segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Bruno Carazza - Dinheiro na mão é vendaval

- Valor Econômico

Do ponto de vista eleitoral, auxílio emergencial foi efêmero

Foram R$ 293 bilhões injetados no bolso de quase 70 milhões de pessoas. A maior transferência direta de recursos federais para o cidadão brasileiro na história rendeu dividendos fugazes para Bolsonaro. Foi só anunciar o fim dos pagamentos do auxílio emergencial que a sua reprovação voltou a subir.

É bem verdade que existem outros fatores para explicar a queda de popularidade neste início de ano. Houve também o recrudescimento das mortes pelo coronavírus, o colapso no sistema de saúde de Manaus e os erros do governo no começo da vacinação.

Mas há algumas evidências de que o auxílio emergencial influenciou bastante o humor da população durante a pandemia. Comparando-se o pior momento de Bolsonaro, em junho passado, quando o país sofria a primeira onda da covid-19 em sua força máxima, com dezembro (mês do pagamento da última parcela do benefício para a maior parte dos contemplados), a rejeição ao presidente reduziu-se significativamente em todos os segmentos sociais.

Entre os que se enquadravam como seu público-alvo, porém, o efeito foi mais intenso, com as notas de ruim e péssimo caindo mais fortemente entre os nordestinos (de 52% para 34%), as pessoas que recebem até 2 salários (de 44% para 27%) e quem possui apenas o ensino fundamental (de 40% para 26%). Porém, como diria o príncipe do samba, “dinheiro na mão é vendaval”.

Não se passou um mês do fim do alívio financeiro, e com algumas pessoas ainda recebendo um rescaldo de pagamentos atrasados, o apoio a Bolsonaro voltou a cair fortemente junto ao grupo que foi mais contemplado com os desembolsos. A avaliação negativa de seu governo em janeiro/2021 voltou a piorar junto aos mais pobres (41% de ruim/péssimo), menos escolarizados (35%) e no Nordeste (43%). Entre os desempregados, a desaprovação ao governo já bate em 48%; para se ter uma ideia, há um mês ela estava em 31%.

A deterioração repentina na imagem do presidente junto ao eleitorado aumenta a pressão por uma nova fase da ajuda governamental. Mas não é só isso: as perspectivas de demora na vacinação e as aterrorizantes notícias sobre as novas cepas do coronavírus indicam que a tal recuperação está mais para W do que para V. Assim, independentemente de quem vença as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado logo mais, o auxílio emergencial voltará a ser destaque na ordem do dia.

Alex Ribeiro - Economistas versus operadores no Copom

- Valor Econômico

BC está dividido sobre retirada de estimulo extraordinário

Os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco central estão divididos sobre quando começar a retirar o estímulo monetário extraordinário injetado na economia na pandemia. Dependendo de quem ganhar a disputa, os juros básicos, hoje em 2% ao ano, podem começar a subir já no mês que vem - ou o aperto poderá ficar para mais adiante, em maio ou mesmo apenas no segundo semestre.

De um lado, estão os chamados “operadores”, como são conhecidos os membros do Copom que vieram das mesas que fecham negócios no mercado financeiro. Eles defendem olhar mais dados econômicos sobre a pandemia, a atividade econômica e a política fiscal antes de decidir os próximos passos. Na última reunião do Copom, há duas semanas, foram vitoriosos.

O líder dos “operadores” é o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que antes de assumir o cargo era responsável pela tesouraria global para as Américas do Santander. Outro membro é diretor de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, que foi o sênior vice-presidente responsável pela mesa de renda fixa do Itaú Unibanco. Por serem menos inclinados a retirar estímulos, formam a chamada ala “dovish”, expressão em inglês que deriva da palavra pombo.

O grupo conservador é formado pelos “economistas” do Banco Central, assim chamados por suas credenciais acadêmicas. São três membros ou mais do Copom, e o único nome conhecido é o do diretor de política econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk, que foi economista de consultorias e instituições financeiras. Eles defendem, basicamente, que os estímulos monetários injetados na economia no início da pandemia já cumpriram seus objetivos de evitar uma queda muito forte da inflação e a desancoragem das expectativas de inflação do mercado. São a ala “hawk” (em inglês, falcão), neste momento inclinada a subir os juros básicos.

