quinta-feira, 1 de outubro de 2020

William Waack* - Lição do debate americano

- O Estado de S.Paulo

Disputa indica uma crise constitucional, já que Donald Trump só aceita um resultado: sua vitória

 Não são nada boas as evidências trazidas pelo debate entre Donald Trump e Joe Biden sobre o estado geral da política americana. O debate trouxe a cara feia do que até há pouco era impensável: uma crise constitucional provocada por uma eleição de resultados contestados. Com Trump dizendo que só aceita um: o da sua vitória.

O que acontece no sistema político americano pesa de forma desproporcional no resto do mundo. Especialmente quando o país que serviu de referência – “a cidade de luzes no topo da colina”, na clássica definição – vai deixando de ser exemplo positivo.

 Os Estados Unidos são um país muito grande, muito rico, muito poderoso e que exerceu grande atração como modelo de vida pública e virtudes civis (há séculos, por sinal). Mas o debate da terça feira fez saltar aos olhos como se acelerou essa “virada para dentro”, o “deixa prá lá” em relação ao que se assumia como sendo o papel dos Estados Unidos de “nação líder” (pode-se gostar ou detestar esse papel, mas não dá para ignorar).

Nota-se na falta de conteúdo substantivo do debate a presença de uma espécie de doença infecciosa espalhada de tal maneira a ponto de grandes temas de formulação de políticas domésticas e internacionais mal receberem menções – uma das poucas foi sobre desmatamento da Amazônia, provavelmente pela sensibilidade que Joe Biden julga detectar no eleitorado democrata. É como se fosse uma “amnésia” em relação ao resto do planeta, assinalam comentaristas americanos.

Ascânio Seleme - Eles acreditam em tudo

- O Globo

As mentiras de Trump são uma estratégia política

Donald Trump é o maior mentiroso que já ocupou a Casa Branca. Segundo o “Washington Post”, em três anos e oito meses de governo, o presidente americano mentiu 20 mil vezes. Uma média de 12 mentiras a cada dia. Usando um termo que ele emprega muito, o homem é fenomenal no quesito. No primeiro debate da campanha presidencial, realizado na noite de terça-feira, a CNN contabilizou dez lorotas de Trump. Por outras cinco vezes, ele tentou enrolar seu oponente e o público e, em três oportunidades, tirou o assunto do contexto para trapacear. Em qualquer lugar do mundo, esse sujeito estaria liquidado politicamente. Nos Estados Unidos, não.

Os eleitores de Donald Trump acreditam em todas as suas mentiras. Trump disse no debate que pagou milhões de dólares em impostos federais, contrariando a reportagem do “New York Times” que detalha sua indiscutível sonegação fiscal. Seus eleitores acreditaram nele, e não na reportagem do maior jornal do mundo. É fake, estão repetindo aos milhões e continuarão negando a verdade ao longo das próximas semanas, até a eleição do dia 3 de novembro. Eles acreditam cegamente em Trump e em todos os que mentem em seu nome ou a seu favor.

O excelente documentário “United States of Conspiracy” (Estados Unidos da Conspiração), disponível no YouTube, mostra como são absurdas as mentiras contadas por Trump e seus aliados, e como elas são engolidas facilmente pelos eleitores do presidente americano. Produzido pela PBS, uma emissora de TV pública, o documentário reúne as maiores falsidades contadas aos americanos por notórios manipuladores de informações para fins políticos, como o teórico da conspiração Alex Jones, que se diz radialista e cineasta.

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro monta seu condomínio para 2022

- Valor Econômico

Escolha do presidente para a vaga no Supremo sugere uma lealdade compartilhada

A forma escolhida pelo presidente da República para anunciar sua nome para o Supremo Tribunal Federal fala mais do que o indicado em pauta. O ministro Gilmar Mendes recebeu um telefonema na tarde desta terça-feira do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que lhe avisou da ida de Bolsonaro à sua casa à noite. O presidente chegou com o desembargador Kassio Nunes a tiracolo para apresentá-lo ao dono da casa e ao ministro Dias Toffoli.

Como não houve anúncio oficial, o ministro Celso de Mello só deixará o cargo daqui a 12 dias e trata-se de um convite de Jair Bolsonaro, convém cautela. A presença de dois ministros do STF, do presidente do Senado e de um ministro da República (Fábio Faria) no encontro, porém, levou os presentes a considerarem o anúncio como uma decisão sem volta.

