quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Sergio Fausto* - Lições para o Brasil da eleição nos Estados Unidos

- O Estado de S.Paulo

A mais óbvia: há que construir uma ampla coalizão e tirar votos do campo adversário

O título deste artigo deve ser lido com um pé atrás. As características do sistema partidário e do processo eleitoral são muito diferentes nos dois países. Ainda assim, a vitória de Joe Biden sobre Donald Trump deixa lições úteis para as forças de oposição ao governo Bolsonaro.

A mais óbvia delas é a necessidade de construir uma ampla coalizão e subtrair votos do campo adversário. Quando o país está praticamente dividido em duas metades iguais, não basta contar com todos os votos do seu próprio campo político para assegurar a maioria eleitoral. Nos Estados Unidos, a questão se colocou de imediato e influenciou as próprias primárias do Partido Democrata. Aqui, imagina-se que esse seja um problema para o segundo turno. Trata-se de um engano. Em sociedades destrutiva e perigosamente polarizadas, é preciso construir uma alternativa já para o primeiro turno.

Como a chapa Joe Biden-Kamala Harris conseguiu obter apoio maciço de sua base política e, ao mesmo tempo, captar votos de quem havia votado em Trump quatro anos atrás? A escolha dos personagens importa. A soma das características políticas e pessoais dos candidatos democratas explica em boa medida o sucesso da campanha do partido para a Casa Branca: ele, um político capaz de ser aceito, mesmo sem entusiasmo, por um amplo contingente de eleitores; ela, uma mulher negra que, sem puxar a chapa muito para a esquerda, acrescentou à dupla a marca identitária valorizada pelos eleitores mais jovens e “progressistas”. E mais: ele, um homem crivado pela tragédia, pai amoroso, querido pela mulher, pelos amigos e mesmo por muitos adversários, por sua simpatia natural; ela, uma filha de imigrantes que se integrou ao establishment por trabalho e mérito, ex-procuradora geral da Califórnia, “liberal” nos costumes, porém “firme” em matéria de lei e ordem.

Merval Pereira - Na boca do mundo

- O Globo

A mistura de ignorância com empáfia numa mente desequilibrada jogou o Brasil no ridículo internacional ao ameaçar os Estados Unidos com uma guerra, devido à possibilidade de sanções econômicas por causa do desmatamento da Amazônia.

O presidente Bolsonaro vive se queixando de que sua vida está “uma desgraça” (e a dos brasileiros?), e parece por esses dias mais fragilizado do que normalmente. Transformar o país que governa em motivo de piada no mundo, no entanto, é arriscar-se na linha que separa a sanidade mental da simples gafe.

A paráfrase que fez do conceito de guerra de Carl Von Clausewitz é uma humilhação para os generais brasileiros que fizeram a preparação acadêmica que faltou a Bolsonaro, um tenente que foi promovido a capitão quando foi para a reserva, depois de uma expulsão branca por ser um militar incompatível com a instituição do Exército.

“Quando falta saliva, tem que ter pólvora” é a simplificação vulgar que Bolsonaro fez da definição de guerra de Clausewitz, especialista em estratégias e autor do mais famoso tratado sobre o tema no Ocidente: “Sobre a Guerra” (do alemão Vom Kriege), publicado em 1832, depois de sua morte. 

“A guerra é a continuação da política por outros meios” é uma frase que resume bem o que Clausewitz pensava sobre a guerra, que o vice-presidente General Hamilton Mourão chamou de “antigo aforismo”, na tentativa de dar um lustro nas bobagens que o presidente disse.

Ascânio Seleme - Bolsonaro criminoso

- O Globo

Presidente mentiu categoricamente ao afirmar que a CoronaVac causava morte

A contabilidade passava de uma dúzia de crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República quando ele deu uma freada por orientação do Centrão. Não porque não tivesse outras barbaridades para dizer, mais ameaças a proferir, novos crimes para cometer. Mas sim porque precisava dar uma envernizada no seu perfil para que o agrupamento mais fisiológico do Congresso pudesse dele se aproximar. Há dois dias, o escorpião venenoso não conseguiu se conter e voltou a seu estado natural de irresponsável maior da República. Desta vez, o alvo do seu atentado criminoso não foi o Congresso, o Supremo ou a democracia. Agora, ele preferiu golpear a saúde do povo brasileiro.