Gustavo Loyola - O ano que não quer acabar

- Valor Econômico

A extensão da renda emergencial não substitui o enfrentamento sério da crise sanitária

A economia brasileira deve se manter praticamente estagnada no primeiro trimestre do ano. Infelizmente, as expectativas de uma recuperação mais rápida e forte da atividade estão se frustrando, em razão principalmente dos sérios equívocos nas políticas de enfrentamento da pandemia da covid-19. A realidade dá uma dura lição a um país onde o presidente da República e parte de sua elite dirigente acreditaram (e, pasmem, acreditam ainda) que o caminho mais rápido para evitar a recessão econômica seria ignorar as medidas de distanciamento social e encorajar o fim das restrições de mobilidade adotada pela maioria dos governos locais.

O agravamento, a partir do final do ano passado, da disseminação da doença e do aumento do número de hospitalizações e óbitos, ao lado do aparecimento de novas cepas de vírus mais transmissíveis, não apenas está levando ao retorno a fases mais estritas de distanciamento social, mas também tem impactado as expectativas dos agentes econômicos, indivíduos e empresas, minando a confiança, com efeitos negativos sobre as decisões de investimento e consumo, vitais para a sustentação da retomada da atividade econômica. Tais incertezas são mais ainda amplificadas pela percepção de que nem sequer há, no curtíssimo prazo, disponibilidade suficiente de vacinas para o Brasil imunizar os grupos populacionais prioritários.

Não bastasse tudo isso, a nova fase de agravamento da pandemia coincide com o término da maioria dos programas governamentais de estímulo que, no ano passado, atenuaram de maneira relevante os efeitos negativos da pandemia, em particular o auxílio emergencial que evitou consequências sociais mais desastrosas sobre as populações mais vulneráveis.

Ricardo Noblat - Bolsonaro ri à toa, mas quem sorrirá por último é o Centrão

- Blog do Noblat

Rodrigo Maia está à procura de um novo partido

De cabeça quente depois que seu partido, o DEM, desembarcou ontem à noite da candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) à presidência da Câmara, o deputado Rodrigo Maia confidenciou a amigos que, hoje, poderá abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro e que, em breve, mudará de partido.

Mais de 60 pedidos de impeachment repousam numa das gavetas da presidência da Câmara comandada nos últimos quatro anos por Maia. Se não aceitou nenhum até aqui, dificilmente o fará em suas últimas horas na função que lhe será arrebatada pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), o candidato de Bolsonaro.

Quanto a trocar de partido para tentar se reeleger deputado no próximo ano, Maia poderá fazê-lo, mas só de cabeça fria. A raiva é má conselheira. Para que partido se mudaria? O PSDB do governador de São Paulo João Doria deverá, nesta manhã, seguir o exemplo do DEM, abandonando Maia e Rossi às traças.

O PDT de Ciro Gomes? Maia e Ciro se dão bem. Mas Maia é muito sensível à opinião de banqueiros e de empresários. E, pelo menos por ora, Ciro ainda não tem a confiança deles. O MDB de Rossi e do ex-presidente Michel Temer o acolheria com satisfação. Mais ganhou estatura e não a perderá só porque será derrotado hoje.

Marcus André Melo - Identidades e política

- Folha de S. Paulo

O alinhamento entre voto e identidade produz mundos que não se comunicam

É quase consenso entre analistas nos EUA que a polarização política no país é alimentada pela sobreposição entre identidades sociais e partidos políticos, em processo que se estendeu por pelo menos algumas décadas. Entre nós, há evidências que processo semelhante tenha começado a ocorrer.

Nos EUA, segmentos sociais específicos que partilham da mesma identidade racial, religiosa ou sexual, por exemplo, escolhem o mesmo partido político. Trata-se de fenômeno novo e complexo. O inverso também tem ocorrido: a escolha da denominação religiosa é também moldada pela orientação política, ou seja, ela é "endógena", para usar o jargão. O que é contraintuitivo, porque assume-se que trata-se de escolha radical, irredutível às demais.

