sábado, 23 de julho de 2022

Marco Aurélio Nogueira* - Precisamos de uma política de civilização

O Estado de S. Paulo

Neste País carregado de possibilidades, estamos sem governo, há estímulos para a degeneração da convivência e se amontoam os problemas

A nossa é uma época estranha. Todas as épocas talvez sejam assim: quem vive nelas sempre pode ter a sensação do inusitado, de algo que não se manifestou antes. Mas a nossa é paradoxal demais. Encanta e assusta. Confunde, perturba, excita. Parece vazia de esperança e otimismo, como se temêssemos o que nos aguarda à frente.

Há grandes margens de liberdade e autonomia. Podemos escolher como viver a vida. Mas não nos damos conta das orientações que, insidiosamente, valendo-se de algoritmos e estratégias mercadológicas, modulam e padronizam os comportamentos coletivos.

Misturam-se a isso a desinformação induzida e a atuação de líderes autoritários, que minam os valores democráticos e manipulam parcelas importantes da população. Há governantes que governam contra seu povo e outros que combatem o sistema eleitoral de seu próprio país, depois de terem dele se beneficiado.

Vivemos em redes. A cada dia, mais pessoas caem nelas. Redes são prisões ou estradas para a autonomia? Isolam-nos em bolhas e nos roubam do contato com o mundo exterior, alienando-nos? Ou são estratégias de sobrevivência, lugares de fuga de uma realidade sempre mais difícil de ser suportada e compreendida?

Entrevista | Steven Levitsky - Há risco real de autogolpe no Brasil

Marcela Villar e Hugo Barbosa, especiais para o Estadão

A menos de três meses das eleições e com a recente onda de ataques ao sistema eletrônico de votação, há no Brasil a possibilidade de acontecer um episódio semelhante à invasão ao Capitólio, em Washington, nos Estados Unidos, quando apoiadores do ex-presidente Donald Trump ocuparam o Congresso daquele país em janeiro de 2021, após o republicano não ser reeleito. O alerta é do cientista político americano Steven Levitsky, autor do best-seller ‘Como as democracias morrem’. “Bolsonaro parece ter se inspirado no 6 de janeiro”, avalia Levitsky ao Estadão.

De acordo com Levitsky, que também é professor de política em Harvard, construir uma grande coalizão, que envolva partidos de diferentes posicionamentos ideológicos, é fundamental para derrotar autoritários e evitar que a eleição brasileira seja subvertida. “A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma ampla coalizão que inclua forças de esquerda, centro e direita”, analisa.

Confira a seguir a íntegra a entrevista concedida ao Estadão.

Demétrio Magnoli - A expressão perdida

Folha de S. Paulo

Insistir no impeachment de Bolsonaro seria o único caminho decente para a democracia

Atônitos, os embaixadores assistiram a um espetáculo singular. Bolsonaro, chefe de Estado, comportou-se como líder de uma seita extremista (de direita ou esquerda) denunciando perseguições eleitorais conduzidas contra ele por um Estado maléfico.

Na sequência, o evento foi alvo de diversas notas críticas assinadas pelo presidente do Senado e pelos demais candidatos presidenciais. Nenhuma delas cravou a expressão precisa: crime de responsabilidade. Nossa democracia cambaleia.

Debati, em 2018, na Casa Folha da Flip, com o intelectual petista André Singer. O impeachment de Dilma ocorrera menos de dois anos antes e Lula encontrava-se preso. Singer sustentou a ideia de que o lulismo esgotava-se numa crise profunda. Discordei, argumentando que o lulismo seguia como alternativa viável de poder. Depois, concordei com a avaliação dele de que repetidos impeachments enfraquecem a democracia.

Acertei ao discordar; errei ao concordar. No fundo, o dilema abstrato não faz sentido. Impeachment é uma das últimas linhas de defesa da democracia: a faca grosseira que, cortando o abuso de poder presidencial, preserva o império da lei. O Congresso nunca avançou rumo ao necessário impeachment de Bolsonaro porque foi comprado pelo orçamento secreto.

Hélio Schwartsman - O cheque em branco do TSE

Folha de S. Paulo

Se quisesse, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderia tornar Jair Bolsonaro inelegível, tirando-o da disputa presidencial. As repetidas invectivas do capitão reformado contra as urnas eletrônicas são, além de falsas, tóxicas, pois representam um ataque ao cerne do sistema democrático, que são as eleições. Mas, mesmo que não fossem tão inapelavelmente democraticidas, o TSE teria como impedir o presidente de concorrer.

A culpa é do Parlamento, que, na Lei de Inelegibilidades, conferiu ao TSE uma espécie de cheque em branco, ao criar as figuras do abuso de poder econômico ou político, que significam qualquer coisa que os magistrados queiram, já que a norma não os define. Apesar dos amplos poderes, a Justiça Eleitoral não costumava interferir muito.