Além de festejar um hipotético fracasso da vacina que está sendo testada pelo Instituto Butantan, órgão do governo de São Paulo, onde identifica um inimigo na figura do governador, disse em rede social que ganhava mais uma sobre João Doria. E mentiu categoricamente ao afirmar que a CoronaVac causava morte, invalidez e anomalias. Foi um crime contra a dignidade, a honra e o decoro do cargo que ocupa, previsto na lei do impeachment. Mas deste mato não sai cachorro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, único com poder para dar andamento a pedidos de afastamento do presidente, já sentou em cima de mais de 30. Se um novo ocorrer, vai ser aquecido sob a mesma pilha gorda.

William Waack - As riquezas dos maricas

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro é o pior inimigo de si mesmo quando se trata de ridicularizar sua autoridade

Era óbvio e esperado que, ao perder a aposta feita em Donald Trump, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro fosse incluído na coluna “perdedores” em todas as listas de governantes que se deram mal com a vitória de Joe Biden. Não são poucos, e incluem países tão diferentes entre si como Israel, Arábia Saudita, Turquia, Reino Unido e Hungria. Mas o que a língua solta do presidente está produzindo é uma rápida perda da própria autoridade

A popularidade que resulta de auxílios emergenciais é tão efêmera quanto a duração desses auxílios, e até aqui o governo não conseguiu dizer como vai incluir uma renda básica no Orçamento do ano que vem (que, aliás, não foi votado). Sim, é popularidade que pode ser reconquistada, ainda que a custo literalmente alto para os cofres públicos – e enquanto a economia não sofrer desarranjos maiores, fantasma que o próprio ministro Paulo Guedes anda alimentando.

Com autoridade é diferente. Um presidente não precisa necessariamente ter grande autoridade para ser popular, mas precisa ser levado a sério para governar. A autoridade de Bolsonaro está sendo diluída por ele mesmo ao cair no ridículo, um ácido capaz de corroer qualquer pedestal. Personagens que dizem coisas “folclóricas”, toscas, ofensivas, desvinculadas da realidade, abusivas ou mentirosas avançam até o ponto em que afundam nas próprias palavras.

Bruno Boghossian - Huck, Moro, Marina e Ciro

- Folha de S. Paulo

Articuladores querem reduzir marca da direita e formar candidatura de terceira via

O grupo que procura uma candidatura de terceira via para 2022 deu um passo largo à direita no almoço entre Luciano Huck e Sergio Moro. A repercussão do encontro pegou mal entre alguns articuladores desse plano. Agora, eles afirmam que é preciso fazer um movimento para o outro lado da régua política.

O protagonismo dado ao apresentador estabeleceu o DNA inicial do projeto. Embora não tivesse uma identidade ideológica nítida e defendesse uma agenda de redução da desigualdade, Huck vestiu o figurino da direita quando se associou a Aécio Neves e se cercou de conselheiros com uma visão liberal da economia.

Uma candidatura com essa cara seria, a princípio, uma jogada para atrair o que se convencionou chamar de bolsonaristas arrependidos –eleitores escolarizados e de centros urbanos que se afastaram do presidente nas sucessivas crises do governo.

Luiz Carlos Azedo - Bêbado a uma hora dessa?

- Correio Braziliense

Apesar de todo o seu poder, Góis Monteiro não escapou da gozação, até mesmo entre os colegas de farda, no auge da luta para o Brasil entrar na guerra contra o nazifascismo

Desculpem-me a analogia. Tem certas coisas no Brasil que não escapam da gozação, mesmo quando são muito sérias e preocupantes. Por exemplo, o namoro de Getúlio Vargas com o fascismo de Benito Mussolini, o ditador da Itália, e o nazismo de Adolf Hitler, da Alemanha, cujo ponto alto foi a entrega da judia alemã Olga Benário, a esposa do líder comunista Luís Carlos Prestes, grávida de sua filha Anita Prestes, à Gestapo. Olga foi morta na câmera de gás do campo de extermínio de Bernburg, mas sua filha foi resgatada antes disso, depois de uma grande campanha internacional. Hoje é professora de História da Universidade Federal Fluminense (UFF). Nessa época, em plena ditadura Vargas, havia uma luta surda entre o ministro da Guerra, Góis Monteiro, e o chefe de Polícia do Distrito Federal, Filinto Muller, que defendiam uma aliança com o Eixo, de um lado, e o chanceler Oswaldo Aranha e o almirante Amaral Peixoto, genro de Vargas, que articulavam a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Estados Unidos e seus aliados da Europa, de outro.

