domingo, 15 de dezembro de 2013

OPINIÃO DO DIA – Fernando Henrique Cardoso

O Brasil de hoje, assim como o da primeira metade da década de 1990 precisa de novo salto rumo ao futuro. A mim coube, sem ser economista, cercar-me de uma equipe excelente e ousada. Ganhei credibilidade quando mostrei ao País o que faria e o fiz, controlando a inflação e depois modernizando a máquina pública. Hoje, os sinais de fadiga da atual situação de poder são evidentes, assim como a deterioração da situação econômica.

As deficiências de gestão estão a prejudicar a qualidade de vida do povo. Basta exemplificar com a desastrada política energética que desanimou os produtores de etanol, levou ao entupimento das cidades pela redução do IPI dos carros, reduziu as possibilidades de investimento da Petrobrás com a contenção dos preços da gasolina e assim por diante. O governo tenta recuperar os dez anos perdidos dos investimentos de infraestrutura voltando a privatizar, mas envergonhadamente, errando e postergando leilões por ideologia e incompetência. Basta ver os aeroportos e estradas.

Os serviços de saúde pública são calamitosos. Tudo isso, e muito mais, está clamando por uma mensagem nova.

Fernando Henrique Cardoso, “Depoimento”, O Globo, 15 de dezembro de 2013

Ações no STF dão à Corte protagonismo na reforma política

Pelo menos 13 processos no Supremo podem alterar regras do sistema eleitoral.

O julgamento, ainda em curso, do modelo de financiamento de campanhas eleitorais fez com que o STF reafirmasse sua condição de Poder que nos últimos anos mais mexe com a legislação político-eleitoral brasileira. Levantamento feito pelo Estado aponta que há pelo menos outras 12 ações em tramitação no STF com alto potencial de impacto nas regras atuais por tratarem de temas como responsabilidade pelas dívidas de campanha, propaganda nas redes sociais, causas de inelegibilidade dos candidatos, criação de partidos e distribuição das cadeiras de deputado. Os processos que terão de ser decididos pelo STF contêm assuntos delicados que podem interferir na relação do Judiciário com os outros Poderes e aumentar as críticas a ele por parte de políticos. Não há um calendário pré-agendado para o julgamento dessas ações.

Supremo avança com reforma política enquanto debate "dorme" no Congresso

Mariângela Gallucci

BRASÍLIA - Enquanto o Congresso patina na discussão da reforma política, o Supremo Tribunal Federal tem em sua pauta mudanças radicais no sistema eleitoral brasileiro. Além da já iniciada votação sobre a proibição de doações de empresas para campanhas, quase concluída na semana passada, os ministros da Corte terão pela frente em 2014 ao menos outras 12 ações importantes sobre o tema, segundo levantamento realizado pelo Estado.

Se levadas a cabo pela via judicial, essas mudanças devem consolidar o Supremo como protagonista na definição da legislação político-eleitoral do País.

Esses processos podem interferir na relação do Judiciário com os outros Poderes e aumentar as críticas a ele por parte de políticos. Foi o que se viu na semana passada com o julgamento sobre a proibição de doações por parte das empresas privadas - 4 dos 11 ministros já deram votos favoráveis à proibição; o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki e deverá ser retomado em 2014, j á que no próximo dia 19 o plenário do STF entrará em recesso e só voltará a se reunir em fevereiro.

Integrantes de praticamente todos os partidos criticaram o julgamento. O presidente nacional do PSDB e provável candidato a presidente da República, senador Aécio Neves (MG),declarou com todas as letras não gostar desse ativismo. "Nas vezes em que (o Supremo) decidiu (sobre regramento do sistema político), não decidiu a favor, infelizmente, do aperfeiçoamento do processo político brasileiro,"

O ministro Luís Roberto Barroso chegou a fazer um apelo ao Congresso para que seja aberto um diálogo entre os dois Poderes com o objetivo de estabelecer regras para o sistema eleitoral. Falou ainda que o papel da Corte ao debater esse assunto é de ser vanguarda. "Às vezes é preciso uma vanguarda iluminista que empurre a história, mas que não se embriague desta possibilidade, pois as vanguardas também são perigosas quando se tornam pretensiosas." Foi mais um passo nessa tendência cada vez maior do STF: de avocar para si responsabilidades que outros poderes, em especial o Legislativo, deixam de lado. Entre outras ações que podem ser julgadas e afetar o sistema político está uma apresentada em 2009 pelo PDT. O partido questiona a minirreforma eleitoral sancionada naquele ano pelo presidente da República. O texto trata de vários pontos das campanhas eleitorais, como debates, propaganda e internet, impugnação de candidaturas e inelegibilidade.

