- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
A manifestação da ministra da Família quanto às cores aceitáveis para roupas de menino e de menina está causando estranheza. Distinção cromática considerada obsoleta pelas mães de nossa sociedade de consumo, alimenta, no entanto, a carência de afirmação dos que temem a diversidade do moderno. Com a força de redes sociais, como as que asseguraram a chegada do novo governo ao poder, a ironia desconstrutiva da imagem dos governantes, que daí resulta, se espalha.
Apesar da justificativa oficial para a ideia antiquada, não é ela apenas metáfora. Expressa um tipo de mentalidade, que aqui persiste na vida cotidiana do homem comum, o que destoa de concepções das razões de Estado.
A distinção de que menino veste azul e menina, rosa, aqui se difundiu há tempos, por imitação de imagens do cinema americano e por indução do comércio de roupas infantis. Há uns 30 anos, ou 40, na incerteza do sexo da criança a nascer, adotou-se a roupa amarela ou a branca, supostamente neutras. O advento da possibilidade de conhecer-se o sexo da criança antes do nascimento, de certo modo, revigorou a polarização de azul e rosa.
A cor associada à criança não é de agora aqui no Brasil. No século XVIII, para cada criança que nascia de uma escrava, recebia a mãe uma peça de baeta vermelha para os cueiros, independentemente do sexo. Acreditava-se que a criança ficava protegida do mau-olhado, o vermelho como rebatedor da malignidade do olhar invejoso.
De vários modos, o costume ainda persiste entre nós. Em lugar do cueiro vermelho, na roupa dos bebês de pobres ainda há mães que atam uma fitinha vermelha, menino ou menina. Já os bebês de ricos recebem a figa de ouro, com uma correntinha colocada em seu pescoço. A figa representa o pênis penetrando a vagina e é tida, desde tempos antigos, como representação da fecundidade, antídoto da morte. Há quem faça figa quando passa um enterro.
Há anos, um fabricante de tintas usou uma frase para divulgar seus produtos e estimular a diversificação do gosto cromático da população brasileira: "Se todos gostassem do azul, o que seria do amarelo?".