O repórter David Nasser, no livro Falta alguém em Nuremberg, traça o perfil da equipe de Filinto Muller, “recrutados entre a escória do Exército”: capitão Felisberto Batista Teixeira, delegado especial de Segurança Política e Social: capitão Afonso de Miranda Correia, delegado auxiliar; tenentes Emílio Romano, chefe da Segurança Política, e Serafim Braga, chefe da Segurança Social, e, ainda, o tenente Amaury Kruel e seu irmão, capitão Riograndino Kruel, ambos da inspetoria da Guarda Civil, “indivíduos cujo servilismo ao governo e brutalidade com os presos” contribuíram, segundo Nasser, para as violações dos direitos humanos ocorrida na época. No Estado Novo, segundo o historiador Cláudio de Lacerda Paiva, “quem censurava era Lourival Fontes, quem torturava era Filinto Muller, quem instituiu o fascismo foi Francisco Campos, quem deu o golpe foi Dutra e quem apoiava Hitler era Góis Monteiro”.

Ricardo Noblat - O que Bolsonaro conseguiu ao reconciliar-se com ele mesmo

- Blog do Noblat | Veja

Balanço da explosão de cólera

Os que cercam o presidente Jair Bolsonaro concordam sobre o principal motivo que o levou a viver um dia de cólera na última terça-feira: medo. Medo do que possa acontecer com seu filho mais velho, o senador Flávio, investigado por corrupção. Medo do que o futuro reserva ao seu governo. Medo de perder em 2022.

E concordam que a explosão de cólera conseguiu deixar Bolsonaro mal ao mesmo tempo com os militares que sempre o apoiaram, a China, o maior parceiro comercial do Brasil, e o governo de Joe Biden que em 20 de janeiro próximo tomará posse como novo presidente dos Estados Unidos. Um feito e tanto, como se vê.

Quando as Forças Armadas por aqui foram alvo de piadas e de deboche nas redes sociais? Não havia registro disso. Passou a haver depois que Bolsonaro, em discurso no Palácio do Itamaraty, e a propósito da pressão de Biden para que cuide melhor da Amazônia, afirmou que se a diplomacia fracassa, resta a pólvora.

Entrevista | ‘A pandemia custou eleitores a Bolsonaro’, diz cientista político da FGV

Carlos Pereira conduz, desde março, pesquisa que identifica uma transição de pensamento entre os brasileiros

João Paulo Saconi | O Globo

Há nove meses, desde que a Covid-19 se transformou em uma tragédia diária na vida dos brasileiros, o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas (FGV), tem conduzido uma pesquisa acadêmica para observar como eleitores de diferentes espectros políticos pensam a respeito de temas políticos e sociais. Com mais de 20 mil respostas colhidas até agora, o estudo ainda está em curso e, conforme publicou a coluna do jornalista Merval Pereira, os resultados indicam que a pandemia foi uma “bomba atômica” para a polarização ideológica que guiou o país nos últimos anos. Os motivos foram abordados na entrevista abaixo.

A pandemia transformou o pensamento do brasileiro?

Sim. Um dos nossos principais achados, em três rodadas de perguntas ao longo do ano, foi o rompimento com o presidente de pessoas que, mesmo sem serem próximas à base dele, optaram por não votar no PT em 2018. A pandemia custou eleitores a Bolsonaro, por causa da forma como ele a tratou. É o que o estudo sugere, ainda que 2022 esteja longe e o cenário possa mudar.

Qual foi o peso da Covid-19 nesse processo que o senhor descreve?

Esses eleitores se afastaram à medida em que estavam próximos de pessoas contaminadas, familiares ou amigos em casos graves ou fatais. Eles se tornaram mais favoráveis ao isolamento social e mais críticos a Bolsonaro, além de passarem a se importar menos com os riscos econômicos do momento, independentemente de sua renda. O presidente manteve seus eleitores que chamamos de “identitários”, que se nutrem do conservadorismo e dos valores a ele associados.

Qual o destino desses eleitores?

Identificamos que eles migraram para o centro, em busca de moderação. A pandemia foi uma bomba atômica para a polarização que, antes, equilibrava o bolsonarismo e o petismo em polos opostos. Diante do risco de vida da Covid-19, as pessoas se tornaram dispostas a saídas menos radicais. Estão querendo previsibilidade e conforto em vez de surpresas.