Alvaro Costa e Silva - O presidente que queria ser eterno

Folha de S. Paulo

Para evitar a derrota, solução bolsonarista é sair na porrada

Até as emas do Alvorada sabem... Espera aí, as emas não, estas jamais foram enganadas desde que viram o novo morador do palácio pela primeira vez. Até as colunas do Alvorada sabem que Bolsonaro não aceitará o resultado das eleições. Ele se considera um presidente vitalício. Em seu messianismo cego, costuma dizer: "Quem me colocou aqui foi Deus. Só Ele me tira daqui".

É a maior vocação de golpista já surgida no país. Deputado que vivia fazendo rachadinha e elogiando a tortura em programas de auditório, jamais foi incomodado. Eleito à Presidência —não por Deus, mas pelo voto dos brasileiros nas urnas eletrônicas—, destruiu as instituições e construiu o ambiente corrupto que lhe sustenta as ações criminosas, aliando-se a generais igualmente golpistas, comprando a cumplicidade do Legislativo e silenciando a PGR.

Cristina Serra - O Rio de sangue de Cláudio Castro

Folha de S. Paulo

Morticínio é política de Estado nas sociedades em que não há lugar para todos

Cláudio Castro (PL) já pode ostentar os títulos de rei das chacinas, campeão dos banhos de sangue e governador mais letal da história do Rio de Janeiro. Três dos maiores massacres cometidos por forças policiais no estado ocorreram sob seu comando.

O do Jacarezinho, em maio do ano passado, com 28 pessoas assassinadas; o da Vila Cruzeiro, em maio deste ano, com 25 mortos, e agora o do Complexo do Alemão, com 19 vítimas (até o momento em que escrevo). Castro transformou a carnificina em espetáculo midiático-eleitoral.

Com cinismo nauseabundo, o carniceiro do Palácio Guanabara tentou empurrar a responsabilidade pela matança para Marcelo Freixo (PSB), seu principal adversário na disputa ao governo do Rio, e para "seu partido e aliados que proibiram nossas polícias de enfrentar esses bandidos em determinadas áreas. (...) Mas comigo não tem essa." Uma afronta explícita à decisão do STF, em vigor desde o auge da pandemia de Covid, de que a polícia só realize operações em favelas em situações excepcionais.

Ascânio Seleme - O Brasil voltou no tempo

O Globo

Em 2015, o francês Michel Houellebecq escreveu um livro de ficção em que mostra como seria a França num futuro não muito distante em que a maioria dos eleitores fosse de origem muçulmana e elegesse um líder do seu grupo com muitas das crenças fundamentalistas de seus ancestrais do Oriente Médio. Seria um desastre, claro. O país descrito pelo escritor regrediu no tempo, sobretudo nas áreas de costumes e cultura em razão da nova ordem instalada. “Submissão”, considerado na França como o livro mais polêmico daquele ano, foi coincidentemente lançado em Paris no mesmo dia do atentado à sede do jornal satírico Charlie Hebdo, que resultou em 12 mortes.

Mas o islamismo francês proposto por Houellebecq não se parece em nada com o dos radicais do Estado Islâmico. A transformação da França se dá por dentro, aos poucos, até se consumar. Claro, como toda ficção, o livro não tenta descrever uma nova realidade, mas uma realidade possível, embora improvável. Ainda assim, não se pode negar que há uma lógica no romance. Segundo projeções oficiais, até 2040 a maioria dos eleitores da Bélgica será de origem muçulmana. Muito provavelmente, as cabeças dos jovens muçulmanos belgas de hoje que forem eleitores daqui a 18 anos serão mais arejadas e modernas do que as de seus pais e avós imigrantes, mas ainda assim estarão assentadas na tradição islâmica.

No Brasil de Bolsonaro não foram necessários imigrantes muçulmanos para fazer deste um país mais conservador do que era há quatro anos, do ponto de vista moral, cultural e político. O componente religioso sempre importa numa transformação dessa ordem, e não foi diferente aqui. A comunidade evangélica ajudou a consolidar este quadro de retrocesso no Brasil, mas não é a única responsável. Se fosse um romance, a História do Brasil desde a eleição de 2018 seria mais improvável do que aquela contada em “Submissão”. Mas, por aqui já se pode visualizar as mudanças comportamentais provocadas pelo bolsonarismo.

Pablo Ortellado - Punitivismo de esquerda

O Globo

O sucesso do podcast “A mulher da casa abandonada” produziu um circo midiático. As reações do público mostram uma estranha mistura de sensacionalismo, punitivismo de esquerda e cultura das celebridades na era da internet.

O podcast, produzido pelo talentoso jornalista Chico Felitti, investiga uma mulher misteriosa que habita uma mansão abandonada no bairro de Higienópolis, em São Paulo. A narrativa aos poucos revela que ela é Margarida Bonetti, uma brasileira de classe média alta que se mudou para os Estados Unidos e lá foi acusada, com o marido, de manter a empregada brasileira em condições análogas à escravidão. O marido foi julgado e preso pelo crime, mas ela conseguiu fugir para o Brasil e escapar da Justiça. Em São Paulo, permaneceu na casa da família com poucos recursos, e o imóvel foi aos poucos se deteriorando até chegar ao estado em que se encontra hoje. Como o caso aconteceu há mais de 20 anos, o crime prescreveu.

