sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

*José de Souza Martins: Intolerância cromática

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A manifestação da ministra da Família quanto às cores aceitáveis para roupas de menino e de menina está causando estranheza. Distinção cromática considerada obsoleta pelas mães de nossa sociedade de consumo, alimenta, no entanto, a carência de afirmação dos que temem a diversidade do moderno. Com a força de redes sociais, como as que asseguraram a chegada do novo governo ao poder, a ironia desconstrutiva da imagem dos governantes, que daí resulta, se espalha.

Apesar da justificativa oficial para a ideia antiquada, não é ela apenas metáfora. Expressa um tipo de mentalidade, que aqui persiste na vida cotidiana do homem comum, o que destoa de concepções das razões de Estado.

A distinção de que menino veste azul e menina, rosa, aqui se difundiu há tempos, por imitação de imagens do cinema americano e por indução do comércio de roupas infantis. Há uns 30 anos, ou 40, na incerteza do sexo da criança a nascer, adotou-se a roupa amarela ou a branca, supostamente neutras. O advento da possibilidade de conhecer-se o sexo da criança antes do nascimento, de certo modo, revigorou a polarização de azul e rosa.

A cor associada à criança não é de agora aqui no Brasil. No século XVIII, para cada criança que nascia de uma escrava, recebia a mãe uma peça de baeta vermelha para os cueiros, independentemente do sexo. Acreditava-se que a criança ficava protegida do mau-olhado, o vermelho como rebatedor da malignidade do olhar invejoso.

De vários modos, o costume ainda persiste entre nós. Em lugar do cueiro vermelho, na roupa dos bebês de pobres ainda há mães que atam uma fitinha vermelha, menino ou menina. Já os bebês de ricos recebem a figa de ouro, com uma correntinha colocada em seu pescoço. A figa representa o pênis penetrando a vagina e é tida, desde tempos antigos, como representação da fecundidade, antídoto da morte. Há quem faça figa quando passa um enterro.

Há anos, um fabricante de tintas usou uma frase para divulgar seus produtos e estimular a diversificação do gosto cromático da população brasileira: "Se todos gostassem do azul, o que seria do amarelo?".

Roberto Romano: Sobre o Estado laico

- O Estado de S. Paulo

Hoje o Brasil está perto de nova aliança entre sacerdotes e políticos

As incertezas da vida brasileira, no instante em que assume um governo incerto no plano religioso, exigem cautela. Com Bolsonaro quebra-se o elo entre ordem eclesial e sociedade civil. Desde 1500 o catolicismo teve hegemonia nos assuntos do Estado. Ainda agora majoritário, ele foi decisivo no controle ético e político do Brasil. A partir do século 20 sua importância diminui e hoje ele enfrenta movimentos evangélicos que aplicam, para se expandir, estratégias do moderno marketing. Mas o modelo de tal proselitismo foi a Propaganda Fidei (1622, obra jesuítica). Nossa terra não gerou a República sonhada pelos que, desde a colônia, lutam por um País livre e laico. Sai o mando teológico-político católico, igual pretensão protestante bate às portas. Inglaterra, França, Estados Unidos, parte dos países civilizados definiram as balizas da liberdade ao separar Igreja e Estado. Aqui a fachada sobrenatural integra governos à esquerda ou direita.

Para garantir semelhante dinâmica o catolicismo foi essencial. Desde o Renascimento a Igreja se coloca contra os regimes de liberdade e democracia. Ao reagir à Reforma ela definiu uma pauta contra o âmbito secular. Trento marcou a plataforma reativa diante do mundo moderno, algo que permaneceu até o Concílio Vaticano II. Uma idiossincrasia da forma romana foi o veto à modernidade e ao liberalismo. Até o século 20 cátedras universitárias católicas exigiam dos professores o juramento contra as ideias laicas. Dizia Pio X no Motu Proprio Praestantia: “Os modernistas são os piores inimigos da Igreja, o modernismo é reunião de todas as heresias” (1907). Desde o Syllabus (1864) a guerra contra os “erros” do Estado e da sociedade civil é movida pela Santa Sé, que exige adesão incondicional do clero e dos leigos. O juramento contra as doutrinas liberais modernas encontra-se no Motu Proprio Sacrorum Antistitum (1910), do mesmo Pio X.

*Monica De Bolle: Guerra de atrito

- Época

Em um embate público — como uma guerra ou uma barganha política —, há sempre uma terceira parte envolvida que influencia o toma lá dá cá indiretamente

Guerra de atrito Em 2016, a polarização crescente pariu o Brexit e a vitória de Donald Trump. Em 2019, o nacionalismo deturpado responsável pela composição genética desses dois eventos transformou-se naquilo que estrategistas militares, matemáticos e economistas chamam de guerra de atrito. Dito de modo simples, a guerra de atrito é a tentativa de ganhar uma batalha — seja na esfera política, no âmbito da negociação privada, ou no campo militar — exaurindo o oponente por meio de um período prolongado de perda de recursos. Na esfera política, os recursos perdidos são o capital político e o apoio do eleitorado; nas negociações privadas, os recursos perdidos são geralmente financeiros; no campo militar, os recursos perdidos são armamentos e soldados. Sai “vitorioso” da guerra de atrito o lado que possui mais recursos ou que tem mais capacidade de aguentar as perdas prolongadas, contínuas e exageradas. Não é difícil construir cenários em que o lado “vitorioso” acaba amargando perdas maiores do que os ganhos de ter vencido a guerra.

Para entender o Brexit e a birra de Trump pelo muro que fechou partes do governo americano, é útil formular estrutura simples para reflexão. Em uma barganha privada, onde as partes envolvidas tentam obter concessões umas das outras, impasses são geralmente resolvidos com perdas e ganhos racionalmente distribuídos.

Em um embate público — como uma guerra ou uma barganha política —, há sempre uma terceira parte envolvida que influencia o toma lá dá cá indiretamente.