Nos EUA, havia uma clivagem regional relevante que produzia relações cruzadas entre identidades e política. A população branca no sul, para utilizar um exemplo clássico, era fundamentalmente democrata. A população negra no resto do país também votava proporcionalmente muito mais no partido republicano. O quadro atual é de inédito alinhamento que produz dois mundos que não se comunicam.

Catarina Rochamonte - Eleições e cooptação do Congresso

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro tenta sujeitar o Congresso para viabilizar um projeto autocrático

O presidente da República não tem disfarçado o indecoroso empenho em favor dos seus candidatos a presidente da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco), chegando até a invocar o nome de Deus para ajudá-lo na flagrante indecência de eleger, à custa de liberação de verbas bilionárias, quem esteja disposto a se subordinar. Nas eleições desta segunda-feira ver-se-á até onde o Congresso está disposto a ir na cumplicidade com um projeto autoritário.

Na Câmara, apesar de todas as negociatas que sustentam o favoritismo do candidato de Bolsonaro, que é réu por corrupção, há chance de a disputa ir para o segundo turno. No Senado, o quadro é mais difícil; desolador. Lá, de forma oportunista e desavergonhada, quase toda a esquerda —PT, PDT, Rede— uniu-se a Bolsonaro em favor do candidato chapa-branca, e o MDB, que havia lançado a candidatura de Simone Tebet, acovardou-se e resolveu rifá-la.

Bolsonaro tenta sujeitar o Congresso não apenas para barrar um processo de impeachment, mas também para viabilizar um projeto autocrático, aprofundando a erosão democrática já iniciada com as interferências indevidas na PF, na Receita, no Coaf...; e ainda a utilização para fins privados de órgãos como a Abin.

Celso Rocha de Barros - O Congresso se vende hoje?

- Folha de S. Paulo

Se a eleição de Arthur Lira se confirmar, Bolsonaro terá três vitórias

Hoje acontece a eleição para presidente da Câmara dos Deputados. De um lado, concorre Baleia Rossi (MDB-SP), representando uma frente ampla com forças de esquerda e de direita. Do outro lado, Arthur Lira (PP-AL), representando o direito de Jair Bolsonaro pisar no tubo de oxigênio de 220 mil brasileiros que morreram asfixiados durante a pandemia. Lira é favorito.

Se a vitória de Lira se confirmar, Bolsonaro terá três vitórias.

A vitória menor será a eleição de Arthur Lira. Com um aliado seu na presidência da Câmara, Bolsonaro terá mais chances de colocar em votação suas pautas autoritárias. Se entregar cargos conversíveis em dinheiro for suficiente para eleger Lira, talvez também seja suficiente para aprová-las.

Com todas as suas imperfeições, Rodrigo Maia foi um limite para o autoritarismo de Bolsonaro. Lira parece ter menos disposição para sê-lo.

Até outro dia, diziam que o centrão de Lira havia moderado Bolsonaro. Da próxima vez, sugiro que a democracia brasileira não se defenda com um exército mercenário. O leilão do mercenário está sempre em aberto.

Mas, até por isso, mesmo, a vitória de Lira pode não ser uma vitória tão grande para Bolsonaro.

Se a maré virar contra o presidente, como parece estar virando, essa turma toda vai embora em cinco minutos, carregando até o material de escritório da Esplanada. E a munição usada para eleger Lira já está gasta; não haverá mais tantos cargos nem tantas verbas para distribuir na próxima disputa.

Ruy Castro - À espera do curió

- Folha de Paulo

O canto de um passarinho pode ser o último alento antes da dissolução final

Em novembro último, escrevi duas colunas (5/11 e 9/11) a respeito de um curió cujo assobio me entrava pela janela toda manhã e me ajudava a saltar da cama e encarar o Brasil daquele dia —para se ter uma ideia da beleza do seu canto. O bichinho, segundo meu atento porteiro João, pertencia a um colega dele, porteiro do prédio em frente, e não era um curió qualquer. Tinha registro no Ibama e era um dos curiós mais populares do Leblon —transeuntes paravam sob sua gaiola na árvore para ouvi-lo cantar.