Eduardo Affonso - O futuro nos condena

O Globo

Quando os veganos dominarem o planeta, quem quer que tenha traçado uma picanha estará no índex dos canceláveis

O telescópio James Webb apresentou um grave defeito antes mesmo de ser lançado ao espaço. Não nas lentes e espelhos (que funcionaram magnificamente), mas no nome. O homenageado é um ex-diretor da Nasa, nascido em 1906, acusado de perseguição à comunidade LGBTQIAP+ nas décadas de 1950 e 1960.

Sim, não basta não ser homofóbico hoje, quando a homofobia é entendida como violação de um direito humano fundamental. É preciso não o ter sido no passado, sob a vigência de outra régua moral. Algo como receber multa retroativa por haver circulado numa rua cuja mão foi invertida. Você não estava na contramão em 1960, mas isso é irrelevante — perde pontos na carteira assim mesmo.

Ricardo Henriques - Aprender por toda a vida

O Globo

Os países devem ofertar uma educação focada na capacidade de aprender a aprender ao longo da vida, não mais vinculada a um emprego ou profissão

Às transformações da economia mundial, soma-se um processo de automação de atividades laborais, que pode extinguir 85 milhões de postos de trabalho até 2025, segundo o Fórum Econômico Mundial. Associada às mudanças da sociedade do conhecimento, isso significa que haverá menos demanda de habilidades e competências manuais, físicas e de cognição básica, e cada vez mais de leitura e análise avançada de dados, comunicação e negociação, criatividade, empatia e adaptabilidade, entre outras.

Para lidar com esse cenário, os países devem ofertar uma educação focada na capacidade de aprender a aprender ao longo da vida, não mais vinculada a um emprego ou profissão. Uma das estratégias é a diversificação do ensino médio, multiplicando e flexibilizando caminhos que levam à educação superior ou diretamente ao mercado de trabalho.

João Gabriel de Lima* - A luta de Maori contra Mr. Krudo

O Estado de S. Paulo

No game Wing, Mr. Krudo espalhou ‘fake news’ nas redes contra o movimento liderado por Maori

A vida não é fácil no planeta Tusor. Seus habitantes pagam por um erro crasso que cometeram nas urnas: eleger um populista. O carismático Mr. Krudo persegue universidades e demais organizações da sociedade civil, assedia jornalistas e espalha mentiras nas redes sociais. Felizmente, jovens como Maori estão atentos. Eles sabem usar ferramentas digitais para identificar “fake news” e desmascarar populistas.

Maori e Mr. Krudo são personagens do game Wing, criado pelo projeto Demos, “Democratic Efficacy and Varieties of Populism in Europe”. O Demos, que reúne professores universitários de todo o continente europeu, criou o conceito de “eficácia democrática” – o conjunto de competências que os cidadãos desenvolvem para participar da vida pública de seus países.

Adriana Fernandes - Bolsa de apostas na Petrobras

O Estado de S. Paulo

Lula, Bolsonaro e Ciro já avisaram que querem mudar a política de preços da estatal

A presidência da Petrobras é sempre um dos cargos mais cobiçados na troca de governo durante o período de transição. Nas eleições deste ano, a escolha ganha contornos ainda mais estratégicos.

Diante dos desafios impostos pela disparada dos preços do petróleo no mercado internacional e da inflação, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, e pela crise de abastecimento na Europa, a escolha passa a ser ainda mais importante na definição da política econômica no início do próximo governo.

A perspectiva é de que o problema dos combustíveis seguirá vivo em 2023. Mesmo que sejam prorrogados a desoneração de tributos e os auxílios extraordinários, como o bolsa-caminhoneiro, estaremos longe de uma solução estrutural.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Atacar as fake News

Folha de S. Paulo

TSE acerta ao enfrentar a desinformação, mas não pode descuidar da liberdade de expressão

Contra a proverbial lentidão da Justiça, o ministro Alexandre de Moraes foi célere no último domingo (17) ao tomar uma decisão provisória a favor do PT, que contestava a divulgação de notícias falsas em redes sociais de bolsonaristas.

Membro do STF (Supremo Tribunal Federal) e próximo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Moraes estava no plantão desta segunda corte quando determinou a remoção de conteúdos que, na sua avaliação, não passavam de mentiras veiculadas com o propósito de prejudicar Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Algumas das notícias derrubadas por prescrição do ministro faziam conexões falsas entre a facção criminosa PCC, o PT e o assassinato de Celso Daniel em 2002, quando era prefeito de Santo André (SP) e filiado ao Partido dos Trabalhadores.

A ordem de Moraes também atingiu postagens que distorciam os fatos para dar a entender que o ex-presidente Lula teria igualado pobres a papel higiênico, ou então que associavam o PT ao nazismo e ao fascismo.

Poesia | Bertolt Brecht - Anos atrás

 

Música | Antonio Nóbrega - Segura no meu braço ( Capiba)