Maria Cristina Fernandes - O que esperar de um eleitor machucado

- Valor Econômico

Se as eleições de 2016 foram marcadas pelo cansaço, as de 2020 o serão pelas perdas - de vidas, empregos e perspectivas

A campanha eleitoral transcorreu num ano em que a pandemia matou 160 mil pessoas, desempregou 12 milhões, e deixou 7 milhões sem aulas. Por mais que as disputas municipais tratem do que o jargão dos candidatos chama de zeladoria, não há como subtrair da corrida pelas prefeituras e Câmaras de Vereadores, o drama nacional.

Mais do que o cansaço de 2016, pavimento para a praga da antipolítica que se esparramaria pelo país em 2018, a disputa de domingo será marcada pela perda - de vidas, empregos e perspectivas. Foi este o denominador comum das pesquisas feitas por Nilton Tristão ao longo de 2020.

De tão discreto, o instituto que dirige (Opinião) nem perfil em redes sociais tem, mas passou pelo crivo rigoroso do site Pindograma, que analisou quase 2 mil pesquisas no país, como o de maior grau de acerto. Por não seguir a metodologia estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral, que classifica de binária, Tristão não publica suas pesquisas. Trabalha por encomenda de candidatos.

Do que tem colhido nas pesquisas - quantitativas e qualitativas - conclui que nunca houve distância tão abissal entre os anseios de um eleitor machucado e a oferta do mercado de candidatos. Desse fosso, aposta, sairá a maior taxa de votos em branco, nulos e abstenção de uma eleição municipal desde a redemocratização.

É bem verdade que não se trata uma aposta arriscada. O próprio TSE, lembra Tristão, tem alertado na sua propaganda eleitoral que, na presença de quaisquer dos sintomas da covid-19, o eleitor deve se abster de votar. Mas aqueles que forem aos locais de votação, aposta, não estarão propensos a bravatas e propostas contra-tudo-o-que-está-aí.

O cansaço de 2016 fez ascender gente que se dizia avessa à carreira que estava a abraçar - os empresários João Doria (São Paulo), Alexandre Kalil (BH) e Hildon Chaves (Porto Velho), além do professor universitário Clécio Vieira (Macapá) - e de outros, como Marcelo Crivella (Rio) que, apesar de agarrado à política há muito tempo, ainda age e fala como se num templo estivesse.

Maria Hermínia Tavares* - Jogo de cena

- Folha de S. Paulo

Apego a ideias arcaicas impede que o país volte a ter relevância internacional nas questões ambientais

A vitória de Joe Biden abre uma fresta de esperança de que se possa evitar a catástrofe climática provocada pelo aquecimento do planeta. O esperado retorno dos EUA ao Acordo de Paris, a disposição da União Europeia a abraçar uma agenda de recuperação econômica verde e o compromisso unilateral da China com a descarbonização total até 2060 dão margem a moderado otimismo.

Nesse quadro, o Brasil poderia voltar a ser um ator internacional relevante, numa das poucas arenas nas quais tem trunfos consideráveis. Para tanto, porém, o governo teria de abandonar a sua tola atitude negacionista, munindo-se de ânimo e aptidão para conter o desmatamento, a fim de proteger a Amazônia e sua biodiversidade —o cerne de nossa questão ambiental.

Apesar da limitada capacidade estatal de fazer cumprir as regras existentes, o país tem um bom marco legal e bons instrumentos de monitoramento —ainda que deliberadamente debilitados pela dupla Bolsonaro-Salles. Obstáculo tão ou mais importante é a concepção de soberania nacional que enquadra o pensamento dos militares no governo em relação ao meio ambiente.

Fernando Schüler* - Adversários ou inimigos?

- Folha de S. Paulo

Isto implica, quem sabe, a parar de pensar que sua posição política corresponda à própria democracia

Joe Biden fez um apelo interessante em seu discurso de vitória. Pediu que as pessoas parassem de demonizar e tratar os adversários como inimigos. Linhas à frente, disse que havia vencido para “restaurar a decência e defender a democracia”.

Observe-se como mesmo um político moderado e boa gente como Biden tropeça. Se um lado “organiza as forças da decência” e expressa, ele mesmo, os valores da democracia, o que sobra exatamente para o outro lado?

Acho que foi apenas uma escorregada de Joe Biden. Sua história o credencia para ajudar a “curar a América” do diálogo de surdos em que se transformou a política americana. Vamos finalmente testar a tese de que basta que o exemplo venha de cima e tudo se ajeita.

