sistema.

Há delações, como a do senador Delcídio Amaral, que citam supostos desvios ocorridos durante seu governo e o presidente do PSDB, Aécio Neves.

No caso da Petrobrás no meu governo, o que eu posso garantir é que não houve corrupção organizada. O governo não tinha nada com isso. As pessoas não foram indicadas para isso. Quando houve denúncia, foi levada para os procuradores. Converse com o (então) presidente da Petrobrás, o Philippe Reichstul. Como não havia uma relação entre governo e Petrobrás próxima, eu nem sei o nome dos diretores. Eu vi o presidente Lula dizer uma inverdade, de que ele teve de mudar todos os diretores porque eram tudo tucanos, quando ele tomou posse. A escolha nossa para a Petrobrás não passou por partidos. Houve uma designação, a do Delcídio, que foi pressão do PMDB. Mas nunca chegou até mim que tivesse havido qualquer irregularidade praticada pelo Delcídio. Quer dizer que não houve? Não sei. Vamos investigar, o que posso garantir é que eu não tenho nada com isso e o poder político não estava sustentando irregularidades.

E o senador Aécio Neves?

Ele respondeu às acusações no Senado. Que eu saiba, a lista de Furnas é furada. A questão do “blind trust” da mãe dele ele explicou. A mãe dele é rica. E a outra coisa, da CPI, eu nunca tinha ouvido falar. Mas qualquer tipo de acusação a pessoa implicada tem de explicar.

Mas não abala o discurso do PSDB?

Se houvesse uma comprovação, sim. Mas não houve.

Aécio e o governador Geraldo Alckmin foram hostilizados por manifestantes domingo passado na Paulista...

Todo político um pouco mais experimentado não vai a jogo de futebol. Quando você tem aquela multidão, dá comichão de vaiar.

Como o senhor interpreta as ruas?

As ruas pediram três coisas basicamente, eu não estou endossando: Dilma fora, Lula na cadeia e viva a Lava Jato.

Serra e Temer negociam pacto para o novo governo

‘Temer deve descartar reeleição e compor equipe surpreendente’

Alberto Bombig – O Estado de S. Paulo, 21/03/2016

O senador José Serra (PSDB-SP) afirmou, em entrevista exclusiva ao Estado, que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) deve assumir compromissos com a oposição e com o País caso Dilma Rousseff seja afastada da Presidência. Para o tucano, o vice tem de se comprometer a não concorrer à reeleição, não interferir nas disputas municipais deste ano, não promover uma caça às bruxas e montar um Ministério “surpreendente”.

Serra tem conversado com empresários, nomes do mercado e do Judiciário e com políticos sobre a possibilidade de Temer assumir, caso Dilma seja afastada pelo Congresso. Entre esses interlocutores estão os ex-ministros Nelson Jobim e Armínio Fraga, o deputado Roberto Freire (PPS-SP) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Apesar de sempre ser apontado como provável ministro de Temer, ele diz que o PSDB deve esperar para discutir cargos.

No entanto, o senador, economista de formação, está ajudando Temer nos primeiro diálogos sobre o chamado Plano de Reconstrução Nacional, e aponta as áreas da infraestrutura e de exportações como vitais para o sucesso da empreitada.

Qual a expectativa do senhor para o desenrolar da crise?

Eu acho altamente provável que o impeachment se materialize. Que a Câmara considere o processo admissível, o Senado, idem, e que o Senado vote com os dois terços necessários para completar o processo de impedimento. Minha avaliação é que isso tende a acontecer.

E qual a avaliação pessoal do sr. sobre o impeachment?

Seria melhor para o País, para a política e para ela própria que a presidente Dilma renunciasse, mas essa é uma decisão que cabe exclusivamente a ela e que depende de fatores objetivos, que nós conhecemos, e subjetivos, que são difíceis de avaliar em relação a ela própria. Não vai aqui nenhuma questão de natureza pessoal ou de fundo oposicionista. É uma realidade cada vez mais clara para todos. Eu penso assim desde o início do segundo mandato dela.

Se o impeachment se concretizar, como deve ser o novo governo?

Ocorrendo o impeachment, assume o Michel Temer. Não acredito que o afastamento da presidente vá se dar pelo Tribunal Superior Eleitoral por uma questão de tempo, e a crise se aprofunda exponencialmente a cada semana, a cada dia. O Michel Temer assumindo, eu diria que deveria se batalhar para se formar um governo de união e de reconstrução nacional, com todas as forças interessadas na recuperação do País. Creio que, pelo lado do Michel, haverá a necessidade do compromisso de ele não disputar a reeleição. Um compromisso que vai se materializar facilmente na medida em que o Senado vote a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) pelo fim da reeleição.

E quais os outros pontos?

Nenhuma força oposicionista hoje pode se furtar a contribuir para que esse novo governo dê certo, independentemente dos interesses para 2018. A população jamais entenderá se alguma força política que tenha ajudado a remover a presidente Dilma se furtar a cooperar. As pessoas pedem a mudança para que o País possa ser refeito. A população não está aflita porque eventualmente não gosta do Lula ou da Dilma, mas porque a queda de renda das famílias, o desemprego, a deterioração dos serviços têm exasperado o Brasil de ponta a ponta. É importante que o novo governo evite se meter nas eleições municipais deste ano e nas estaduais mais adiante, porque isso seria um fator de desestabilização. O outro ponto é não retaliar o passado. O novo governo não deve realizar nenhum tipo de retaliação a nenhuma força política. Seja das que participam, seja das que foram derrotadas.

Mas e a formação do novo Ministério?

Eu ouvi outro dia uma expressão muito feliz do ex-ministro Nelson Jobim: nós devemos ter um ministério surpreendentemente bom, que seja uma surpresa em matéria de boa qualidade.

Sem critérios políticos?

Os critérios têm de ser da qualidade e do espírito público. É evidente que você vai fazer composições políticas. Mas os setores essenciais devem estar sob comando de figuras públicas com alta qualidade executiva e espírito público.

O sr. deixa claro, então, que o PSDB, se chamado, deve participar?

O PSDB será chamado e terá a obrigação de participar. Sem abdicar de suas propostas e convicções. Em um partido sério, toda participação em governo que não é o seu exige mão dupla. Você apresenta as ideias e se dispõe a cooperar. Daí nasce uma boa aliança.

Quais pontos são os mais urgentes?

