sexta-feira, 23 de julho de 2010

Reflexão do dia - Antonio Gramsci


"A grande política e pequena política

Grande política (alta política) - pequena política (política do dia-a-dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A grande política compreende as quest6es ligadas à fundação de novos Estados, a luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas economico-sociais. A pequena política com­preende as quest6es parciais e cotidianas que se apresentam no inte­rior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política. Portanto, a grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a pequena política (Giolitti, baixando 0 nível das lutas internas, fazia grande política; mas seus súcubos, objeto de grande política, faziam pequena política).

Ao contrario, é coisa de diletantes pôr as questões de modo tal que cada elemento de pequena política deva necessariamente tornar-se questão grande política, de reorganização radical do Estado. Os mesmos termos se apresentam na política internacional: 1) a grande política questões relacionadas com a estatura relativa de cada Estado nos confrontos recíprocos; 2) a pequena política nas questões diplomáticas que surgem no interior de um equilíbrio já constituído e que não tentam superar aquele equilíbrio para criar novas relações.

Maquiavel examina sobretudo as questões de grande política: criação de novos Estados, conservação e defesa de estruturas orgânicas em seu conjunto; questões de ditadura e de hegemonia em ampla escala, isto e, em toda a área estatal. Russo, nos Prolegomeni, faz do Príncipe 0 tratado da ditadura (momento da autoridade e do individuo) e, dos Discorsi, 0 tratado da hegemonia (momento do universal e da liberdade).

A observação de Russo é exata, embora também no Príncipe não faltem referencias ao momento da hegemonia ou do consenso, ao lado daquele da autoridade ou da força. Assim, é justa a observação de que não há oposição de principio entre principado e republica, mas se trata sobretudo da hipóstase dos dois momentos de autoridade e universalidade. "


(Gramsci, Antonio – Cadernos do Cárcere, volume 3, págs. 21-21 – Civilização Brasileira, 2007)

Criador e criatura :: Roberto Freire

DEU NO BRASIL ECONÔMICO

Desde que Dilma Rousseff foi lançada candidata pelo PT, quase dois anos antes do calendário estipulado pela Justiça Eleitoral, o governo não fez outra coisa que achincalhar a Lei e o Poder Judiciário. E não apenas no que diz respeito à Justiça Eleitoral.

Para dar alguma função à criatura, o criador buscou, inclusive, tornar inoperante o próprio Tribunal de Contas da União (TCU) quando este suspendeu mais de 30% das obras do PAC por uma série de irregularidades, sendo a mais comum o sobrepreço das obras.

Criador e criatura cruzaram o país em todas as direções levando a boa nova, e ao fazê-lo atravessaram as fronteiras da legalidade, buscando não apenas coagir o Judiciário, mas calar o Legislativo.

Assim, impôs sua candidata não apenas a seu partido, por meio de uma "dedada", ao estilo coronelesco do PRI mexicano, como também deu vida à sua criatura de forma ora dissimulada, ora aberta, nas várias inaugurações de coisa nenhuma, em que varreu o país, nesses últimos dois anos, arrastando-a como um símbolo de eficiência e boa gestão.

Um governo basicamente movido por um intenso processo de marketing e propaganda, cujas verbas tem alcançado somas estratosféricas, sem falar do auxílio luxuoso das estatais, que anunciam um novo horizonte.

Que basicamente deu prosseguimento, aprofundando as conquistas sociais de governos passados e mudando apenas os nomes dos projetos.

Mas sem mudar em nada as adversas condições de nossa capacidade competitiva, ou a matriz de nossas exportações, assentadas em commodities.

Agora, quando de fato começa a campanha eleitoral, e mesmo que durante muito tempo a Justiça tenha assistido calada seus arreganhos e abuso do poder que o cargo lhe conferia, fazendo campanha aberta para sua criatura desde 2007, tenta, mais uma vez, pousar de vítima de funcionários no cumprimento do dever.

Isso ficou claro com a tentativa de constrangimento ao trabalho de Sandra Curreau, vice-procuradora-geral eleitoral, ameaçando ingressar no Conselho Nacional do Ministério Público por ter a funcionária apontado possível mau uso da máquina pública.

Toda vez que se vê denunciado pela fabricação de dossiês, invasão criminosa de privacidade de cidadãos, seja bancária, no caso Fracenildo Pereira, um simples caseiro, ou fiscal, como agora, com Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB. Sem falar da ação de "aloprados" que operam a partir da estrutura do Estado, em que o governo ameaça os opositores e agentes do Estado, repetindo a tática comum de que a melhor defesa é o ataque, buscando a cômoda posição de vítima.

Esta tática é apenas um diversionismo ante os números catastróficos dos índices de violência e insegurança que a sociedade vivencia em seu dia a dia, ou o precário serviço de saúde e de educação que é oferecido ao nosso povo.

Quanto a isso não será a mágica do marketing que nos redimirá, nem superará nossas deficiências estruturais como materializadas no "custo-Brasil", mas um novo projeto de país e nação que temos que materializar em outubro.


Roberto Freire é presidente do PPS

Ladeira abaixo:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PT é assim: bate como gente grande, mas quer ser tratado com carinhos reservados aos pequenos.

Quando apanha, se diz vítima da injustiça, do preconceito, do udenismo, do conservadorismo, do moralismo, dos conspiradores, dos golpistas, das elites e de quem ou do que mais se prestar ao papel de algoz na representação do bem contra o mal, do fraco contra o forte que o partido encena há anos.

Sempre no papel de mocinho, evidentemente, embora desde que assumiu o poder tenha mostrado especial predileção pela parte do roteiro que cabe ao bandido.

Luiz Inácio da Silva é mestre nessa arte, exercitada ao longo de quatro candidaturas presidenciais e muito aprimorada nestes quase oito anos de Presidência da República.

Tanto que ao longo desse tempo se consolidou na política uma linha de pensamento segundo a qual o contra-ataque significa insidiosa radicalização que só pode render malefícios aos seus autores.

Em miúdos: o adversário tem de apanhar calado; se ousar se defender pagará o atrevimento com a condenação geral e consequentemente com a derrota político-eleitoral.

Por essa lei a oposição teria de assistir quieta ao presidente usar dois anos de seu mandato como cabo eleitoral, sem "judicializar" a política com ações por campanha eleitoral antecipada.

Deveriam todos ouvir calados os desaforos que sua excelência diz contra quem bem entende quando contrariado, o que, na concepção dele, significa afrontado.

A Justiça, acionada pelo adversário, deveria atribuir tudo "à guerra eleitoral" e ignorar a existência de leis só porque ao juízo do partido no poder essas leis são retrógradas e atrapalham a marcha do espetáculo do crescimento da hegemonia política, social, ideológica e até cultural do PT e adjacências.

Pela norma referida acima a oposição deveria se comportar com toda a fidalguia durante o processo eleitoral, aceitando como verdadeiras todas as aleivosias do adversário.

Como se já não bastasse o tempo que a oposição deixou que o presidente eleito para "mudar" se apropriasse de todas as suas obras para governar e ainda as tachasse de "herança maldita" para efeito de se manter sempre na investidura do "bem".

Pois chegou a campanha eleitoral e a oposição resolveu enfrentar Lula. Pagou para ver se é perigoso mesmo dar o troco na mesma moeda: dizer umas meias-verdades por aí, carimbar umas perfídias na testa do adversário, manipular emoções do eleitorado, manejar ideias preconcebidas, despertar instintos adormecidos, jogar duro e, quando necessário, baixo.

Como quem tivesse desistido de andar na linha num embate onde o outro lado não preserva escrúpulos.

Se será beneficiada ou se isso lhe renderá malefício, é o eleitor quem dirá.

Agora, o que não soa verossímil é a versão da candidata Dilma Rousseff de que está "assustada" com as reações do adversário José Serra e que por nada neste mundo alguém a fará "baixar o nível".

Quanta delicadeza e civilidade.

Ao que se sabe Dilma Rousseff não se assusta com nada. Enfrenta a tudo e a todos, ironiza os "homens meigos" que lhe criticam os modos bruscos no trato cotidiano, reivindica para si a responsabilidade de coordenar todas as ações de governo e leva um susto com palavras mais duras?

No quesito "nível" não parece que haja nada mais baixo que um presidente da República que desacata as leis e a Constituição e fala palavrões em público.

Evidente que a cena do candidato a vice de José Serra provocando o adversário para que "explique" suas ligações com o narcotráfico, o Comando Vermelho e as guerrilhas colombianas não é edificante.

Muito melhor que no lugar disso Serra e Dilma estivessem dizendo ao País como é mesmo que pretendem dar combate à bandidagem e levar segurança ao público.

Justiça seja feita ao tucano, começou a campanha todo lhano, atribuindo até ao presidente atributos de divindade acima do bem e do mal.

Mas Lula não aceitou a esgrima como forma de luta. Preferiu a força bruta do vale-tudo. Deu o tom, definiu as armas e, portanto, não estão, nem ele nem o PT nem a candidata, na posse de autoridade moral para reclamar.

As Farc, lá e cá :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O famoso... como é mesmo o nome dele? Ah, sim. O famoso Indio da Costa, candidato a vice de Serra por pressão do DEM e por absoluta falta de opções, vem apanhando um bocado por jogar as Farc no centro do debate eleitoral e no colo do PT. Deve ter sido por inexperiência, mas acabou se revelando uma jogada oportuna a partir dos últimos fatos políticos eletrizantes aqui no continente.

Imagine você o embaixador da Colômbia na OEA mostrando filmes, fotos aéreas, nomes, locais, testemunhas, um denso material para comprovar que a Venezuela de Chávez abriga, sim, acampamentos não apenas das Farc mas também do ELN, o outro grupo guerrilheiro colombiano.

Chávez contra-ataca anunciando o rompimento das relações entre os dois países, às vésperas da troca de governo de Álvaro Uribe para seu ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, que toma posse dia 7.

A impressão é que a Colômbia decidiu chutar o pau da barraca com a Venezuela agora para Uribe pegar pesado e liberar Santos para pegar leve. Se Uribe é linha-dura contra as Farc, Santos é linha-duríssima. Mas ele mostra mais disposição ao diálogo e a uma boa convivência com a vizinhança esquerdista, inclusive com Chávez.

O fato é que as Farc são o tema "caliente" da região e isso reforça a polarização nas eleições brasileiras, que tem de tudo, até os pró-Chávez e os anti-Chávez. Quando o tal Indio da Costa empurrou as Farc para Dilma e o PT, eles passaram a bater boca em público com o vice do adversário, que tinham menosprezado, até ridicularizado. Ele era pequeno, insignificante. Cresceu, ganhou estatura. O PT inflou o vice de Serra ao se esquecer da máxima: "falem mal, mas falem de mim".

A expectativa para os próximos dias é de maior contaminação ainda do conflito Colômbia-Venezuela no debate eleitoral interno. A política externa, assim, arrasta a divisão ideológica para os palanques.

O que falta é um pouco de cabeça :: Marcos Sá Correa

DEU EM O GLOBO

Parem as motosserras. Vem aí o mapa-múndi das florestas, lembrando que as árvores mais altas da terra estão espetadas na costa oeste dos Estados Unidos e no Sudeste Asiático.

As da Amazônia mal batem no peito desses gigantes.

Não é bem esse o planeta que o governo brasileiro desenha, quando descreve para a opinião pública o estado do planeta. Nos outros países nem existem mais árvores, não é mesmo? Pena que o mapa seja o tipo da informação que passa de fininho pelo noticiário, enterra-se nos anais acadêmicos e lá desaparece.

Aí, ligam-se as motosserras.

O que mais poderia fazer com essa informação quem vive num tempo em que a ciência empurra sem parar a natureza para além do senso comum? Onde havia monstros, prodígios e portentos demarcando os limites do mundo conhecido na cartografia medieval, agora há biomas, efeitos antrópicos e aquecimento global disputando espaço com velhas lendas.

E não será só com notícia ligeira que se pisa em terra incógnita. Falta munição em português para desbravála, porque os livros em que os naturalistas aprenderam a traduzir para leigos os segredos da realidade saem, geralmente, em inglês. E em inglês permanecem. Só em inglês dá para ler de enfiada e com prazer a história da complicação em que se meteu o biólogo Bernd Heinrich, comprando no estado do Maine em 1977, para cultivar uma floresta, terras que fazendas antigas e madeireiras recentes haviam deixado no osso.

Restaurá-la só com salário de professor era, de cara, um projeto falido. Heinrich decidiu reflorestar a propriedade com o dinheiro e a técnica da exploração comercial de madeira.

Tiradas num intervalo de três décadas, fotos aéreas do terreno comprovam que ele acertou a mão. Porque essa mão teve cabeça para fazer em cada metro quadrado de suas colinas um considerável investimento de curiosidade e pesquisa. O trabalho lhe rendeu, fora o prazer de morar numa clareira onde hoje alces e ursos vêm comer maçãs, dúzias de livros cotados pela crítica como obras-primas da divulgação científica.

E alguns sucessos de livraria.

Como autor, Henrich pode ser tudo, menos sedentário. Costuma zanzar por suas matas a qualquer hora do dia e da noite, como se estivesse em casa. Controla a cada estação a chegada e a partida dos pássaros, anfíbios e insetos. Sobe em pinheiros com lápis e papel na mão, para rascunhar, lá do último galho, vistas panorâmicas que acompanham a evolução da paisagem.

Aponta, pessoalmente, as árvores condenadas às serrarias, para que outras retomem o território que originalmente lhes cabia.

Sua floresta tornouse um modelo vivo de ciência aplicada à conservação. Ele costuma usá-la em aulas de campo. E suas aulas soam convincentes, porque anos atrás um ex-aluno desenganado pediu-lhe para deixar seu corpo apodrecer ao relento na mata (o que Heinrich recusou), acreditando que assim chegaria diretamente à única vida após a morte que se pode conferir molécula por molécula.

Não há assunto obscuro e abstrato que Heinrich não torne claro e concreto em duas ou três páginas. A conversa fiada sobre sequestro de carbono, por exemplo. Ela paira no ar há tanto tempo que parece incapaz de pegar na terra. Heinrich a materializa num galho que cresce diante de sua janela, absorvendo por segundo em cada célula 4,6 milhões de moléculas de dióxido de carbono, possivelmente expelidos por um tronco em decomposição na Amazônia, um carro nas avenidas de Los Angeles, uma usina a carvão no Utah, um hornbill na Indonésia e um babuíno na Tanzânia.

Portanto, cada célula de madeira em cada árvore de sua propriedade é um permanente dá-e-toma com o resto do mundo. Dito assim, parece simples, não? Pois é o mesmo cálculo que o tal mapamúndi da massa florestal pretende converter à escala planetária. Para que ninguém mais possa dizer que não tem nada a ver com isso.

Anistia e reparação :: Paulo Abrão

DEU EM O GLOBO

Os direitos humanos importam em responsabilidades para os Estados que os violam. Uma delas é o dever de instituir programas de reparação material e simbólica, individual e coletiva, para as vítimas.

As reparações materiais podem incluir restituições de direitos, compensações financeiras e disponibilização de serviços de educação, saúde e moradia, entre outros. As reparações simbólicas incluem desculpas oficiais do Estado, mudança de nome de espaços públicos, estabelecimento de dias de comemoração e a construção de museus, parques e locais de memória. O relevante é que elas estejam inseridas no projeto político de uma sociedade que investe na diminuição dos efeitos transgeracionais do legado de violência do regime autoritário, estabelece um processo pedagógico de (re)conhecimento das violações e valoriza o direito à resistência dos povos contra a opressão. É por tudo isso que a ONU e o direito comparado são unânimes em afirmar que o dever de reparação é política de Estado, e não de governo.

O caso brasileiro não é diferente. Com implantação gradativa, sua gênese ocorre no processo constituinte, que garantiu o direito à reparação na Carta de 1988.

Coube ao governo FHC implantar as comissões de reparação. A primeira, limitada ao reconhecimento da responsabilidade do Estado por mortes e desaparecimentos (Lei 9.140/95). A segunda, por todos os atos de exceção, incluindo as torturas, prisões arbitrárias, demissões e transferências por razões políticas, sequestros, compelimento à clandestinidade e ao exílio, banimentos, expurgos estudantis e monitoramentos ilícitos (Lei 10.559/02). Para a fixação das indenizações, a Constituição utilizou-se de um critério compatível com a prática persecutória mais recorrente: a imposição de perdas de vínculos laborais, impulsionadas quando a luta contra a ditadura uniuse aos movimentos grevistas, gerando a derrocada final do autoritarismo. Ocorre que o nosso programa de reparação não se limita à dimensão econômica. As leis prevêem também direitos como a contagem de tempo para fins de aposentadoria, a garantia de retorno a curso em escola pública, a reintegração ao trabalho, a localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos e outros. Pode-se discordar dos critérios e direitos definidos pelo legislador democrático, mas não se pode querer ignorá-los, sob pena de retrocedermos historicamente a um tempo onde vigia a vontade dos homens e não a vontade das leis.

A partir disso, o governo Lula inovou nesta política de Estado agregando uma gama de mecanismos de reparação simbólica: implantou o projeto Direito à Memória e à Verdade, com o registro oficial das mortes e desaparecimentos, e as Caravanas da Anistia, com julgamentos públicos da história e pedidos oficiais de desculpas às vítimas. Criou ainda o projeto Memórias Reveladas, com a disponibilização dos arquivos do período e propôs os projetos de lei da Comissão da Verdade, da nova lei de acesso à informação, além de preparar o Memorial da Anistia, para que reparação e memória sigam integradas.

A anistia é um ato político onde reparação, verdade e justiça são indissociáveis.

No Brasil o processo de reparação tem sido o eixo estruturante da agenda ainda pendente da transição política. O processo de reparação tem possibilitado a revelação da verdade histórica, o acesso aos documentos e testemunhos dos perseguidos políticos e a realização dos debates públicos sobre o tema. É imperativo avançar com a localização e abertura dos arquivos das Forças Armadas; com a proteção judicial das vítimas e o julgamento dos crimes cometidos pelo Estado; com uma reforma ampla dos órgãos de segurança; com a localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos, entre outras tantas medidas já dadas pelo exemplo dos países que viveram experiências similares à nossa e pelo que está disposto nos tratados internacionais sobre a matéria.

Cabe ao Brasil debruçar-se sobre os arquivos das vítimas junto à Comissão de Anistia, não para querer rever os critérios criados pelo legislador diante do incomensurável custo-ditadura, mas sim para encontrar-se com os milhares de relatos das atrocidades impostas aos anônimos que os meios de comunicação ainda não se interessaram em propalar. E, a partir daí, buscar os subsídios cruciais para impulsionar uma agenda vasta de reformas necessárias para a diminuição da violência policial e militar, para uma mais efetiva proteção aos direitos e liberdades fundamentais e para a difusão e defesa dos valores democráticos.


Paulo Abrão é advogado, professor universitário e presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

Roberta Sá no dvd Samba Social Clube

Estatuto inocula racismo na legislação – Editorial/O Globo


A ideologia racialista desembarcou em Brasília ainda na Era FH, mas foi por meio do PT e de Lula que o chamado movimento negro teve acesso efetivo ao poder. Uma série de organizações inspiradas em realidades muito diferentes da brasileira, como a americana e com o apoio de abastadas ONGs internacionais, à frente delas a Fundação Ford , já trabalhava para inocular na sociedade a ideia de divisão do país em raças conceito inexistente para a ciência. Numa sociedade miscigenada, sem perseguições raciais como as ocorridas nos Estados Unidos até negros foram donos de escravos no Brasil , esses movimentos nunca conseguiram grande espaço.

Mas, com o apoio político do governo, assentados numa secretaria com status de ministério, esses grupos puseram para tramitar no Congresso projetos como o do Estatuto da Igualdade Racial, um exemplo perfeito da novilíngua orwelliana, pois, na verdade, se trata de uma lei de tratamento desigual dos brasileiros, em flagrante choque com a Constituição.

Quase duas décadas de debates depois, o Estatuto, mediante acordo entre governistas e oposição, foi aprovado no Senado e, no início da semana, sancionado pelo presidente Lula. Houve quem considerasse avanço importante terem sido retiradas do Estatuto referências às cotas raciais no ensino objeto de projeto de lei específico ainda em discussão , substituídas por ações afirmativas com o objetivo de compensar desigualdades étnicas. Foi também suprimida a previsão de incentivos fiscais para empresas com mais de 20% de negros no contingente de empregados, assim como uma indenização à população negra por tudo o que padeceu na história do país (a experiência do Bolsa Ditadura indica que, aprovada, esta indenização explodiria de vez o Tesouro).

Não há o que comemorar. Por meio do tal estatuto, infelizmente, é contrabandeada para o arcabouço jurídico brasileiro a visão racialista de subordinação dos direitos civis do brasileiro à cor da pele de cada um. Revogase, na prática, o artigo constitucional que estabelece a igualdade de todos perante a lei.

É até provável que, com base na previsão, feita pelo Estatuto, de ações afirmativas para reduzir a distância entre brancos e negros, se tente aprovar as cotas raciais no ensino ao largo do Congresso.

Se esta ideologia for levada às últimas consequências e por enquanto nada indica que isto não venha a ocorrer , o branco pobre será um cidadão de segunda classe, com acesso dificultado ao ensino superior. E, a depender do avanço das falanges racialistas em Brasília, até mesmo ao mercado de trabalho. Não esquecer que a versão original do Estatuto previa cotas para atores negros em peças publicitárias, novelas etc.

A cegueira ideológica leva o Brasil a transitar na contramão da História. Afinal, até nos EUA, berço das cotas, o conceito foi relativizado pela Suprema Corte. As ações afirmativas continuam legais, porém não se pode mais fixar percentuais de alunos desta ou daquela cor.

Enquanto isso, a única e grande ação afirmativa cabível ensino público de qualidade para todos, sem discriminações frequenta a boca de governantes, mas continua sem o apoio adequado. É mais fácil entreter a sociedade com mágicas que fazem parecer secundários qualificação e mérito pessoais. Nasce no Brasil um sistema de castas sob o disfarce politicamente correto da modernização.

Contraponto

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / PAINEL

Confete e serpentina

O candidato do PSDB, José Serra, foi cercado no Rio, anteontem, por jornalistas que queriam saber se a ameaça de chuva mudaria sua agenda.

O tucano reagiu com bom humor e cantou uma antiga marchinha, cuja letra dizia "com chuva ou sem chuva eu vou pra lá. Para Jacarepaguá".

Os repórteres não entenderam.

-Incrível! Os cariocas não sabem...

E concluiu, fazendo piada com seu Estado natal:

-É que paulista só conhece marchinha dos anos 30, porque depois não houve mais...

Serra faz desafio ao PT

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO PE)

Presidenciável tucano ataca adversários e exige que Dilma e o PT afirmem explicitamente que não têm vínculos com as Farc

PORTO ALEGRE O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, provocou sua concorrente Dilma Rousseff e o PT a dizerem explicitamente que não têm vínculos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), durante entrevista à Rádio Guaíba, ontem, em Porto Alegre. Perguntado pelo jornalista Juremir Machado da Silva sobre a derrapagem que seu vice Indio da Costa (DEM) teria cometido ao tentar vincular o PT ao grupo guerrilheiro colombiano, Serra saiu em defesa de seu companheiro de chapa e aproveitou para atacar seus adversários.

O tucano considerou que Indio da Costa disse uma banalidade ao fazer a associação e afirmou que há evidências abundantes de que os integrantes das Farc são sequestradores, cortam a cabeça de gente de gente, são terroristas e fazem narcotráfico para, na sequência, afirmar que eles vieram ao Brasil e aqui (foram) abrigados. O próprio principal assessor da Presidência de relações exteriores os trata como não terroristas. No fundo, companheiros meio equivocados, prosseguiu, sem indicar exatamente a quem se referia.

Em meio às respostas, Serra ressalvou duas vezes que não estava qualificando os petistas de narcotraficantes, deixando implícito que as vinculações que vê e que não considera explicadas são de outra ordem. Que os petistas sejam narcotraficantes isso o Indio nunca pensou e nem eu, reiterou, sustentando que seu vice disse é que o PT é aliado a uma força que pratica narcotráfico. Depois, passou às cobranças.

Curiosamente ninguém do PT veio (explicar), e estão devendo essa explicação, inclusive Dilma Rousseff, para dizer que eles não tinham nada com as Farc, disparou. Você viu algum petista, inclusive Dilma, explicando porque o PT é ligado às Farc, ou negando isso?, indagou.

Ao defender seu vice, Serra lembrou que Indio da Costa já venceu quatro eleições e teve mais votos que o vice de Dilma, Michel Temer (PMDB-SP), a quem considera eleito na repescagem em 2006. Citou também que o democrata foi líder importante do Projeto Ficha Limpa, escreveu livros sobre administração e tem experiência executiva. Na minha opinião, ele é melhor que os outros dois, ressaltou, referindo-se a Temer e também a Guilherme Leal (PV), que, afirmou, não fez nada na vida pública.

Nosso vice foi escolhido por suas virtudes, não foi por nenhum troca-troca de cargos, comparou. Por exemplo, Lula não queria o vice (de Dilma), mas teve que engolir Temer para não desagradar o PMDB. É mercadoria. No nosso caso, é política e ideologia, atacou.

DECISÃO

Enquanto Serra referendou parte dos ataques do seu vice ao partido de Dilma, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu ontem que o PT terá direito de resposta às declarações de Indio da Costa sobre uma suposta ligação do partido às Farc e ao narcotráfico.

Pela decisão do ministro Henrique Neves, o PT terá direito a publicar por dez dias uma resposta às afirmações de Indio. A mensagem será veiculada no site Mobiliza PSDB, que publicou originalmente a entrevista do vice de Serra.

Na entrevista ao site tucano, o vice de Serra disse que todo mundo sabe que o PT é ligado às Farc, ao narcotráfico, ligado ao que há de pior. Para o ministro do TSE, o tom ofensivo é evidente. Em parecer, a vice-procuradora-geral eleitoral Sandra Cureau disse que Indio difamou o PT: O discurso proferido atingiu a imagem do PT com nítido caráter difamatório.

A procuradora sugeriu que o direito de resposta fosse publicado no site da Folha de S.Paulo, que repercutiu as declarações de Indio, e que a Folha tirasse a reportagem da internet, mas o TSE negou os pedidos.

Serra acusa PT; Dilma nega ligação

DEU EM O GLOBO

Ex-governador acusa Fernando Pimentel; Lula se diz decepcionado com tucano

João Guedes*

PORTO ALEGRE e BRASÍLIA. O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, culpou ontem dirigentes do PT pela quebra do sigilo fiscal do tucano Eduardo Jorge Caldas. Em entrevista a jornalistas da Rádio Gaúcha e do jornal Zero Hora, Serra acusou o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel de coordenar a ação: Isso é jogo sujo e o PT estava montando isso. E foi descoberto inclusive contratando exdelegado, tudo coordenado por um personagem de importância no PT, que é o atual candidato ao Senado por Minas Gerais, o Fernando Pimentel. Ele é o organizador disso. Não é um zé ninguém dentro do PT.

Para Serra, o PT vem valorizando a declaração de seu candidato a vice, Indio da Costal (DEM), sobre uma eventual ligação do PT com as Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farc), para tirar o foco da quebra de sigilo.

Ele (Indio) falou isso para uma pergunta e fizeram uma onda tremenda. Mas por quê? Porque ficou evidente a quebra do sigilo fiscal do dirigente do PSDB.

Em entrevista à TV Record, o presidente Lula se disse decepcionado com Serra: Fico triste quando vejo um homem da história do Serra dizer que o PT é ligado às Farc, fico triste. Porque o mínimo que esperava do Serra é que respeitasse o PT. Porque o Serra sabe que a gente tem afinidade histórica, a gente pode ter divergência políticoideológica agora, mas ele jamais poderia dizer uma insanidade dessa contra o PT.

A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, subiu ontem o tom ao reagir às acusações de envolvimento de sua campanha com o vazam en todo sigilo fiscal de Eduardo Jorge. Para ela, tratase de uma tentativa de prejudicála no processo eleitoral: É muito estranho atribuir um vazamento da Receita Federal à minha campanha. Não há prova disso, há ilações a respeito, há acusações infundadas disse Dilma. Vejo uma tentativa de utilizar isso contra mim no processo eleitoral sem provas, sem nenhum fundamento e sem base.

Dados que vazaram só foram acessados pela senha de Antonia

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para Receita, funcionária de Mauá agora é também a principal suspeita [br]pelo vazamento das informações de tucano

Vannildo Mendes, Renato Andrade / BRASÍLIA

A Receita Federal já sabe que os dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, que vazaram só foram acessados pela senha da analista tributária Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva.

Fonte da Receita disse ao Estado que os dados de Eduardo Jorge foram acessados por três pessoas no órgão. Uma das consultas foi feita pela própria corregedoria da Receita, logo após a divulgação da informação da suspeita de violação do sigilo tributário do dirigente tucano. Os outros dois acessos foram feitos por um auditor fiscal, que cumpria uma apuração de rotina, e por Antonia.

A análise dos documentos não deixou dúvida de que o material vazado confere com o que foi copiado pela analista e difere daquele levantado pelo auditor. Ela foi afastada do cargo após a denúncia da suspeita de violação de sigilo do tucano e responde a processo administrativo por ter feito o acesso sem motivo. Agora ela é também a principal suspeita pelo vazamento das informações.

De acordo com a investigação, como chefe da agência do Fisco em Mauá (SP), Antonia era a única servidora que teria autorização para ver os dados levantados que acabaram nas mãos do chamado "grupo de inteligência" da equipe de pré-campanha da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Segundo o PSDB, os dados faziam parte de um dossiê destinado a atingir a candidatura de José Serra à Presidência.

Cartão. Um detalhe fortalece a hipótese de Antonia Rodrigues ser responsável pelo vazamento das informações: o auditor que também consultou os dados de Eduardo Jorge não tinha autorização para ver o tipo de informação que acabou nas mãos dos petistas. Ainda pesa contra Antonia o fato de ela não ter apresentado uma justificativa para a consulta.

A analista, que trabalha na Receita desde 1995, sugeriu a colegas que alguém poderia ter utilizado indevidamente sua senha para acessar os dados. A possibilidade, porém, é remota. Para entrar, o servidor precisa de senha de acesso ao computador e outra para o próprio sistema de informações. É preciso ainda inserir um cartão magnético que contém a certificação digital, uma espécie de assinatura eletrônica do CPF do servidor.

Portanto, para que alguém possa ter feito o que sugeriu Antonia, as senhas e o cartão da servidora teriam de estar nas mãos de outro funcionário. O SindiReceita, sindicato que representa os analistas tributários do Fisco, solicitou à chefia do órgão mais informações sobre o caso.

Críticas. Representantes do sindicato classificaram como "inaceitável" a divulgação do nome de Antonia como única suspeita pelo vazamento dos dados fiscais de Eduardo Jorge. "Defendemos a apuração ampla, completa e a punição dos culpados, mas não podemos aceitar essa execração pública de uma servidora com base em um único motivo banal", afirmou Silvia Felismino, integrante da diretoria-executiva nacional do sindicato.

Antonia sofre processo administrativo disciplinar porque teria acessado os dados de Eduardo Jorge de maneira "imotivada". Silvia pondera que o acesso "imotivado" a dados fiscais dos contribuintes é muito mais comum do que a Receita admite. E afirma que esse tipo de procedimento não está diretamente ligado ao vazamento de informações.

Campo de ação

Chefes de agências, como Antonia, têm liberdade para consultas mais detalhadas que um analista. Acima deles estão os delegados, depois, superintendentes, coordenadores até chegar ao secretário.

Sindicato quer saber por que nome de analista vazou

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente da entidade afirma ter sido precipitada a revelação da identidade da servidora e pediu investigação para punir responsável

Fausto Macedo

Hélio Bernardes, presidente do Sindicato Nacional da Carreira Auditoria da Receita (SindiReceita), requereu ontem investigação para identificar e punir quem, dentro da própria instituição, tornou público o nome da analista tributária Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva.

Suspeita de ter violado os dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, a analista integra os quadros da Receita há 15 anos. No dia 8 ela perdeu o cargo de titular da agência do Fisco em Mauá, Grande São Paulo.

Na avaliação de Bernardes, a analista está sendo "usada como bode expiatório". Ele classificou de precipitada a revelação do nome de uma servidora apontada pelos colegas como "exemplar, dedicada" e protocolou dois ofícios, um na Secretaria da Receita, outro na Corregedoria.

"Vazou o nome dela com que interesse"?, questiona o presidente do SindiReceita. "Para tumultuar o processo? Para esconder outros nomes? Qual a motivação?Poderiam ter feito apuração completa, com tranquilidade e segurança, oferecida ampla defesa. No entanto, expõem a pessoa ainda no curso do processo."

"O próprio (Otacílio) Cartaxo (secretário da Receita), no Senado, se negou a informar os nomes sob investigação", aponta Bernardes. "Por isso, estou ingressando com dois expedientes, um ao secretário e outro à Corregedoria da Receita pedindo providências no sentido de se apurar o vazamento do nome de Antonia."

"É preciso ter cuidado, pois podemos estar punindo quem não deve, enquanto o verdadeiro culpado ficará impune", alertou o presidente do SindiReceita. "Neste momento qualquer informação sobre a responsabilidade de Antonia é indevida. Estão expondo alguém que pode ser inocente e aí como vão reparar o dano?"

Antecipação. Para Bernardes "não pode haver a incriminação antecipada de qualquer servidor antes dos trâmites legais do processo administrativo". Ele reiterou que considera "estranho" apenas o nome da analista ter sido divulgado. "Tem que haver a investigação sobre todos os que acessaram esses dados. Assim como a imprensa publicou que se tratava de um crime de vários autores porque somente o nome de Antonia vazou?", indaga.

Bernardes defende a investigação sobre a quebra do sigilo de Eduardo Jorge, mas insiste na suspeita de que "algo não está cheirando bem nessa história". Ele sugere que a corregedoria "não deixe de lado" nenhum indício ou histórico relativo ao dirigente tucano, alvo em outras ocasiões de violações de seu sigilo fiscal.

Colegas de Antonia supõem que cópias de declarações de bens do tucano podem ter sido extraídas há algum tempo, eventualmente no curso de procedimentos oficiais da Receita a partir de solicitações de outros órgãos, como a Justiça. "Há situações que não podem ser desprezadas", insiste Bernardes. "A senha é o principal indício, a digital. Mas tem como identificar qual a máquina usada para acesso imotivado. Onde está esse computador?"

Ontem, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita (Sindifisco), emitiu nota em que sustenta que o caso Eduardo Jorge "confirmou que a Receita é um órgão comprometido com o Estado, que tem preocupação com a preservação das informações fiscais dos contribuintes, rastreando e identificando com precisão eventuais acessos indevidos, além de prevenir falhas de segurança ou invasões".

Para o Sindifisco, "a divulgação de informações desse sistema blindado da Receita só aconteceu porque nenhum sistema é imune à ação de pessoas que tenham acesso a ele".

Quebra de sigilo

Perguntas ainda sem respostas

1. O que garante que o vazamento das informações dos dados fiscais de Eduardo Jorge não partiu de um dos acessos motivados?

2. Qual precisamente foi a motivação de cada um destes cinco acessos? E quantos acessos motivados realmente foram feitos?

3.O sistema da Receita identifica automaticamente quem faz acesso imotivado a dados de contribuintes ou isso só é apurado após uma denúncia?

4.Qual tipo de informação pode ser obtida por meio da senha de um analista tributário, cargo da servidora Antonia Aparecida?

5. Antonia alega que não acessou os dados e que sua senha pode ter sido roubada ou usada por terceiros. Por que ela não denuncia formalmente o caso?

Receita manda unidade do ABC se calar sobre episódio

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Delegacia de Santo André bloqueou acesso e emitiu nota afirmando que informações competem apenas à corregedoria

Roberto Almeida

Depois de confirmar ao Estado a investigação da Corregedoria do Fisco sobre a analista tributária Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva, a Delegacia da Receita Federal em Santo André, onde a servidora está lotada, emitiria nota sobre o caso anteontem à noite, mas recuou.

Funcionários informaram à reportagem que a corregedoria orientou o órgão a não se pronunciar, em hipótese alguma, sobre a investigação. Mesmo a assessoria de comunicação da delegada Heloísa de Castro, responsável pela jurisdição e chefe de Antonia, esteve inacessível.

Jornalistas que tentaram obter informações ontem no prédio da delegacia, no centro de Santo André, tiveram acesso restrito ao saguão de entrada.

No balcão de informações, atendentes encaminharam a reportagem à área de seguranças, que forneceram uma nota oficial, com conteúdo neutro.

Em texto, a delegacia, orientada pela corregedoria, bloqueia qualquer pedido de informações sobre a quebra de sigilo do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira. O Fisco não pretendia divulgar o nome de Antonia.

"A Delegacia da Receita Federal do Brasil em Santo André/SP, diante dos últimos acontecimentos veiculados pela imprensa, informa que o assunto está a cargo da Corregedoria-Geral da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda", assinala a nota, subscrita pela delegada Heloísa.

O texto continua. "De acordo com o decreto nº 2331/97, (a corregedoria) é competente para promover ações preventivas e repressivas sobre a ética funcional e verificar, com independência, aspectos disciplinares dos seus servidores. Sendo assim, toda e qualquer informação sobre o assunto deverá ser solicitada à Corregedoria-Geral da Receita Federal do Brasil", completa.

EJ pede acesso à investigação da Receita sobre IR

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas, vai solicitar à Justiça Federal acesso integral à investigação da Receita Federal sobre a violação de suas declarações de renda entregues entre 2005 e 2009.

EJ também quer ser ouvido urgentemente no processo administrativo.


EJ vai à Justiça para ter acesso a investigação

Vice-presidente do PSDB quer acompanhar apuração da Receita Federal sobre a violação de seu Imposto de Renda

Sindicato dos analistas tributários cobra o fisco por causa da revelação do nome da servidora investigada no caso


Andréa Michael e Claudia Rolli
SÃO PAULO - O vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas, vai pedir hoje à Justiça Federal, em Brasília, acesso integral à investigação da Receita Federal sobre a violação de suas declarações de renda entregues entre 2005 e 2009.

EJ, como ó tucano é conhecido, dedicou a tarde de ontem à elaboração do mandado de segurança que será impetrado na Justiça.

O dirigente também protocolou na Receita ofício solicitando que seja ouvido urgentemente no processo administrativo que investiga a responsabilidade pelo acesso ilegal de seu sigilo fiscal.

"Quero saber quem, quando, onde, por que, com qual motivação acessou e o que fez com os meus dados", disse o tucano.

Em junho, a Folha revelou o Imposto de Renda do político constava de dossiê montado pelo "grupo de inteligência" que atuou na pré-campanha da petista Dilma Rousseff à Presidência.

A Corregedoria da Receita investiga a servidora Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva.

Os computadores do órgão registram um acesso aos dados de EJ feito com sua senha e sem "motivação", ou seja, fora de uma procedimento de rotina da Receita e sem autorização judicial.

O fisco não descarta a possibilidade de a senha da servidora ter sido usada sem o seu consentimento.

EXPLICAÇÕES

O Sindireceita (sindicato nacional dos analistas tributários) pediu ontem explicações à Receita sobre o vazamento do nome de Antonia.

Antonia é investigada em processo administrativo disciplinar aberto em 1º de julho, como suspeita de ter acessado de forma "imotivada" a declaração de Imposto de Renda de EJ.

O pedido de explicações foi feito ao secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, e ao corregedor, Antônio Carlos Costa d"Ávila Carvalho.

"Como o nome e até o CPF de Antonia apareceram na imprensa?", questiona Hélio Bernardes, presidente do Sindireceita.

O sindicato considera que o vazamento do nome configura "desvio de conduta" e diz que "caso a investigada venha a ser inocentada, ela poderá até ingressar com ação de reparação por danos morais contra a União".

A analista está sendo orientada por advogados do Sindireceita, ao qual é filiada. "Ela tem reiterado que desconhece [a acusação de violação]", diz Rafael Luís, advogado do Sindireceita.

Antonia trabalha na unidade do fisco em Mauá, no ABC. Ela foi exonerada da chefia do escritório de Mauá em 8 de julho, uma semana depois de passar a ser alvo da corregedoria.

Tucano diz que PT tem "gula infinita para controlar tudo"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DE BRASÍLIA -
O candidato José Serra (PSDB) afirmou ontem que a quebra do sigilo de Eduardo Jorge foi feita para usar os dados fiscais do tucano na disputa eleitoral.

"Isso é partidarismo, evidentemente. Quebrou para poder usar numa campanha eleitoral, uma instituição como a Receita. Isso depende de como o governo se comporta, depende da gula dos partidos, não pode dar essa gula", afirmou, em entrevista à TV Brasil.

Serra disse que o PT tem "gula infinita para controlar tudo", por isso aparelhou a Receita. Ele afirmou que, se for eleito, sua principal tarefa será acabar com o "loteamento político" que diz ter ocorrido no governo Lula.

José Serra, Candidato à Presidência pelo PSDB - Entrevista

DEU NA ZERO HORA (RS)

Rosane de Oliveira

Capital terá metrô, promete Serra

Na primeira visita a Porto Alegre desde o início oficial da campanha, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, juntou mais uma promessa ao compromisso de construir a segunda ponte do Guaíba: a implantação do metrô.

A promessa foi feita em entrevista à Rádio Gaúcha e a ZH, logo depois de caminhada pelo Centro. Ao passar por uma farmácia, Serra entrou para cumprimentar os funcionários:

Estão vendendo muito genérico? perguntou, fazendo alusão à sua gestão como ministro da Saúde.

Foi recebido calorosamente pelos vendedores, que o abraçaram, bateram fotos e entoaram em coro:

Viva os genéricos!

Depois da caminhada, Serra esteve na Rádio Gaúcha, onde falou ao programa Chamada Geral e concedeu entrevista a ZH. Ainda participou de um seminário na Farsul.

Zero Hora O senhor assume o compromisso com o metrô de Porto Alegre da mesma forma como já fez em relação à segunda ponte do Guaíba?

José Serra O mesmo compromisso. As grandes cidades já deveriam ter metrô em funcionamento. São Paulo é a que mais tem e ainda falta muito. Como a cidade é muito grande, custa uma fortuna. Porto Alegre ainda não é uma cidade gigantesca. Portanto, é mais fácil fazer.

ZH É seu compromisso para o primeiro ano de governo?

Serra Associadamente com governo estadual e município. Tem que envolver todos, iniciativa privada e financiadores externos.

ZH Como melhorar a qualidade da educação?

Serra Ampliar a carga horária, do jeito que está, não resolve nada. Não haveria salas e professores. Isso pode ser feito a médio e a longo prazos. A solução é mudar o Ensino Médio, torná-lo atraente para os jovens do ponto de vista da vida, do mercado de trabalho. Tem também de mexer com leis que permitam contratar professor com concurso no regime de 10 horas semanais. Para ele poder dar aula de física, de química, de matérias que hoje você não tem professores. Fizemos isso em São Paulo e está dando certo.

ZH Foi um erro o país ter ficado tantos anos sem investimentos em escolas técnicas, incluindo o governo do PSDB?

Serra Investimos alguma coisa. Parte do que o governo atual investiu é financiamento do Banco Interamericano que veio do governo anterior. Fui eu que fiz, quando fui ministro do Planejamento. Mas precisa muito mais. Proponho para o Brasil fazer um milhão de novas vagas de Ensino Técnico sempre ligadas com Ensino Médio. Temos de começar uma mudança.

ZH O senhor está disposto a completar a reforma previdenciária e implantar a previdência complementar para os servidores?

Serra Sem dúvida, mas vou fazer um negócio bem feito. A solução é fazer um sistema novo para aqueles que não nasceram, que estão nascendo agora ou que têm 10 anos. Para aqueles que já têm direitos adquiridos, vamos fazer uma coisa mais racional e ficará mais fácil. Vou encaminhar isso no primeiro ano.

ZH Como o senhor avalia o desempenho do seu vice, Indio da Costa, que provocou polêmica ao dizer que o PT tem ligações com o narcotráfico?

Serra O que ele disse é uma coisa antiga, que está mais do que evidenciada, que o PT tem ligação com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que, por sua vez, são uma força do narcotráfico.

ZH O senhor acha que o sigilo de Eduardo Jorge foi quebrado com autorização superior, a pedido de Dilma, ou gesto de uma aloprada da Receita Federal?

Serra É estratégia do PT. Eles tinham montado um grupo de dossiê sujo. Dossiê limpo não é obrigatoriamente algo criminoso. Quando é feito com baixaria, você está comprando depoimento. Isso é jogo sujo, e o PT estava montando isso e foi descoberto. Tudo coordenado por um personagem importante do PT, que é o Fernando Pimentel. Não é um Zé Ninguém. Uma delas foi começar a quebrar sigilo usando de funcionários ligados ao PT.

ZH Como vai ser a participação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na sua campanha?

Serra
Do jeito que ele quiser, porque ele é ex-presidente, não é candidato. Nem o Lula, aliás, é candidato. Depende dele. Não tenho problemas com o meu passado, não tenho o que esconder, sou fundador do PSDB. Você pode ver mil entrevistas minhas, não tenho de explicar o meu passado, que todos conhecem. Acho que mantive ao longo da minha vida uma coerência muito grande. Minha cara é única, agrade ou não agrade às pessoas.

ZH Há alguns dias, em Pernambuco, o senhor disse que Lula e FH são parecidos. No que eles são semelhantes?

Serra Em Pernambuco, eu não disse a razão, mas para você eu vou dizer. Por exemplo: vai alguém numa audiência, eles sempre dão razão para o interlocutor, que sai feliz. Não aprendi a fazer isso. Com os dois (Lula e FH), o interlocutor sai feliz da vida. Essa é uma característica comum, são sedutores. Acho até que algo sedutor eu sou, mas não é exatamente atendendo gente que vem pedir coisa. Com empresários, governadores, tendo a ser realista.

Para Serra, Temer não passa de 'mercadoria'

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Sérgio Bueno, de Porto Alegre

O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, partiu para o ataque ontem contra o deputado federal Michel Temer, do PMDB, vice da candidata Dilma Rousseff, do PT. Segundo o tucano, o pemedebista não passa de uma "mercadoria" na chapa liderada pela petista, enquanto a escolha do deputado federal Indio da Costa (DEM) como seu vice foi um caso de "política e ideologia".

Serra afirmou que Lula não queria, mas teve que "engolir" Temer como vice de Dilma para não desagradar o PMDB. De acordo com ele, Costa tem "quatro eleições nas costas" e na última disputa, no Rio, teve "muito mais votos" do que o pemedebista, que "foi eleito na repescagem, contando com votos de legenda".

Por meio de sua assessoria, Temer rebateu o tucano: "Este não é o Serra que conheci, para quem política e ideologia, como critérios de escolha, se tornaram opção pela política raivosa e destemperada, como revela sua declaração. Espero a retomada do caminho do debate de propostas e ideias para o país continuar mudando, como tem feito Dilma".

Para o tucano, Costa não é só melhor do que Temer como também do que o empresário Guilherme Leal, vice da candidata do PV, Marina Silva. "Você sabe o que ele fez na vida pública?", indagou durante entrevista à rádio Guaíba, onde propôs um debate entre os três "para ver quem é o mais preparado".

Para fazer a comparação entre os três, o tucano aproveitou a polêmica aberta depois que Costa acusou o PT de ter relações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Segundo ele, as declarações do vice são uma "banalidade" porque há "evidências abundantes" de que o PT é ligado à organização. "São seqüestradores, cortam cabeças, são terroristas e fazem narcotráfico".

Serra decidiu insistir. Segundo ele, Costa não acusou o PT de envolvimento direto com o narcotráfico, mas com uma "força ligada ao narcotráfico". Ele também cobrou explicações de Dilma sobre o tema.

Outro filão explorado pelo tucano para bater no PT foi novamente o caso da quebra do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, que teria sido cometida pela analista tributária da Receita, Antonia Rodrigues dos Santos.

Os tucanos acusam a campanha de Dilma de encomendar os dados para montar um dossiê contra Serra, que classificou o episódio como um "crime contra a Constituição". "Jogar abaixo da cintura é uma prerrogativa petista", afirmou o candidato.

Na visita que fez a Porto Alegre, Serra encontrou-se rapidamente com a governadora Yeda Crusius (PSDB), na sede da rádio Guaíba, pouco antes das 14 horas. Depois da entrevista à emissora (sem a companhia de Yeda), fez caminhada pelo centro acompanhado por cerca de 100 pessoas, incluindo militantes contratados para trabalhar na campanha por R$ 650 a R$ 800 por mês.

No trajeto, Serra entrou em agência da Caixa Econômica Federal e em uma farmácia para cumprimentar funcionários, conversou com pedestres e não escapou de algumas vaias de petistas, abafadas por palavras de ordem dos integrantes da caminhada. Do centro, seguiu para a rádio Gaúcha, onde deu uma entrevista mais rápida, e foi à Federação da Agricultura do Estado (Farsul).

Recebido com entusiasmo pelo presidente da entidade, Carlos Sperotto, o tucano aproveitou para fazer novos ataques a Dilma. "Não sei o que a candidata pensa da agricultura", afirmou. Para regozijo da plateia, formada por produtores rurais, disse que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é organização política financiada pelo governo que usa a reforma agrária como "pretexto para um movimento socialista revolucionário".

Tucano diz não ser de oposição

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Raymundo Costa, de Brasília

Em entrevista concedida ontem ao canal de televisão pública EBC, o tucano José Serra rejeitou a classificação de candidato da oposição. "Não sou da oposição, sou candidato do pode mais e dá para fazer", disse Serra ao programa 3 a 1, na segunda da série de entrevistas com os principais presidenciáveis que se encerra hoje com Marina Silva, a candidata do PV.

Serra tomou a iniciativa de fazer a distinção quando um dos entrevistadores, a jornalista Teresa Cruvinel, presidente da EBC, perguntou o que ele mudaria no governo. "Você falou em situação e oposição", interveio. "Eu sou candidato para governar o Brasil no futuro", disse. "Não fico nunca jogando no quanto pior melhor. Pego as coisas que estão funcionando e melhoro, as que não estão funcionando eu corrijo", explicou.

O tucano evitou criticar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo quando achou que deveria fazer reparos a políticas do atual governo. Mas foi severo com o PT. O tucano atacou o aparelhamento do Estado, o que estaria na origem, por exemplo, da quebra do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB Eduardo Jorge Caldas Pereira. Serra disse que foi ministro, prefeito e governador sem precisar aparelhar o Estado para aprovar projetos. "Isso depende de como o governante se comporta e da gula dos partidos (...), e o PT tem gula infinita para controlar tudo". Afirmou que a necessidade de construir maiorias não justifica aparelhamento. "Esta visão do mal necessário deixa muito a desejar e é cúmplice da corrupção".

Serra avaliou como positiva a atuação de Lula para "a projeção política internacional do Brasil", mas ressaltou que "não faria carinhos em algumas ditaduras políticas". Citou especificamente o Irã. "Em geral a projeção do Brasil na política internacional foi positiva", disse Serra, atribuindo essa projeção a Lula, mas classificou como "tíbia" a política externa em relação à economia.

Segundo Serra, "o instantâneo" da economia brasileira é bom, "o problema é o filme". E o dever do governante é "antecipar problemas", que de acordo com o tucano já são visíveis no horizonte devido ao investimento baixo e ao déficit externo. Sobre o câmbio, disse que não há uma única solução para a sobrevalorização do real. "Tem a ver com juros, impostos, gastos públicos (...) e a relação de nossa moeda com o dólar".

O candidato voltou a se comprometer com a reforma política "fatiada" - se eleito, pensa em enviar ao Congresso proposta instituindo o voto distrital puro já a partir de 2012, nas eleições municipais nas cidades com mais de 200 mil eleitores, que têm segundo turno. Defendeu o mesmo sistema para a reforma tributária. São duas reformas que, se forem negociadas no atacado, não andam, na opinião do tucano.

Citou o projeto Ficha Limpa como uma demonstração do anseio da sociedade pela moralização da política. Confrontado que o ex-governador Joaquim Roriz apoia o PSDB em Brasília, esquivou-se: "Eu só diria o seguinte: num torneio a candidata do governo perderia disparado em matéria de má companhia".

Brasil tem o 3º pior índice de desigualdade do mundo

DEU EM O GLOBO

ONU põe país empatado com Equador em concentração de renda

O Brasil tem o terceiro pior nível de desigualdade de renda do mundo, empatado com o Equador. A constatação é do primeiro relatório sobre desenvolvimento humano para América Latina e Caribe sobre distribuição de renda, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). No Brasil, o Índice de Gini - que mede a desigualdade é 0,56. Quanto mais perto de 1, mais desigual é o país. O levantamento aponta dois outros grupos de países com situação mais grave: Bolívia, Camarões e Madagascar - empatados com 0,60 - e África do Sul, Haiti e Tailândia, todos com 0,59. Dos 15 países do mundo com maior concentração de renda, dez são da América Latina. Segundo a ONU, o baixo nível educacional é um dos fatores que mais dificultam a melhoria social na região.

ONU: Brasil tem 3º pior desigualdade do mundo

Dez dos 15 países com maior concentração de renda estão na América Latina. Situação brasileira melhorou recentemente

Carolina Brígido

BRASÍLIA. Em seu primeiro relatório sobre desenvolvimento humano para a América Latina e Caribe em que aborda especificamente a distribuição de renda, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) constatou que a região continua sendo a mais desigual do planeta. Dos 15 países do mundo nos quais a distância entre ricos e pobres é maior, 10 estão na América Latina e Caribe. O Brasil tem o terceiro pior Índice de Gini que mede o nível de desigualdade e, quanto mais perto de 1, mais desigual do mundo, com 0,56, empatando nessa posição com o Equador.

Concentração de renda pior só é encontrada em Bolívia, Camarões e Madagascar, com 0,60; seguidos de África do Sul, Haiti e Tailândia, com 0,59. O relatório considera a renda domiciliar per capita e o último dado disponível em que era possível a comparação internacional.

No caso do Brasil, porém, a desigualdade de renda caiu fortemente nos últimos anos e, em 2008, o Índice de Gini estava em 0,515.

Na região, os países onde há menos desigualdade são Costa Rica, Argentina, Venezuela e Uruguai, com Gini inferior a 0,49. Na média, segundo o Pnud, o Índice de Gini da América Latina e do Caribe é 36% maior que o dos países do leste asiático e 18% maior que os da África Subsaariana.

O relatório, denominado Atuar sobre o futuro: romper a transmissão intergeneracional da desigualdade, mostra que a concentração de renda na região é influenciada pela falta de acesso aos serviços básicos e de infraestrutura, baixa renda, além da estrutura fiscal injusta e da falta de mobilidade educacional entre as gerações.

No Brasil, educação dos pais tem forte influência No Brasil, por exemplo, a escolaridade dos pais influencia em 55% o nível educacional que os filhos atingirão.

O estudo também mostra que ser mulher indígena ou negra na região é, em geral, sinônimo de maior privação. As mulheres recebem menor salário que os homens pelo mesmo tipo de trabalho, têm maior presença na economia informal e trabalham mais horas que os homens. Em média, o número de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia é duas vezes maior entre a população indígena e negra, em comparação com a população branca.

Ainda segundo o relatório, a desigualdade na região é historicamente alta, persistente e se reproduz num contexto de baixa mobilidade social. No entanto, para a entidade, é possível romper esse círculo vicioso não com meras intervenções para reduzir a pobreza, mas com a implementação de políticas públicas de redução da desigualdade. Um exemplo são mecanismos de transferência de renda.

De 2001 a 2007, gasto social cresceu 30% na região A desigualdade deve ser combatida per se, como objetivo de política explícito, diz o documento.

Mas essa diretriz parece não ter funcionado na região. Os altos níveis de desigualdade têm sido relativamente imunes às diferentes estratégias de desenvolvimento implementadas na região, conclui o estudo.

Entre as conquistas da América Latina e Caribe, o estudo mostra que as mudanças na política social da região na década de 1990 se refletiram na distribuição de renda. O gasto público social apresentou tendência crescente e gira em torno de 5% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) dos 18 países da região, apesar das limitações fiscais enfrentadas pela maioria dessas economias.

Além disso, registrou-se na região um aumento do gasto social por habitante, em média, de quase 50% entre 1990 e 2001. Entre 2001 e 2007, o aumento foi de 30%. A maior parte do dinheiro concentrou-se nas áreas de seguridade e de assistência social esta última, representada principalmente pelo aumento no número de aposentados.

Crescimento sustentável na AL::Carmen Pagés-Serra

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A agenda de reformas é extensa e por isso precisamos iniciar um diálogo envolvendo toda a sociedade para ampliar o consenso e poder implementá-las

O desempenho econômico recente da América Latina e Caribe tem sido surpreendente, particularmente depois da crise financeira global. Países como o Brasil já estão crescendo a níveis próximos ou até superiores ao do período pré-crise, com forte retomada do investimento.

Nesse cenário, é grande a tentação de achar que finalmente as economias da região estão decolando e reduzindo o hiato de desenvolvimento com os países ricos e do leste da Ásia.

Um estudo recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostra que essa distância só diminuirá de maneira sustentável se a região aumentar a sua produtividade. Mais do que investimentos, a América Latina precisa aumentar a eficiência na qual utiliza os seus recursos econômicos.

O crescimento da América Latina e Caribe foi frustrante nos últimos 50 anos porque a produtividade da região ficou estagnada. Dos 17 países latino-americanos e caribenhos citados no estudo, só o Chile aumentou a sua produtividade em relação aos Estados Unidos desde 1960. A produtividade do Brasil, o terceiro melhor da lista, diminuiu 2,5% em relação aos EUA no mesmo período.

O preço que pagamos por isso foi muito alto. Se os recursos econômicos da região - trabalho, capital físico e humano - produzissem a mesma quantidade de produtos e serviços feitos em países de maior produtividade, a renda per capita da região teria dobrado sem a necessidade de se realizar nenhum investimento adicional. O que fazer então?

Uma boa parte da resposta reside na implementação de políticas e investimentos que promovam a melhor alocação dos recursos da economia. Isso significa aumentar a produtividade das empresas e permitir que as atividades de maior retorno cresçam e absorvam uma fatia maior dos recursos produtivos.

Atualmente, 60% da força de trabalho está empregada no setor de serviços, cuja produtividade é baixíssima. Os recursos econômicos nesse setor produzem somente 15% do que o mesmo setor produz nos Estados Unidos. É vital que haja uma maior competição nessa área para que se aumente a produtividade. E para tanto é necessária a redução da informalidade na economia.

Uma empresa que sonega e não registra seus empregados compete de maneira desleal com empresas no setor formal. São ineficientes porque só conseguem sobreviver porque sonegam. Prejudicam a produtividade porque utilizam recursos produtivos que poderiam estar sendo alocados em firmas e em setores mais eficientes.

Isso nos leva à segunda parte do problema. Nossa produtividade é baixa porque também temos muitos recursos produtivos alocados em empresas pequenas e pouco eficientes. Mais de 85% das empresas manufatureiras da região tem menos de 10 empregados. É preciso fortalecer os incentivos para que as empresas cresçam e saiam da informalidade, já que a produtividade aumenta fortemente com o tamanho da empresa. A produtividade de empresas manufatureiras com mais de 100 empregados é, em média, o dobro da produtividade de empresas pequenas.

A boa notícia é que muitos países já estão trabalhando para avançar nessa direção. Entretanto, precisa ser feito muito mais para que o crescimento seja sustentável no longo prazo.

Um aumento na oferta de crédito cria fortes incentivos para as empresas se formalizarem. Atualmente o nível de crédito ao setor privado na América Latina é menor do que a metade do leste asiático. Somente com maior acesso ao crédito as empresas podem expandir e investir em tecnologias que aumentem sua produtividade. Neste sentido, a expansão recente do crédito ao setor privado no Brasil pode ser um sinal extremamente promissor.

Um sistema tributário simplificado e um combate à sonegação fiscal mais efetivo teriam também efeitos benéficos já que poderiam criar incentivos importantes para as empresas se formalizarem.

É preciso reformar o sistema de financiamento de seguridade e proteção social para aumentar a eficiência na alocação de recursos. Esses sistemas precisam desonerar a folha de pagamentos das empresas porque criam incentivos à informalidade.

Deve-se também fomentar políticas e investimentos que melhorem a competitividade do setor de transportes. Nosso custo de transporte é alto, contribuindo para que nossos produtos manufaturados sejam pouco competitivos no exterior. Além disso, o alto custo de transporte acaba reduzindo os ganhos do setor exportador e isso prejudica sua capacidade de investimento.

Como esta lista indica, a agenda de reformas é extensa e, muitas vezes, pode ir contra os interesses de certos grupos sociais e econômicos. Precisamos iniciar um diálogo envolvendo toda a sociedade para ampliar o consenso e poder implementá-las. Os desafios são muitos. Mas valerá a pena porque esta é uma grande oportunidade de assegurar um futuro melhor em nossos países.


Carmen Pagés-Serra é chefe da divisão de mercado e trabalho no BID e coordenadora do estudo "A era da produtividade: como transformar as economias desde seus alicerces" realizado pelo Banco.

Do enigma de Mantega ao seguro estatal :: Rogério L. F.Werneck

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No início de 2006 havia no País uma visão quase consensual, da qual compartilhava a própria equipe econômica do governo. Tendo em conta a dura realidade do quadro fiscal, o governo não poderia arcar com o esforço de investimento em infraestrutura que o País tinha pela frente. E seria fundamental, portanto, assegurar práticas regulatórias bem concebidas que pudessem atrair capitais privados para a expansão da infraestrutura. Pouco mais de quatro anos se passaram. O quadro fiscal continua o mesmo. Mas o governo agora parece ter recursos para bancar quase tudo. Não há projeto de investimento, por mais dispendioso que seja, que não possa ser financiado com dinheiro público. Qual foi a mágica?

Tudo começou quando Antonio Palocci foi substituído por Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Numa entrevista ao Financial Times, o recém-empossado ministro deixou entrever o que estaria por vir, com uma explicação inesquecível que, por encerrar óbvia contradição em termos, passou a ser conhecida como o enigma de Mantega: como o governo não contava com recursos para investir, a solução era recorrer ao investimento privado financiado com recursos do governo.

Desse entalo lógico, Mantega logo se livraria, ao ser convencido por Luciano Coutinho, presidente do BNDES, de que o que estava errado era a premissa de que o governo não tinha recursos. Nada impedia que o Tesouro emitisse mais dívida pública. E emprestasse os recursos assim obtidos ao BNDES, a juros subsidiados. E, se Mantega quisesse evitar que esse aumento de endividamento aparecesse na dívida líquida do governo, poderia recorrer ao artifício contábil de lançar os empréstimos ao BNDES como ativo do Tesouro ao calcular a dívida líquida. Foi essa a mágica que permitiu que o governo possa hoje se dar ao luxo de bancar qualquer tipo de investimento. Tudo, claro, à custa de preocupante aumento do endividamento bruto da União e de vultosa e indefensável conta de subsídios em aberto.

O que se teme é que esse esquema, já de proporções bastante grandes, possa ser apenas o plano piloto de uma operação em escala muito maior, a ter lugar no próximo mandato presidencial. Sem a intermediação de Mantega, direto ao caixa, sob o comando direto do próprio Luciano Coutinho.

A súbita fartura de recursos estatais vem distorcendo a formatação dos novos projetos de infraestrutura. Basta ver o que acabou ocorrendo com a composição do consórcio ganhador de Belo Monte. A Eletrobrás e suas subsidiárias responderão por 49,98% da sociedade formada. Fundos de pensão de empresas estatais - que não são públicos, mas que o governo trata como se fossem - vão deter 27,5%. A participação de investidores efetivamente privados, incluindo construtoras, ficou restrita a pouco mais de 22,5%. O BNDES deve financiar cerca de 80% da obra, diretamente ou através dos sócios. Tudo com juros pesadamente subsidiados e a prazos longuíssimos. Mas, ainda assim, dadas as deformações de Belo Monte, houve investidores privados que concluíram que os riscos do projeto eram excessivos.

É preciso entender que, não obstante todo o viés estatal, o governo não pode abrir mão da participação dos investidores privados. Porque precisa manter a fachada de "consórcio privado", sem a qual a usina teria de ser construída em estrita observância da Lei de Licitações (n.º 8.666), o que o próprio presidente da Eletrobrás declarou ser missão impossível. Para o governo, portanto, tornou-se fundamental evitar que o alto risco envolvido nos seus projetos de infraestrutura impeça a participação necessária de investidores privados.

É isso que explica a última etapa da escalada de contrassensos. Depois de tentar assegurar na marra a modicidade tarifária, com o festival de subsídios de Belo Monte, o governo constata agora que precisa partir para a "modicidade securitária". Quer criar uma seguradora estatal para bancar a preços camaradas riscos envolvidos em obras de infraestrutura, transferindo-os, em boa parte, ao contribuinte. Mais do mesmo.


Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-RIO

Não acabou ainda:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O mundo complicou de novo. O economista Nouriel Roubini acha que este é o ano das duas metades. A Europa segue a rotina de ter uma complicação a cada semana. A crise imobiliária americana não acabou. O Itaú está divulgando avaliações de economistas internacionais, e Barton Biggs, de um hedge fund de Nova York, diz que a situação piorou. O BC subiu menos os juros por fatores internos e externos.

Os sinais da economia internacional são de desaceleração em vários países desenvolvidos.

Roubini, que previu a crise de 2008, define 2010 como o ano das duas metades porque o que foi bem no primeiro semestre pode piorar no segundo. Isso porque há sinais ruins nas economias da Europa, Japão, EUA. Apenas os emergentes estão bem, mas eles podem ser afetados pela reversão nos países avançados.

Global Connections é o novo produto divulgado pelo Departamento Econômico do Itaú, dirigido por Ilan Goldfajn, e contém análises de economistas estrangeiros.

Barton Biggs, diretor-gerente do Traxis Partners, no texto desta semana, admite, no entanto, que é muito cedo para dizer se é o temido double dip (mergulho duplo) que está acontecendo ou apenas desaceleração. A incerteza sobre os mercados é grande, admite o economista, e aí ele recorre a John Maynard Keynes para se proteger de qualquer pergunta futura. Lembra da famosa frase de Keynes: Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. E quanto a você? Tempos de incerteza de novo, pelo visto. A economia mundial mergulhou numa grave crise em 2008, ficou recessiva na maior parte de 2009, entrou em 2010 se recuperando e agora começa a piorar. Roubini mantém a previsão de que a recuperação do mundo desenvolvido será em U, isso significa que os países ficarão mais tempo em estagnação. Para o Japão, a previsão é de conjuntura em L, o que significa que permanecerá estagnado por um tempo ainda mais longo. O Japão está inclusive com novos problemas políticos, o que complica ainda mais a formação de consensos sobre medidas de recuperação.

A pior situação é da Europa, que diariamente tem uma má notícia. Na Espanha, com o desemprego em 20%, chegando a taxas de quase o dobro entre os jovens, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) divulgou que os jovens estão demorando mais de um ano para conseguir emprego.

A economia americana está bem mais dinâmica, mas mesmo assim o Fed na semana passada divulgou uma revisão para baixo do crescimento.

Ainda está positivo, depois da queda do ano passado, mas as autoridades apostavam num crescimento de 3,2% a 3,7% e agora estão numa faixa entre 3% e 3,5%. O mercado imobiliário mostrou novos números negativos e o desemprego ainda está alto.

Os emergentes continuam com bom crescimento. Mas o Banco Central na quarta-feira subiu menos os juros alegando mudanças em fatores internos e externos. Nas entrelinhas, isso quer dizer que o risco de desaceleração aumentou.

Na verdade, o mundo está com ritmos tão diferentes de recuperação que torna a proposta do G-20 de uma coordenação ainda mais difícil. Para Roubini, os emergentes podem ser afetados pela queda do crescimento mundial. No Brasil, se a crise da Europa se agravar, os reflexos podem vir em queda de investimento de empresas europeias e queda de exportações para a Europa. O que mais mexeria com o nosso crescimento, no entanto, seria uma reversão na China, cuja demanda de produtos que o Brasil exporta tem sustentado os preços das commodities.

A China deu sinais de desaceleração e eles devem continuar, segundo analistas, para níveis que seriam altos em qualquer país do mundo, mas que na China podem ter reflexos negativos em várias economias.

Os países ricos estão ficando sem instrumentos para evitar um novo mergulho. Os europeus já começaram a perseguir metas de redução de déficit e dívida. Ainda que sejam para os próximos anos, o cenário já é, em vários países, de aumento de impostos e corte de benefícios. Os incentivos fiscais para tirar as economias da crise estão sendo anulados porque foram eles que causaram o maior estrago nas contas públicas.

Os juros já são baixos demais.

E novos estímulos fiscais agora seriam um tiro no pé porque eles só aumentariam as dúvidas em relação às dívidas soberanas da Europa.

Mas o debate alfabético vai continuar. Uma nova queda da economia dos países desenvolvidos ainda que longe da intensidade da queda de 2008 ou uma demora maior de recuperação? O W ou o U? O que se sabe é que já está sendo abandonada a euforia de vários economistas no começo do ano achando que o V (uma forte recuperação em curso, depois da queda) já estava garantido.

O Brasil será afetado por toda essa mudança de cenário e isso justifica a alteração no ritmo de aumento dos juros. Aqui também houve desaceleração do ritmo de crescimento no segundo trimestre e a queda da inflação de alimentos ajudou a puxar o índice para baixo. Mas há dúvidas em relação aos limites fiscais num ano eleitoral, em que normalmente a tendência é expansionista, mas esse ano é ainda maior.

Como a arrecadação está aumentando, o resultado é menos visível, mas seus efeitos serão sentidos mais adiante.

O governo tem persistido no erro de usar aumento conjuntural de receita para criar despesas permanentes e adiar o enfrentamento de problemas estruturais. Não é assim que se faz um crescimento sustentado.

Sadismo e crueldade – Graziela Melo



Triste, muito triste, no mundo de hoje, ter de suportar, de ouvir, de presenciar, saber que existe, o rugido sofrido, doloroso, desesperado dos touros, despedaçados aos poucos, pelas pontas afiadas das espadas dos toureiros espanhóis. Todo esse barbarismo em nome de uma assim chamada "tradição cultural".

Aliás, não sei como a humanidade ainda suporta esse tipo de coisa, esse espetáculo dantesco, essa aberração em nome de seu próprio "divertimento".

Bem, se ainda se tem de suportar, estarrecidos, homens-bomba, mulheres-bomba, guerras religiosas entre seres humanos que não param de se matar entre sí, por puro fanatismo religioso, porque se deixaria de suportar e até mesmo aplaudir, como "momentos de lazer" o sofrimento doloroso, as punhaladas cruéis, nos toros de Madrí???

Haja sádicos, pelo mundo afora!!!

Meu Deus!

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Mozart - Adagio concerto per pianoforte n. 23

A verdade - Carlos Drumond de Andrade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os dois meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram a um lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em duas metades,
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
As duas eram totalmente belas.
Mas carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.