O Globo
Não são só os líderes das pesquisas da
eleição presidencial que são velhos conhecidos do Brasil. Os temas postos em
discussão até aqui e, sobretudo, os esboços de propostas em torno deles são
para lá de batidos. Cheiram a naftalina.
O odor característico dos armários dos
nossos avós me subiu às narinas quando vi de volta à pauta o velho e estéril,
da forma como é entabulado, debate sobre aborto. Que essa pegadinha seria
trazida de volta por Jair Bolsonaro, Damares Alves e companhia já era esperado.
Mas que Lula, com décadas de campanhas nas costas, atravessasse a rua
voluntariamente para escorregar nessa casca de banana foi mais surpreendente.
Uma boa forma de não mudar nada na política
de saúde pública concernente ao aborto é insistir em tratar o tema de forma
atabalhoada numa campanha, com a exploração sempre feita por lideranças
evangélicas. Lula sabe disso desde suas corridas presidenciais anteriores e da
primeira eleição de Dilma Rousseff, em 2010, quando esse foi o primeiro e maior
bode colocado na sala.
A celeuma ocasionada pelas declarações do petista e seu recuo depois mostram que, embora acerte no diagnóstico de que hoje são as mulheres pobres as mais vulneráveis diante de uma realidade em que abortos clandestinos são praticados em todo o país, ainda é necessário um debate aprofundado na sociedade a respeito da questão, mostrando dados e afastando o estigma moralista e religioso. É, antes, um tema para o Congresso, com a realização de audiências públicas e a convocação de especialistas. Numa campanha, tende a produzir mais calor e faíscas que luz.
O aborto é só um exemplo de como patinamos, em 2022, em falas polêmicas e assuntos que nem de perto dizem respeito às urgências postas para um país que sai da pandemia mais pobre, mais desigual e com piores indicadores em áreas como meio ambiente, educação e direitos humanos.