As duas áreas mais críticas hoje são a economia e a saúde. Com relação à economia, não sou pessimista. Tudo que está acontecendo de pior tem se devido às expectativas. As coisas ruins acontecem porque você acha que acontecerão coisas ruins. Um presidente de uma multinacional que opera no Brasil disse que ia postergar por dois anos um investimento de R$ 6 bilhões porque não sabe o que vai acontecer. Isso não é conspiração das multinacionais; é uma avaliação do quadro econômico e da capacidade do governo de governar. Nenhum empresário investe para perder dinheiro. Os consumidores que têm recursos postergam os planos. Uma mudança vai criar expectativas favoráveis, sobretudo se tiver qualidade surpreendente.

Isso é suficiente?

Isso pode representar a ponta de um barbante para desatar o nó econômico, embora por si só não vai resolver a médio e longo prazo. Mas permite encerrar um ciclo vicioso e substituí-lo pelo virtuoso. A derrocada econômica brasileira se dá em um contexto internacional que não é eufórico, mas não é depressivo. Essa derrocada tem causas endógenas, foi causada por fatores domésticos. Essa é uma má notícia, mas ao mesmo tempo boa, no sentido de que a recuperação está nas nossas mãos, não nas mãos da economia mundial.

É só uma questão de expectativas?

Nós não estamos com problemas de balanço de pagamentos. Temos reservas abundantes, que cobraram alto custo em termos de endividamento público, mas já estão aí. Não há gargalo externo e a taxa de câmbio está em um nível bom. O câmbio vai exercendo papel favorável no sentido de aumentar a competitividade das exportações. O cansaço com a crise, inclusive na área política, permitirá desarmar bombas fiscais presentes e futuras. Eu sinto um clima favorável a reformas. O Real deu certo em grande medida pelo fator cansaço. Foi o nono plano de estabilização desde o inicio dos anos 80.

Há áreas prioritárias?

Todas as sociais, em tese, necessitam mais recursos. Mas há uma na qual a melhora da gestão tem papel essencial, que é a saúde. Se você repuser uma administração competente e austera, você já vai ter avanço. As atuais epidemias são um reflexo do baixo investimento em saneamento e em campanhas educativas.

Além da saúde, outras áreas?

Há uma demanda reprimida em relação à infraestrutura. Investir é prioritário: puxa a demanda e aumenta a produtividade. Outro setor chave é o das exportações. Há uma medida imediata, que é suprimir a cláusula de união alfandegária do Mercosul. Hoje, o Brasil só poderia fazer um acordo com a Índia, por exemplo, se Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela forem juntos. Não é incrível? Outra área é a de energia. Isso exige a reestruturação de todo o setor elétrico, que é complexa. Na Petrobrás, seria preciso seguir a política do Banco do Brasil, que privatizou a área de seguros e arrecada um bom dinheiro. É o que a Petrobrás deveria fazer com a BR Distribuidora, para passar de ser uma área de desvios políticos para uma área que ajude a Petrobrás.

PT reage a apoio de FHC a impeachment

• Para Cardozo, posição é ‘lamentável’ para quem tem ‘passado de defesa da democracia’; oposição comemora adesão e postura de ‘estadista’

Carla Araújo, Ricardo Brito e Murilo Rodrigues - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e lideranças governistas do Congresso criticaram as declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista ao Estado publicada na edição de ontem, FHC defendeu o impeachment da presidente como o caminho da superação da crise por que passa o País, postura comemorada por parlamentares da oposição.

Embora tenha ressaltado ter um “grande respeito” pelo ex-presidente, Cardozo disse lamentar a sua posição. “Ele tem um passado de defesa da democracia. E desconhece (que) impeachment sem fato imputável à presidente não pode acontecer no regime presidencialista. Portanto, só tenho a lamentar essa posição do ex-presidente”, disse o ministro, um dos auxiliares mais próximos de Dilma.

Para o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), Fernando Henrique Cardoso assume o “golpismo” ao defender o impeachment de Dilma. “Ele enterra seu passado de sociólogo, que lutou pela democracia durante o regime militar. Passa a liderar o golpismo no País”, disse. “Quer governar o Brasil de novo? Espera até 2018.”

Na entrevista, FHC defendeu o afastamento de Dilma, argumentando ter mudado de opinião depois de ouvir a voz das “ruas”. Antes, defendia a renúncia como melhor saída para as crises política e econômica. O ex-presidente também chamou os grampos que envolveram Lula como “coisa de chefe de bando” e classificou a nomeação dele para a Casa Civil como “golpe palaciano”

Guimarães afirmou ainda que FHC “não tem autoridade” para criticar Lula. “O governo do presidente Lula deu de 10 a 0 no governo dele”, afirmou. “Com todo esse massacre midiático, Lula é o melhor ex-presidente da história do País.” Para Guimarães, as críticas de FHC são atitude de “soberba e preconceito” de um sociólogo que não se conformaria com o fato de o governo de um “analfabeto” ter sido melhor do que o dele.

O líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), disse que as declarações do ex-presidente tucano são “inoportunas e equivocadas”. O petista destacou que, se FHC quisesse mesmo ter uma postura de estadista, não estaria colocando “gasolina na fogueira” da crise ao se alinhar com os “insensatos” que não têm qualquer compromisso com o País. “Infelizmente, FHC está menor do que o paletó que usa”, disse.

Florence afirmou ainda não haver motivos jurídicos para afastar Dilma por crime de responsabilidade. O líder do PT destacou que o ex-presidente conclama, dessa forma, o desrespeito ao voto popular porque a atual presidente foi reeleita com 54 milhões de voto. “O PSDB tem que rever seus compromissos com a democracia.”

Alinhamento. Já o líder dos tucanos na Câmara, deputado Antonio Imbassahy (BA), disse que as declarações de FHC coincidem “completamente” com a bancada de deputados do partido. Ele disse que o quadro político e econômico e as investigações da Operação Lava Jato deterioraram de tal maneira que não é possível mais esperar uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre uma eventual cassação da chapa de Dilma e seu vice, Michel Temer, o que poderia levar o País a novas eleições neste ano. “O cronograma do impeachment é mais rápido que o do TSE.”

Aliado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), responsável por admitir o pedido de impeachment, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) elogiou a postura “estadista” do tucano.

“Lula deveria se espelhar em FHC, que é um grande estadista”, provocou o peemedebista. Vieira Lima concorda que a solução para a crise é a saída da presidente Dilma Rousseff, mas ainda acredita que o melhor caminho é a renúncia. “Ela faria um favor porque se renderia aos fatos e ajudaria a unir o Brasil”, declarou.

