quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Vera Magalhães - Vida estraga-prazeres

- O Globo

Mais de 300 pessoas trocaram perdigotos na covidfest da vitória de Arthur Lira. Jair Bolsonaro e os filhos se refestelaram de comemorar nas redes sociais. O general Luiz Ramos teve um momento “vão ter de me engolir” pelo sucesso da articulação política da qual participou. Mas, passada a ressaca da eleição das Mesas do Congresso, a vida real bate à porta do governo e do Legislativo. E ela, sabemos, não anda nada festiva.

O primeiro para quem essa ficha caiu foi Paulo Guedes. Coube ao ministro da Economia ser o estraga-prazeres e lembrar um pequeno detalhe: o Orçamento de 2021 ainda não foi votado pelos senhores forrozeiros.

Sem essa providência básica, não há como falar em novo auxílio emergencial, a promessa mais repetida de Lira e Rodrigo Pacheco, levada pelos festeiros parlamentares às suas bases — as mesmas que eles ignoraram solenemente ao, no escurinho da urna, dar o controle das duas Casas do Parlamento a um presidente que já foi eleito internacionalmente como o pior do planeta no enfrentamento da pandemia.

Não foi só Guedes a jogar água no chope dos deputados e senadores. O novo presidente do Itaú, Milton Maluhy Filho, desafiou o coro dos contentes com os descalabros cometidos por Bolsonaro e Pazuello ao longo de um ano de transmissão descontrolada do novo coronavírus no Brasil, com mais de 225 mil vidas ceifadas, para dizer o óbvio: um atraso de seis meses no Programa Nacional de Imunização reduzirá à metade a previsão de crescimento de 4% para o PIB deste ano feita pelo banco.

Zeina Latif - 'O liberalismo Viúva Porcina'

- O Globo

A política econômica no Brasil poucas vezes foi liberal em nossa história, menos ainda por convicção. O liberalismo só ganha ímpeto nas crises. Na atual, nem isso.

Historicamente, prevaleceu o nacional-desenvolvimentismo - mesmo quando não existia esse termo, do pós-guerra –, que defende a intervenção estatal para a promoção do desenvolvimento de economias atrasadas. Não há preocupação com o desequilíbrio fiscal e a política monetária é condicionada ao estímulo da economia.

Em vez de eliminar os problemas estruturais que obstruem o desenvolvimento, como a baixa qualificação da mão de obra e a insegurança jurídica, busca-se atalhos e privilegia-se alguns setores - em geral empresas ineficientes que não conseguem se tornar competitivas - em detrimento dos demais.

Enquanto isso, o liberalismo condena artificialismos e preconiza medidas horizontais, com resultados favoráveis também em países emergentes.

O fato é que a ação estatal fracassou. Não se trata de erros de implementação, como alguns argumentam, mas de concepção - como na “canetada” nas tarifas de energia em 2013. Políticas são renovadas mesmo quando não funcionam, como a Zona Franca de Manaus, que nem desenvolveu a região, nem preservou a floresta.

Erros de política econômica geralmente demoram para se materializar, como nos governos Geisel e Dilma, responsáveis pelas mais graves crises da nossa história. Isso dificulta a compreensão da sociedade, que muitas vezes hostiliza quem faz o ajuste. Este, por sua vez, não é lei da física; depende de convicção e liderança do presidente.

Luiz Carlos Azedo - A grande jabuticaba

Correio Braziliense

Enquanto o Palácio do Planalto avança na sua “guerra de posições”, a oposição se baratina numa “guerra de movimentos”, cujo objetivo é atalhar o poder com o impeachment

Uma das dificuldades para a compreensão da situação política brasileira é definir o caráter do governo Bolsonaro. O fato de ser um governo com características bonapartistas, ou seja, controlado por militares e que se coloca acima das classes sociais — numa ordem democrática, porém, é uma grande jabuticaba. Historicamente, governos bonapartistas são uma espécie de antessala do fascismo e só existem em regimes autoritários. Não é o nosso caso, o que faz da situação uma espécie de esquizofrenia política.

