Decisão sobre validade de embargos infringentes favorece réus em ações penais no STF
Maioria dos processos é por crimes no exercício de cargo público e alguns se arrastam há 10 anos
A decisão do Supremo tribunal Federal de considerar válidos no mensalão os embargos infringentes - recursos que permitem um novo julgamento para condenados que tiveram ao menos quatro votos pela absolvição - pode beneficiar ao menos 84 políticos que são réus em 135 ações penais na Corte
Mensaleiros como modelo
Até 84 parlamentares na fila de réus do STF podem se beneficiar de embargos infringentes
Juliana Castro, André de Souza
Até 84 políticos réus em 135 ações penais em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) podem ser beneficiados com a decisão da Corte de aceitar a validade dos embargos infringentes, tipo de recurso que dá direito a um novo julgamento. Terão essa nova possibilidade os parlamentares que obtiverem pelo menos quatro votos pela absolvição em algum dos crimes pelos quais respondem. Na maioria dos casos, os processos estão à espera de análise do ministro relator.
Até o momento, entre todos os processos, a Procuradoria Geral da República só deu parecer pela absolvição em quatro casos. Desse grupo, sete deputados e dois senadores estão mais próximos de serem julgados. Eles são réus em ações que já foram liberadas ao plenário da Corte, mas ainda não foram analisadas. Algumas dessas ações são, inclusive, mais antigas que a do mensalão, julgada no ano passado e atualmente na fase de recursos.
Compete ao presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, selecionar, dentre os processos liberados, os que serão julgados nas sessões plenárias. A maior parte das ações — 24 no total — é de políticos que respondem por crimes previstos na Lei de Licitações. Os crimes de responsabilidade aparecem em 20 processos. Trata-se de ato irregular praticado por um agente político, como, por exemplo, apropriar-se de rendas públicas ou desviá-las em proveito próprio ou alheio.
Quem não for reeleito no próximo ano perderá o foro privilegiado, ou seja, não terá o direito de ser julgado diretamente pela mais alta Corte do país. Assim, terá o processo enviado para instâncias mais baixas e perderá o direito a esse recurso. Na semana passada, o ministro Celso de Mello desempatou a votação a favor da admissibilidade dos embargos infringentes de 12 dos 25 condenados no processo do mensalão, abrindo possibilidade para que os políticos processados no STF tenham o mesmo direito se obtiverem ao menos quatro votos pela absolvição.
Até 72 deputados federais, 11 senadores e um ex-deputado, cujo julgamento dos embargos de declaração está empatado, estão entre os que podem ser beneficiados. — Agora, os políticos ficam na expectativa de, caso sejam julgados, ter ao menos quatro votos pela absolvição. Se tiverem, em vez de serem 80 processos, o Supremo está criando, na verdade, 160. Todos eles poderão entrar com embargos infringentes e serem novamente julgados — explica Tânia Rangel, professora de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio.
— É uma garantia fundamental para quem pode ser processado pelo STF, que são presidente da República, vice-presidente, deputados federais, senadores, ministros e procurador-geral da República. Então, é um direito fundamental que não é para todos, só para um pequeno grupo. As ações penais mais antigas chegaram ao Supremo há dez anos.
Quatro processos de 2003 ainda não foram julgados: dois já estão prontos para ir a plenário, um aguarda análise do relator, e um outro ainda está na chamada fase de instrução, em que são ouvidas as testemunhas, e é feito o recolhimento de provas. A maioria das ações atualmente em tramitação chegou ao STF em 201 1, quando os eleitos no pleito do ano anterior passaram a ter foro privilegiado.
O levantamento do GLOBO foi feito a partir de uma lista repassada pelo Supremo em que constavam 166 ações penais contra políticos até o fim de fevereiro deste ano. Em alguns casos, os políticos deixaram de ser parlamentares e perderam o foro privilegiado, sendo excluídos da contagem. Também ficaram de fora políticos que fizeram acordo com a Justiça e, se cumprirem o combinado, não terão anotação criminal. Além das ações penais, o STF tinha 513 inquéritos em que os investigados eram parlamentares.
A decisão do Supremo em relação ao processo do mensalão pode criar uma situação inédita: uma mesma ação envolvendo um político pode ser julgada três vezes na mesma Corte. É o caso do ex-deputado José Fuscaldi Cesílio, mais conhecido como José Tatico (PTB-GO). Ele foi condenado em setembro de 2010, por unanimidade, a sete anos de prisão pela prática dos crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária.
A defesa entrou com embargos de declaração, recurso usado para esclarecer pontos obscuros da decisão. A defesa de Tatico alega que o crime prescreveu, uma vez que o acórdão (texto com a decisão do julgamento) foi publicado após o ex- parlamentar ter completado 70 anos. Segundo a legislação penal, os prazos de prescrição caem pela metade quando os réus atingem essa idade. A votação dos embargos está empatada em cinco a cinco. Se o ministro Celso de Mello mantiver a condenação, o político terá direito aos embargos infringentes.
