O quadro político que se desenha nas eleições de
domingo próximo é bem mais estável do que muitos previam e bem menos
determinante para o destino das forças dominantes no cenário político-eleitoral
brasileiro.
Visto sob a ótica dos partidos políticos, este cenário aponta para um
fortalecimento equilibrado das cinco forças políticas que disputam o centro,
seja pela esquerda, seja pela direita. O PT parece acomodado como grande
partido, mesmo sem hegemonias regionais exceto a ocupação de um espaço político
no Nordeste em um vácuo aberto pelo esvaziamento do DEM e pelo crescimento do
Bolsa Familia na região. Beligerante com a postura elástica e eleitoreira de
seu principal aliado, o PMDB, como em 2008 o PT perde a chance de consolidar
certos redutos eleitorais para beneficiar sua política nacional de alianças,
onde acredita o partido que as coisas realmente importem. Prefeito é síndico.
Município se compra com dinheiro da União. Me questiono se é sabedoria ou
estupidez que orienta a análise das oportunidades que fazem os petistas. Vejo
poucas novas lideranças emergindo no PT; as que ostentam este broche são postes
criados pela burocracia do partido ou pelo Lula. Não creio que 2016 será
divertido para o PT.
O PSDB não deveria ser o segundo partido analisado nesta reflexão, já que não
compartilho da tese que afirma estar a política nacional dominada por um
bipartidarismo blando. Só acredita nisto quem tem os óculos ajustados
para ver o Brasil através de São Paulo, ou quem anseia pela estabilidade
patética que se atribui na ciência política a este tipo de conformação do
sistema partidário. O PSDB permanecerá o segundo maior partido político
brasileiro, mas nem ele nem o PT são capazes de desalojar os partidos médios
(PMDB, PSB, DEM e talvez um ou outro mais) de seus papéis estratégicos na
montagem das ridículas alianças de interesses que estruturam o que pomposamente
se chama por aí de coalizão em nome da governabilidade. Especialmente depois do
mensalão, estes partidos médios são o fiel da balança, e um deles, o PMDB, é um
bicho papão que pode se levantar em ira contra qualquer um a qualquer momento.
Mas o PSDB, que era sobre o que este parágrafo deveria ter refletido, sairá
acomodado como grande partido e cada vez mais encolhido na região Sudeste, com
ênfase em São Paulo e Minas Gerais. É, e creio que continuará sendo, a primeira
escolha de qualquer oponente à coalizão governamental hoje no Planalto. Daí ao
bipartidarismo são léguas.
O PMDB retorna ao protagonismo de grande partido em eleições municipais que se
apequena em suas vicissitudes no momento da construção de um projeto nacional.
Grande aliado do PT no Planalto, ignorou a aliança e semeou uma discórdia
silenciosa onde convinha e um alinhamento sólido onde também convinha. Sua
penetração nacional é surpreendentemente capilarizada. Continua a ser a sigla
de aluguel de preferência de qualquer candidato a prefeito que não quer se
indispor com ninguém, pelo menos até a eleição passar. É a sigla de aluguel
mais cara de obter no mercado político, mas é aquela que, sem dúvida, traz mais
retornos.
O PSB, em quem muitos apostaram suas fichas na hora de preconizar a novidade
desta eleição, me parece ainda uma roupagem nova para uma ideia antiga. Eduardo
Campos não conseguiu demonstrar, creio eu, a capacidade de levar seu charme
nordestino para além das fronteira do estado que governa, exceto para Minas,
onde teve que aceitar uma aliança com Aécio e onde o prefeito é ligado ao
antecessor de Campos no papel de liderança regional sem alcance nacional, Ciro
Gomes. O PSB, no resto do país, como o PMDB, é sigla de aluguel. Desafetos
encontram nele espaços que pequenas siglas não comportam e referências ao novo
que o PMDB não ajuda a construir. Na maior parte do país, são insatisfeitos da
base ou insatisfeitos com o tipo de oposição liderada pelos tucanos. Ao fim, o
partido continuará uma sigla de uma liderança só.
O PFL — sim, o PFL, o partido que não teve a coragem de portar a insígnia de
uma direita liberal e preferiu o codinome DEM (invenção hedionda de algum
marqueteiro) — está hoje quase reduzido a pó, especialmente com a pulverização
do campo da direita conservadora no Brasil. Parte desta migra rapidamente para
o PP, que desde Maluf sabe como transitar nas esferas de extração de recursos
públicos. Hoje, a sigla luta para manter um vínculo com o mundo do agrobusiness
e um reduto ou outro, como o Rio de Janeiro de Dornelles. Surpreendem as
liderança novas, as senadoras Ana Amélia, desde o caso Demóstenes, e Kátia
Abreu, representante de um dos setores mais organizados da sociedade civil. O
novo DEM de Kassab, oportunista em apropriar a sigla de JK, é só isso:
oportunista. Partido de ocasião.
Ao redor dos partidos, e apesar deles, o mundo da política não passa
desapercebido, e o futuro que estas eleições prometem evidentemente comporta
uma dimensão determinada pela presença dos atuais governantes nas campanha.
Nestas eleições, será renovada a base de vereadores que aporrinharão prefeitos,
de prefeitos que aporrinharão deputados e governadores, e assim por diante. No
fim das contas, os eleitos vão aporrinhar a presidente. E muito.
Neste pleito de domingo, creio que a principal governante, a presidente Dilma,
sai vitoriosa pela sua ausência do processo eleitoral, no qual se limitou a
participar pontualmente de campanhas estratégicas, onde sua presença foi
reduzida ao estritamente necessário e seu peso político se mostrou enfático
somente na reta final. Talvez seja até tarde demais em alguns contextos, mas
terá sido por erro de avaliação, não por conspiração contra seus aliados —
manteve-se fiel. A presidente Dilma, com seu estilo tecnocrático, conseguiu
traduzir sua falta de engajamento em neutralidade, e todos os lados foram
forçados a evocar esta neutralidade a seu favor. Na reta final foi diferente.
Reta final é reta final. Depois ela se entende com quem importa.
Da minha perspectiva, não importa muito se o ex-presidente Lula sai vitorioso
ou não. Ele continua ex-presidente. Continua carismático. Continua excelente
cabo eleitoral. Tudo isto ele demonstrou. Contudo, como tudo com ele é sobre
ele, não importa se ele conseguiu traduzir tudo isto em dividendos para seus
apoiados e para o Partido dos Trabalhadores. Ele sai vitorioso porque conseguiu
voltar para seu milieu par excellence, o palanque; e com êxito, apesar
dos problemas de saúde. Mas não se enganem: Dilma transfere mais votos do que
ele. O “ex-” pesa.
Os governadores mais célebres saem todos fortalecidos. Aécio Neves foi cabo
eleitoral potente, assim como Eduardo Campos, Jacques Wagner e Sérgio Cabral,
ainda que este último tenha sido cuidadosamente protegido pela mídia dos riscos
que suas ligações com Fernando Cavendish poderiam representar. Geraldo Alckmin
pôde novamente brincar de tábua de salvação do Serra, que por sua vez passou a
campanha inteira à beira do abismo. Se perder, amigo ou inimigo, será uma
despedida indigna da sua história de quase meio século na política brasileira.
Ele não é nenhum garoto de uma renovação vazia, como tantos se apresentam
virtuosamente em campanhas Brasil afora.
Os prefeitos de municípios, como sempre, se reelegerão. Outros não. Sempre é
assim. Todo mundo reacomodado e todos fazendo discurso de vitorioso. O segundo
turno em algumas localidades promete manter as eleições municipais na agenda —
São Paulo, a capital, e talvez Belo Horizonte são os casos mais evidentes. Em
uma, quem serão os dois finalistas é questão em aberto, mas Russomanno está em
queda e carregará isto para o segundo turno se chegar lá; na outra, os
candidatos sempre foram os mesmos dois, e só resta saber se Aécio conseguirá
conter a sangria que sua fabricação começou a sofrer recentemente. Salvador
será de Wagner, que sucedeu ACM, aquele que sucedeu Balbino.
O mensalão, por sua vez, cujo calendário estipulado pelo modus votandi
do relator eliminou riscos maiores de contaminação, contaminou somente a classe
média informada, consumidora de uma mídia obcecada em tratar o caso como se
fosse o julgamento do O.J. Simpson nos EUA ou algo parecido. Em tempos de
eleição, onde o tema é só este e aporrinha a todos, ter uma novela com
celebridades misturadas em um tribunal é perfeito para a pauta. No segundo
turno, a novela tende a ficar mais quente. Seus efeitos sobre o eleitorado que
estiver embrenhado em polarizações com o PT podem acabar inflados pela
vilanização da mídia, independentemente de seu mérito.
Depois que tomarem posse, a farra acaba para a
classe política e volta todo mundo ao trabalho de verdade: legisladores a seus
mandatos, executivos ao trabalho e novos prefeitos a pensar nas prioridades dos
primeiros cem dias. Outro dia, num post no Facebook, comentei o ano de
2013. É o que aguarda os candidatos eleitos em 2012:
Na linha “it’s the economy, stupid”, esta é uma
previsão do que nos espera depois para 2013:
1) Dilma,
antes de 2014, que é o ano eleitoral, põe seu pacotinho de maldades na rua logo
depois do carnaval;
2) Obama,
logo após vencer em 2012, que foi ano eleitoral, vai pra rua cheio de moral
apertar os cintos para que o avião norte-americano não caia;
3) Hollande,
que já venceu, já tá fazendo as dele, pondo blush na brincadeira com imposto alto pra meia-dúzia de
milionários;
4) Merkel, la bruja, não sabe
fazer outra coisa que não maldades;
5) E o Bo,
na China, já era. Nos tempos dele, pelos menos a gente tinha dinheiro pra
comprar a revista Caras chinesa
2012 tá
ruim, 2013, galera, sei não... sei não...
Reitero. A tempestade vem aí. Adiamos com sucesso,
por algum tempo (i.é, até a eleição passar), as maldades que precisarão ser
feitas para alinhar o Brasil com o andar da economia mundial e seu passo cada
vez mais cadenciado. Para os novos prefeitos que serão eleitos neste domingo,
isto significa se preparar para muita criatividade e inovação no modo de
governar e na produção dos recursos para tal, porque, no ano que vem, não vai
contar muito se você é da base ou não, seja esta a base da presidente Dilma ou
de algum governador. O discurso será de unidade para enfrentar as dificuldades,
o crescimento da inflação, a alta da taxa de juros, a crise dos bancos, a taxa
de emprego e de crescimento desacelerando cada vez mais… em suma, a tempestade
que, até agora, parecia passar somente acima do equador chegará mais
intensamente neste verão.
Bem-vindos ao amanhã, candidatos eleitos. Para os mais ansiosos, 2014 está logo
ali na esquina. Dilma se reelege sorrindo. Opositores que se planejem para as
eleições de 2016. Elas serão decisivas para determinar o que acontecerá em
2018. Fui ser mesário.
José Eisenberg
é professor de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Fonte: Pitacos & Gramsci e o Brasil