Ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso expressou certo arrependimento por ter votado nulo no
segundo turno da última eleição presidencial que consagrou Bolsonaro
Sérgio
Roxo e Gustavo Schmitt / Revista Época
1. O
presidente Jair Bolsonaro se mantém com apoio de um terço do eleitorado e tem
chance de ir ao segundo turno das eleições de 2022. Qual é sua análise sobre
esse fenômeno?
Em
primeiro lugar, ele ganhou a eleição. Tem muita gente que se sente representada
por ele. O estilo dele, um pouco rude, aparece como uma coisa aberta, de
sinceridade, uma certa raiva das elites e um sentimento de que o Brasil precisa
de gente dura. Agora a situação econômica está ficando mais complicada por
causa da pandemia. Mas acho que ele vai manter, de alguma maneira, um certo
favoritismo, pode ser até reeleito.
2.
Bolsonaro foi eleito com propostas liberais, mas promoveu intervenção na
Petrobras. O senhor acha que ele vai abandonar de vez as propostas liberais?
Tenho
a impressão de que ele nunca foi liberal. Tem uma formação militar. Eu conheço
bem, meu pai era militar general, meu avô marechal. Ele expressa um pouco esse
sentimento mais próximo do povo do que uma visão liberal que ele nunca teve.
Num país como o Brasil, com tanta desigualdade, com tanta pobreza, se referir
só ao liberalismo não resolve. Ele se elegeu não porque era liberal. Elegeu-se
porque se identificava com o povo. Tinha capacidade de falar e tocava no
interesse popular. Será que ele vai ser capaz de novo? É possível. É claro que
essa pandemia é desagradável para qualquer um que esteja no governo. E ele
trata mal a pandemia. Não é uma pessoa que tenha sentimento de sofrimento
alheio. Depende de aparecer alguém que toque naquele momento o povo. Se não
houver alguém que expresse um sentimento que diga “venha comigo e eu te levo ao
paraíso”, o pessoal vai no Bolsonaro.
3. O
senhor acha que há risco para a democracia brasileira se Bolsonaro for
reeleito?
Fazer
o quê? Pode ser reeleito. Nada assegura que a maioria esteja consciente de
todos esses problemas. É preciso, durante a campanha, aumentar o grau de
informação, debater mais abertamente e pegar aqueles pontos que são sensíveis à
população.
4. Em
2018, o senhor votou nulo no segundo turno. Numa situação semelhante em 2022,
com duelo entre PT e Bolsonaro, repetiria esse caminho?
Eu
preferia não votar. Foi a única vez na vida que votei nulo. Não acreditava na
possibilidade de o outro lado fazer uma coisa, que, no meu modo de entender,
fosse positiva. Embora eu reconheça que o outro lado tinha mais sensibilidade
social do que o Bolsonaro. Mas tinha medo que houvesse uma crise muito grande
financeira e econômica e rachasse ainda mais o país. Só em desespero que se
vota nulo. Tinha votado no Geraldo Alckmin no primeiro turno e fiquei sem ter
candidato. E achei melhor que uma candidatura do PT, de uma pessoa que eu
conheço até, me dou bem com ele, o Fernando Haddad. É uma boa pessoa, mas eu
achei que ele era pouco capaz de levar o Brasil, naquela época. Hoje, deve ter
melhorado. A pior coisa é você ser obrigado a não ter escolha. Ao não ter
escolha, permite o que aconteceu: a eleição do Bolsonaro. Teria sido melhor
algum outro? Provavelmente, sim. Pergunta se eu me arrependo? Olhando para o
que aconteceu com o Bolsonaro, me dá um certo mal-estar não ter votado em
alguém contra ele.
5. Mas
em 2022 o senhor votaria no PT contra Bolsonaro?
Depende
de quem do PT seria capaz de levar o país. Espero que não se repita esse
dilema. Pouco provável que se repita. O PT perdeu muita presença. O Lula tinha
uma imantação, que era do Lula, e não do PT. Não sei quem vai ser o candidato
do PT. Mas eu prefiro que seja um candidato saído do PSDB, do centro, não
necessariamente do PSDB. Porque acho que temos de fazer a economia crescer e,
quando temos um candidato que é muito antimercado, como era sensação no caso do
PT, há pouca chance de que o país se reconcilie consigo próprio. Nós somos hoje
um país muito dividido. É preciso ter uma pessoa que seja capaz de unir esse
Brasil. Mas que não tenha como propósito rachar. A sensação que eu tenho com o
Bolsonaro é que, na cabeça dele, quanto mais rachado, melhor. Nós já estamos
demasiado polarizados. Por enquanto, temos um polo só que é negativo: a favor
do Bolsonaro ou contra. Não temos o outro. Quem for capaz de criar um polo que
transcenda seu próprio partido e chegue ao povo terá meu voto,
independentemente de ser do meu partido ou não. Prefiro obviamente que seja do
meu partido.