68% defendem impeachment

Datafolha: Impeachment da presidente Dilma tem apoio de 68% da população

• Apoio a impeachment de Dilma cresce e chega a 68%, diz Datafolha

Fernando Canzian – Folha de S. Paulo, 20/3/2016

O apoio da população ao impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) cresceu oito pontos desde fevereiro. Agora, 68% dos eleitores são favoráveis ao seu afastamento pelo Congresso Nacional.
Também houve um salto, de 58% para 65%, no total dos que acham que Dilma deveria renunciar à Presidência.

O percentual dos contrários ao impeachment foi de 33% em fevereiro para 27% agora. Segundo pesquisa Datafolha realizada entre os dias 17 e 18 de março, a reprovação ao governo da petista também retornou ao seu patamar recorde: 69% avaliam sua administração como ruim ou péssima.

A taxa é comparável aos 71% de reprovação alcançados por Dilma em agosto de 2015, o mais alto da série histórica do Datafolha (iniciada em 1989), levando-se em conta a margem de erro de dois pontos percentuais.

O instituto ouviu 2.794 eleitores em 171 municípios de todo o país.

O apoio ao afastamento da presidente cresceu em todos os segmentos pesquisados.

A intensidade foi maior entre os que têm entre 45 e 59 anos (de 52% para 68%), na parcela dos que têm 60 anos ou mais (48% para 61%) e entre os eleitores mais ricos (54% para 74%).
Como comparação histórica, em pesquisa Datafolha realizada nos dias 2 e 3 de setembro de 1992, a menos de um mês da votação do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, 75% dos brasileiros defendiam a medida e 18% eram contrários a ela -7% diziam não saber opinar.

Protesto e Comissão
A piora na avaliação de Dilma e o aumento nas taxas dos que acham que ela deveria ser afastada pelo Congresso ou renunciar se dão na sequência da maior manifestação política já registrada pelo Datafolha: um ato contra a presidente reuniu 500 mil pessoas na avenida Paulista no domingo passado (18).

Na quinta-feira (17), a Câmara dos Deputados elegeu a comissão especial que analisará o processo de impeachment da presidente.

Dos 65 deputados membros da comissão, 33 são da oposição ou dissidentes já declarados, com inclinação pró-impeachment.

O bloco de apoio a Dilma soma 22 parlamentares. Os demais estão ainda indecisos ou em negociação sobre que posição tomar.

O levantamento do Datafolha mostra que, entre fevereiro e março, houve também alta expressiva nas parcelas dos que, independentemente da posição sobre o impeachment da presidente, acreditam que ela será afastada.

No levantamento anterior, eram 60% os que não acreditavam na sua destituição do cargo. Agora, uma parcela de 47% acha que ela não será afastada pelo impeachment.

Embora a saída de Dilma tenha apoio majoritário entre os brasileiros, a perspectiva de um governo liderado pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB) não obtém o mesmo respaldo: apenas 16% acreditam que um eventual governo do peemedebista seria ótimo ou bom. Para 35%, seria ruim ou péssimo.

Em uma lista que inclui vários presidentes desde a redemocratização, Dilma também aparece à frente dos demais na percepção dos eleitores em relação ao governo em que mais houve corrupção.

Para 36% dos entrevistados, seu governo é o que mais teve desmandos. Lula e o ex-presidente Fernando Collor aparecem na sequência, citados por 23% e 20% dos entrevistados, respectivamente.

A corrupção também aparece na pesquisa pela segunda vez consecutiva como o principal problema do país: 37% a consideram a maior chaga, taxa superior aos 34% registrados em fevereiro

Taxa de rejeição de Lula atinge recorde e bate nos 57%, diz pesquisa

• Rejeição a Lula atinge recorde; para 68%, ele aceitou cargo por foro

Índice supera o registrado por Ulysses Guimarães (PMDB) em 1989, e é o maior da história entre candidatos

Folha de S. Paulo, 20/03/2016

A taxa de rejeição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atingiu 57% e estabeleceu um recorde entre candidatos à Presidência, de acordo com o Datafolha.

Indicado ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, Lula vê seu atual índice de rejeição superar inclusive o registrado pelo peemedebista Ulysses Guimarães na campanha eleitoral de 1989, de 52%, que até então era o mais alto da história.

Antes desse levantamento, a pior taxa de rejeição do petista, de 47%, tinha sido em novembro de 2015. A maior rejeição em anos eleitorais, de 40%, foi em 1994, quando ele perdeu para o tucano Fernando Henrique Cardoso.

Mesmo entre os mais pobres, Lula já é rejeitado por metade (49%) da população. O índice cresce conforme o avanço da renda familiar e chega a 74% entre aqueles que ganham dez ou mais salários mínimos por mês.

A pesquisa mostra que para a grande maioria dos eleitores, Lula só aceitou o cargo de ministro no governo Dilma para obter foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal e, assim, escapar das ações do juiz Sergio Moro nas investigações da Operação Lava Jato.

São 68% os que veem esta motivação, ante apenas 19% que acreditam que Lula tenha aceitado o cargo para ajudar o governo Dilma.

Na mesma linha, 73% dos entrevistados acham que a presidente agiu mal ao convidar Lula para assumir uma pasta em seu ministério; só 22% aprovaram a iniciativa.

“A grande maioria da população decodifica o convite a Lula como uma tentativa de livrá-lo das investigações da Lava Jato e da Justiça, e não como algo que pudesse ter alguma ajuda para o governo de fato”, afirma o diretor de Pesquisas do Datafolha, Alessandro Janoni.

Na cerimônia em que deu posse a Lula, na quinta-feira (17), Dilma acusou Moro de ter “desrespeitado a Constituição” e ressaltou que “práticas criticáveis” podem levar à realização de um golpe no país.

No dia anterior havia sido divulgada uma conversa telefônica entre Lula e a presidente, na qual ela disse que encaminharia a ele o “termo de posse” de ministro. A suspeita é que o documento pudesse ser usado caso o ex-presidente tivesse a prisão decretada pela Justiça.

Os brasileiros também não acreditam que a presença de Lula no ministério irá melhorar o desempenho geral do governo. Para 36% dos entrevistados pelo Datafolha, a gestão tende a piorar —outros 38% acham que não haverá mudanças com a presença do ex-presidente no ministério.