O fato de o presidente Jair Bolsonaro exaltar o antigo regime militar e, frequentemente, tomar decisões ou ter atitudes que revelam um viés profundamente autoritário, reforça em muitos setores da sociedade e, principalmente, nos partidos de oposição, o temor de que trabalhe dia e noite para resolver essa contradição subvertendo as regras do jogo democrático. Em qual direção? No rumo de uma espécie de “ditadura do Executivo”, na qual seu poder subjugasse o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público, os demais entes federados e os meios de comunicação. A legitimidade da centralização e verticalização do poder seria dada pelo fato de que foi eleito, ou seja, seria esse o desejo da maioria dos eleitores.

Há países cujos governos foram eleitos, mas seus chefes de Estado operam de forma autoritária: Rússia, Turquia, Egito, Cingapura, Filipinas, Índia etc. Esse é um cardápio de opções institucionais bastante variado, mas todas confrontam a Constituição brasileira de 1988. Alguns desses países se destacam, na corrida mundial para reinventar o Estado, por alcançar padrões de modernização compatíveis com integração ao processo de globalização e a revolução tecnológica em curso. O caso de Cingapura é exemplar, porque tem um governo altamente eficiente e um regime de partido majoritário que servem de inspiração para os líderes chineses, que estudam seu modelo na escola de formação de quadros do Partido Comunista.

Bernardo Mello Franco - Maia perdeu o bonde do impeachment

- O Globo

No último dia de reinado na Câmara, Rodrigo Maia ameaçou receber um dos 62 pedidos de impeachment que adormeciam em sua gaveta. A bravata gerou marola nas redes sociais, mas não chegou a assustar o governo. Aos ouvidos da classe política, soou apenas como um ato de desespero.

Maia teve diversas chances de frear a escalada autoritária do bolsonarismo. Ele viu o presidente tramar um autogolpe, estimular motins nas polícias e atiçar radicais que pregavam o fechamento do Congresso e do Supremo. Em vez de permitir a abertura de um processo de cassação, preferiu lavar as mãos e distribuir notas de repúdio.

Ao ser cobrado pela omissão, o deputado dizia não ver base jurídica para o impeachment. Crimes de responsabilidade não faltaram. Faltou coragem para enfrentar extremistas e contrariar agentes econômicos que lucram com o desgoverno.

No sábado, Maia engrossou a voz e acusou os bolsonaristas de adotar métodos do fascismo. Esses métodos estão em uso desde a campanha de 2018, quando o então presidenciável ameaçava fechar jornais e mandar adversários para a cadeia ou o exílio.

Sem a prisão de Fabrício Queiroz, o plano da quartelada poderia ter evoluído das palavras à ação. Bolsonaro foi contido pelo cerco judicial a seus filhos, não pela covardia do Legislativo.

Maia perdeu duas vezes o bonde do impeachment. Ele passou pela primeira vez entre março e abril de 2020, quando o capitão ejetou dois ministros da Saúde e virou alvo de panelaços diários. A inércia da Câmara permitiu que Bolsonaro continuasse a atuar a favor do vírus. Ele recuperou popularidade com o auxílio emergencial e conseguiu se equilibrar na cadeira.

Elio Gaspari - O ocaso de Rodrigo Maia

- Folha de S. Paulo / O Globo

De volta à planície, Maia poderá mostrar o vigor de suas ideias

Rodrigo Maia foi um bom presidente da Câmara e saiu da cadeira maior do que quando a ela chegou. Se não houvesse outro critério, três dos seus quatro antecessores passaram algumas noites na cadeia. Sofreu uma derrota amarga porque acreditou na própria mágica. Teve calma demais na partida e de menos na chegada. Seu candidato foi batido por Arthur Lira no primeiro turno.

Junto com o senador Davi Alcolumbre, Maia tentou uma reeleição inconstitucional e foi devorado pelo Centrão, essa massa disforme de parlamentares, que já digeriu Dilma Rousseff e Fernando Collor e agora mastiga Jair Bolsonaro.

Depois da maré eleitoral de 2018, que produziu o capitão e alguns jacarés, Maia preservou a autonomia do Parlamento. Naqueles dias, estavam postas as cartas para uma aventura golpista com tinturas plebiscitárias. Passados dois anos, viu-se que as tais “bancadas temáticas” que formariam uma nova base parlamentar para o bolsonarismo eram conversa fiada.

Se o “Posto Ipiranga” Paulo Guedes não conseguiu se entender com Maia, isso não se deveu às convicções do presidente da Câmara. Os desentendimentos vieram do caráter errático do Planalto e da dificuldade que Guedes mostrou em relação ao cumprimento das combinações que fazia.