Não acho que as coisas sejam tão simples. O processo de polarização nas democracias é mais profundo do que costumamos reconhecer. O discurso radicalizado de quem está no poder ou de quem faz oposição é antes consequência do que causa desse processo.

Carlos Alberto Sardenberg - Piada numa hora dessas?

- O Globo

A ameaça (ameaça?) de Bolsonaro de tacar pólvora contra Biden caiu na categoria das chacotas

Todo mundo sabia que Jânio Quadros era meio doido. Parecia, na maior do tempo, um doido manso, pra lá de inteligente e muito esperto na fala. São famosas suas tiradas, como aquela em uma entrevista na TV.

O jornalista, tentando ser mais esperto, fez um preâmbulo para introduzir uma pergunta difícil: “Presidente, o senhor não pode imaginar minha ignorância nesse assunto para perguntar assim tão direto...”. Jânio interrompe: “Posso, sim, senhor jornalista, posso sim.”

Desconfiava-se que algum dia Jânio poderia fazer uma grande doidice, algo que o tirasse do cargo onde estava. Então, acabou fazendo.

Claro, estamos pensando nas falas mais recentes do presidente Bolsonaro. A questão é: será que ele algum dia vai falar (ou fazer) algo com consequências irreparáveis para ele e seu mandato? Ou será que encarnará cada vez mais o papel (lamentável) do falastrão? Café com leite, Odorico Paraguaçu, motivo de chacota.

A ameaça — ameaça? — de tacar pólvora contra o Biden caiu nessa última categoria. As pessoas se lembraram do exército de Brancaleone, do “Rato que ruge” (filme de 1959), dos Trapalhões do Didi. Os memes abundaram nas redes.

O mercado financeiro não deu a mínima. Quer dizer, falou o tempo todo do assunto — e foi uma mina de piadas naquele estilo leve dos operadores.

E, por falar nisso, o mercado também nem ligou para as declarações absolutamente desastrosas do ministro Paulo Guedes. Em circunstâncias normais, o mercado deveria ter entrado em pânico quando o ministro falou na possibilidade de o Brasil não conseguir rolar sua dívida e de isso gerar uma hiperinflação.

Bernardo Mello Franco - A penitência do bispo Crivella

- O Globo

Os últimos dois prefeitos do Rio se reelegeram com um pé nas costas. Em 2004, Cesar Maia liquidou a fatura no primeiro turno, com pouco mais de 50,1% dos votos válidos. Em 2012, Eduardo Paes teve uma vitória ainda mais tranquila, com 64,6%.

O cenário não deve se repetir em 2020. Apesar de controlar a máquina da prefeitura, Marcelo Crivella corre o risco de ficar fora do segundo turno. Paes lidera com folga, e o bispo disputa a outra vaga com Martha Rocha e Benedita da Silva.

De acordo com o Ibope, o prefeito entrou na semana final da campanha com 15% das intenções de voto. Em 2016, ele registrava 35% no mesmo período.

O encolhimento levou Crivella a mudar radicalmente de estratégia. Depois de anos tentando desvincular sua imagem da Igreja Universal, ele agora escancara a mistura de fé e política. “Aleluia! Aleluia! Aleluia porque a luta continua!”, canta, em hino gospel transformado em jingle eleitoral.

Guga Chacra - Trump é uma ameaça aos EUA

- O Globo

Não aguento mais falar do perdedor Donald Trump, uma figura narcisista, mimada e insegura que é incapaz de aceitar a derrota e segue com ataques à democracia do país governado por ele próprio. O correto seria falar de Joe Biden, declarado eleito presidente dos EUA no sábado passado. Será o democrata que viverá na Casa Branca a partir de 20 de janeiro para comandar os americanos no combate à Covid-19 e na tentativa de reerguer a economia destroçada pela pandemia. Este era meu objetivo nesta coluna. Não consegui, infelizmente.

Nos próximos 70 dias, seria necessária uma transição do governo de Trump para o de Biden. Os dois lados precisam agir em coordenação neste momento em que o número de novos casos de Covid-19 bate recordes nos EUA. As novas hospitalizações atingem números alarmantes. Mesmo Nova York, que parecia ter superado a doença, enfrentará novas restrições a partir de amanhã com a ameaça de uma segunda onda. Ao mesmo tempo, um programa de estímulo à economia não pode ser adiado até janeiro. O atual presidente precisa negociar um acordo com os democratas da Câmara urgentemente para evitar o colapso de uma série de atividades econômicas e ajudar pessoas que perderam os empregos. Mas o presidente desistiu de governar. Só quer reclamar de fictícias fraudes em seu Twitter.