Depoimento na PF
O instituto também perguntou a opinião dos entrevistados sobre o fato de o juiz Sergio Moro ter obrigado o ex-presidente a depor de forma coercitiva na Polícia Federal no início de março.

Para 82% dos entrevistados, o juiz agiu bem. Apenas 13% condenaram a decisão, criticada por alguns juristas.

O Datafolha também fez uma consulta espontânea aos entrevistados perguntando qual o melhor presidente que o Brasil já teve. Lula ainda é o mais citado, embora o percentual tenha oscilado negativamente de 37% em fevereiro para 35% agora.

Em novembro passado esse índice era de 39% e, no auge de sua popularidade, em 2010, alcançou 71%.

Os números revelam que, desde que saiu da Presidência, Lula perdeu metade do prestígio.

É hora de o país 'virar a página', diz Alckmin

Por Cristiane Agostine – Valor Econômico

SÃO PAULO - Cotado no PSDB como pré-candidato à Presidência, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, defendeu ontem o impeachment da presidente Dilma Rousseff e afirmou que o país precisa "virar a página" e "retomar a esperança". Alckmin afirmou que a saída da presidente "fortalecerá" o Brasil.

O governador paulista disse concordar em "gênero, número e grau" com a defesa do impeachment de Dilma feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" publicada ontem.

"Entendo que o Brasil vai sair mais fortalecido de todo esse triste momento que estamos vivendo, [com] a população valorizando suas instituições. O país precisa ter instituições sólidas. É isso o que caracteriza uma democracia", disse Alckmin ao defender o impeachment da presidente Dilma, eleita com 54 milhões de votos. "E o povo vai às ruas para defender as instituições que foram vilipendiadas, em defesa das instituições e o país vai sair mais forte desse processo. Precisamos virar a página, retomar a esperança, o emprego, o desenvolvimento, investimento. É isso que interessa", afirmou.

Alckmin votou ontem no segundo turno da prévia do PSDB para escolher o candidato à Prefeitura de São Paulo, acompanhado do candidato João Doria Jr., que foi definido ontem como candidato.

O tucano afirmou ainda que deve demorar para o país superar as crises política e econômica. "Não tem passe de mágica, mas o primeiro passo é confiança e ação. Hoje em dia se não agir você vai para trás na competitividade. Não pode adiar mais reformas estruturantes, medidas econômicas necessárias. Para tudo isso precisa ter ação e não inação", afirmou.

O governador desconversou ao ser questionado sobre sua eventual candidatura em 2018 e disse que ainda "não tem projeto" para a próxima eleição presidencial. "É muito cedo".

Com derrota à vista, governo mira plenário

Por Leandra Peres – Valor Econômico

BRASÍLIA - A estratégia do governo para enfrentar a votação do impeachment na Câmara dos Deputados dará prioridade à disputa no plenário. A avaliação é que o perfil da comissão especial de deputados não é favorável ao governo e os articuladores políticos já consideram possível uma derrota. "A prioridade zero hoje é PMDB, PMDB e PMDB", afirmou um integrante do governo. Para atrair o PMDB, o Planalto conta com uma oferta mais generosa de cargos e verbas. Em outra frente, as baterias oficiais vão se voltar de novo contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), questionando sua legitimidade para conduzir o processo quando ele próprio é alvo da Lava-Jato.

Planalto mira no plenário da Câmara
A estratégia do governo para enfrentar a votação do impeachment na Câmara dos Deputados vai priorizar a disputa no plenário. A avaliação feita no Planalto é que o perfil da comissão especial de deputados não é favorável ao governo e os articuladores políticos já consideram possível uma derrota na comissão. Na economia, a volta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a Casa Civil, sob a batuta do ministro Luiz Inácio Lula da Silva, é um sinal político de que o governo vai agir para reanimar os investidores, dar maior visibilidade ao programa e fornecer argumentos para os parlamentares defenderem a presidente Dilma Rousseff.

A decisão tomada na sexta-feira pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, suspendendo a posse de Lula, coloca em risco essa estratégia. Gilmar determinou que as investigações envolvendo o petista continuem nas mãos do juiz Sergio Moro. Temendo novas ações do juiz, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu mais uma vez ao STF para tentar derrubar as decisões que impedem o ex-presidente de assumir a Casa Civil. A AGU pediu ontem ao ministro do Supremo Teori Zavascki uma "excepcional concessão de medida cautelar" suspendendo todos os processos e decisões sobre o tema. Os advogados de defesa de Lula e outros seis juristas também impetraram habeas corpus pedindo que a decisão de Gilmar seja anulada e que as ações sejam mantidas com Teori Zavascki.

Numa outra avenida, as baterias oficiais vão se voltar novamente ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), questionando sua legitimidade para conduzir o processo quando ele próprio é alvo da Lava-Jato. Segundo uma autoridade, a composição da comissão especial que vai analisar o afastamento da presidente tem um pequeno número de indecisos, o que obrigaria o governo a virar quase que a totalidade dos sete deputados que ainda não divulgaram seus votos. Como essa probabilidade é baixa, o governo vai concentrar suas forças no plenário. O impeachment será analisado pelos deputados em plenário independente do resultado na comissão.

"A prioridade zero do Palácio hoje é PMDB, PMDB e PMDB", afirmou um integrante do governo. Para reconquistar o apoio do PMDB que ainda é governista, o Planalto conta com uma oferta ainda mais generosa de cargos e verbas. Mas um interlocutor com bom trânsito no partido pondera que o efeito das benesses tende a diminuir à medida em que aumentam as chances de o PMDB herdar todo o governo.

Outra ponderação é que a decisão da presidente de nomear o deputado Mauro Lopes (PMDB-MG) mesmo depois de o vice-presidente Michel Temer haver avisado que isso criaria conflitos no partido foi um sinal de que a disposição do governo em dialogar é apenas formalidade. Para interlocutores do vice, a nomeação, levada adiante depois de ele haver sido procurado pelo ex-presidente Lula para uma reunião, mostra que "ou Lula concorda ou não conseguiu fazer a presidente mudar de opinião, o que é ruim nos dois casos". Assessores palacianos, no entanto, avaliam que Temer já desembarcou do governo e a nomeação foi apenas a concretização.

Um sinal de alerta soou na sexta-feira quando o Congresso conseguiu quórum suficiente num dia em que a Câmara tipicamente está esvaziada. A presidente, depois de chegar de viagem, passou o resto do dia em reunião como o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, e do Gabinete Pessoal, Jaques Wagner.