Também será decidida uma ação que poderá regulamentar o uso das redes sociais para fazer propaganda eleitoral. Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) modificou o entendimento que proibia pré-candidatos de postarem mensagens de conteúdo eleitoral no microblog Twitter antes de julho do ano da eleição. Em setembro, a maioria dos ministros do tribunal concluiu que as mensagens postadas nessa rede social não caracterizam campanha antecipada e,portanto, estão liberadas em qualquer época. Não houve ainda decisões a respeito de outras redes sociais, como o Facebook.

Isso certamente deverá provocar ações ao longo do processo eleitoral de 2014. Tramitam ainda no STF processos que tratam da nova forma de distribuição das cadeiras de deputados federais e estaduais. Uma resolução deste ano do TSE redistribuiu o número de deputados, alterando a representação de alguns Estados. A Câmara, porém, derrubou a decisão por decreto. A polêmica, portanto, terá de ser resolvida no Supremo.

Não há, contudo, um calendário pré-agendado para o julgamento dessas ações. Isso porque, ao chamar um processo a votação, o Supremo não segue uma lógica cartesiana. A ação sobre doações de empresas para campanhas políticas, por exemplo, foi proposta em 2011 pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na lista das outras 12 ações que tratam de assuntos políticos e eleitorais que serão julgados, há um processo que chama atenção pela antiguidade: foi proposto em 1998 pelo extinto PL (atual PR) e discute a regra segundo a qual um partido só pode disputar cargos eletivos se tiver sido criado, no minimo um ano antes da eleição. A. ação foi incluída na pauta de julgamentos do plenário do STF há mais de um ano, mas até agora não foi analisada.

Antecedentes. O protagonismo do Supremo em questões relativas à reforma política já pôde ser observado no passado. Foi assim ao obrigar, em 2002 e 2006, as coligações estaduais a seguirem os mesmos critérios da coligação nacional - a chamada verticalização. Ou em 2007, quando decidiu que os mandatos pertencem aos partidos, não aos políticos.

Mais recentemente, em 2010, julgou ser constitucional a Lei da Ficha Limpa já para aquele pleito, o que provocou múltiplos efeitos na vida política nacional antes e depois da disputa. Quando o Congresso Nacional conseguiu aprovar a cláusula de barreira, em 2006, o STF derrubou a decisão.

Na mira do STF
Temas que envolvem mudanças político-eleitorais que aguardam julgamento pelo Supremo:
1 Doação de empresas para campanhas eleitorais. 0 tema já tem quatro votos pela proibição e será definido no ano que vem.
2 Divulgação dos nomes dos doadores e dos valores doados a candidatos durante o período de campanha a fim de dar mais transparência ao processo.
3 Definição de prazo legal para se fazer questionamentos a respeito de doações de campanhas em valor superior ao permitido.
4 Definição de prazo para controle das contas de campanha.
5 Definição sobre se candidatos com contas desaprovadas podem ou não obter certidão de quitação eleitoral.
6 Responsabilidade por dívidas de diretórios partidários.
7 Condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade de candidatos.
8 Destino dos votos dados a candidatos com registro negado.
9 nOutra definição: criação de partido é ou não é justa causa para desfiliação partidária?
10 Definição sobre a distribuição das cadeiras de deputados federais e estaduais. Matéria foi alvo do Tribunal Superior Eleitoral e da Câmara.
1L Definição do que é e o que não é permitido em termos de propaganda nas redes sociais.
12 Validade ou não de minirreforma eleitoral.
13 Definição do prazo para criação de um partido que pretende disputar cargos eletivos.

