‘Agora o caminho é o impeachment’
• FHC afirma que ruas ditam ritmo do processo e que sentiu tristeza por ‘Lula enterrar a própria história'
Alberto Bombig – O Estado de S. Paulo, Domingo, 20/03/2016
SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou com exclusividade ao Estado que a petista Dilma Rousseff precisa ser afastada da Presidência pelo Congresso. Segundo ele, essa é a única saída para as crises política e econômica.
No início deste ano, FHC chegou a questionar a legitimidade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu no Supremo Tribunal Federal, para conduzir o processo de afastamento. Mas, depois do último dia 13, quando milhões de brasileiros se uniram no maior protesto contra Dilma e o PT, ele afirma que a legitimidade do processo não vem do Congresso, mas das ruas.
FHC diz que o PSDB deve contribuir com eventual governo do atual vice-presidente, Michel Temer (PMDB), com ou sem cargos na Esplanada dos Ministérios.
O ex-presidente negou que tenha enviado recursos de maneira ilegal para a jornalista Mirian Dutra no exterior, com quem manteve um caso extraconjugal, e disse que não participou da decisão dela de deixar o Brasil.
Leia a seguir a entrevista:
No fim do ano passado, o senhor mantinha dúvidas em relação ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mudou a percepção do senhor?
Mudou. Eu fui passo a passo. Cheguei a defender que ela tivesse um gesto de grandeza e renunciasse. Eu sempre procurei ter uma atitude serena em relação a esses processos políticos e especialmente em relação à presidente Dilma. Dificilmente você vai ver uma palavra agressiva minha em relação à presidente Dilma. Não apenas pela consideração institucional, mas também pessoal. Mas, com a incapacidade que se nota hoje de o governo funcionar, de ela resistir e fazer o governo funcionar, eu acho que agora o caminho é o impeachment. Se eu bem entendi o que as ruas gritaram, foi isso. As ruas gritaram (no dia 13) renúncia, fim, impeachment.
Mas o senhor sempre alertou que esse era um processo doloroso...
Continua sendo doloroso, mas os fatos se impõem. Tão doloroso quanto o impeachment é assistir ao desfalecimento da economia e da sociedade.
E a ação de seu partido, o PSDB, no TSE, para impugnar o mandato?
Ela é demorada e permite recurso no Supremo. Deve seguir, mas eu acho que, neste momento, se requer urgência para uma solução no Congresso.
E o pós-Dilma, caso o impeachment venha a se concretizar?
As instituições brasileiras estão mais sólidas do que estavam no impeachment do ex-presidente Fernando Collor (1992). Não há temor de um retrocesso institucional. Tudo na política depende não apenas das circunstâncias, mas da capacidade de condução do processo. No caso do impeachment, o natural é que assuma o vice, o Michel Temer. Vai depender dele e das forças que ele for capaz de juntar. O País quer a continuidade da Lava Jato, soluções para as questões econômicas prementes, respeito à institucionalidade.
Como o senhor avalia a crise?
Eu fiquei chocado com o que vi nesta última semana. A maneira pela qual pessoas que são detentoras de cargos públicos e, no particular, nas conversas, alimentam motivações, ideias e desejos que não são institucionais, usando inclusive palavras de baixo calão, falando “nessa hora vamos quebrar o pau, você tem de fazer não sei o que, não sei o que lá, tem de forçar...”
O senhor está se referindo aos grampos do ex-presidente Lula?
Não só do Lula. Do Lula eu fiquei mais estarrecido com o depoimento dele à Polícia Federal. Eu fiquei estarrecido, sabe por que? Porque eu também sempre que pude preservei a memória do Lula. Eu conheço o Lula há décadas, vi o Lula em São Bernardo (do Campo). Você se lembra que quando o Lula ganhou na eleição do candidato do meu partido e fiz tudo para que houvesse uma transição dentro das instituições. Foi com emoção que eu passei a faixa pra ele e vice-versa. São momentos densos historicamente. Você ver o Lula enterrar a própria história? Isso me dá tristeza. Eu não comemoro esse fato, me dá tristeza, bem ou mal o Lula teve um papel no Brasil. Você lê o depoimento dele à Polícia Federal... As palavras que ele usa, a negativa sobre qualquer responsabilidade sobre qualquer coisa. O Brasil está precisando do contrário disso. Se alguém vier a suceder a Dilma, esse alguém tem de transmitir ao País um sentido simbólico até de respeitabilidade, responsabilidade, cuidado com as palavras, atenção ao povo e, sobretudo, um sinal de que é capaz de unir o País. Não se trata apenas de coesão com os partidos, que estão na sua pior fase, se trata de coesão com o País. Quem vão ser os ministros? Pessoas que sejam comprometidas com as suas áreas.
O PSDB, se for chamado a participar de um novo governo, deve dizer sim?
O PSDB necessariamente deverá responder o que se espera dele, que é ajudar dar a dar rumo ao Brasil. Quem comanda é quem dá a pincelada fundamental, é o presidente. O PSDB não pode dizer “eu quero ser ministro”. O PSDB tem de perguntar ao presidente o que ele vai fazer com o País. Se estiver de acordo, tem de apoiar. Necessariamente, não significa ministério. Ir além disso é fazer especulação.
Qual seria a primeira tarefa do novo presidente?
Mudar a estrutura político-eleitoral. Isso não se faz do dia para a noite. A eleição, com as regras de hoje, repete a Câmara e o Senado. O sistema está truncado. Até 2018 tem de mudar isso. A rua não confia no sistema.
E o parlamentarismo?
Sou parlamentarista, mas hoje não há condição. Sem haver base partidária sólida, não tem como. O futuro presidente pode criar condições para. Parlamentarismo agora é o poder ao Congresso. Quem vai ser o primeiro ministro? O presidente da Câmara também é atingido (pela Lava Jato).
Eduardo Cunha tem legitimidade para conduzir o impeachment?
A legitimidade do impeachment não está vindo do Congresso hoje, está vindo da rua.
O senhor é alvo de uma investigação da Polícia Federal...
Ainda não, mas espero ser.
De qualquer forma, já foi anunciado pelo ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo que o senhor será por conta das acusações da jornalista Mirian Dutra de que o senhor fez remessas para o exterior de maneira ilegal.
Essa senhora foi contratada por uma empresa que não era brasileira. Remeter o que? Para quem? Se o pagamento era feito lá fora por uma empresa não brasileira? Se crime tivesse, já teria sido prescrito, foi em 2002. Ela foi contratada nos meus últimos 15 dias de mandato. Nunca remeti divisa nenhuma. Eu fui professor nos Estados Unidos, no Chile, na França, na Inglaterra. Eu tinha conta em todos esses lugares, registradas, de maneira legal. Eu acho bom (a investigação) para acabar com as suspeitas que foram lançadas por uma única pessoa, sem nenhum documento, nem nada. Agora, eu, como todo brasileiro, tenho obrigação de esclarecer se me disserem o que eu fiz.
Ela disse numa entrevista que foi exilada no exterior (segundo a jornalista, em entrevista à Folha de S. Paulo, ela se sentia exilada na Europa depois de ter deixado o Brasil quando teve um filho que chegou a ser atribuído a FHC) e que o senhor teria participado desse exílio...
Nunca. Absolutamente, nunca. Pergunte a ela como foi o processo dela ir para fora. Eu não sabia.
É possível reverter o cenário atual em curso ou a mudança é obrigatória na sua visão?
Quando há a ameaça de que esse governo vai ser substituído, a bolsa sobe e o dólar cai. A questão fundamental é de credibilidade. Chegamos a este ponto por erros acumulados de política econômica, mais da Dilma do que Lula. O Brasil saiu um pouco da linha da história.
Michel Temer tem condições de liderar este momento?
A história faz o líder.
‘Diálogos são coisa de chefe de bando’
O senhor se preocupa com o acirramento da disputa política?
Sim. Eles estão colhendo tempestade. Quem começou com a ventania foram eles do PT. Faz muito pouco tempo eu fui almoçar com o prefeito de São Paulo (Fernando Haddad-PT) e depois fui com ele ao teatro. Para mostrar que, por mais que você possa discordar, você não pode transformar seu adversário em inimigo. Fazer o jogo do conflito é fazer o jogo contra as instituições e contra os interesses da democracia. Essa não é a posição da oposição e não deve ser.
Os grampos divulgados pela Lava Jato com o presidente Lula convocando militantes para a briga...
Quer que eu diga o que é? Irresponsável. Um líder nacional não tem o direito de jogar parte do povo contra outras partes do povo e o conjunto contra as instituições. É um palavreado totalmente inadequado. O que mais me chocou nesses áudios, sem discutir se eles são legítimos ou não, se são verdadeiros... Não se discute se eles são verdadeiros, eles são verdadeiros, foi o baixo teor do palavreado e o tipo de atitude revelado através deles. (Os diálogos) Não têm nada de republicano, nada de democrático, é uma coisa de chefe de bando.
Como o senhor interpreta a volta de Lula ao Planalto, a nomeação dele como ministro da Casa Civil?
A presidente Dilma deu um sinal de que renuncia ao poder. Só que não foi institucional. Se é para renunciar, passa para o vice-presidente da República. Aí tem um cheirinho de golpe, de golpe palaciano. A função de um ministro da Casa Civil é de coordenação administrativa. Se você confunde essa coordenação com a política, dá a sensação de que vão usar a função para fazer politiquice.
A intenção foi mudar o foro?
Em política, não adianta você julgar a intenção, são os fatos.
A presidente Dilma sempre repetia que o governo dela apoiava a Lava Jato. De um mês pra cá, ela mudou...
Houve uma mudança efetiva no comportamento da presidente Dilma. O discurso que ela fez (na posse de Lula), o modo como as pessoas foram convocadas, transformaram o palácio num segmento político. Ela fez uma defesa política de seus companheiros, abraçou seus companheiros. Mudou de posição. A posição dela era de magistrada. Ela podia até dizer: “eu, como magistrada, acho que foram além do limite nisto e naquilo”. Pode ser. Eu também respeito direitos individuais, temos de garantir os direitos individuais, não estou endossando tudo que tenha sido feito (pela Lava Jato). Mas não foi isso que ela fez. Ela se confrontou com a Justiça, e a Justiça reagiu. As ruas reagiram.
Qual a interpretação do senhor da Operação Lava Jato?
É a expressão da modernização do Brasil e do robustecimento de instituições, o que é positivo. Eu nunca vi a Polícia Federal ser aplaudida na rua. Houve o reconhecimento de que ela funcionou como órgão de Estado.
O senhor não acha que houve exagero no depoimento coercitivo de Lula e na divulgação do grampo com Dilma?
A medida coercitiva não foi só para o Lula. A divulgação dos áudios é uma questão jurídica. Mas interessa o conteúdo. Aquilo é verdade ou não? Fez não fez? Eu fui pego em grampos duas vezes. Um era um grampo ilegal de briga de empresas e o outro era briga menor e foi feito com autorização do juiz. Não foi a mim, era uma terceira pessoa e me pegaram. A mim nunca passou pela cabeça discutir se era isso ou aquilo. A escuta telefônica é um instrumento que tem de estar sob controle da Justiça, eu não tenho dúvida quanto a isso. Mas eu não vejo que a Lava Jato tem centrado sua atuação nisso, eles têm centrado em busca de provas. Você tem momentos no Brasil de mudança qualitativa. A Constituição foi um, o Real foi outro. Nós estamos vivendo um outro momento desse tipo e a Lava Jato faz parte disso. São pilares da construção de um País mais decente, democrático, confiável. Os exageros devem ser coibidos. Mas o preço desses exageros não deve ser desmoralizar a Lava Jato. Houve a apropriação de setores do Estado por grupos organizados, políticos, que tiveram a conivência de setores empresariais, cujos recursos são públicos foram usados para sustentação de partidos e de pessoas. É um sistema.
Há delações, como a do senador Delcídio Amaral, que citam supostos desvios ocorridos durante seu governo e o presidente do PSDB, Aécio Neves.
No caso da Petrobrás no meu governo, o que eu posso garantir é que não houve corrupção organizada. O governo não tinha nada com isso. As pessoas não foram indicadas para isso. Quando houve denúncia, foi levada para os procuradores. Converse com o (então) presidente da Petrobrás, o Philippe Reichstul. Como não havia uma relação entre governo e Petrobrás próxima, eu nem sei o nome dos diretores. Eu vi o presidente Lula dizer uma inverdade, de que ele teve de mudar todos os diretores porque eram tudo tucanos, quando ele tomou posse. A escolha nossa para a Petrobrás não passou por partidos. Houve uma designação, a do Delcídio, que foi pressão do PMDB. Mas nunca chegou até mim que tivesse havido qualquer irregularidade praticada pelo Delcídio. Quer dizer que não houve? Não sei. Vamos investigar, o que posso garantir é que eu não tenho nada com isso e o poder político não estava sustentando irregularidades.
E o senador Aécio Neves?
Ele respondeu às acusações no Senado. Que eu saiba, a lista de Furnas é furada. A questão do “blind trust” da mãe dele ele explicou. A mãe dele é rica. E a outra coisa, da CPI, eu nunca tinha ouvido falar. Mas qualquer tipo de acusação a pessoa implicada tem de explicar.
Mas não abala o discurso do PSDB?
Se houvesse uma comprovação, sim. Mas não houve.
Aécio e o governador Geraldo Alckmin foram hostilizados por manifestantes domingo passado na Paulista...
Todo político um pouco mais experimentado não vai a jogo de futebol. Quando você tem aquela multidão, dá comichão de vaiar.
Como o senhor interpreta as ruas?
As ruas pediram três coisas basicamente, eu não estou endossando: Dilma fora, Lula na cadeia e viva a Lava Jato.