Esse terceiro participante é a população, ou o eleitorado. Considerando apenas o embate político, quando o eleitorado está mais alinhado ao centro ideológico, a batalha entre extremos acaba envolvendo concessões de ambas as partes, o que quebra eventuais impasses de forma mais rápida. Para os que conhecem a literatura técnica sobre o assunto, esse resultado é uma espécie de corolário do teorema do eleitor mediano — o teorema afirma que, se o eleitor mediano for representativo das posições ideológicas da população, prevalecerão medidas e agendas políticas mais ao centro. O centro é o local que abriga as concessões capazes de quebrar impasses.

Reinaldo Azevedo: Bolsonaro e PT se opõem e se juntam em favor do atraso

- Folha de S. Paulo

Os dois grupos fizeram escolhas arriscadas para o país, no que vai dar?

A estratégia do bolsonarismo é clara. A do petismo é menos evidente, mas as peças estão sendo movidas. Os dois grupos fizeram escolhas arriscadas para o país. No que vai dar?

A sabedoria convencional responderia, até não faz muito tempo, que, em casos assim, o “centro” comparece com seus característicos apelos ao bom senso, à responsabilidade, à moderação —aquelas palavras, enfim, que, em tempos crispados, servem à caricatura. Os espíritos reformistas são os mais injustiçados da história, embora sejam eles a responder pelas conquistas civilizatórias. Mas estão em baixa, é preciso reconhecer.

Jair Bolsonaro tem um ano —os mais exigentes lhe dão seis meses— para fazer a reforma da Previdência. Ainda que ela venha fatiada, é preciso que a parte substancial da mudança seja votada ainda neste 2019. Havendo um titubeio nessa área, os tais mercados, que hoje não olham para mais nada —o resto ainda é uma bagunça—, começarão a pôr um preço no que será visto, então, como um malogro.

Em 2020, há as eleições municipais. A disposição reformista do Congresso, especialmente para cortar gastos e benefícios, cai substancialmente. Se conseguir aprovar um texto ao menos razoável, aumentam as chances de o presidente ser bem-sucedido, que é coisa diferente de dar certo. Distingui essas duas categorias na coluna de 28 de dezembro. Enquanto o embate da Previdência não chega, é preciso animar a plateia.

A metáfora do circo, ainda sem o pão, fica a rondar o meu texto. O presidente cumpriu a sua primeira promessa de campanha no picadeiro da política com o decreto que mudou disposições sobre a posse de armas. Por si, o texto é irrelevante. O sentido para o qual aponta, no entanto, é ruim.

Maria Cristina Fernandes: O conflito que começou pelas franjas

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Os "salves" foram enviados na semana que antecedeu as posses dos governantes eleitos e sintonizados com o novo tempo. De cada lado do título "O crime organizado" veio impressa uma bandeirinha do Brasil. Ao final do primeiro informe, datado de 23 de dezembro, os presidiários do Ceará arrematavam, esperançosos: "Que a união e nossos objetivos esteja (sic) acima de todos".

Dois dias antes, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), havia anunciado o policial militar brasiliense Mauro Albuquerque para Secretaria de Administração Penitenciária. No dia 28, os presidiários, informados das primeiras medidas a serem tomadas pelo novo secretário, soltariam novo comunicado em que ainda tentavam mimetizar os símbolos da nova ordem com denúncias de desvios do governo petista reeleito na gestão dos presídios.

No dia 2, o novo secretário, que ganhara fama ao assumir a administração penitenciária potiguar em meio a uma rebelião no presídio de Alcaçuz (RN), tomou posse com a farda de policial e anunciou guerra aos celulares nas cadeias e o fim da alocação de presos por facção. Em 2016, para reduzir os conflitos internos dentro dos presídios, o governador cearense deu aval à medida que levava todos os juízes que decretavam prisão a ter que buscar vaga na unidade em que o detento pudesse encontrar seus comparsas.

No mesmo dia tiveram início os ataques, que já ultrapassam, em depredações, a reação do crime organizado que parou São Paulo, em 2006 - de incêndios a explosão de prédios públicos, torres de transmissão, ônibus, caminhões, posto de gasolina, carros, estacionamentos e pontes -, em mais de 40 cidades de todo o Estado.

No dia seguinte, o secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça, o general da reserva Guilherme Theophilo, candidato tucano derrotado por Camilo ao governo do Estado, ligou para o secretário de Segurança do Estado, André Costa. Discutiu-se da Força Nacional de Segurança, formada pela elite das PMs dos Estados, até a intervenção federal, comandada pelo Exército, no Estado cujo governo lhe havia escapado por uma diferença de quase 3 milhões de votos.

Dora Kramer: Em frangalhos

- Revista Veja

Sortudo, Bolsonaro assume com PT delirante e PSDB agonizante

Jair Bolsonaro é um homem de sorte. Além de eleito sob o signo do improvável, assume o governo na circunstância em que os dois partidos que lhe poderiam fazer oposição se encontram em estado de invalidez grave. O PSDB à beira da dissolução física e o PT no limiar da dissipação mental. Este delira e aquele agoniza sem que o atual presidente tenha tido participação ou possa ser apontado como o responsável direto pela situação da qual, não sendo agente, ainda assim é beneficiário.

Não que o governo Bolsonaro tenha por isso sucesso garantido. Para ele, o êxito ou o fracasso dependem antes do conjunto de fatores internos que dos obstáculos externos a ser produzidos por tucanos e/ou petistas hoje relegados à completa irrelevância. Nada do que diga o PT ou do que faça o PSDB tem importância. Isso dito de dois partidos que dominaram a cena política até anteontem e por praticamente três décadas atuaram na dinâmica do contraponto, galvanizando posições e emoções.

Pareceu que de uma hora para outra viraram pó. O repente, no entanto, foi apenas aparente. A derrocada obedeceu a um processo longo e ao cumprimento de um roteiro de autodestruição alicerçado em equívocos. Os pilares do desastre o PSDB construiu no menosprezo à força da ausência de caráter do adversário e na confiança ilusória da própria superioridade moral. Tucanos achavam-se irretocáveis até que o mensalão e a Lava-Jato lhe bateram à porta.