Luiz Fernando Verissimo - Um bom sujeito

- O Estado de S. Paulo | O Globo

Biden vai reparar os estragos deixados por Trump

Bom. Já se sabe que a pronúncia certa do nome do homem é Baiden e não Biden, o que nos poupou de piadas com “bidê”. Ele é descrito como o anti-Trump, e essa seria sua principal credencial para ganhar a Presidência dos Estados Unidos. O que dá uma ideia da falta de opções para o cargo naquele país, além de ser um alento para a candidatura do Huck aqui.

Como alternativa para o multicolorido Trump, Biden só era obrigado a ser cinzento, como foi durante toda sua carreira política. Alguns dos seus votos como congressista foram contra a linha correta do seu partido, e sua oratória era considerada excitante como banana amassada, mas todos concordavam que era um bom sujeito.

Nada como um bom sujeito para se opor ao indecoroso Trump. O bom sujeito vai reparar os estragos deixados por Trump, como os tratados de desarmamento nuclear e do clima, que ele abandonou, e a pandemia, que ele nunca levou a sério.

José Serra* - Energia renovável e recuperação

- O Estado de S.Paulo

O Brasil é a maior potência ambiental e pode se beneficiar das transformações do setor

A aprovação do novo marco do saneamento pelo Congresso Nacional, em julho deste ano, proporcionou, como previ naquela ocasião, a discussão e aprovação de uma pauta de retomada do crescimento pós-pandemia, voltada para a melhoria da produtividade. Publiquei um conjunto de artigos sobre investimentos em infraestrutura: um novo marco regulatório para as ferrovias e no setor de energia, com a aprovação urgente de mudanças na lei do petróleo, para possibilitar a realização de leilões em 2021, e nas leis do gás natural e do setor elétrico.

A cada ano que passa o mundo valoriza mais o que é feito a partir das energias renováveis. A vitória de Joe Biden reforçará essa agenda. O presidente eleito dos Estados Unidos deixou bem claro que dará uma guinada na política energética americana, retornando ao Acordo de Paris. Sua presidência deve lançar as bases para a descarbonização mais profunda e radical da História do país. O novo presidente promete investir US$ 2 trilhões em apoio às energias renováveis, para tornar os Estados Unidos totalmente independente do carvão e do petróleo até 2035. Existe a intenção de tornar toda a nação neutra em carbono até 2050.

O que isso tem que ver com o Brasil? Quais são as oportunidades que se podem abrir para o nosso desenvolvimento econômico e social? Já pensou? Um selo brasileiro de produto à base de energia renovável? Seria possível e altamente benéfico para o planeta!

O Brasil é a maior potência ambiental do mundo e pode se beneficiar fortemente das transformações do setor de energia global, com participação crescente das renováveis, da geração solar e eólica e também da inovação no armazenamento de energia. As baterias vão criar novas possibilidades, e tudo leva a uma expansão cada vez mais acelerada das renováveis. Em futuro não muito distante poderemos transformar-nos em potência energética se nos engajarmos nessa nova agenda.

Míriam Leitão - Erros e omissões na crise do Amapá

- O Globo

O caso do Amapá é resultado de uma sucessão de erros de diversos órgãos. A infraestrutura é totalmente insuficiente, a distribuidora é estadual, mas desde 2015 é controlada pela Eletrobras. Em Brasília, há um jogo de empurra entre a Aneel e o ONS sobre quem deveria ter agido para evitar esse cenário. Ele era previsível, porque há um ano um dos três transformadores do estado estava quebrado. A companhia de transmissão foi comprada por um fundo abutre, que pouco entende do assunto. O Ministério das Minas e Energia aceitou ser parte de um teatro para o presidente Bolsonaro faturar politicamente.

O estado é conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN) por apenas uma rede de transmissão com três transformadores. Com o quebrado, sobraram dois. A empresa diz que um raio caiu sobre um, que queimou o outro. Ontem, no entanto, a defesa civil emitiu um laudo negando essa hipótese. Não havia guarnição do Corpo de Bombeiros na subestação para atuar imediatamente. O risco era previsível. Ninguém agiu preventivamente, nem o ONS, nem a Aneel nem o Ministério das Minas e Energia. A empresa estadual de distribuição opera em regime jurídico precário, ou seja, sua concessão chegou ao fim e foi prorrogada provisoriamente. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, está preocupado com o irmão, que concorre à prefeitura de Macapá.