À distância, por causa da quarentena, juntei-me aos seus admiradores. A única restrição que lhe fazia era a relativa limitação de seu repertório, composto de um único tema —fiu-firiu fiu-firiu, fiu-fiu, fiu-fiu, fiu-fiu, tendo como coda mais um fiu breve e individual. Um ornitólogo me escreveu para dizer que não era uma limitação, mas o resultado de um longo trabalho do curió para chegar à perfeição daquela frase melódica. E que, provavelmente, o último fiu lhe tomara meses de ensaio.

Fernando Gabeira - A política que mata

- O Globo

Há muito tempo que gostaria de escrever sobre outra coisa: a dimensão do realismo fantástico num país em que o presidente acha que vacina nos transforma em jacaré, oferece hidroxicloroquina para a ema do palácio e manda os jornalistas enfiarem uma lata de leite condensado no rabo.

Mas a urgência do drama proíbe digressão. Não absorvemos bem o que aconteceu em Manaus. Não quero dizer apenas que era necessário avaliar os estoques de oxigênio, planejar, em termos estratégicos, a produção e o consumo desse elemento vital.

Pazuello foi a Manaus defender a cloroquina e não percebeu a gravidade da falta de oxigênio. Quando percebeu a gravidade da falta de oxigênio, tarde demais, não percebeu outro fato decisivo: a presença de uma nova variante do coronavírus.

Desde quando os japoneses sequenciaram o mapa dessa variante em turistas que chegaram da Amazônia, era preciso acionar o alarme.

A variante brasileira tem características, ao que parece, semelhantes às mutações encontradas na Inglaterra e na África do Sul.

Todos se adaptaram de tal forma que podem se propagar com mais facilidade. Boris Johnson imediatamente decretou um lockdown para conter a nova onda que estava a caminho.

No Brasil, confirmada a existência da variante, não houve um debate nacional sobre o que fazer diante desse novo perigo. Na verdade, a variante brasileira é mais destacada nos jornais estrangeiros do que nos nossos.

Parece que, no Brasil de Bolsonaro, adotamos aquele velho lema: desgraça pouca é bobagem. Pazuello decidiu transferir os doentes de Manaus sem cuidados especiais de segurança. O aeroporto de Manaus durante algum tempo foi muito usado pelas UTIs aéreas que saíam do estado com os doentes mais ricos.

Irapuã Santana - Responsabilidade de Bolsonaro

- O Globo

A liberdade de expressão é um dos princípios mais caros de uma democracia. Houve muita luta da própria sociedade brasileira a fim de que ela fosse estabelecida e respeitada após a ditadura. Descobrir seus limites é ainda um dos grandes desafios do país.

Sendo um verdadeiro campo minado, venho compartilhar uma pequena reflexão sobre até onde poderia ir o discurso do presidente. Uma vez que não é mais deputado, perdendo a imunidade constitucionalmente assegurada, haveria a possibilidade de cometer crime por palavras proferidas no calor do momento para seus apoiadores?

A resposta mais adequada é “depende”. No Brasil, temos os crimes contra a honra, que são a calúnia, a injúria e a difamação, que funcionam como uma restrição à livre manifestação de ideias em nossa sociedade. No entanto, quando entramos na área política, a questão fica um pouco mais delicada. Isso porque existe a Lei nº 1.079/1950 — a Lei dos Crimes de Responsabilidade —, que afunila ainda mais o espaço de atuação do chefe do Executivo federal.

Então, quando Bolsonaro discursou em manifestação a favor da intervenção militar, cometeu crime contra o livre exercício dos poderes constitucionais (art. 6°). Outro exemplo de que a manifestação do presidente poderia ser considerada ilícita é o incentivo ao uso de medicamentos cuja eficácia contra o coronavírus não estava comprovada cientificamente (art. 7°). Na ocasião em que foi criticado pelo modo como tratou a crise ambiental na Amazônia, praticou ato de hostilidade contra nação estrangeira (art. 5°).