Petistas se consideravam imbatíveis até ser abatidos no voo breve da candidatura Fernando Haddad, decorrente do devaneio de que Lula preso alimentaria o movimento Lula Livre e libertaria o partido dos crimes cometidos.

Merval Pereira: Quem quer foro?

- O Globo

Jair Bolsonaro já sugeriu, em vídeo, ao lado do filho Flávio, que só quer foro privilegiado quem tem culpa no cartório

O grave nesse caso do senador eleito Flávio Bolsonaro é que atinge o combate à corrupção, base da candidatura vitoriosa de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. Além de estar envolvido de maneira direta na movimentação atípica do motorista Fabrício Queiroz, pois sua mulher recebeu depósitos dele em sua conta, Jair Bolsonaro vê um de seus filhos tentando escapar de uma investigação criminal que pode desvelar a raiz da corrupção política brasileira.

Há entendimento generalizado, que poderia ou não ser confirmado nessa investigação, de que parlamentares de maneira geral, seja em que nível for, com raras e honrosas exceções, financiam suas campanhas e suas vidas pessoais ficando com uma parte do salário de seus funcionários. Ou às vezes nomeando funcionários-fantasmas.

Cada deputado estadual tem direito a nomear até 15 assessores, e a investigação do Coaf analisa movimentações atípicas de assessores de diversos deputados na Assembléia Legislativa do Rio, entre eles Flavio.

Utilizando-se de uma prerrogativa parlamentar presumida, já que o foro privilegiado foi limitado pelo próprio Supremo a atos cometidos durante o mandato parlamentar e relativos a ele, Flavio Bolsonaro busca impedir a investigação, abrindo um flanco na atuação do clã Bolsonaro. Tanto que nenhum dos irmãos, nem mesmo o pai presidente, saiu em defesa dele.

A decisão do ministro Luis Fux de mandar suspender o processo enquanto o relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, não decide, não poderia ser outra. Não havia atitude diferente a tomar, explica Fux, pois caso o relator venha a concordar com a tese de que as provas são inválidas, por exemplo, considerará a reclamação procedente, e as investigações feitas nesse intervalo seriam anuladas.

Bernardo Mello Franco: Investigação parou, mas desgaste continua

- O Globo

Com liminar do Supremo, caso Queiroz se instala de vez na Praça dos Três Poderes. Fux atirou uma boia, mas o filho de Bolsonaro ainda pode se afogar

Não precisou do cabo nem do soldado. Na terceira semana de governo, o Supremo Tribunal Federal forneceu o primeiro alívio à família Bolsonaro. O ministro Luiz Fux mandou parar a investigação sobre Fabrício Queiroz, o motorista de R$ 1,2 milhão.

O pedido foi de Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente. Na semana passada, ele disse que não era investigado e que não tinha “nada a ver” com os rolos do ex-assessor. Dias depois, pensou melhor e pediu socorro ao Supremo. Fux matou no peito e chutou a bola para o mato.

Em dezembro, o senador eleito defendia que as suspeitas fossem esclarecidas “para ontem”. Agora apelou a uma manobra jurídica para brecar a investigação. Ele já havia faltado a um depoimento marcado pelo Ministério Público do Rio. Imitou o ex-assessor, que tem usado atestados médicos para adiar o encontro com os promotores.

O caso Queiroz mostra que a chegada ao poder já mudou as convicções da família presidencial. Na campanha, Jair e Flávio gravaram um vídeo contra a blindagem dos políticos com mandato. “Eu não quero essa porcaria de foro privilegiado”, disse o chefe do clã, enquanto o herdeiro concordava com a cabeça. Eleito senador, ele não esperou a posse para reivindicar a proteção. Bastou o primeiro escândalo e o discurso moralista ficou para trás.

Eliane Cantanhêde: Fux infla especulações

- O Estado de S.Paulo

Se Flávio Bolsonaro nem era investigado, por que tanto medo das investigações?

A liminar do ministro Luiz Fux suspendendo as investigações do Ministério Público do Rio sobre as contas do ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro é daquelas que parecem coisa de amigo, mas só podem ser de inimigo. O filho do presidente nem sequer era investigado, mas se jogou no olho do furacão. E, na sofreguidão de agradar ao presidente da República, Fux acabou dando mais um empurrão.

Em vez de “hay gobierno, soy contra”, Fux é adepto do “hay gobierno, soy a favor”. A liminar de ontem, porém, pode ter um efeito prático oposto ao pretendido pela família Bolsonaro. Em vez de suspender, ampliar e apressar as investigações.

Desde o início, as reações à história levantada pelo Coaf e divulgada pelo Estado têm sido erradas do ponto de vista jurídico, político e midiático. Não é admissível que o policial militar e ex-assessor Fabrício Queiroz, sua mulher e suas filhas não apareçam para depor. É um desrespeito inaceitável com as instituições republicanas. Para piorar, Fabrício alegou questões de saúde para não depor, enquanto aparecia bem serelepe em entrevista à TV. Sem falar na dancinha do hospital...

Em vez de esclarecer, os Bolsonaro trataram de complicar e quem cobrou publicamente explicações não foram o PT, a imprensa, a oposição, foram os generais, à frente o vice-presidente Hamilton Mourão. Se nem assim as explicações vieram, é porque provavelmente os envolvidos não as têm.

Bruno Boghossian: Flávio aperta o botão do pânico

- Folha de S. Paulo

Filho do presidente leva Queiroz de carona na blindagem do foro especial

Flávio Bolsonaro apertou o botão do pânico. Antes de assumir o mandato de senador, ele apelou para uma regalia do cargo e pediu proteção do foro especial na investigação sobre as finanças de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

O filho do presidente erguia a voz ao dizer que não tinha “nada a ver com isso” e que daria explicações para “ficar longe dessa coisa”. Mas Flávio faltou ao depoimento e pediu que o caso fosse suspenso e levado ao STF. Ele ainda transportou Queiroz de carona na blindagem do foro.