Os ataques ao presidente da Câmara virão do governo e de parlamentares da base. A intenção é repetir a polarização com Cunha que já foi feita no ano passado, quando ele autorizou a abertura do processo de impeachment. O governo avalia que a estratégia deu certo. Já a guerra declarada ao juiz Moro é vista no Planalto como a única reação possível aos abusos que, na avaliação do governo, ele estaria cometendo. Segundo um assessor, o governo não poderia ficar quieto, mesmo correndo o risco de atacar um "herói" popular.

Lula insiste que o governo só conseguirá vencer o impeachment se sinalizar uma melhora na economia. Há consciência de que o governo não produzirá uma melhora visível nos indicadores até a votação do impeachment, que pode ocorrer antes do fim de abril. Ainda assim Lula repete que, com um rumo crível, os parlamentares terão um discurso para defender suas posições pró-governo. A volta do PAC para o comando da Casa Civil faz parte dessa estratégia. De acordo com uma autoridade, o programa continuará restrito pelo ajuste fiscal, mas será reforçado com R$ 9 bilhões até o fim do ano. (Colaborou Carolina Oms)

Berlusconi e Lula - Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo – Domingo, 20.3.2016

A relação um tanto distante no tempo, mas real, entre duas operações judiciárias de largo alcance e a possibilidade palpável de crise geral do sistema de partidos, atingindo alguns de seus grupos fundamentais, fazem com que referências italianas frequentem obsessivamente nosso cotidiano político. Há quem agite, com certa razão, o “espantalho Berlusconi”, um populista de direita que dominou a política italiana por 20 anos, apesar de intervalos importantes, como os dos dois governos Romano Prodi e o do pós-comunista Massimo D’Alema. E a razão do êxito de Berlusconi residiria, argumenta-se, na situação de terra arrasada que teria deixado a Operação Mãos Limpas, levando ao fim partidos tradicionalíssimos como a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista (PSI).

Que a fragilidade dos partidos ou sua liquidação, no rastro de grandes investigações, abra um cenário preocupante é fato mais do que sabido. Com toda a crise da representação que hoje se vive, somada à bem-vinda obsolescência dos partidos “totais”, que, segundo seus adeptos, guardariam em germe os traços fundamentais de um novo Estado, os partidos ainda são parte essencial da auto-organização da vida democrática: educam ou deveriam educar permanentemente os indivíduos, selecionam grupos dirigentes, representam interesses parciais e os levam para além desse âmbito particular, transformando-os em direitos de cidadania.

Faltando essa mediação entre sociedade civil e sociedade política – os partidos, exatamente –, o caminho fica fácil para os cavaleiros da fortuna. Berlusconi, “Il Cavaliere”, é um personagem que se enquadra perfeitamente na descrição, explorando os ventos da “antipolítica”, com o uso e abuso dos recursos da “telecracia”: com tais figuras triunfa sempre o interesse bruto, acirrando antagonismos sociais e degradando a vida civil. Leis, por exemplo, podem ser confeccionadas sob medida para resolver agruras pessoais e políticas do capo. Manobras táticas de legalidade duvidosa chegam ao estado da arte. Inevitável, assim, que a ideia de república saia ferida e uma barbárie miúda e insidiosa se dissemine, envenenando até atitudes cotidianas.

Analogamente, numa visão pessimista, o homem providencial pode estar sendo incubado neste momento, com o torvelinho que ameaça engolfar os principais partidos situacionistas, em particular o PT e o PMDB, e mesmo líderes expressivos das oposições. Recorrente, entre os maiores alvos da Lava Jato, a ideia de que se criminaliza a ação política em si mesma: em busca de protagonismo, juízes e procuradores armariam o cadafalso até para políticos oposicionistas, em tese os principais beneficiários. Ou, então, numa visão institucionalmente ainda mais perigosa, juízes, procuradores e policiais federais à frente de operações como a Lava Jato nada mais seriam do que o braço judicial de “elites”, mídia e oposição, empenhadas em golpe contra o grande partido popular e seu governo de mudanças.

De modo polêmico, e considerando o quadro de devastação institucional que ora nos aflige, é possível argumentar que a “função Berlusconi” entre nós tenha antecedido a operação judiciária e se corporificado no partido “hegemônico” da esquerda e, em especial, em seu líder indiscutível. O modo de existência e comportamento do lulopetismo esteve sempre como que inscrito no código genético: autoproclamado portador das exigências substantivas da democracia, suposto realizador, nos anos áureos entre 2003 e 2010, de uma verdadeira revolução social, a que o credenciava até a natureza operária, d’origine controllata, do dirigente máximo, por que estimularia o respeito – teórico e prático – às formas da democracia? Não seria tal respeito expressão de classe oposta ao interesse real dos trabalhadores, menos fixados em firulas jurídicas do que em ingressar no mundo do consumo (privado), a despeito de elites irracionalmente avessas à expansão do próprio capitalismo?

Titular exclusivo da representação dos trabalhadores, do PT não veio proposta de fortalecimento do sistema partidário, mas, antes, a obra deletéria de sua corrupção.

A política de alianças não constituiu a decorrência de uma ação consistente – hegemônica, desta vez sem aspas – para construir amplo consenso no sentido de boas reformas do Estado e da sociedade. A escolha do “inimigo” social-democrata, demonizado até a caricatura, obedeceu a critérios baratos de cálculo, assim como a aliança com a fina-flor do atraso oligárquico e da fisiologia, cujos métodos foram sistematizados e elevados a patamar jamais visto. Em extrema e polêmica síntese: não tivemos Berlusconi, um populista de direita, mas provavelmente tivemos – e temos – uma encarnação “de esquerda” do mesmo mal.

A esquerda italiana, para voltar ao início, estruturou-se em torno do PSI e, principalmente, do velho PCI, um partido comunista para o qual nunca foi estranha a reivindicação de uma “função nacional”, mesmo condenado, enquanto existiu, a restar na oposição por causa da guerra fria. Há já pouco mais de duas décadas, em quadro radicalmente distinto, aquele partido tenta se renovar, abandonando a matriz comunista e abrindo-se para as tradições reformistas do país, especialmente a católica. Assim, durante os 20 anos de Berlusconi a centro-esquerda pelo menos buscou recriar um instrumento útil para a Itália e a própria Europa, ameaçada pela intolerância xenófoba da extrema direita – uma força real, não mera construção de retórica oportunista, como vemos ao redor.