Miguel de Almeida - A má literatura brasileira

- O Globo

O escritor Carlos Heitor Cony, em 2004, colocou em livro a inspiradora teoria conspiratória segundo a qual os três principais inimigos civis do regime militar haviam sido liquidados pelas forças ditatoriais.

Era uma conversa de botequim, logo transformada em fato terraplanista pela esquerda derrotada pelo Golpe de 64: Jango Goulart, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, no espaço de apenas nove meses, morreram, só que assassinados pela denominada Operação Condor.

Chamada Condor porque envolvia outras ditaduras latino-americanas do período, unidas no desejo de eliminar adversários dos regimes de exceção.

Em parceria com Anna Lee, Cony expôs em “O beijo da morte” a trama capaz de juntar as três mortes (Jango e Lacerda por ataques cardíacos; Juscelino em acidente na Dutra) sob um manto de assassinato político. Uau, lavava a alma: coisa de Primeiro Mundo.

Anos depois, o cineasta Paulo Fontenelle escandiu a tese ao enfocar “Dossiê Jango” apenas na morte de João Goulart. Vista como uma conspiração de calibre russa (Stálin e Putin) ou chinesa (onde andará Jack Ma?). Até hoje a teoria é encampada por alguns líderes políticos e ainda serve de tema nos bares (agora pelo Zoom).

A ela se somam — em menor quilate — a desconfiança de que o homem não chegou à Lua, e de que Bentinho não tomou chifre de Capitu.

Como a história é sempre irônica, quis a realidade colocar nas ruas a impossibilidade ainda mais palpável de que a teoria conspiratória da esquerda é de fato ficção eternizada na bela prosa de Cony.

Senão, vejamos.

Entrevista | 'O governo não vai aprovar tudo o que quiser’, diz o sociólogo Carlos Melo

Para professor do Insper, efeito da pandemia na popularidade de Jair Bolsonaro testará fidelidade dos deputados do centrão ao Palácio do Planalto

Eduardo Salgado / O Globo

SÃO PAULO — Para o professor sênior de Sociologia e Política do Insper Carlos Melo, a possível vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela presidência da Câmara deve sacramentar uma aliança cujo principal objetivo é a “blindagem para evitar um eventual processo de impeachment”. Leia a entrevista com o sociólogo:

Qual é o tamanho do favoritismo de Arthur Lira, apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, em relação a Baleia Rossi (MDB-SP), do grupo do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ)?

As promessas do governo de liberação de recursos e reforma ministerial indicam uma vitória de Lira. Mas é claro que existem movimentações de última hora. Como é uma votação secreta, pode haver traições.

Na campanha de 2018, Bolsonaro prometia não fazer o que ele chamava de “velha política”. O apoio do presidente a Arthur Lira, expoente do centrão, configura uma quebra de promessa de campanha?

Certamente. Bolsonaro está mordendo a língua. É um estelionato eleitoral. O apoio mostra a inconsistência daquele discurso demagógico. E, em virtude disso, a aliança com o centrão aumenta o desalento em relação aos políticos e ao sistema político. O fisiologismo, desprovido de programa, não tem freio. Quando ouço promessas de acesso a recursos e ministérios, pergunto: a troco de quê? Em troca de blindagem para evitar um eventual processo de impeachment e para proteger os filhos. No máximo, um projeto de poder exclusivamente eleitoral. Não se discute como superar essa crise econômica, social, política e sanitária.

A agenda do governo, inclusive a ideológica, ganha fôlego no caso da vitória de Lira?

O governo não vai aprovar tudo o que quiser. Quando a prática é fisiológica, cada nova votação exige nova negociação e concessão de recursos. Não há fidelidade. Há interesses cruzados. O centrão não devota essa fidelidade a ninguém. Cada parlamentar do centrão é fiel a si mesmo. O desgaste popular do presidente e do sistema tende a continuar. O ex-presidente Tancredo Neves tinha uma frase ótima: “O político vai com o outro até a sepultura, mas não se joga”.