De volta à planície, Maia poderá mostrar o vigor de suas ideias.

Ele conhece o Congresso e sabe que os protestos contra a liberação de verbas em troca de votos são choro de perdedor. Maia desafiou o Planalto, não conseguiu formar uma base de apoio e perdeu. Sofreu traições capazes de exasperar grandes políticos nordestinos. Perdeu para Arthur Lira, filho do senador Benedito de Lira. O novo presidente entrou em campo com um forró e uma canetada, com que pretendia bloquear o acesso da oposição à Mesa Diretora. Com esse estilo, sua gestão promete.

Ricardo Noblat - Se gritar pegar Centrão, não fica um meu irmão!

- Blog do Noblat | Veja

Aliança para sempre enquanto dure

Jair Bolsonaro já pagou parte da dívida que tinha com o Centrão ao liberar mais de 3 bilhões de reais para obras em Estados e municípios indicados por deputados e senadores que elegeram Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para presidir a Câmara e o Senado pelos próximos dois anos.

Se depender de auxiliares de Bolsonaro, porém, a outra parte da dívida – a da entrega de ministérios e outros cargos importantes da administração pública – será resgatada em suaves prestações. É para poder avaliar melhor o quanto o Centrão de fato lhe será fiel. Portanto, nada de reforma ministerial ampla.

O recomendável é que ela aconteça a conta gotas, na medida em que o governo consiga aprovar no Congresso projetos do seu interesse. Eles são muitos, e esse é um dos problemas que Bolsonaro enfrenta porque ele nunca sabe quais deveriam ser prioritários, e emperra na hora de bancá-los e de ir à luta.

Todo cuidado com o Centrão, pois, é pouco. Para o Centrão, a recíproca também é verdadeira: todo cuidado com Bolsonaro é pouco. Um não confia no outro e tem motivos de sobra para não confiar. Como candidato, Bolsonaro desancou o Centrão e disse que jamais governaria na base do toma-lá-dá-cá.

Hélio Schwartsman - O enigma manauara

- Folha de S. Paulo

Quanto mais tempo para reduzir a circulação do vírus, maiores as chances de mutações

As cenas de horror em Manaus camuflam um enigma que deveria preocupar a todos. A cidade já havia sido uma das mais atingidas na primeira onda. Um trabalho publicado na Science em dezembro estimara, a partir da prevalência de anticorpos entre doadores de sangue, que até outubro 76% da população local já haviam sido infectados pelo Sars-CoV-2, um limiar que, se não assegurava a tal da imunidade coletiva, estaria bem perto de fazê-lo.

Isso não impediu os manauaras de enfrentar uma segunda onda tão ou mais avassaladora do que a primeira. Surgem aqui várias hipóteses, nenhuma tranquilizadora.

Uma possibilidade é que infecções assintomáticas ou muito brandas não bastem para conferir imunidade ou, pelo menos, não uma imunidade muito duradoura. Isso quase certamente é parte da resposta. Seria interessante tentar descobrir, numa amostra populacional estratificada, quantos receberam um segundo diagnóstico de Covid-19.

Bruno Boghossian - Governabilidade premium

- Folha de S. Paulo

Centrão gostou das promessas de regalias no governo, mas velhos entraves não vão desaparecer

Depois de dois anos no Planalto, Jair Bolsonaro finalmente assinou o pacote premium de governabilidade no Congresso. A aliança com os partidos do centrão já foi selada nas eleições da Câmara e do Senado, mas ainda resta saber que tipo de governo esse pacto vai produzir.

O presidente procurou uma base de apoio, em primeiro lugar, para se proteger das investigações que cercam sua família e dos efeitos políticos do desastre oficial na pandemia. Amparado, ele também gostou da ideia de aproveitar as novas amizades para tentar aprovar alguns itens de sua agenda de campanha.

Os olhos do centrão podem estar brilhando diante das regalias governistas prometidas por Bolsonaro, mas isso não significa que velhos entraves vão desaparecer de uma vez.

Na economia, os novos chefes do Congresso disseram que pretendem aprovar uma reforma administrativa e uma reforma tributária. Faltou lembrar que nem Bolsonaro nem os parlamentares estão interessados em mexer nas carreiras de servidores ou ressuscitar a CPMF. O acordo pode produzir, no máximo, um par de reforminhas com baixo impacto sobre as contas públicas.