O desafio da esquerda brasileira consiste, precisamente, em se reinventar na crise em boa parte gerada pela força que a vem representando. Sem isso viverá uma vida de gueto, barulhenta e minoritária. E, pior, sem capacidade para retomar em outras bases a luta duríssima por um País mais decente e igualitário. Uma luta que por ora parece perdida.
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*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil

Certas palavras valem mais que mil imagens - Fernando Gabeira

O Globo, Domingo, 20.3.2016

Eram cinco horas da tarde, eu cobria uma demonstração na porta do Palácio do Planalto. As pessoas estavam com muita raiva de Dilma e de Lula. Sentiam-se ignoradas depois de terem ido para as ruas no domingo. Queriam a queda de Dilma e a prisão de Lula. Dilma não só não deu sinais de renúncia, como convidou Lula para ocupar um ministério e fugir da Lava-Jato. na hora de trabalho e saí em busca de água e um banheiro no Congresso. Ali, soube da divulgação dos áudios. Em termos cinematográficos, o áudio contém metade das informações de um filme. Nesse caso, os áudios eram toda a informação necessária para inflamar as ruas. As multidões já estavam iradas e o diálogo Dilma-Lula serviu para catalisar um processo que já estava em andamento. Os romances do passado escreviam assim: a marquesa saiu às seis horas. Agora era possível reescrevê-los: Dilma foi para o espaço às seis horas, no rabo de um foguete barbudo.

Só mais tarde, exausto, examinei o conjunto de gravações. Senti que Lula estava acuado, tentando dominar um processo que escapava ao seu alcance. Os interlocutores, inclusive Jaques Wagner e, principalmente, Nélson Barbosa, respondiam com frases curtas, como se estivessem incomodados, loucos para desligar. Ele sabia que era uma luta difícil. Mas lamentava o medo dos outros: o Congresso e o Supremo estavam acovardados. Sua intenção era deter a Lava-Jato e criar uma frente de investigados. Se não fizessem nada, seriam todos presos.

Renan estava fodido, Cunha, idem. Lula parecia assumir sua verdadeira condição de chefe da imensa quadrilha, para salvá-la dos procuradores que, segundo ele, se achavam representantes divinos. Conversas gravadas sempre trazem embaraços. Na intimidade, somos menos cuidadosos. A série de gravações mostrou não só que Lula queria interferir no processo legal. Mostrou algo que não se suspeitava: a falta de carinho e solidariedade com as pessoas que o ajudaram por décadas.

É o caso de Clara Ant. Ela chegou a ser deputada, mas depois disso dedicou-se, inteiramente, a ajudar Lula. Ao que parece, foi um projeto de vida. Participei de um debate com ela, sobre o conflito no Oriente Médio, diante de uma plateia formada por membros da colônia judaica. Ela defendeu, como pôde, a política externa do governo brasileiro. Pareceu-me uma pessoa tranquila e bastante confortável diante de ideias divergentes. Não tenho procuração para defendê-la e, quem sabe, pense a meu respeito todas as barbaridades que a imprensa petista divulga. No entanto, afirmo que não é assim que se trata uma colaboradora de tantos anos, nem é assim que se trata qualquer mulher que tem sua casa invadida por cinco policiais. Lula disse que ela deve ter achado um presente de Deus tantos homens entrando pela porta. Dilma riu. Dilma, a presidenta, a mulher símbolo de uma conquista feminina, ri de piadas machistas desde que contadas pelo seu chefe.

O ângulo político das gravações, nesta altura, já deve ter sido exaurido, e a tentativa de fugir da Lava-Jato já se revelou o desastre que todas as pessoas sensatas previam. O ministro Aragão, que tinha como tarefa desmontar a Lava-Jato, foi tratado como alguém que é amigo, mas, no momento de fazer as coisas, sempre dizia “Olha’’. Lembrou-me de Sancho Pança, que dizia constantemente: “Olha, mestre, olha bem o que está dizendo’’.

Lula não pode ser comparado a um Dom Quixote, pois seria uma agressão a esse maravilhoso símbolo da cultura ocidental. Ele, simplesmente, estava desesperado. A máquina do governo petista não respondia com eficácia sua ânsia de proteção. Os políticos corruptos marchavam para o matadouro, inertes, à espera da salvação mágica. Ele viria para reagrupá-los, derrotar a República de Curitiba e, certamente, encontrar um meio de financiar as relações obscenas alimentadas pelo mensalão e pelo assalto à Petrobras.

Sua meta conservadora é cristalina. E, ainda assim, algumas pessoas, militantes e intelectuais, continuam achando-o o caminho do futuro e classificando de reacionário quem se opõe a um projeto criminoso de poder. As hostes petistas receberiam ordens claras para achincalhar os adversários e intimidar os procuradores e policiais da Lava-Jato.

No princípio da semana, fui alvo de ataques desonestos dos sites pagos pelo governo. Talvez já fosse uma minúscula parte do plano. Não creio que quisessem me intimidar; estavam apenas exercitando os músculos. De todos as crises que vi no Brasil, esta tem uma singularidade: a tristeza de milhares de pessoas que acreditaram no poder transformador da esquerda no governo. Falei com alguns senadores que deixaram o PT. Estavam desolados, depois de tantos anos de trabalho. Pelo menos compreenderam a realidade e podem tentar outro caminho. Os oportunistas e carreiristas continuaram agarrados aos seus empregos.

O drama mesmo é dos que não suportam as dores da realidade e insistem na negação. Seguem o seu líder sem o bom senso de Sancho Pança. Não ousam dizer: “Mestre, olhe bem o que está dizendo’’.

No Brasil, pobre quando rouba vai preso, rico quando rouba ganha um ministério. Luiz Inácio da Silva, em 1988.

O bolchevismo tardio - Luiz Carlos Azedo

• O PT trata os adversários como inimigos do povo e traidores da pátria e vê no crescimento da oposição uma conspiração golpista

- Correio Braziliense, Domingo, 20.3.2016

A matriz ideológica da esquerda brasileira é uma mistura de anarquismo, marxismo e positivismo. Leandro Konder, no livro A derrota da dialética, explica que a chegada das ideias de Marx ao Brasil se deu logo após a comuna de Paris de 1871. Contra elas reagiram as elites políticas escravocratas do Império, mas muitos estudantes receberam essas ideias com entusiasmo. Os principais intelectuais do país, porém, não se empolgaram com as teses marxistas.