Denis Lerrer Rosenfield* - A ideologia bolsonarista - 2

- O Estado de S. Paulo

Ela orienta as ações de seus militantes, que se comprazem em gritar histericamente: ‘Mito!’

Dando prosseguimento ao artigo anterior (18/1), centrado no conjunto de ideias que estrutura o bolsonarismo, ressaltemos alguns outros aspectos para que tenhamos uma visão mais abrangente desse fenômeno. Por mais que alguns insistam, talvez com certa dose de razão, que essas “ideias” não sejam propriamente ideias dado o seu caráter tosco, são elas que orientam as ações de seus militantes, que se comprazem histericamente em gritar: “Mito!”.

Note-se, preliminarmente, como muito bem observou um leitor, que os aspectos por mim assinalados da ideologia bolsonarista não se restringem à extrema direita, mas são igualmente válidos para a extrema esquerda, configurando um tipo de autoritarismo ou totalitarismo cujas consequências são as mesmas na dominação da sociedade e no controle ou aniquilamento das liberdades. Eis por que autores como Hannah Arendt incluem na análise do totalitarismo tanto o nazismo quanto o comunismo. Se me detive mais no caso da extrema direita, é por ser ela a experiência concreta que o País está vivendo.

Subversão da democracia – Um aspecto importante desse fenômeno reside na subversão da democracia por meios democráticos, as eleições sendo usadas como instrumentos para corroer suas instituições e seus valores. Hitler conquista o poder por meios democráticos visando a destruir as próprias instituições republicanas. Chávez conquista “democraticamente” o poder, para eliminar progressivamente todas as instituições democráticas da Venezuela, hoje destruída e exaurida. O presidente Bolsonaro, por sua vez, está sempre testando os limites das instituições democráticas, erodindo seus valores e princípios, embora se diga o seu defensor. Quando convoca as Forças Armadas para defenderem a democracia, faz jogo duplo: o de defensor das liberdades e o de seu verdugo.

Paulo Gontijo* - Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade

- O Estado de S. Paulo

Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo, voltar a tomar as ruas

O início da vacinação é o primeiro passo para o País sair da pior crise enfrentada por esta geração. Em momentos de grandes dificuldades, nossa espécie anseia por grandes líderes apontando caminhos de superação. Infelizmente, no Brasil, nós nos deparamos hoje é com o gigantismo da estupidez guiando a desordem e provocando instabilidades.

Não há ação técnica coordenada entre União e Estados. Onde precisamos de um governo para preservar a vida dos brasileiros, há apenas um comitê eleitoral. No lugar de distribuir vacinas, distribuem-se palavrões em churrascarias e cenas grotescas lambuzadas de leite condensado. O preço é alto e permanecerá sendo pago em largas prestações.

Após meses de negacionismo, Jair Bolsonaro ensaiou falar o óbvio: a vacina é essencial para a retomada econômica. Mas antes que sentíssemos qualquer alívio, o presidente retomou a sua narrativa insana, defendendo a ideia de que basta ao povo coragem para voltar à normalidade e enfrentar o vírus que já vitimou mais de 220 mil brasileiros.

Há, porém, algo pior do que seus discursos irresponsáveis: o boicote à vacinação. Fruto de uma combinação entre aloprados ideológicos, generais incompetentes e a pura omissão, seja na diplomacia ou na falta de implantação de um sistema de gestão do programa de imunização. E assim seguimos patinando, com consequências graves para a vida de todos os brasileiros e também para a economia.

As piores repercussões humanitárias ainda estão a caminho. Há risco de reedições da catástrofe de Manaus. Segundo projeções do economista Daniel Duque, com o fim do auxílio emergencial e a segunda onda da doença a extrema pobreza pode atingir até 20 milhões de brasileiros e a pobreza, que antes da pandemia era a condição de menos de 25% da população, pode chegar a mais de 30%. Quando aplicadas no ano passado, políticas de transferência de renda foram consenso. Agora voltam ao centro das atenções. Interrompido sem uma transição minimamente estruturada, o auxílio emergencial acabou significando um custo fiscal muito maior em razão da desorganização, da falta de planejamento e do caos político do governo Bolsonaro.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A hora do Congresso – Opinião | O Estado de S. Paulo

A Constituição exige do Congresso um papel comprometido com o interesse público. É hora de preservar a independência e a autonomia do Legislativo.