Ao pedir a paralisação, Flávio dá provas de que está muito mais perto “dessa coisa” do que admitia.

O senador eleito contou com uma generosidade notável de Luiz Fux. Os advogados pediram ao STF a suspensão do caso às 15h37 de quarta (16). O ministro deu a liminar às 20h40.

Fux foi tão benevolente que mudou até seu entendimento sobre o foro. Quando o STF restringiu a regalia, o ministro afirmou que o “clamor social de combate à corrupção e à impunidade não se mostra compatível [...] com a prerrogativa”.

Na ocasião, Fux entendeu que o foro só vale em casos ocorridos durante os mandatos e relacionados ao cargo. O ministro concedeu a proteção, embora o dinheiro de Queiroz não tenha ligação com a atividade futura de Flávio no Senado.

Hélio Schwartsman: Desdesarmamento

- Folha de S. Paulo

Ainda que inadvertidamente, Bolsonaro produz um raro e interessante experimento natural

Se a vida lhe dá limões, faça uma limonada. Primeiro a notícia azeda. A crer na melhor literatura científica disponível, o decreto de Jair Bolsonaro que flexibiliza a posse de armas será inútil para reduzir as estatísticas de assaltos e latrocínios e deverá aumentar as de suicídios e de homicídios em conflitos interpessoais.

Pelas metanálises americanas, ainda que o risco absoluto não seja muito elevado, quem vive numa casa em que há arma tem três vezes mais chances de tirar a própria vida e duas de perdê-la num homicídio do que quem habita lares sem essas geringonças.

Como não há muito que possamos fazer para mudar isso (governantes eleitos têm o poder de editar regulamentações), só nos resta, além de não comprar uma arma, ficar de olho nas estatísticas para delas extrair as melhores lições.

Ao promover o desdesarmamento (a atual flexibilização após as restrições de 2003), Bolsonaro está, ainda que inadvertidamente, produzindo um raro e interessante experimento natural que permitirá a especialistas conhecer melhor a dinâmica entre a disponibilidade de armas e a violência, fazendo a ciência avançar —essa é a limonada. Já que estamos em vias de abraçar uma política pública fracassada, que ela sirva para criar um corpo de evidências que talvez convença o próximo Bolsonaro a não imitar o de hoje.

Luiz Carlos Azedo: O caso Queiroz

- Correio Braziliense

“O STF não é um terreno confortável de disputa para os enrolados. Foi-se a época em que o foro privilegiado era uma garantia de impunidade”

Ródion Ramanovich Raskolnikov é um ex-estudante que vive na miséria, em minúsculo apartamento em São Petersburgo. Acredita que está destinado a grandes ações, mas a miséria o impede de atingir todo o seu potencial. Por essa razão, conclui que nada seria moralmente errado se o objetivo fosse nobre. Isso o leva a matar uma velha que empresta a juros altíssimos e maltrata a sua irmã mais nova. Após assassinar a mulher, Raskolnikov entra em crise existencial, tem delírios febris.

Porfiry Petrovich, um dos responsáveis pela investigação do assassinato, confronta Raskolnikov diversas vezes, nunca revelando se ele é ou não suspeito do crime. A tensão abala ainda mais o comportamento do eex-studante, o que leva Porfiry a acusá-lo informalmente. Mesmo sem provas concretas contra ele, atormentado pelos remorsos, Raskolnikov acaba confessando. O protagonista de Crime e Castigo, o grande romance do escritor e jornalista russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1866 (ou seja, não tem nada a ver com “marxismo cultural”), é um arquétipo perseguido por todos os grandes autores de romances policiais. O livro é um grande ensaio filosófico, psicológico e social. Dostoiévski explora o lado psicológico e existencial de seus personagens de forma excepcional, no contexto de uma Rússia autocrática, moralista e culturalmente atrasada.

Anulação de provas
O caso do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz é dostoievskiano. Amigo da família Bolsonaro, era homem de confiança do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSC), ex-deputado estadual fluminense. Ninguém sabe exatamente o que ele fez, além das declarações estapafúrdias para explicar sua movimentação financeira e a dancinha no hospital em que se internou para tratar de um câncer no intestino na virada do ano. Seu jogo de gato e rato com o Ministério Público seria apenas mais uma chicana de bons advogados para protelar o trabalho da Justiça. E inspiração para piadas, máscaras e fantasias que divertem os foliões no carnaval carioca.

Ontem, porém, o caso Queiroz ganhou uma dimensão surpreendente. O ministro do STF Luiz Fux determinou a suspensão das investigações sobre Fabrício, atendendo pedido de Flávio Bolsonaro, que não é investigado. A decisão não significa a suspensão permanente da investigação ou a definição sobre em qual instância o processo deverá tramitar. Apenas interrompe a investigação, até que o ministro Marco Aurélio Mello analise o caso e decida se será aplicada a regra do foro privilegiado.

Ricardo Noblat: Perguntas que não querem calar

Blog do Noblat | Veja

Sobre o Caso Flávio Bolsonaro – ou melhor: Fabrício Queiroz

É ou não é admirável a disposição do ministro Luiz Fux para matar bolas no peito?

E como fica o plano do ministro José Dias Toffoli de tirar o Supremo Tribunal Federal da cena política devolvendo-o às suas antigas funções?

E o ex-juiz Sérgio Moro, hein? O que deve ter achado da decisão do ministro Fux no caso de Flávio Bolsonaro – ou melhor: no caso de Queiroz?

A manobra de Flávio para se desvincular dos rolos de Queiroz foi ou não uma jogada de gênio?

Flávio consultou o pai antes de pedir ao Supremo para que anule a investigação sobre os rolos de Queiroz?