Tobias Barreto considerava Marx um reformista ingênuo. Clóvis Bevilacqua via a desigualdade como o resultado do progresso. Machado de Assis o ignorou. O grande ideólogo da proclamação da República seria Benjamin Constant, líder positivista ortodoxo, que lecionava na Escola Militar da Praia Vermelha. Somente em 1900, onze anos depois, o professor italiano Antônio Piccariolo (1868-1957) criou o centro socialista paulistano. Era formado por anarco-sindicalistas, sindicalistas-revolucionários, reformistas e socialdemocratas.

Como hoje, o socialismo era algo distante da realidade brasileira. Após a Revolução Russa de 1917, no rastro da I Guerra Mundial, as ideias socialistas voltaram a ter eco no Brasil, sob forte influência do Partido Bolchevique, liderado por Vladimir Lênin. Pouco depois, em 1922, sindicalistas de origem anarquista, liderados pelo jornalista Astrojildo Pereira (RJ) e o contador Cristiano Cordeiro (PE), fundaram o Partido Comunista do Brasil (PCB). Alguns anos depois, Astrojildo converteu ao comunismo o líder tenentista Luiz Carlos Prestes.

A adesão de Prestes completou a simbiose entre as ideias anarquistas, marxistas e positivistas, que depois influenciou o comportamento de toda a esquerda brasileira. Houve uma espécie de fusão da visão bolchevique, cuja política considerava a luta de classes como parte de uma guerra civil mundial, com o golpismo dos militares brasileiros de formação positivista. Seu ponto alto foi a tentativa dos comunistas de tomada do poder pelas armas em 1935. Como os militares tutelaram a República de 1889 a 1985 — com destaque para a Revolução de 1930 e o golpe militar de 1964 –, a concepção de “revolução social pelo alto” adotada por comunistas e militares nacionalistas era a outra face da moeda de uma concepção de modernização do país por uma “via prussiana”. Durante 100 anos da história republicana, o golpismo provocou graves crises políticas.

O golpe
O melhor cenário para examinar essa questão é a crise do governo João Goulart (PTB), em 1964, depois de uma sucessão de tentativas de golpe de Estado por parte da direita militar e setores conservadores. O programa de reformas do governo defendia a nacionalização das empresas estrangeiras e a reforma agrária, mas não reunia apoio efetivo no Congresso. A esquerda, porém, queria que Jango fizesse as reformas “na lei ou na marra”. Além disso, havia o problema da sucessão de Jango, na qual os candidatos mais fortes eram o ex-presidente Juscelino Kubitscheck (PSD) e o então governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda (UDN).

A esquerda nacionalista atacava a “política de conciliação” de Jango e defendia a candidatura do ex-governador gaúcho Leonel Brizola (PTB). O líder comunista Luiz Carlos Prestes, porém, já articulava a reeleição de Jango. Pela Constituição, nenhum dos dois poderia ser candidato. Como o mundo vivia o auge da guerra fria, a radicalização política no Brasil era quase inexorável, com os Estados Unidos incentivando a tomada de poder pelos militares. Foi nesse contexto que houve o golpe de 1964.

A destituição de Jango provocou um racha na esquerda, porque não houve resistência armada ao golpe, por decisão de Jango e de Prestes. Liderada por Carlos Marighella, parcela expressiva resolveu partir para a luta armada, com apoio de Cuba e da China. Prestes e o PCB, com apoio da antiga União Soviética, defendiam uma frente ampla contra o regime militar e a luta pela redemocratização do país por meios pacíficos.

De modo geral, o “bolchevismo” adotava três ideias-força: a implantação do socialismo a partir do Estado, a inevitabilidade da “guerra civil” para a manutenção do poder e a necessidade de neutralizar a reação das potências imperialistas. Essa visão pautou o comportamento da esquerda no Brasil, principalmente dos setores que optaram pela luta armada contra o regime militar, alguns dos quais nunca fizeram autocrítica do seu fracasso.

A presidente Dilma Rousseff e o presidente do PT, Rui Falcão, são remanescentes da guerrilha urbana. A ideia de renúncia ao poder não passa por suas cabeças. Diante da crise econômica, política e ética, a postura da esquerda governista cada vez mais reflete uma espécie de “bolchevismo tardio”. Aposta no Estado para controlar o país, sua economia e a sociedade. Usa de todos os meios para se manter no governo e considera um retrocesso a alternância de poder. Adota a retórica nacionalista para tratar os adversários como inimigos do povo e traidores da pátria. Vê o crescimento da oposição como suposta conspiração golpista articulada pelos Estados Unidos. Viola as regras do Estado democrático de direito ao mesmo tempo que pretende usufruir de suas prerrogativas e garantias.

A lealdade de Aragão - Merval Pereira

O Globo, Domingo, 20.3.2016

O ex-subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, resolveu mostrar para Lula toda sua lealdade e, nomeado ministro da Justiça, desandou a falar contra a Operação Lava-Jato. Ameaçou afastar de investigações criminais delegados e agentes suspeitos de vazamento de informações sigilosas, e classificou de “extorsão” o método usado pelos procuradores para obterem as delações premiadas.

Aragão é o mesmo a que o ex-presidente Lula se referiu numa conversa com seu ex-ministro Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos, quando se queixava da atuação dos procuradores do Ministério Público: “O problema é o seguinte, Paulinho. Nós temos que comprar essa briga. Eu sei que é difícil, sabe. Eu às vezes até fico pensando se o Aragão deveria cumprir um papel de homem naquela porra, porque o Aragão parece nosso amigo, parece, parece, parece, mas tá sempre dizendo ‘olha… sabe, porra’”, diz Lula para Vannuchi.

As declarações recentes de Aragão provocaram uma reação vigorosa da Associação Nacional dos Delegados, que amanhã se reunirá para decidir se entra na Justiça com um mandado de segurança para impedir afastamentos preventivos de policiais federais. Também o deputado federal Raul Jungmann entrará com uma ação em defesa da imparcialidade na atuação da Polícia Federal. Impetrará um mandado de segurança coletivo no STJ contra o ministro, para impedir que ele dê ordens ou orientações para a substituição sumária ou arbitrária de equipes de agentes da Polícia Federal envolvidos na Lava-Jato, sem a apuração e demonstração adequada dos fatos que a justifiquem.