Vinicius Torres Freire - Guedes e as privatizações de Nostradamus

- Folha de S. Paulo

Ministro prevê hiperinflação, que seria culpa sua, e tem nova visão sobre venda de estatais

O “Brasil pode ir para a hiperinflação muito rápido, se não rolar a dívida satisfatoriamente”, disse Paulo Guedes na terça-feira, dia do jorro de abjeções de Jair Bolsonaro. Em uma jornada que teve saudação da morte, culto antivacina, “maricas” e “pólvora”, pouca gente além dos observadores da economia notou a contribuição do ministro para o aumento do desespero amargo das pessoas sensatas do país.

Ainda assim, convém dar o mérito a Guedes. Se por mais não fosse, na mesma terça-feira o ministro escreveu mais uma página de seu livro das “Privatizações de Nostradamus”, aquelas que, não se sabe bem quais, acontecerão em algum dia, não se sabe bem de qual século.

Em julho, Guedes dissera que o Brasil iria “surpreender o mundo” e que “vamos fazer quatro grandes privatizações nos próximos 30, 60, 90 dias”. Como a mente e a conversa de Guedes são confusos, não se sabia se mais uma vez o ministro prometia anúncios ou privatizações. Passados uns 120 dias, nesta semana, Guedes anunciou que “estamos propondo isso para o Congresso nos próximos 30 a 60 dias”, referindo-se à privatização de Eletrobrás, Correios, PPSA (a estatal da gerência dos contratos da partilha do petróleo) e do Porto de Santos, que seriam feitas até 2021. “Estamos propondo”? Em meados de dezembro? Em janeiro, nas férias do Congresso?

Zeina Latif* - Sinais perturbadores

- O Estado de S.Paulo

A falta de perspectivas de reformas enfraquece os alicerces da economia

Choques econômicos produzem mudanças de preços nos mercados. Os chamados preços relativos são importantes válvulas de ajuste para levar a economia para seu novo equilíbrio de forma eficiente. Porém, há algo maior ocorrendo na crise atual. Alguns preços exibem dinâmica que denunciam problemas na política econômica.

Quando ocorre uma quebra de safra, por exemplo, o aumento de preços agrícolas permite eliminar o excesso de demanda em relação à menor oferta. Ações governamentais para conter altas de preços podem trazer alívio aos consumidores no curto prazo, mas desestimulam a produção, contratando um problema maior adiante.

Muitas vezes, há rigidez de preços, como nos salários, o que dificulta o corte da folha de empresas que enfrentam queda no faturamento. Com leis trabalhistas flexíveis, o ajuste é mais rápido e o novo equilíbrio será com menos desemprego. 

Nesta crise, teria sido importante reduzir adicionalmente as amarras nas relações trabalhistas, ao menos durante a calamidade pública, para permitir cortes de salários fora do programa de sustentação do emprego do governo. Um tema que, certamente, demandaria muito diálogo com o STF e o Congresso.

Celso Ming - O rombo fiscal e o risco de hiperinflação

- O Estado de S.Paulo

Paulo Guedes pode ter exagerado no risco de hiperinflação, mas ministro tem razão a respeito da deterioração das contas públicas do Brasil

O ministro da Economia, Paulo Guedes, pode ter carregado demais nas tintas, mas tem de ser levado a sério na sua advertência de terça-feira de que “o Brasil pode ir para a hiperinflação se não rolar a dívida pública satisfatoriamente”.

À primeira vista, parece fora de propósito falar em risco de hiperinflação quando a evolução do custo de vida nos primeiros dez meses deste ano não passa de 2,22%; quando já se tinha como favas contadas a reversão estrutural da inflação; e quando, apesar da atual recaída, que empurrou a inflação de outubro para 0,86%, o Banco Central mantém os juros básicos (Selic) estacionados nos 2,0% ao ano desde agosto deste ano.

No momento, uma hiperinflação não passa pelas telas dos radares. O próprio ministro tem dito que a recuperação da economia já começou e, com ela, espera aumento da arrecadação. Embora o IGP-M tenha disparado para 18,10% nestes dez primeiros meses e, por isso, tenha complicado o reajuste anual dos aluguéis, em consequência da cavalgada dos preços no atacado e da puxada nas cotações do dólar, a inflação continua sob controle. Como mostra o Boletim Focus, do Banco Central, o mercado continua esperando uma inflação em 2020 de 3,02%, portanto abaixo da meta (que é de 4,0%). E, para 2021, as projeções do mercado são de uma inflação de 3,11% (com meta de 3,75%).