A escolha surpreendeu a todos porque sempre se considerou a lealdade como o critério-mor, tendo em vista as circunstâncias jurídicas que cercam o presidente e sua família. Some-se a isso o trauma petista que Bolsonaro tomou para si. Os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff indicaram oito ministros dos 11 que estão no Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, o habeas corpus de Lula foi rejeitado, em 2018, por seis votos a cinco. O ex-presidente só seria libertado um ano e meio depois quando o STF, já com Bolsonaro no poder, reviu a prisão em segunda instância.

Daí porque o ritual da escolha importa. A começar pelo portador. Ao escolher Alcolumbre para o papel, Bolsonaro torna-se credor do presidente do Senado em sua busca pela recondução ao cargo. A intenção do senador de forjar sua elegibilidade com uma mudança no regimento da Casa será contestada no Supremo, onde a presença de um ministro aliado pode pesar a favor da tese de que se trata de uma decisão que cabe ao Senado.

Merval Pereira - Centrão no STF

- O Globo

Como tudo na ação política de Bolsonaro, nem sempre o que parece ser, é. Assim, já corre em Brasília a tese de que a surpreendente escolha do desembargador Kassio Nunes para substituir o ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) é apenas um balão de ensaio, que pode não se concretizar.  

Estaria testando a resistência do nome às chuvas e trovoadas que normalmente ocorrem nessas ocasiões. Uma primeira impressão é que o nome passa bem no teste, mas as pressões internas para que o indicado seja um ministro do STJ, mais graduado que o desembargador, estão intensas.     

A escolha tem aspectos bons, como não se basear em critérios estapafúrdios para indicar alguém “terrivelmente evangélico”, ou que tome cerveja com ele, e outros nem tanto, como fazer uma escolha claramente baseada em critérios políticos.  

Assim como Dias Toffoli foi nomeado por ter sido advogado do PT, o desembargador Kassio Nunes é um escolhido do Centrão. Quando foi nomeado para a vaga do quinto constitucional no Tribunal Federal Regional, em 2011, teve o apoio do então governador petista Wellington Dias, preferia ir para Brasília a ficar em Recife, no TRF-5, que abrange o nordeste. 

Bernardo Mello Franco – Mordaça no vôlei

- O Globo

A atleta Carol Solberg foi denunciada ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva por gritar “Fora Bolsonaro” após um jogo de vôlei de praia. O caso mostra que a hipocrisia e o governismo continuam a ditar as regras no mundo do esporte.

A perseguição foi iniciada pela Confederação Brasileira de Voleibol. A entidade divulgou uma “nota de repúdio” e prometeu tomar “todas as medidas cabíveis” contra a jogadora, que já estava sob ataque das milícias virtuais. Por dizer o que pensa, ela foi acusada de violar a “atitude ética que os atletas devem sempre zelar” (sic).

Curiosamente, a confederação não se incomodou quando os jogadores Wallace e Maurício Souza manifestaram apoio a Bolsonaro com a camisa da seleção. Às vésperas da eleição de 2018, a dupla fez o número 17 com os dedos após uma partida do Mundial. Na época, a CBV afirmou que “acredita na liberdade de expressão”.

A Comissão Nacional de Atletas do Vôlei de Praia, que deveria defender Carol, preferiu aderir ao linchamento. O grupo é chefiado pelo campeão olímpico Emanuel Rego, que ocupou cargo no governo até junho.

Os ataques chegaram ao ápice na segunda-feira, quando o procurador Wagner Dantas pediu que Carol seja condenada a multa de R$ 100 mil e suspensão por seis torneios. Na CBN, o jornalista Juca Kfouri lembrou que o STJD nunca julgou cartolas acusados de corrupção, como Ricardo Teixeira e Carlos Arthur Nuzman.

Luiz Carlos Azedo - Aonde Guedes quer chegar?

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A troca de acusações entre Guedes e Maia é sinal de que a relação entre ambos se deteriorou de tal forma que o diálogo será quase inviável. Quem mais perde com isso é a sociedade.

Ontem foi um dia de mais confusão na área econômica. O ministro da Economia, Paulo Guedes, rechaçou a proposta de utilização dos recursos destinados aos precatórios para viabilizar o programa Renda Cidadã, muito criticada pelos especialistas, como se nada tivesse a ver com ela. A medida foi anunciada pelo relator da PEC Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), depois de ter sido aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro e, pasmem, o próprio Guedes. O ministro da Economia também estava com Bolsonaro e os líderes do governo no Congresso quando a proposta foi anunciada.

“Um projeto dessa magnitude jamais seria apresentado se não tivesse o conhecimento e a aprovação do presidente da nação e o carimbo de OK do ministro da Economia”, disse Bittar, segundo o qual Guedes havia dado uma demonstração cabal de que concorda com a proposta, durante a sua reunião com Bolsonaro. Na manhã de ontem, porém, Guedes disse que o gasto com precatório estava sendo examinado com foco no controle de despesas e que não era “uma fonte saudável, limpa, permanente, previsível” para financiar a nova política de transferência de renda do governo. Ou seja, detonou a proposta de Bittar. Na terça-feira, apesar das críticas, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, também havia anunciado que o Palácio do Planalto não recuaria da proposta.

A grande interrogação é se a postura de Guedes teve aval do presidente Jair Bolsonaro, que gosta desse faz que vai mas não vai, ou o ministro da Economia se encheu de brios e resolveu marcar posição mais responsável sobre a questão fiscal. A primeira hipótese é mais provável, porém, outra declaração polêmica de Guedes levanta suspeitas de que pode ser a segunda. O ministro da Economia acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de ter feito um acordo com a esquerda para não aprovar as privatizações.

Ricardo Noblat - A história exemplar da escolha de um ministro para o Supremo

- Blog do Noblat | Veja

Kássio atirou no que viu e acertou no que não viu

Bolsonaro desistiu da escolha de um ministro para o Supremo Tribunal Federal que atendesse seus convites para tomar cerveja. Uma vez que pode ir, de repente, a casa de um ministro para reunir-se com ele e com outro e, juntos, avaliarem a escolha que fez, por que se preocupar com cerveja? Bebe-se uísque.

Dias Toffoli foi advogado do PT e Advogado-Geral da União no governo Lula. Gilmar Mendes, Advogado-Geral da União no governo Fernando Henrique. Ora, por que Kássio Nunes Marques, um piauiense de 48 anos, não pode ser indicado pelo Centrão? Kássio nem é um Centrão puro sangue. É tudo misturado.

Em 2011, para ocupar uma vaga de desembargador no Tribunal Regional Federal (TRF1), em Brasília, Kássio contou com amplo apoio político. Wellington Dias, governador do Piauí eleito pelo PT, o apoiou. O governador anterior, do PSB, também. E mais Renan Calheiros (PMDB), à época presidente do Senado.

E o senador por Roraima Romero Jucá (PMDB). E o ex-presidente José Sarney (PMDB). E, naturalmente, o vice-presidente da República Michel Temer. Além da Ordem dos Advogados do Brasil. Então a presidente Dilma Rousseff o nomeou, e ele tratou de empregar sua mulher como funcionária do Senado.

Kássio estava em campanha para ser ministro do Superior Tribunal de Justiça, e foi nessa condição que no início desta semana conheceu Bolsonaro no Palácio da Alvorada, levado por seu conterrâneo, o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, partido do Centrão que aderiu ao governo há poucos meses.

O papo agradou tanto a Bolsonaro que, a certa altura, ele disse:

– Você vai ser ministro do Supremo.

Kássio corrigiu-o, pensando que ele se enganara:

– Do Supremo, não, do STJ, presidente.

– Não, vai ser ministro do Supremo – decretou Bolsonaro.

Bruno Boghossian – O equilibrista

- Folha de S. Paulo

Reviravolta mostra dificuldade do presidente em equilibrar suas alianças de conveniência

A corrida pela próxima vaga do STF ensina a Jair Bolsonaro o desafio de equilibrar as alianças de conveniência que o sustentam no poder. A reviravolta produzida pelo presidente aprofunda seu namoro com a classe política, mas também coroa seu divórcio com o lavajatismo e aborrece parte da base ideológica mais radical do governo.

A escalada do juiz federal Kássio Nunes ao posto de favorito à primeira indicação de Bolsonaro para a corte se deu contra os sinais públicos que o presidente emitia sobre a decisão. Nos últimos dias, ele buscou apoio do centrão e apresentou seu escolhido para ministros do STF que representam a ala do tribunal mais crítica aos excessos da Lava Jato.

Antes de chegar ao Planalto, Bolsonaro já explorava o poder de indicar novos ministros para surfar na onda anticorrupção. Na campanha, ele falou em aumentar o número de cadeiras do STF e prometeu nomear “dez do nível do Sergio Moro” para a corte. O papo ajudou a colar sua candidatura à imagem da operação.

Maria Hermínia Tavares* - Na pandemia, obrigados a ser fortes

- Folha de S. Paulo

Experiências de solidariedade deveriam inspirar políticas públicas

Perdendo a enésima oportunidade de ficar calado, Bolsonaro chegou não faz muito a desdenhar dos que ficam em casa para se proteger da pandemia. "É para os fracos", decretou, quando já passavam de 135 mil os mortos pela Covid-19. Na realidade, os "fortes", expostos diariamente ao novo coronavírus, são muitos —e muito diversos em estilo e condições de vida.

A grande maioria é formada por aqueles para os quais o isolamento não é opção, por lhes faltarem renda, moradia adequada, acesso a saneamento e água potável. São os milhões de pobres, predominantemente negros, que vivem nas periferias ou nos centros degradados de nossas cidades.

É difícil saber ao certo como vêm passando e de que modo têm reagido à pandemia. O pouco que se conhece de sua dor e de sua força deve-se à Rede de Pesquisa Solidária, que reúne mais de uma centena de estudiosos de diferentes formações e filiações acadêmicas, engajados em levantar dados que ajudem a melhorar a ação dos governos durante e depois da pandemia.

Um grupo de membros dessa rede, coordenado pela socióloga Graziela Castello, vem coletando periodicamente informações junto a lideranças comunitárias de várias capitais brasileiras sobre os principais problemas enfrentados pelas populações mais vulneráveis.

Fernando Schüler* - Notas incômodas de um ano triste

- Folha de S. Paulo

A inércia do ensino público produzirá mais desigualdade, mas o sistema é de 'não culpados'

Thiago conta que “não são aulas por vídeo”. Diz que é só uma interação. “A gente fala mais de cultura, racismo, bullying, coisas assim.” Isabela explica que o problema é a internet. “O sinal é fraco. Não tem aula, só atividade remota. No fim não entendia mais nada, desisti.”

Nas últimas semanas, li o que pude sobre nossa educação pública na pandemia. Me fixei nos relatos. Histórias dos alunos brigando com celulares que não funcionam e emails do colégio que não respondem. E dos alunos, em especial no ensino médio, que vão desistindo.

Os especialistas dizem que a evasão vai aumentar. Demétrio Magnoli cunhou um termo algo assustador: teremos a geração covid. Ela nos lembrará por muito tempo sobre como este ano triste foi também um ano irresponsável.

Alguns sugerem cancelar o ano letivo, quem sabe aprovar todo mundo, começar tudo no ano que vem. Os sindicatos fazem o jogo do nirvana. Aula tem que ser presencial, mas presencial não dá. Só depois da vacina. Então não tem jeito, não é mesmo?

Ribamar Oliveira - A impressão é de um governo perdido

- Valor Econômico

Bolsonaro não aceita sugestões apresentadas por seu ministro da Economia, e há um bate cabeça da área técnica com os líderes políticos que apoiam o governo

Na segunda-feira passada, na presença do presidente Jair Bolsonaro, do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta orçamentária para 2021, anunciou a criação do novo programa social do governo, que chamou de Renda Cidadã. Ele informou que o governo iria limitar o pagamento de precatórios judiciais e, com os recursos que sobrariam, financiar o programa. Ontem, o ministro Paulo Guedes surpreendeu o país ao afirmar que nada daquilo valeu. Chegou a sugerir que nunca se pensou em tal coisa.

O anúncio de Bittar, no Palácio do Planalto, está gravado e pode ser facilmente acessado na internet. O mais impressionante é que, no dia seguinte, o próprio Bittar e o líder Ricardo Barros reafirmaram a decisão e negaram que o governo pudesse recuar de sua proposta, mesmo com a forte reação contrária dos mercados.

A avaliação unânime dos analistas foi de que o governo estava propondo uma “pedalada fiscal”, com a postergação do pagamento dos precatórios. Iria transferir uma dívida, que todo ano a Justiça manda pagar, para ser quitada pelas futuras gerações.

Guedes aproveitou ontem a entrevista de divulgação dos dados do Caged, que mostraram uma forte criação de empregos com carteira assinada em agosto, para alterar inteiramente o discurso oficial sobre os precatórios. “Sabemos que precatórios são dívidas líquidas e certas, transitadas em julgado. Ninguém vai botar em risco a liquidação de dívidas do governo. Vamos pagar tudo”, disse, demonstrando uma certa exaltação. “Estamos aqui para honrar compromissos. Compromisso fiscal, de dívida”, acrescentou.

Vinicius Torres Freire – Ano vai à breca com CPMF e pedalada

- Folha de S. Paulo

Imposto de Guedes, Renda Cidadã com calote e outras disputas paralisam Congresso

Está uma zorra total e não vai haver Carnaval. A pedalada do Renda Cidadã subiu no telhado ou, pelo menos, o governo tenta dourar a pílula da moratória dos precatórios, que o povo do mercado e quase todo mundo cuspiu. Na Câmara, há estranhamento entre parte dos parlamentares de DEM, MDB e PSDB e outros que querem tocar a reforma tributária e o centrão, que assumiu de vez o comando parlamentar do governo. Graças ao sururu causado pela CPMF, mas não apenas, a mudança dos impostos está indo para o vinagre. O resto do ano no Congresso fica cada vez mais curto.

Paulo Guedes tenta sair de fininho do vexame do plano pedalada. Além do mais, se estranha cada vez mais com Rodrigo Maia, até agora condestável das reformas, cada vez mais desafiado pelo centrão, se por mais não fosse porque começou a disputa pela presidência da Câmara em 2021.

Segundo o padrão bolsonarista de disseminar “fakes” e tirar o corpo fora, Guedes disse nesta quarta-feira que “há boatos” de que Maia e a esquerda fizeram acordo para barrar privatizações”, aquelas que, no entanto, o governo não consegue organizar ou mandar para o Congresso.

Maia respondeu que Guedes está “desequilibrado” e recomendou que o ministro da Economia veja “A Queda”. Hum.

Trata-se do filme que deu origem àquela série de memes com paródias da cena do chilique de Hitler. Narra a vida no bunker nazista em Berlim, sob fogo dos soviéticos. A interpretação mais benevolente da dica de Maia é que Guedes poderia aprender algo com a história de um bando de psicopatas assassinos à beira do fim, ainda mais alheados da realidade, presos a uma bolha física e mental.

Celso Ming - Bolsonaro quer marcar gol de mão

- O Estado de S.Paulo

O programa Renda Cidadã, pretendido pelo governo Bolsonaro, é calote, é pedalada, é contabilidade criativa

Todos os qualificativos sobre o passa-pernas pretendido pelo governo Bolsonaro para criar a Renda Cidadã já foram mencionados pela imprensa: é calote, é pedalada, é contabilidade criativa.

A Renda Cidadã é o nome fantasia com que o governo Bolsonaro batizou o projeto de ampliação do Bolsa Família, que assume características de renda mínima ou de Imposto de Renda negativo. 

 Antes de seguir adiante, convém deixar claro que um programa social desse tipo não é apenas uma reivindicação das esquerdas ou dos populistas da hora. É uma necessidade de mercado ou do próprio sistema capitalista. Como o contrato de trabalho tal como o conhecemos está a caminho da extinção ou da irrelevância, é preciso cuidar da renda e, portanto, do mercado de consumo e da sobrevivência das próprias empresas. Nesse sentido, importa menos se sua criação tenha um viés eleitoreiro, como de fato tem. Ela passou a ser uma necessidade tanto social como econômica.

Míriam Leitão - Recados, indiretas e novos improvisos

- O Globo

Por Alvaro Gribel (interino)

Se a palavra do ministro Paulo Guedes ainda vale pelo governo, o programa Renda Cidadã voltou à casa zero. O ministro da Economia mudou sua agenda em cima da hora ontem à tarde para participar da divulgação dos dados do Caged, mas sobre o mercado de trabalho pouco falou e terceirizou para a área técnica. Ele aproveitou o espaço para disparar recados a aliados e ao próprio presidente Bolsonaro e ainda alimentou bate-boca com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Disse que havia rumores de que Maia interditara as privatizações após acordo com partidos de esquerda e que o novo programa social não pode ser financiado por “puxadinhos”.

Guedes se recusou a chamar o programa pelo nome Renda Cidadã e por três vezes falou em Renda Brasil, que havia sido proibido por Bolsonaro. Ao dizer que ele precisa ser a unificação de 27 projetos sociais, o ministro voltou à ideia inicial para o seu financiamento, que na visão do presidente significa tirar do pobre para dar ao paupérrimo. No mercado financeiro, a interpretação foi de que o ministro elevou o tom para demonstrar que não vai compactuar com pedaladas e contabilidade criativa. Para muitos investidores, a fala foi bem recebida, e houve quem entendesse que se o governo seguir por esse caminho Guedes deixará o cargo.

Zeina Latif - Melhor não despertar a ira dos investidores

- O Estado de S.Paulo

Precisamos, desde já, de um plano de contenção de despesas obrigatórias

Disciplina fiscal significa um país não gerar indefinidamente rombos orçamentários e aumento da dívida pública como proporção do PIB. Caso contrário, cedo ou tarde, vai enfrentar o revide dos credores: inicialmente demandando taxas de juros crescentes e, no limite, desistindo de financiar o governo, por medo de calote. Irão buscar investimentos mais seguros, inclusive fora do País. O resultado é o aumento da inflação. 

O espaço para governos esticarem a corda depende da crença dos investidores quanto à sua capacidade e disposição de fazer o ajuste das contas públicas, em algum momento futuro. Dois fatores são chave para essa expectativa: a capacidade do país de crescer de forma sustentada, o que é um selo de qualidade da ação estatal, e a credibilidade do governo, construída pelo respeito a compromissos feitos.

Países ricos conseguem se endividar mais. A dívida pública das economias avançadas estava na média em 104% do PIB em 2018 ante 50% nos emergentes. Em 2000, essas cifras eram 83% e 45%, respectivamente.

Desemprego tem a maior taxa desde 1992

Para analistas, ocupação deve voltar a crescer, mas não vai compensar aumento da procura

Por Bruno Villas Bôas | Valor Econômico

 RIO - O mercado de trabalho entrou no segundo semestre pressionado, com perda disseminada de ocupações e a taxa de desemprego no maior nível em 25 anos. Para analistas, a flexibilização do isolamento pode permitir alta na ocupação nos próximos meses, mas ainda em ritmo insuficiente para atender ao aumento da procura por trabalho.

Dados da Pnad Contínua divulgados ontem pelo IBGE mostram que a taxa de desemprego atingiu 13,8% no trimestre até julho, pior resultado da série histórica, de 2012. Nos cálculos da LCA Consultores, que construiu uma série mais longa de desemprego, seria o pior resultado desde 1995, pelo menos. São 13,13 milhões sem ocupação. Já os números de agosto do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostraram criação expressiva de vagas no setor formal. 

A taxa de desemprego de 13,8% ficou acima da mediana de 13,7% das projeções colhidas pelo Valor Data. E o avanço não foi maior porque parte dos trabalhadores que perderam ocupações desistiu de procurar vagas, migrando para a inatividade. Sem isso, a taxa teria atingido 24,1% no trimestre até julho, pelos cálculos do Goldman Sachs.

Pior do que o resultado acima do esperado, porém, foi a abertura dos indicadores da pesquisa. A população ocupada (empregados, empregadores, servidores e trabalhadores por conta própria) recuou para 82 milhões, menor nível da série histórica oficial, de 2012, após a perda 7,2 milhões de postos frente ao trimestre móvel anterior.

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Debate caótico expõe o risco que Trump representa para democracia – Opinião | O Globo

Semear confusão é a estratégia que resta ao republicano, cuja situação no mapa eleitoral é precária

Desde os debates entre John Kennedy e Richard Nixon em 1960 — os primeiros da história americana —, os Estados Unidos encaram o embate dos candidatos na televisão como um ritual da democracia. Mas o que se viu sessenta anos depois, na noite da última terça-feira em Cleveland, foge a qualquer tradição.

Nos 90 minutos do debate entre Donald Trump e Joe Biden houve, na conta do “Washington Post”, 93 interrupções — 71 provocadas por Trump. O bate-boca nada trouxe de relevante ao eleitor que buscava se informar para escolher candidato. Em vez disso, o clima lembrava uma luta de boxe em que um contendor não larga o adversário, por mais que o juiz — o moderador Chris Wallace — tente apartar os dois.

Por um acerto entre as campanhas de Biden e Trump, Wallace não tinha o poder de desligar o microfone, essencial para moderar discussões que descambam para ofensas e agressões. Para evitar o caos nos debates marcados para as próximas semanas (um entre os candidatos a vice), a Comissão de Debates Presidenciais anunciou que acrescentaria “estrutura adicional”. Nenhuma estrutura, porém, resolverá o problema destas eleições. Um problema com nome e sobrenome conhecidos: Donald Trump.

Trump deixou claro no final do debate que não está disposto a aceitar o resultado das urnas, caso não lhe seja favorável. Repetiu — sem apresentar prova — acusações de fraude no voto postal. Insinuou que a Suprema Corte decidirá sobre um resultado que “possivelmente não conheceremos por meses” (daí talvez sua pressa em indicar uma nova juíza conservadora ao tribunal). Num tom de ameaça velada, conclamou partidários a “examinar com cuidado” a votação e se recusou a condenar os supremacistas responsáveis pela violência racista. Num momento ambíguo, deu a entender que um desses grupos ficasse “de prontidão” (“stand by”).

Semear confusão é a estratégia que resta a Trump, cuja situação no mapa eleitoral é precária. Desde o início da campanha, Biden lidera as pesquisas nos estados decisivos por margem superior à de Hillary Clinton em 2016. O debate não mudará isso. O ingrediente que favorece Trump é, paradoxalmente, o que ele ataca: a alta proporção de votos postais tende a estender a apuração por vários dias e a abrir brechas a toda sorte de contestação na Justiça.

Nunca na história americana houve ameaça parecida. Nunca um presidente contestou a lisura do processo democrático antes mesmo da votação. A perspectiva continua incerta e imprevisível. As consequências poderão ser dramáticas para a estabilidade internacional e o futuro da democracia — e não só nos Estados Unidos.

Quino era todas as Mafaldas do mundo

Desenhista argentino tinha olhar crítico e politizado de uma sociedade que não mudou

Janaína Figueiredo | O Globo

RIO — Filho de republicanos espanhóis, com uma avó comunista e um avô anticlerical, Joaquín Salvador Lavado, conhecido por todos como Quino, cresceu numa família de imigrantes na Argentina profundamente politizada, que marcou seu pensamento e sua obra. Entre os dez e os 18 anos, esteve de luto pelas sucessivas mortes de seu avô, sua mãe e seu pai, o que o obrigou a usar uma faixa preta no braço que lhe provocava a “terrível sensação”, como ele mesmo descreveu, de sentir-se um nazista. Desde criança, rechaçou qualquer tipo de opressão social e essa aversão o acompanhou pelo resto da vida. Através do desenho, Quino, falecido nesta quarta-feira, aos 88 anos, vítima de complicações de um AVC, expressou suas angústias, frustrações, temores e visões de mundo.

A pequena e simpática Mafalda foi sua principal criação e seu trampolim para uma carreira de projeção internacional. Mas foi, também, uma prisão da qual o desenhista tentou sair em 1973, após nove anos de dedicação quase exclusiva, mas não conseguiu. Mafalda, para a incompreensão de seu pai artístico, continuou brilhando e tem uma legião de fãs no mundo inteiro.

Órfão desde muito cedo, Quino morou vários anos com seu tio, o desenhista e publicitário Joaquín Tejón, de quem aprendeu a paixão por um trabalho que desempenhou até a cegueira se tornar um pesadelo em sua vida, antes de completar 80 anos. Nascido em 17 de julho de 1932 na província de Mendoza, Quino começou a desenhar aos três anos, como muitas crianças, e decidiu que esse seria seu ofício aos 14. Chegou a se inscrever na Escola de Belas Artes de Mendoza, mas abandonou a carreira acadêmica e aos 18 anos instalou-se na capital do país, onde começou a trabalhar em revistas.

Em entrevistas, Quino reconheceu ser um desenhista obsessivo e revelou que o desenho era central em sua vida e o fez até mesmo adiar o descobrimento do sexo. Os primeiros erros cometidos o afligiram profundamente. Em uma das primeiras páginas de humor que conseguiu publicar desenhou um toureiro que tinha matado um touro e estava vestindo sua tradicional capa. Um leitor enviou uma carta tratando o desenhista de burro e explicando que, antes de matar o touro, todos os toureiros jogam a capa a alguém a quem dedicam a vitória. Numa longa entrevista ao jornal “Página 12” quando completou 80 anos, Quino reconheceu que “aquilo me marcou. Por isso depois me transformei num obsessivo da pesquisa e documentação”.

Música | Teresa Cristina e Dona Hilda - "Último desejo" (Noel Rosa)

 

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.