Quantas vezes Lula tentou, mas não conseguiu abortar as investigações contra ele? Flávio terá mais sorte?

O que dirá Eduardo Bolsonaro sobre o gesto do irmão de invocar o foro privilegiado para barrar investigações que possam atingi-lo? No Twitter, em maio de 2017, Eduardo disse que é contra o foro privilegiado. Assim como o pai dele também havia dito.

Uma vez que não consegue pôr ordem na família, já não passa da hora Bolsonaro declarar que não responde pelos atos dos seus filhos? Mandaria a prudência que sim.

Com tantos generais disponíveis para cuidar do governo por que pelo menos um não é designado para cuidar dos filhos do presidente?

Confissão de culpa

Flávio deixa o pai numa saia justa

Aos ouvidos mais sensíveis, alguns de portadores de togas, soou como uma confissão de culpa de Flávio Bolsonaro o pedido feito por ele ao Supremo Tribunal Federal para barrar as investigações em torno dos rolos financeiros do seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Flávio disse uma vez e repetiu que achou muito convincente a explicação que Queiroz lhe dera acerca de movimentações financeiras em sua conta bancária para muito além do que seria justificável, a levar-se o salário que recebia na Assembleia Legislativa do Rio.

Míriam Leitão: Os sinais mistos do agronegócio

- O Globo

Ministra da Agricultura diz que a grilagem será reprimida, isso é bom sinal, mas outros pontos de seu discurso levantam dúvidas

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o governo não aceitará invasão de terras indígenas. “É preciso separar o que é agronegócio e o que é crime. Bandido em todo lugar precisa ser combatido”, afirmou. Ela nomeou o deputado Valdir Colatto para o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que defende diminuir o tamanho das reservas legais e tem um projeto que permite a caça de animais silvestres, quando eles prejudicarem a agropecuária. A ministra defende a escolha que fez. “Temos que acabar com essa história de que ser ruralista é ruim.”

O Ministério ficou muito maior no governo Bolsonaro porque recebeu toda a
parte de demarcação de terra indígena que antes estava na Funai. Isso levantou preocupação entre ambientalistas e lideranças indígenas e animou grileiros. Já tem havido invasões de terras indígenas e outras estão programadas. Mas a ministra Tereza Cristina diz que discorda da interpretação de que essas nomeações e mudanças na administração pública devam ser entendidas como incentivo à grilagem. Sobre a escolha do deputado Nabhan Garcia para ser o secretário que vai cuidar da questão fundiária e da demarcação de terras indígenas, ela refuta o conflito de interesses embutido na escolha.

—Não se pode achar que, porque o Estado brasileiro mudou, vai ser possível transgredir a lei. Os índios têm 13% do território, mas as áreas estão confirmadas. O grande problema são as demarcações que estão sendo feitas, e vivemos 13 anos noutro governo e não se resolveu. Temos cada dia mais conflitos. Tem gente que tinha título da terra do Estado brasileiro há mais de 80 anos e vem uma demarcação aí. Não vamos reduzir, mas a Justiça terá que dizer — afirmou a ministra.

Claudia Safatle: A economia sob falsa calmaria

- Valor Econômico

Investidores externos retomam o interesse pelo Brasil

Os mercados reagem bem e com tranquilidade às primeiras semanas de governo Bolsonaro. Atribuem pouca atenção ao bate-cabeças e às derrapadas do próprio presidente e de alguns dos seus subordinados, que consideram normal em início de gestão, e guardam grandes expectativas para fevereiro, quando o Congresso receberá do Executivo a proposta de reforma da Previdência.

Todos os "soft datas" melhoraram e muito das eleições para cá, dos índices de confiança ao risco de crédito. O Credit Default Swap (CDS), que chegou a 311 pontos-básicos em setembro, ontem fechou em 183 pontos.

Não há exuberância nos mercados de juros, câmbio e ações dado os preços dos ativos.

O que há é uma calmaria que o ministro da Economia bem definiu no seu discurso de posse. "Estamos respirando, aparentemente, à sombra de uma falsa tranquilidade, que é uma tranquilidade à sombra da estagnação econômica", disse ele, ao defender um ataque frontal ao déficit público pelo lado do controle do gasto.

O Brasil, sob o comando de um governo liberal, de direita, volta a instigar o apetite dos investidores internacionais e isso deverá ficar claro na reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos (Suiça), na próxima semana.

O economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, ex- diretor do Banco Central, pode constatar essa mudança na semana passada em viagem aos Estados Unidos para diversos encontros com grandes investidores. "Quem tem ativo no Brasil não vende e quem não tem está esperando uma queda de preços para comprar", assinalou.

O foco da atenção dos investidores tanto internamente quanto no exterior é a reforma da Previdência que o governo enviará ao Congresso no mês que vem e que, imagina-se, será uma proposta que vai além do projeto de Michel Temer aprovado na Comissão Mista da Câmara. Eles querem saber das articulações políticas do novo governo para a aprovação da nova Previdência e sobre qual será o envolvimento do presidente da República na reforma, dentre inúmeras outras perguntas. "O interesse no Brasil é enorme e fiquei impressionado", comentou Mesquita.

O país é um caso singular no mundo. Está com as principais questões macroeconômicas resolvidas, mas carrega um déficit próximo de 7% do PIB e uma dívida de quase 80% do PIB. Ou seja, tem uma situação fiscal totalmente fora do prumo.

Vinicius Torres Freire: Vale a pena cortar a pensão da viúva?

- Folha de S. Paulo

Corte de pensões pode parecer pequeno se persistirem privilégios na Previdência

Vale a pena diminuir a pensão de viúvos e viúvas na reforma da Previdência? É horrível discutir quanto a despesa do governo poderá diminuir caso se venha a talhar os benefícios das pessoas que perderam os companheiros, mas é disso que o país vai tratar em breve.

O governo de Jair Bolsonaro pretende retomar o plano da reforma de Michel Temer que previa a redução das pensões por morte. Em vez de receber 100% do benefício dos companheiros mortos, viúvas e viúvos ficariam com 60% do valor e mais 10% para cada dependente.

Antes de fazer alguma conta, é preciso perguntar se as pensões ainda teriam um piso, atualmente no valor de um salário mínimo (R$ 998). Caso o segurado morto recebesse apenas um mínimo de benefício e seu companheiro não tivesse nenhum dependente, passaria a receber apenas cerca de R$ 600 por mês?

Suponha-se que não, que o piso permaneça. Assim, em uma conta aproximada, pressupondo que o viúvo ou viúva não tenham dependente algum, a economia no primeiro ano seria de algo em torno de R$ 1,5 bilhão (0,02% do PIB).

Elena Landau*: Começar de novo

- O Estado de S.Paulo

Privatizar é sempre um desafio. Sem boa governança pode ser impossível

Tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que nunca se falou tanto em privatização. A má é que está se falando demais. Alguns ministros estão defendendo as estatais das suas pastas, inclusive as que eram unanimidades nas listas de extinção, como a EBC, Imbel e Ceitec. Só falta arranjar alguma utilidade para a Natex, a empresa estatal de camisinha. Talvez para contrabalançar esses recuos, o ministro de Infraestrutura anunciou a desestatização de 100 empresas num universo de 135 estatais.

Seria lindo, mas é número fantasioso, mesmo incluindo a venda de subsidiárias, liquidação ou cisão de empresas, especialmente em prazo tão curto.

Nossas estatais pertencem à União, por isso o Tesouro é quem deve definir a alocação do patrimônio público. O programa de desestatização atual prevê a separação da área de concessões, que continua sob responsabilidade do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), da venda ou liquidação de empresas, que passa para uma secretaria específica no Ministério da Economia criada para isso. Bem positivo. É tudo desestatização, mas os procedimentos são muito distintos. Nessa torre de babel, quem menos fala é exatamente quem tem o poder de decisão: Paulo Guedes e Salim Mattar, secretário da nova pasta. No que fazem bem. Melhor anunciar com certeza o que e como privatizar.

Os ministérios setoriais são bem-vindos para contribuir no desenho de formas de venda que gerem um ambiente competitivo e eficiente, porque o valor arrecadado não é o único objetivo na venda de uma estatal. Para evitar ruídos, e decidir o que realmente fica no Estado, é recomendável colocar todas as empresas no programa de desestatização de uma só vez. A Secretaria de Desestatização passaria a coordenar os estudos que vão definir a atuação do Estado na economia, conforme o art. 173 da Constituição, onde está claro que a presença estatal é exceção e não regra. Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa ficam de fora dessa iniciativa porque demandam autorização legal específica. Parece que o presidente já excluiu a possibilidade de privatização das três, assim o decreto seria suficiente para cumprir a agenda liberal, ma non troppo, deste governo.

Celso Ming: Corporativismo e patrimonialismo

- O Estado de S.Paulo

Heranças do Brasil colonial que corroem os princípios republicanos e a boa governança

Tempo de reformas é tempo de distribuição de contas a pagar, situação que enfurece os perdedores, especialmente os privilegiados.

No Brasil, há duas classes de privilegiados que se atiram como chacais para defender seu naco especial: os que se agarram ao corporativismo e os que se agarram ao paternalismo.

Corporativismo e patrimonialismo são heranças do Brasil colonial que corroem os princípios republicanos e a boa governança. Convém voltar a eles para entender melhor como se acirra o conflito distributivo quando é preciso repartir a conta da crise.

O corporativismo remonta às Ordenações Manuelinas, conjunto de leis compiladas na década de 1510 pelo rei Dom Manuel I, de Portugal. Seu pressuposto é de que a sociedade é “naturalmente desigual”, como definida por Aristóteles. Na cabeça do corpo societário estão o rei e a elite dirigente, com seus privilégios “naturais”. O resto vem depois, também com as fatias de privilégios que lhes cabem: os funcionários públicos, o clero, o povo e os escravos. Seus direitos são imexíveis “por direito natural”. Cabe ao rei e aos dirigentes organizar essa disposição desigual. As leis e a Justiça existem para preservar essa ordem e os direitos assim estabelecidos.

A desigualdade foi um dos fundamentos das instituições do Império brasileiro. A abolição da escravatura só chegou em 1888, 18 meses antes da Proclamação da República. Já na Segunda República, inspirado pelo modelo fascista, o presidente Getúlio Vargas pretendeu reorganizar o Brasil dentro do sistema corporativista, por meio da constituição de grandes grupos de interesses controlados pelo Estado que suplantassem as divisões de classe.

Marina resiste a fusão do Rede com o PPS

Por Isadora Peron | Valor Econômico

BRASÍLIA- Principal nome do Rede Sustentabilidade, a ex-ministra Marina Silva resiste em por um fim à legenda e diz que o fato de eles ficarem sem recursos do fundo partidário não é "determinante" para definir se o partido deve ou não ser incorporado a outra legenda, como o PPS.

Em entrevista ao Valor, Marina afirma que, diante do novo governo de Jair Bolsonaro, é preciso levar em conta a importância que o partido vai ter no debate político, especialmente no campo da defesa do meio ambiente.

"No momento em que a agenda ambiental está sendo estilhaçada, a Rede tem um papel histórico para cumprir e não vai ser por causa de fundo partidário que vai abrir mão disso. O nosso legado é um legado que está vivo, mesmo não tendo feito a cláusula de barreira", diz.

A decisão sobre o futuro do Rede dividiu o partido. A militância pressionou e a Executiva da sigla teve que adiar para março o congresso nacional que irá discutir o assunto. O encontro seria realizado este fim de semana, em Brasília.

Até o fim do ano, a incorporação do partido de Marina pelo PPS era dada como certa, já que o Rede não atingiu a cláusula de barreira e enfrentará uma série de restrições - especialmente a falta de recursos - se decidir manter a atividade partidária.

Para a ex-ministra, com exceção da disputa presidencial, em que ela alcançou apenas 1% dos votos, o Rede teve um bom desempenho nas eleições, levando em conta que o partido tem apenas três anos de existência e participou da sua primeira eleição nacional. "Eleger cinco senadores, sem dinheiro, sem tempo de televisão, é uma demonstração de que ter um partido que tem um compromisso programático e que abre espaço para novas liderança, é possível, a sociedade quer isso", diz.

Em novembro do ano passado, porém, um dos eleitos pela sigla, o delegado Alessandro Vieira, do Sergipe, já se filiou ao PPS, por considerar o futuro do Rede insustentável.

Canetada inexplicável: Editorial | Folha de S. Paulo

Decisão de Fux deixa o STF exposto a críticas e aumenta o constrangimento para os Bolsonaros

Causou enorme perplexidade a decisão tomada pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, de suspender a investigação sobre as atividades de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Queiroz, como se sabe, foi identificado em relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) como responsável por movimentações financeiras no valor de R$ 1,2 milhão —incompatível com seu patrimônio e ocupação profissional no ano analisado.

Foram 176 saques em espécie de sua conta (cinco deles no mesmo dia) num total de mais de R$ 300 mil. Houve repasses de oito funcionários ou ex-funcionários ligados ao gabinete do então deputado estadual. A mulher e duas filhas do ex-assessor são citadas no relatório, que registra, ainda, depósito de R$ 24 mil em favor da atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Uma das filhas, Nathalia, trabalhou para Flávio antes de ser contratada pelo gabinete de Jair Bolsonaro, na época deputado federal pelo PSC. Como revelou esta Folha, ela atuava como personal trainer no mesmo período.

Quanto ao dinheiro recebido por Michelle, Bolsonaro alegou, ainda antes da posse, que seria parte de pagamento de um empréstimo por ele concedido a Queiroz, seu amigo pessoal e colega de pescaria.

Até aqui, tanto o ex-assessor, por declarados problemas de saúde, quanto Flávio se esquivaram de prestar esclarecimentos.

As evidências de irregularidades são enfáticas e documentadas.

Demandam apuração por parte das instâncias competentes. A decisão de Fux, contudo, mesmo que transitória, foi em sentido contrário. O ministro acatou pedido da defesa para que se aguarde o início da nova legislatura, em fevereiro, quando Flávio contará com a prerrogativa de foro dos senadores. Os advogados pretendem ainda que se considerem ilegais as provas colhidas.

Caberá a outro ministro carioca, Marco Aurélio Mello, relator do caso, decidir após 31 de janeiro, quando termina o recesso do Judiciário.

Lembre-se que, no ano passado, o STF considerou que o foro especial de parlamentares se restringe a atos praticados no exercício do mandato e em decorrência dele.

A canetada de Fux gerou protestos de representantes de amplo arco ideológico e partidário. Do PT ao DEM, passando pelo conservador MBL (Movimento Brasil Livre), levantaram-se vozes para deplorar o que parece uma manobra destinada a cercear as investigações.

Otimismo com a sintonia entre Bolsonaro e Macri: Editorial | O Globo

Primeiro encontro entre os dois presidentes estabelece agenda estratégica para o continente

É boa notícia a sintonia demonstrada pelos presidentes do Brasil e da Argentina para a estabilização política e econômica da América do Sul. Jair Bolsonaro e Mauricio Macri chefiam governos de duas nações que, pela geografia, estão condenadas a se entender, e, juntas, têm peso decisivo no rumo da economia sul-americana.

Ao receber Macri, quarta-feira em Brasília, Bolsonaro sugeriu uma agenda ilimitada para negociações sob o guarda-chuva do Tratado do Mercosul, cujo dinamismo “não vem só da proximidade geográfica”, comentou, porque, “sem a identidade de valores na nossa sociedade, nunca teríamos avançado tanto em nossa parceria.” E acrescentou: “Buscamos um Estado eficiente e um setor privado pujante, um ambiente que favoreça o empreendedor e uma abertura maior do mercado”.

O presidente argentino, por sua vez, lembrou o equívoco na opção de relações multilaterais do bloco baseadas no protecionismo. “Protegíamos o crescimento, mas isso não funcionou”, disse. “Aconteceu o contrário, nossos países ficaram atrasados”. Não há dúvida.

Cabe destacar que ambos os chefes de governo tenham ressaltado em seus pronunciamentos um tom de sinceridade ao indicar a disposição de reconstruir o Mercosul, “para que tenha relevância e sentido”, como disse Bolsonaro, “valorizando” seus princípios originais, “a abertura comercial e a redução de barreiras e burocracia”. Macri não apenas concordou, como indicou o rumo combinado: “Avançar para uma espécie de integração que se adapte aos desafios do século XXI.”

Sócios principais no Mercosul, com Uruguai e Paraguai, os governos brasileiro e argentino definiram um roteiro de flexibilização. Menos rigidez no bloco é necessária para permitir entendimentos bilaterais.

No palco mundial: Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia internacional em Davos, numa sessão especial do Fórum Econômico Mundial, na próxima terça-feira. Será recebido com muito interesse e com a deferência reservada a um governante, mas também com dúvidas graves e alguma inquietação quanto ao seu nacionalismo e à sua concepção de direitos. Um de seus objetivos será apresentar o Brasil como um país confiável, a caminho de ajustes e reformas, com grande potencial de crescimento e boas oportunidades para investidores. Seu discurso deverá realçar, muito provavelmente, as perspectivas de abertura de mercado e o compromisso com o liberalismo econômico. Seus acompanhantes, principalmente o ministro da Economia, Paulo Guedes, darão ênfase a uma política voltada para a desburocratização, a criação de um ambiente propício aos negócios e à consolidação, enfim, de mercados dinâmicos, eficientes e livres. Mas tudo isso responderá apenas a uma parte das indagações. As perguntas mais complicadas são de outro tipo.

Ao entrar no Centro de Congressos de Davos, onde se realizam os encontros anuais do Fórum Econômico Mundial, o presidente Jair Bolsonaro entrará no principal templo da globalização. Ali se reúnem milhares de executivos, empresários, chefes de governo, políticos, acadêmicos e líderes de organizações civis e religiosas. Apesar da variedade de credos e de interesses, têm predominado nesse conjunto as opiniões favoráveis à integração dos mercados e, de modo geral, à globalização e à ordem multilateral.

Os problemas associados à globalização, como o aumento da disparidade econômica entre países e pessoas, têm ocupado uma parte crescente dos debates, assim como no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial. Tensões geopolíticas, guerras, fome e os dramas dos migrantes também têm concentrado boa parte das preocupações. As questões climáticas e ambientais há muitos anos estão entre os temas de maior destaque.

Falta de acordo sobre Brexit lança britânicos na incerteza: Editorial Valor Econômico

Esta foi uma das semanas mais tensas no Reino Unido nos últimos anos. Em curto espaço de tempo, o plano do governo conservador para a saída do país da União Europeia (UE), o Brexit, foi rejeitado por maioria esmagadora, e a primeira-ministra inglesa, Theresa May, sobreviveu a um voto de desconfiança por margem bastante estreita. Os nervos à flor da pele não se distendem aí. Até segunda-feira, May precisa apresentar alguma alternativa, sob intensa pressão dos colegas parlamentares e expectativa da população, não só inglesa, mas global.

A apresentação de um plano de saída que desagradou a praticamente todos foi uma surpresa, considerando que o Brexit foi aprovado em plebiscito, em 2016, por 52% da população, 17,4 milhões de britânicos, em uma das mais visíveis manifestações da onda de conservadorismo antiglobalização e xenófoba. O acordo de saída está sendo negociado há dois anos com a União Europeia. Ainda assim, não atendeu as expectativas e foi rejeitado pelo Parlamento por 432 votos a 202, a maior margem já registrada em tempos modernos. Membros do próprio partido de May e do Partido Unionista Democrático (DUP, na sigla em inglês), da Irlanda do Norte, foram contra. Dessa forma, o suspense continua.

As dores do crescimento: Editorial | Veja

Os aspectos negativos de crescer com a tecnologia atual são altamente preocupantes. A reportagem desta edição de VEJA ajuda a elucidar esses pontos

Os temas relativos às mudanças demográficas e geracionais sempre capturaram a atenção de VEJA. Por múltiplas razões. Eles iluminam caminhos para as políticas públicas, ajudam a desenhar os humores da sociedade e até facilitam o diálogo entre as gerações. Em outubro de 1990, por exemplo, ainda no tempo pré-histórico anterior à internet, VEJA publicou uma capa sobre os jovens da época — as “feras radicais”. A reportagem dizia: “Os filhos da geração rebelde dos anos 60 vivem em harmonia com os pais, começam a namorar cedo e trocam passeatas pelo shopping center”.

De lá para cá, quase tudo mudou. Os jovens da década de 60 amavam os Beatles e os Rolling Stones, seus filhos dançavam ao som de Madonna, Guns N’ Roses e U2 e a geração dos tempos atuais, essa que começa agora a chegar à idade adulta, monta as próprias playlists e ouve suas músicas preferidas no Spotify. Há um elemento — que já se insinuou na frase anterior — capaz de demarcar uma diferença abissal entre o momento presente e os fluxos geracionais anteriores: a tecnologia. Não mudaram apenas os astros da música pop, o comprimento dos cabelos, a idade média das primeiras experiências sexuais. Com a chegada das novas tecnologias, do Facebook ao Instagram, do Twitter ao WhatsApp, do YouTube à Netflix, mudou a própria maneira de estar no mundo.

E quais são essas mudanças?

Para responder a essa pergunta, VEJA escalou o editor Filipe Vilicic, que, nascido em 1985, já passou sua adolescência sob a influência determinante da avalanche tecnológica. Mas, mesmo para Vilicic, a reportagem trouxe novidades. Afinal, a geração atual, considerados aqui os nascidos entre 1996 e 2012, não sabe o que é a vida sem internet, e disso advêm impactos enormes, ainda hoje não inteiramente compreendidos.

Olavo viu a uva: Editorial | Época

Em duas semanas de governo Jair Bolsonaro, ficou claro que o novo chanceler, Ernesto Araújo, quer promover um rodopio de 180 graus na política externa brasileira, rompendo com alguns dos princípios que têm guiado a presença internacional do país. Esses princípios, que constituem também bases operacionais da política externa, incluem a valorização do multilateralismo, o respeito ao Direito Internacional e a prática de tentar manter boas relações com praticamente todos os países do mundo. No lugar dessa política externa tradicional, Araújo, segundo pode se depreender de seu intrincado e confuso discurso de posse no Itamaraty, quer promover outra que seja a expressão de uma forte identidade nacional.

O fortalecimento da identidade brasileira, de acordo com o pensamento do chanceler, passaria pela recuperação de valores baseados em Deus, na nação ena família e pela rejeição do “globalismo” pelo Itamaraty. O “globalismo” é como Araújo e outros seguidores, aqui no Brasil, do polemista ultratradicionalista Olavo de Carvalho batizaram o que eles chamam de um projeto político de imposição de um governo mundial pela ONU, pelas ONG se por diferentes governos considerados progressistas. Com suas pautas de defesa do feminismo, do ambientalismo, da abertura das fronteiras às migrações, o “globalismo”, segundo a visão defendida com fervor missionário por Araújo — o que já lhe valeu no Itamaraty o apelido de Beato Salu —, estaria corroendo os tradicionais valores judaicocristãos que fizeram a grandeza do Ocidente.

É de fazer chorar: (Luiz Bandeira - Banda de Pau e Corda)

Manuel Bandeira: Brisa

Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixaras aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.

Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.