Fabio Graner - O susto da inflação e seu risco para o futuro

- Valor Econômico

Para Paulo Guedes, a pressão de preços tende a se aliviar com o retorno da política fiscal ao seu padrão do ano passado

Em agosto deste ano, a pesquisa semanal Focus, realizada pelo Banco Central junto a economistas, previa inflação de 1,6% em 2020. Três meses depois, o ponto central das estimativas dobrou: 3,2%. Já são 17 altas consecutivas capturadas no levantamento.

Para 2021, a previsão está em 3,17%, subindo há três semanas, mas em ritmo menor. No mercado de títulos, a chamada “inflação implícita” projetada para um ano está em 4,93%, subindo em relação aos 4,8% verificados no início do mês. Ela é calculada pela diferença entre os papéis prefixados (LTN) e a taxa fixa dos títulos indexados à inflação (NTN-B). Em prazos mais longos, está pouco acima de 4%.

Na sexta-feira passada, o IBGE divulgou que o IPCA chegou a 3,92% nos últimos 12 meses, após alta de 0,86% em outubro. O quadro para as famílias com renda mais baixa está pior. Como mostrou o Ipea ontem, puxada pela disparada de alimentos em domicílio, a alta média de preços para quem ganha até R$ 1,65 mil foi de 0,98% em outubro, chegando a 5,3% em 12 meses, o dobro da verificada para as famílias mais abastadas.

Todos esses dados explicam por que a inflação, em um espaço tão curto de tempo, passou de um não assunto para ser um dos principais focos de preocupação na economia. Alta de preços sempre foi um elemento de desestabilização social, política e econômica. Em um país com o histórico do Brasil, mais ainda.

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Bolsonaro no mundo da lua – Opinião | O Estado de S. Paulo

A prova de que o equilíbrio de Bolsonaro depende cada vez mais das fases da Lua foi sua ameaça de declarar guerra aos EUA.

O presidente Jair Bolsonaro, como um valentão na hora do recreio, chamou o País para a briga. Descontrolado como poucas vezes se viu em sua vergonhosa Presidência, classificou como “maricas” os milhões de brasileiros que se preocupam com a pandemia de covid-19. 

Donde se depreende que corajoso, para Bolsonaro, é quem ignora as medidas de proteção contra a pandemia, pois, afinal, segundo suas próprias palavras, “todos nós vamos morrer um dia”. Ou seja, o presidente da República está explicitamente incitando seus governados a correr risco de morte.

Mas não ficou só nisso. Bolsonaro questionou a inteligência dos eleitores que apoiam prefeitos “que fecharam as cidades” – isto é, que tomaram providências para conter a pandemia: “Por que esses caras estão bem na frente nas pesquisas, meu Deus do céu?”. 

E tudo isso depois de celebrar um suposto revés na pesquisa da vacina desenvolvida pela China em parceria com São Paulo, Estado governado por seu maior desafeto, João Doria. 

Quase nada escapou da logorreia de Bolsonaro. Ele atacou os jornalistas, chamando-os de “urubuzada”, tornou a questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas nas eleições brasileiras e ainda fez piada grosseira com as movimentações políticas de centro para enfrentá-lo nas eleições de 2022: “Aí vem a turminha aí falar de ‘ah, queremos um centro, nem ódio pra lá nem ódio pra cá’. Ódio é coisa de maricas, pô. Meu tempo de bullying na escola era na porrada”. 

Completou a glossolalia queixando-se de que é responsabilizado “por tudo o que acontece no Brasil” e que a Presidência é uma “biboca” que “tem criptonita ou um formigueiro”. Emendou criticando os que querem seu lugar “falando besteira o tempo todo, mentindo, provocando, caluniando, perseguindo os familiares o tempo todo”. A menção aos “familiares” não foi gratuita: sempre que o cerco judicial ao filho Flávio Bolsonaro no escândalo das rachadinhas se aperta, o presidente perde as estribeiras.

Música | Gilberto Gil - Lamento Sertanejo/Cajuína

 

Poesia | João Cabral de Melo Neto - O Relógio

Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.

Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.

Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;

e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade.