Rubens Valente, Naief Haddad, Marco Rodrigo Almeida e Laíssa Barros | Folha de S. Paulo
BRASÍLIA E SÃO PAULO - Por volta das 23h de 13 de dezembro de 1968, no Palácio das Laranjeiras, no Rio, Gama e Silva, ministro da Justiça, e o locutor Augusto Curi anunciaram o texto do Ato Institucional nº 5, o AI-5. Minutos antes, Gama e Silva tinha participado de reunião com o presidente da República, Costa e Silva, e os integrantes do Conselho de Segurança Nacional, formado pelos ministros e pelos principais chefes militares.
Nesse encontro, o governo federal havia sacramentado as medidas do decreto. Quatro anos e oito meses depois do golpe, começava o período mais duro da ditadura.
O AI-5 conferia ao presidente poderes quase ilimitados, como fechar o Congresso Nacional e demais casas legislativas por tempo indeterminado e cassar mandatos.
Também poderia suspender direitos políticos e demitir ou aposentar servidores públicos. Suspendia-se ainda a garantia de habeas corpus em casos como crimes políticos.
Nenhuma dessas medidas estava sujeita à apreciação da Justiça. "Foi uma radicalização que elevou em muito o patamar de arbítrio do regime", diz o historiador José Murilo de Carvalho. "O AI-5 representou uma vitória da linha dura militar, cujas medidas afetaram profundamente direitos civis e políticos considerados básicos numa democracia."
Documentos produzidos pelos militares e relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV) mostram que o endurecimento promovido pelo AI-5 atingiu pelo menos 1.390 brasileiros até 31 de dezembro de 1970 em diversos setores e diferentes escalões da vida pública no país.
De três ministros do Supremo Tribunal Federal (Vitor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva), aposentados à força, a dois auxiliares de portaria do Ministério do Trabalho (Gumercindo Libório Morais e José Zacarias da Silva), que foram demitidos sumariamente.
De cinco senadores (Aarão Steinbruch, João Abrahão Sobrinho, Arthur Virgílio Filho, Mário de Souza Martins e Pedro Ludovico Teixeira), cujos mandatos foram cassados, a um encanador demitido pelo Exército (Aloisio Rocha).
Em relação aos documentos militares, a Folha compilou os dados que constam de papéis guardados no Arquivo Nacional, em Brasília, e produzidos pelo extinto CSN (Conselho de Segurança Nacional), órgão de assessoramento direto do presidente da, e pelo Ministério da Aeronáutica.
Ao longo desse período, foram atingidas 80 mulheres, incluindo professoras, advogadas, deputadas, militantes da esquerda armada e até duas militares das Forças Armadas. Elas representam 6% do total.
Os efeitos do ato envolvem diversas patentes, de soldados do Exército a um almirante da Marinha (Ernesto de Mello Baptista), transferido de unidade. Além dos ministros do STF, outros 27 magistrados foram atingidos, incluindo oito da área trabalhista e o ministro do STM (Superior Tribunal Militar) Pery Constant Bevilacqua (1899-1990), aposentado à força por ser considerado adversário do governo.
Em 1976, o ex-ministro disse a escritores que o entrevistaram: "O AI-5 foi o maior erro jamais cometido em nosso país e comprometeu os ideais do movimento de 31 de março [de 1964]. Os fatos a que nos referimos levam à conclusão de que será sempre preferível suportar um mau governo a fazer uma boa revolução".
Em janeiro de 1969, a jornalista e dona do "Correio da Manhã", Niomar Moniz Sodré Bittencourt (1916-2003), teve os direitos políticos suspensos e foi presa. Além dela, que estava à frente de um jornal crítico da ditadura desde o golpe militar, em 1964, seis jornalistas foram afetados nos dois primeiros anos da vigência do AI-5.
Também em 1969, em abril, os direitos políticos de um dos mais importantes jornalistas e romancistas do país Antonio Callado (1917-1997) foram suspensos. O autor de "Quarup" também acabou sendo preso -a cassação foi revogada posteriormente.
O poeta e compositor Vinicius de Moraes (1913-1980) foi aposentado à força no Itamaraty em abril de 1969, no mesmo dia em que foi punido, com a aposentadoria na USP, Caio Prado Júnior (1907-1990), político, historiador e considerado um dos principais intelectuais do país.