O deputado do PPS, que foi o autor da ação no Supremo que redundou na saída do ministro da Justiça anterior, entrou também com outra ação do mesmo teor no Supremo Tribunal Federal contra Aragão. A ministra Cármen Lúcia já deu dez dias para que o novo ministro se defenda, e Jungmann acha que até lá ele não deveria tomar nenhuma medida.

“O mais interessante seria o pedido de liminar determinar que, para evitar prejuízos ou dúvidas durante a tramitação do mandado de segurança, o ministro, pessoalmente ou por seus subordinados, se abstenha de dar ordens ou orientações a qualquer membro da PF a não ser por ato administrativo escrito e autuado em expediente administrativo regular, bem como de se reunir ou se comunicar com qualquer autoridade da PF sem o registro completo do conteúdo das conversas, por meio eletrônico, que deve ser conservado para apresentação imediata à autoridade judicial, caso requisitado”.

Aragão também é membro do Ministério Público, mas como fazia parte da instituição antes da Constituinte de 1988, que proibiu que seus membros fossem nomeados para o Poder Executivo ou exercessem outras funções que não o magistério, se considera apto a assumir o ministério. Não é esse o entendimento do STF, defende Jungmann, baseando-se em um acórdão do ex-ministro Eros Grau, aprovado pelo plenário, que diz que os procuradores anteriores à Constituinte podem optar por manterem garantias e vantagens burocráticas da carreira, mas não estão isentos das proibições que visam garantir a independência dos poderes.

Até mesmo no Conselho Superior do Ministério Público Federal, que tem um entendimento mais flexível sobre a interpretação da Constituição e autorizou a posse de Aragão no ministério, o relator do caso considerou que ele não tinha condições de assumir o Ministério da Justiça porque, segundo o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, não fez a opção pelo regime anterior, conforme exige a Constituição Federal.

No mesmo parecer, o subprocurador diz também que há conflito de interesse na nomeação, pois Aragão até recentemente era subprocurador-geral eleitoral, por três anos, o que o impediria de ser subordinado “àqueles que participaram do pleito passado”, comprometendo a independência do Ministério Público.

O temor diante das intempestivas declarações do recém-nomeado ministro é que ele tenha sido nomeado justamente para conter as investigações da Lava-Jato.

O inimigo de todos - Míriam Leitão

O Globo, Domingo, 20.3.2016

Há um ponto em comum dos dois lados dessa batalha final da conflagrada cena política brasileira: inimigos de morte compartilham o mesmo sonho de que a Operação Lava-Jato arrefeça e, se possível, desapareça. Que seja anulada por um erro processual qualquer; que seja desmoralizada. Esse é o desejo do governo, do líder do impeachment da Câmara e do que vai presidir o processo no Senado. Eis o centro da contradição do momento político.

É incontornável o fato de que no comando desta primeira etapa do impeachment está um réu da Lava-Jato. É também fato que o governo se sente diretamente ameaçado pela operação, e o evento da ida do ex-presidente Lula para o abrigo anti-Moro da Casa Civil é parte da estratégia de lutar contra a Lava-Jato. Até a oposição, depois da citação de Aécio Neves, tem restrições à operação. Na lista do impeachment há pessoas que não podem ser juízes de coisa alguma, como Paulo Maluf. Aliás, o mesmo personagem notório da tragédia brasileira, criminoso procurado em outros países, estava na longa lista de nomes que a presidente Dilma saudou na cerimônia-comício no Palácio do Planalto.

É bom que se lembre que a presidente Dilma não enfrenta o processo de impeachment pelas revelações da Lava-Jato, apesar de estar cada vez mais claro que houve dinheiro desviado da Petrobras na sustentação da base de apoio do governo, e no financiamento de campanha. Permanecem ainda inexplicados os depósitos da Odebrecht na conta de João Santana no exato momento em que ele prestava serviços à presidente Dilma na campanha. E há ainda os relatos dos parceiros de crime sobre pagamentos de propina aos políticos em cada negócio ou contrato da Petrobras. O governo fica cada vez mais tingido de sujeira no avanço das investigações.

É preciso renunciar à própria inteligência para acreditar que a presidente Dilma de nada soubesse, jamais tenha desconfiado do que se tramava para elegê-la e mantê-la no poder. Essa abstração da realidade já foi feita em relação a Lula no mensalão. E nos fez mal. O chefe passou a ser José Dirceu, que pode sim reivindicar o papel de chefe adjunto, mas não o do fim da cadeia de comando. Na hipótese irreal de que nem rumores tenham chegado aos ouvidos de Dilma, então ela deveria deixar o cargo, espontaneamente, por inépcia. É perigoso ter alguém tão alheio aos fatos no comando do país.

Mas a acusação central do impeachment é ter a presidente cometido crime fiscal. Quem viu nascer o arcabouço legal que garantiu a estabilização não consegue achar que é pouco o que foi feito por Dilma e sua equipe econômica. Houve manipulação de dados fiscais para escamotear a verdade das contas públicas e contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal, e isso foi a origem do colapso em que estamos, com inflação e recessão. Ela fez uma gestão temerária da política econômica. Isso é muito sério.

O impeachment ganhou força com o andar das investigações da Lava-Jato ainda que não tenha sido este o centro da denúncia dos juristas que apresentaram o pedido de impeachment. Mas a Lava-Jato esteve o tempo todo na mente dos que comandam este processo, principalmente o deputado Eduardo Cunha. O que alimentou o ódio de Cunha foi a convicção de que o governo teria usado a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e até o Supremo contra ele na investigação. A acusação é completamente falsa, porque tudo o que o governo gostaria, como se ouviu nos diálogos de Lula, era usar a PF, a PGR e o STF para se proteger. O governo de fato mandou enviados especiais para sondar ministros do Supremo. Um dos ministros chegou a ouvir a sugestão de que "controlasse Sérgio Moro", esse inconveniente juiz de primeira instância. E respondeu que Moro tem autonomia de decisão, e se não gostam dos seus julgamentos, recorram às instância superiores.

O caminho do TSE seria de fato o melhor para enfrentar as dúvidas sobre a relação da campanha de Dilma com os crimes investigados na Lava-Jato. No Congresso o processo tem um vício de origem. Para o país discutir de forma mais correta se deve ou não abreviar o tempo da chapa Dilma-Temer no poder, o melhor seria a Justiça. E a solução que mais atende às aspirações do país, neste momento, é a realização de novas eleições, sem os vícios que, se sabe agora, teve a eleição de 2014.