Dois políticos estão à espera de que o Supre- mo decida se aceita ou não a validade de seus embargos infringentes, assim como foi feito no caso dos condenados no mensalão. Eles, em tese, não têm direito ao beneficio porque não obtiveram quatro votos pela absolvição. O ex-deputado federal José Gerardo Oliveira de Arruda Filho (PMDB-CE) e o deputado federal Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) foram condenados pela Corte em maio de 2010 e setembro de 2011, respectivamente.
O peemedebista do Ceará recebeu sete votos pela condenação (dois deles pela prescrição da pena) e três pela absolvição. — Somando os dois da prescrição com os três da absolvição, dá cinco votos. É um caso semelhante (ao do mensalão). Se vão aplicar, a gente espera que sim — concluiu o advogado do ex-deputado, João Marcelo Lima Pedrosa, que entrou com os embargos infringentes em julho de 2010. José Gerardo foi condenado pelo crime de responsabilidade ocorrido quando era prefeito de Caucaia, no Ceará.
Ele pegou pena de dois anos e dois meses de detenção, convertida em 50 salários mínimos a serem entregues a uma entidade assistencial e prestação de serviços à comunidade pelo mesmo tempo da pena aplicada. Asdrúbal Bentes foi condenado pela prática do crime de esterilização cirúrgica irregular e recebeu pena de três anos em regime inicialmente aberto. A defesa do parlamentar interpôs embargo infringente em agosto do ano passado. — No caso do deputado, foi um voto vencido.
De qualquer maneira, como a esperança é a última que morre e, como sempre, há possibilidade de juízes reverem seus posicionamentos, vamos ver o que o STF vai dizer sobre a matéria — afirmou José Delgado, advogado de Asdrúbal. Dentre as ações penais prontas para serem julgadas, o presidente do PMDB e senador por Rondônia, Valdir Raupp, é réu em duas. Em uma delas, a Ação Penal (AP) 358, no Supremo desde outubro de 2003, Raupp é acusado de peculato. Já a AP 383, que investiga crimes contra o sistema financeiro nacional, não deverá causar maiores dores de cabeça ao senador.
O próprio Ministério Público (MP) pediu sua absolvição por falta de provas. Há mais um caso em que o MP pediu a absolvição: a AP 596, em que o deputado José Priante (PMDB-PA) é acusado de desobediência a determinações da Justiça Eleitoral. Outro político réu em duas ações penais prontas para julgamento é o deputado federal Jairo Ataíde (DEM-MG), que responde por crime de responsabilidade por fatos ocorridos na época em que era prefeito de Montes Claros (MG). Na AP 467, cuja denúncia foi aceita em outubro de 2007, pouco antes do mensalão, e que já teve três relatores, ele é acusado de fraude em licitação de compra de cascalho para reparo de estradas rurais do município.
O deputado João Paulo Lima (PT-PE), ex-prefeito de Recife, é réu na AP 559. A ação está no STF desde janeiro de 201 1 e pronta para ser julgada desde abril deste ano. Segundo a denúncia do MP, ele teria dispensado a realização de licitação, fora das hipóteses legais, em dois contratos com o Instituto de Pesquisa Social Aplicada, quando era prefeito da capital pernambucana. O senador Roberto Requião (PMDB-PR) é réu na AP 584, relatada por Toffoli.
Nesse caso, o autor da ação não é o MP, mas o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que o acusou de injúria e calúnia. Como tem mais de 70 anos, o prazo para prescrição foi reduzido à metade, e ele se livrou de ser condenado por injúria, mas ainda responde pelo crime de calúnia. Na AP 567, o réu é o deputado Tiririca (PR-SP), por suposto crime eleitoral cometido em 2010, quando ele era candidato.
A ação está desde fevereiro de 201 1 no Supremo e pronta para ser julgada pelo plenário desde junho deste ano. Outros deputados com processos prontos para julgamento são: Fernando Lúcio Giacobo (PR-PR), por formação de quadrilha, falsidade ideológica e crimes contra a ordem tributária; Oziel Oliveira (PDT-BA), acusado de cometer crimes eleitorais; e Chico das Verduras (PRP-RR), réu por peculato. No caso de Giacobo, a ação está no STF desde 2003 e pronta para julgamento desde abril deste ano.
Nas ações pendentes de julgamento, é possível ver nomes de advogados renomados, que atuaram no julgamento do mensalão. É o caso de Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o deputado João Paulo Lima; e Castellar Modesto Guimarães Filho, advogado de Jairo Ataíde. Na AP 341, que tramita desde 2003 e ainda não está pronta para julgamento, quem defende o réu, o deputado Aelton Freitas (PR-MG), é Marcelo Leonardo, advogado de Marcos Valério.
Entre as ações que ainda não foram liberadas para julgamento está a AP 536, mais conhecida como a do mensalão mineiro. Em 2009, o Supremo abriu a ação penal para investigar a participação do ex-governador de Minas e hoje deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG).
A denúncia aponta que houve desvio de dinheiro público dos cofres mineiros em 1998 para financiar a campanha do tucano à reeleição do governo do estado. Azeredo responde por peculato e lavagem de dinheiro. O mensalão tucano foi apontado pela Procuradoria Geral da República como o laboratório do mensalão do PT, e tem como operador o mesmo Marcos Valério.
Fonte: O Globo