Hoje se cumpre um rito da máxima importância para o País: as eleições das Mesas Diretoras das duas Casas legislativas. “No terceiro ano de cada legislatura, em data e hora previamente designadas pelo Presidente da Câmara dos Deputados, antes de inaugurada a sessão legislativa e sob a direção da Mesa da sessão anterior, realizar-se-á a eleição do Presidente, dos demais membros da mesa e dos Suplentes dos Secretários”, estabelece o Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Os presidentes da Câmara e do Senado têm importantes atribuições. Cabe-lhes, por exemplo, velar pelo respeito às prerrogativas das respectivas Casas e às imunidades dos parlamentares. São, assim, especiais garantidores da independência institucional estabelecida pela Constituição no seu segundo artigo: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Parte relevante das competências dos presidentes da Câmara e do Senado refere-se à pauta e ao funcionamento das sessões legislativas. Por isso, a funcionalidade, a agilidade e a responsabilidade do Legislativo estão diretamente relacionadas ao modo como os presidentes de cada Casa trabalham.

A Constituição também estabelece que, “em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal”.

Ante tão graves obrigações, impõe-se uma constatação. O patamar moral e cívico dos presidentes de cada Casa deve ser especialmente alto. Não deve pairar nenhuma dúvida ou sombra sobre suas trajetórias políticas e menos ainda sobre seus compromissos futuros. Por exemplo, um presidente da Câmara ou do Senado conchavado com o Executivo estaria renegando o juramento, feito no dia de sua posse como deputado ou senador, de defender a Constituição.

Música | Thais Macedo - Já é

 

Poesia | Charles Baudelaire - As promessas de um rosto

Amo, ó pálida beleza, os teus cenhos curvados
Que dão às trevas todo o império;
Teus olhos, embora negros, me inspiram cuidados
Que não têm nada de funéreos.

Teus olhos, que imitam a negrura dos cabelos
Da tua longa crina elástica,
Teus olhos langues me dizem: Amante, se o apelo
Queres seguir da musa plástica

Que infundimos no teu ser, ou tudo que contigo
Em matéria de gosto trazes,
Poderás ver, desde as nádegas até o umbigo,
Que nós te fomos bem verazes;

Encontrarás, sobre dois belos seios pontudos,
Dois grandes medalhões de bronze,
E sob o ventre liso, macio como veludo,
Amorenado como bronze,

Um rico tosão que á tua enorme cabeleira
Copia no negrume e na espessura;
De tão sedoso e encrespado, ele te iguala inteira,
Noite sem astros, Noite escura!

(Tradução José Paulo Paes)

Arauto - O bicentenário do poeta dos modernos

Donny Correia* -  O Estado de S. Paulo

 Lançamento de ‘Spleen de Paris’ presta tributo a Baudelaire, que chocou a sociedade parisiense com sua conduta

Oscilando a esmo pelas largas calçadas de uma Paris ancestral flana o espírito (ou fantasma?) de Charles Baudelaire (18211867). Com as feições combalidas pelo ópio, o andar trôpego pelo absinto, os cabelos tingidos de verde para afrontar a carolice, o mais maldito dos poetas passeia com seu jabuti de estimação numa coleira.

Enquanto o quelônio ensaia seus morosos passos pela rua, o poeta apreende tudo o quanto pode de uma metrópole em trânsito, que emana a tradição, mas quer romper as correntes e conhecer a modernidade. Baudelaire, um pensador e esteta atormentado, narra a extrema unção de um universo moribundo. Esta imagem lírica e decadentista sintetiza O Spleen de Paris, obra póstuma do poeta francês, que chega em nova tradução, por Samuel Titan Jr. professor de Teoria da Literatura e Literatura Comparada na USP e responsável por traduzir autores como Adolfo Bioy Casares, Flaubert e Voltaire, entre outros.