Ruy Castro - Receita de Bolsonaro: sonegar

- Folha de S. Paulo

O país já está pagando a sua reeleição -a não ser que siga o seu conselho de 1999

Em 1999, quando era pago pelos cofres públicos para se fazer passar por deputado, Jair Bolsonaro disse que "sonegava tudo o que era possível". Referia-se aos impostos que, apesar de todas as benesses, tinha de pagar e que, segundo ele, o governo mandava "para o ralo ou para a sacanagem". Ao admitir que sonegava, Bolsonaro estava incitando à desobediência civil.

Hoje, em que ele é pago pelos cofres públicos para se fazer passar por presidente, será interessante observar sua reação se uma pessoa com qualquer tribuna recomendar ao povo que deixe de lhe pagar impostos. Motivos para sonegação não faltam. Se são os impostos que permitem ao Estado funcionar e justificam sua existência, onde está a aplicação deles em saúde, educação, economia, segurança, transportes, ambiente? O país está se desfazendo —a pandemia avança à toda, brasileiros morrem por falta de oxigênio, milhões de jovens não sabem qual será seu futuro escolar, os investimentos evaporam, a mata é arrasada e o mundo nos olha com escárnio e estupor. Antes fossem o ralo e a sacanagem. Com Bolsonaro, é a morte.

Entrevista | FHC: ‘Espero que o PSDB não esteja no ciclo descendente’

Para ex-presidente, sigla tem de ‘tomar um rumo’ e se posicionar como alternativa ao projeto do governo Bolsonaro

Bruno Ribeiro | O Estado de S. Paulo

A hesitação do PSDB demonstrada na eleição para o comando da Câmara dos Deputados obriga o partido a “tomar um rumo”, avaliou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para ele, cabe à sigla dar ao eleitor clareza sobre seu posicionamento como uma alternativa ao governo do presidente Jair Bolsonaro.

Na sua opinião, o PSDB necessita de líderes capazes de sintetizar um projeto que busque garantir saúde, emprego e renda, e consiga apontar os erros da atual gestão. Caso não seja capaz disso, é possível que o partido entre em um ciclo de declínio, disse o ex-presidente. FHC, no entanto, afirmou ver pouco impacto dos resultados das eleições para a cúpula do Congresso nas disputas de 2022. 

Leia os principais trechos da entrevista ao Estadão.

O PSDB negligenciou seu papel de oposição ao presidente Jair Bolsonaro na eleição para a presidência da Câmara?

No meu ponto de vista, o PSDB deveria ser mais claramente de oposição. O que aconteceu ontem (segunda-feira, 1º) não surpreende, é a força do presidente. Sei como é isso. A força do presidente é muito grande e é muito difícil ganhar uma eleição no Congresso contra o presidente. Mas se não vai ganhar, é para marcar posição. Acho que o PSDB ficou um pouco esvaecido lá.

Como o sr. avalia o resultado das eleições? Que reflexos podem ter em 2022?

Eleitoral, nenhum. O povo funciona de outra maneira. Vai depender quem são os candidatos, as pessoas que se apresentam ao povo. Do ponto de vista político, tem consequências, porque dificulta qualquer processo contra o presidente e facilita a tramitação de qualquer matéria que o governo tenha empenho.

A aliança entre Bolsonaro e o Centrão é um projeto que deve sobreviver até as eleições? 

O que existe na eleição majoritária à Presidência é a relação do candidato com o eleitorado. Claro que a estrutura partidária ajuda, mas não é decisiva.

O sr. transmitiu na segunda-feira uma mensagem à bancada do PSDB, dizendo que o partido deveria ter uma posição clara...

Sim, dei minha opinião porque acho isso. Em política, ou você tem posição clara ou fica difícil, as coisas ficam escorregadias. Quem se beneficia do cenário “resvaloso” é o governo, sempre.

Na mensagem, o sr. diz que ou deveria haver uma posição clara ou o partido poderia dar adeus a chances de construir uma aliança que pudesse disputar as eleições. Ainda pensa assim? 

Foi isso mesmo. O povo não é bobo. A gente pensa que (a população) não percebe, mas percebe. Se você não toma posição no tempo oportuno, quando chega a hora H é tarde.

Não tomar posição pode fazer o partido cair na vala comum das legendas que cederam ao ‘toma lá, dá cá’?

Não é o que eu gostaria, mas acaba, né? Se for por esse caminho, acaba. 

O governador João Doria, cuja pré-candidatura já está colocada, tem uma relação muito próxima com Rodrigo Maia e se envolveu na eleição na Câmara. De que forma esse resultado o afeta?

De alguma forma, mexe com as articulações políticas. No caso do PSDB, tem duas candidaturas mais fortes, a de Doria e a do Eduardo Leite, (governador) do Rio Grande do Sul. Não sei se o Eduardo Leite vai se candidatar. O Doria certamente tem possibilidade, como governador de São Paulo. Agora, o problema tanto de um quanto de outro é ganhar o resto do Brasil. Nasci no Rio, mas me lembro que era muito difícil entrar na Baixada Fluminense. O povo tem que sentir que o candidato que eles escolhem tem ligação com eles, expressam alguma coisa. Tem de tentar contato direto, algum fio que ligue com as regiões.

Entrevista | 'O mundo político funciona no modo crise', diz o cientista político Murillo de Aragão*

Para consultor político e advogado, vitória de Jair Bolsonaro no Congresso lhe dá, enfim, uma base para governar

Sonia Racy | O Estado de S. Paulo

O período por que passa hoje o Brasil, com idas, vindas e incertezas no trato da pandemia, pode ser entendido como uma espécie de “terceira guerra mundial”, concorda o cientista político, consultor e advogado Murillo de Aragão, da Arko Advice. “O País nunca enfrentou um desafio dessa magnitude”, que “não afeta apenas a saúde, mas também o comércio, o entretenimento, a educação, os hábitos da sociedade”. Mas o pano de fundo, adverte, é “um mundo político que funciona no modo crise”: só quando a coisa fica muito grave, é que se consegue um consenso e uma saída. 

Aragão segue de perto esse circo de acertos e conchavos há cerca de 30 anos, como consultor de bancos e empresas, em contato frequente com a área de investimentos, aqui e no exterior, além de atuar como palestrante. Sobre a vitória política do presidente Jair Bolsonaro, anteontem, com a eleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco como presidentes de Câmara e Senado, ele pondera, nesta entrevista para Cenários: “Não significa que a coordenação política esteja feita, ela está só começando. E vai ser afetada pela reforma ministerial que vem por aí.” A seguir, vão os principais trechos da conversa.

A Câmara acaba de eleger, como presidente, Arthur Lira, preferido de Bolsonaro. Como vê essa mudança?

O Arthur Lira venceu pela força do governo e também pelo poder de articulação dele, do Ricardo Barros e do Ciro Nogueira dentro do Congresso. É um conforto para o governo, e também para as agendas da equipe econômica. Mas isso não significa que a coordenação política do governo está feita. Ela está apenas começando. 

E em que consiste essa nova coordenação? O que vai mudar?

É uma nova etapa, onde a presença de um aliado dará ao presidente a tranquilidade para enfrentar os ataques políticos que o governo vem sofrendo no caso da pandemia. Mas essa tranquilidade terá de ser mantida e reforçada por uma coordenação eficiente. E esta vai ser afetada pela reforma ministerial que deve ocorrer em breve. 

E no médio e longo prazo? Como vê as eleições de 2022?

Considerando a máquina pública e a popularidade do presidente, ele é um forte candidato a estar no segundo turno. E até agora não temos uma candidatura forte no outro campo. Aí, existem desafios, e o maior desafio de Bolsonaro é ele mesmo. Porque existe uma narrativa antipolítica e, agora, ele se volta para o mundo político. Mas há outros dois problemas intimamente ligados – a pandemia e a economia.

Como vê a politização da pandemia, a briga entre governos e vacinas?

Olha, na área científica existe uma vaidade enorme... Eu tenho uma passagem pela academia, onde fiz meu doutorado, dou aula, e conheço o universo científico, onde há muita competição. E tem a questão geopolítica da vacina. Podemos fazer um paralelo com a guerra: quem tiver a vacina terá uma arma mais moderna...

Rosângela Bittar - Quadrilha

- O Estado de S. Paulo

Dominado por Jair Bolsonaro e Centrão, o ambiente político é irreversivelmente estéril

É com profundo sentimento de pesar que se anuncia o fim dos tempos. Sejam das reformas, da rotina política ou tudo o mais que tenha vida ou inspire esperança. Inclusive as soluções para o grande desafio da pandemia.

O ambiente político, dominado por Jair Bolsonaro e Centrão, é irreversivelmente estéril. Sem espaço para avanços ou reformas. Nem a administrativa (como enquadrar o funcionalismo com rigor em meio ao vale-tudo?); nem privatizações (conseguirão vender empresas por eles loteadas?); ou reforma tributária (é lícito perder receita para um projeto liberal que não existe?).

O Congresso renunciou à sua agenda própria. Enfraquecido, dividido e sob nova direção, restou ao Parlamento submeter-se à agenda do Executivo.

O governo, também fragilizado, não consegue adesões, sequer internamente, para suas propostas. O ministro Paulo Guedes é satélite e está estacionado há tempos. Seu anunciado pacote econômico não tem respaldo nem do próprio presidente.

A sucessão na Câmara e no Senado esgotou qualquer capacidade de ação coletiva. Nada se pode esperar além da aprovação de um orçamento caviloso e da indispensável bolsa social de sobrevivência no caos.

A lei é a do mercado persa. Vale tudo para vender.

Como nos versos da Quadrilha do poeta Drummond, o círculo é vicioso. Os elos, porém, não são de amor, mas de oportunismo.

José Nêumanne* - República de bananas podres é de poucos

 

- O Estado de S. Paulo

Governo compra parlamentares para o baixo clero corrupto ficar no poder

Desde 21 de abril o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou a Polícia Federal (PF) investigar para descobrir financiadores e participantes de atos antidemocráticos que pregavam intervenção militar com Bolsonaro no poder. E o fechamento do Congresso e do “excelso pretório”. Na semana passada, a delegada encarregada, Denisse Dias Rosas Ribeiro, declarou-se incapaz de denunciar quem participou da subversão às portas do Quartel-General do Exército e quem pagou os fogos de artifício com que os fascistoides fingiram bombardear a sede do STF.

O ministro da Justiça do primeiro governo Lula, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, tentou cobrir o sol com a peneira quando foi revelado que a PF fez escutas telefônicas não autorizadas pela Justiça de ministros do STF e do filho do ex-presidente. “É uma polícia republicana”, mentiu. Mas a PF não era guiada pela hierarquia funcional, e, sim, por petistas, liderados por Paulo Lacerda, que foi seu diretor, bem como da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), tucanos e viúvas do xerife Romeu Tuma. Há algum tempo, quem manda é Bolsonaro. Na sua facção milita o federal não identificado que delatou, segundo o empresário Paulo Marinho, ao então deputado estadual Flávio Bolsonaro que a Operação Furna da Onça fora adiada para evitar prejuízos à chapa de seu pai no segundo turno da eleição. E que o factótum do gabinete dele na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Fabrício Queiroz, teve pilhadas em sua conta pessoal “movimentações atípicas” pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Roberto DaMatta* - Somos contagiosos

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Apreendi que somos humanos justamente porque somos contamináveis e mortais

E contagiantes, dizia meu mentor, o pioneiro brasilianista Richard Moneygrand, hoje isolado numa empesteada Manhattan. Em suas aulas, ele citava Rousseau e Nietzsche, ampliando a apreciação de que o homem é um animal doente, justamente porque não tem um destino prefixado. Sujeito e objeto de desejos e fantasias, ele pode ser tudo de bom e de ruim. 

Apreendi que somos humanos justamente porque somos contamináveis e mortais. A consciência da transitoriedade é o testemunho das nossas contaminações. Vivemos em meio a múltiplos contágios e temos até receitas (como os casamentos, as formaturas e os aniversários) para nos contagiar.

Sendo onívoros e onipotentes, podemos ser super-heróis e deuses. Muitos de nós, aliás, nascem humanos e morrem monstros. 

O processo de “humanização” veio do contato e da contaminação nas suas formas construtivas da troca e do diálogo; e nas suas modalidades destrutivas da guerra e das endemias. Aprender com o outro ou detestá-lo; tentar fazer como ele, compreendendo, manipulando ou aperfeiçoando suas crenças é o nosso segredo de Polichinelo – finalizava o mestre.

Relações – contatos, juramentos, paixões e contratos – são contagiantes. “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és!”, dizia Goethe. A troca é a ponte que permite estar com o outro sem sair de si mesmo. A grama do vizinho é sempre mais verde, bem como – afirmava tio Marcelino – sua mulher...

Somos contagiados, mas queremos ser contagiantes como as celebridades que admiramos. O cerne da fama é a capacidade de contaminar e assim envolver os outros. 

Fernando Exman - Crônica de uma vitória anunciada


- Valor Econômico

Depois de Cidadania e Saúde, aliados cobiçam Educação

Há meses não se via um movimento daqueles, em plena segunda-feira pandêmica, na conhecida “rua dos restaurantes” da Asa Sul.

Localizado a dez minutinhos do Congresso - de carro, claro, para enfrentar a precária mobilidade urbana da capital federal -, o endereço tornou-se um destino tradicional de parlamentares na hora do almoço ou depois das votações. Nos últimos meses, contudo, os carros oficiais viraram objeto raro na paisagem.

Uma exceção foi justamente a última segunda-feira. A exigência legal de que as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado fossem realizadas presencialmente deu um alívio não só para os caixas dos restaurantes ali instalados, como ajudou também quem foi atrás de informação.

Motoristas à espera, deputados e dirigentes partidários comendo, confabulando. Preparavam-se para as sessões que dali a algumas horas definiriam a nova cúpula do Legislativo. O maior distanciamento entre as mesas não prejudicava quem tentava aproveitar o descuido de alguma excelência um pouco mais incauta.

À frente, um dirigente partidário falava baixo com seu interlocutor. Nada feito. Ao lado, guarda baixa. E o assunto era um só: a perspectiva de vitória dos candidatos governistas, que se confirmaria em breve.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Acabou a desculpa – Opinião | O Estado de S. Paulo

Como Bolsonaro se queixava da falta de colaboração do Congresso, é lícito supor que agora terá força política para tocar sua agenda.

Os candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro venceram as eleições para o comando da Câmara e do Senado. Como Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, passaram toda a primeira metade do mandato presidencial a se queixar da falta de colaboração do Congresso para destravar a votação dos projetos de interesse do País, é lícito supor que agora, com uma direção parlamentar supostamente mais alinhada ao Palácio do Planalto, o governo terá força política para tocar sua agenda adiante.

Ou seja, acabou a desculpa usada frequentemente por Bolsonaro para a impressionante inoperância de seu governo.

Mas é duplamente ingênua a expectativa de que o desfecho da eleição do Congresso dará ao governo melhor condição de governabilidade e permitirá que Bolsonaro, enfim, comece a trabalhar.

Em primeiro lugar, qualquer observador minimamente bem informado sabe que Bolsonaro não trabalhou até agora simplesmente porque é ergofóbico, e não porque não o deixaram trabalhar. Não tem nenhum projeto racional e estruturado de governo, e seu único interesse é se manter no poder e proteger os filhos. Foi um mau militar, na insuspeita avaliação do general Ernesto Geisel, e foi igualmente um mau parlamentar, sem qualquer contribuição para o País; não surpreende que seja um mau presidente.

Assim, mesmo que os novos presidentes da Câmara e do Senado revelem-se governistas leais, o que está longe de ser garantido, nada sugere que Bolsonaro daqui em diante faça mais do que bater ponto e sabotar as raras iniciativas reformistas de seus ministros e de sua base parlamentar.

Em segundo lugar, mas não menos importante, o novo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), é genuíno representante do Centrão – bloco cujos integrantes não saem de casa se não receberem algum estímulo fisiológico. Bolsonaro, que já vinha entregando seu governo ao Centrão, despejou bilhões de reais na campanha de Arthur Lira, na forma de liberação de verbas para deputados em troca de votos.

Mais uma vez, contudo, as aparências enganam. Os impressionantes 302 votos obtidos por Arthur Lira não significam nem que o Centrão tenha tantos deputados nem que todos esses parlamentares tenham se tornado subitamente governistas. Hoje, o Centrão mal tem votos suficientes para aprovar leis ordinárias – quando muito, pode impedir que um eventual processo de impeachment prospere, o que, na prática, é o único interesse do presidente da República.

Música | Maria Rita - Abismo

 

Poesia | Murilo Mendes - O homem, a luta e a eternidade

Adivinho nos planos da consciência

dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos

mundo de planetas em fogo

vertigem

desequilíbrio de forças,

matéria em convulsão ardendo pra se definir.

Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,

o mundo ainda é pequeno pra te encher.

Abala as colunas da realidade,

desperta os ritmos que estão dormindo.

À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!

Um dia a morte devolverá meu corpo,

minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins

meus olhos verão a luz da perfeição

e não haverá mais tempo.