Fonte: O Estado de S. Paulo

PT aprova texto sem atritos para o Planalto

Legenda retira ataques ao governo e diminui o tom sobre o mensalão no documento final do congresso da sigla. Temas como a política de alianças em 2014 são adiados

André Shalders

A direção do PT conseguiu manter fora do texto aprovado no V Congresso do partido temas com potencial para gerar constrangimentos para o governo. Somente duas das propostas de alteração ao texto foram postas em discussão durante a plenária ocorrida no fim da manhã de ontem, no Centro de Convenções Brasil XXI, ambas com resultados favoráveis ao governo. Temas sensíveis como a política de alianças e as regras das eleições internas do PT tiveram a discussão adiada e não constarão do documento aprovado ontem, destinado a atualizar o programa do partido para a campanha eleitoral de 2014. “Somos um partido com muitas tendências, com muitas correntes de opinião. E essa é a nossa força, por sermos um partido que consegue unir tanta diversidade”, disse o presidente da legenda, Rui Falcão, no encerramento do encontro.

A política de alianças do governo, considerada “ampla demais” por alguns setores do partido, deve ser debatida no Encontro Nacional específico sobre o tema, anunciado para abril de 2014, no Rio de Janeiro. As regras das eleições internas do PT, outro tema considerado polêmico, só devem ser discutidas em 2015, na segunda fase do V Congresso. O Diretório Nacional do partido nomeará uma comissão encarregada de elaborar uma proposta sobre o tema.

Uma das emendas discutidas apresentava um adendo ao ponto 29 do texto, que trata do julgamento do mensalão. O texto, apresentado pela corrente O Trabalho, determinava uma “campanha popular de desconstrução do julgamento, apoiando a revisão criminal” e pedindo a “anulação da injusta sentença da Ação Penal 470”. A emenda foi criticada pelo deputado federal paulista Ricardo Berzoini, um dos responsáveis pela redação do documento original. Ele alegou a defesa da unidade do partido e propôs uma versão mais amena de texto, que acabou aprovada.

Concessões
A outra emenda discutida em plenário, também rejeitada, alterava o ponto 32 do texto para dizer que o PT se comprometia “com a luta para destinar os recursos do orçamento em primeiro lugar, como pediram as ruas em junho, para a educação, transporte, moradia e reforma agrária”, e com o fim do mecanismo de superávit fiscal primário. Pela emenda, o PT também se propunha a acabar com a “política de concessões, leilões e privatização”. O texto foi defendido por Markus Sokol, integrante do Diretório Nacional do PT.

Representando o grupo majoritário do partido, Berzoini defendeu a política do governo. “A estratégia econômica do governo Dilma, assim como a do governo Lula. é alavancar o máximo possível de recursos, públicos ou privados, para dar conta da infraestrutura do país e viabilizar a criação de empregos e a atividade econômica”, disse ele.

Aniversário
A presidente Dilma Rousseff festejou o aniversário de 66 anos com a família em Porto Alegre, ontem. Ela passou o dia inteiro em casa, recebeu um buquê de flores vermelhas e os parabéns, pela rede social, do ex-presidente Lula e do vice-presidente, Michel Temer. "Feliz aniversário, presidenta! #DiaDaDilma", escreveu Lula.

Para escanteio
Emendas contrárias à linha política do governo federal foram excluídas do texto final do V Congresso, que atualiza o programa do partido para as eleições de 2014. Alguns pontos, como a política de alianças, só serão decididos em abril. Outros, como críticas às concessões de estradas e aeroportos, foram derrotadas em plenário.

Política de alianças
Foram apresentadas algumas emendas prevendo mudanças na atual política de alianças do partido, entre elas uma chamada “Sarney não nos representa”, contrária à aliança com o PMDB. O debate sobre o tema foi adiado para um congresso específico sobre tática eleitoral, marcado para abril de 2014.

Mensalão
A chapa da corrente O trabalho, capitaneada por Markus Sokol, apresentou proposta de emenda determinando uma “campanha popular de desconstrução do julgamento” e a luta pela anulação do julgamento. Embora tenha sido aplaudida, a proposta foi derrotada em favor de uma redação mais branda, defendida por Berzoini.

Concessões à iniciativa privada e superávit primário
Uma das emendas apresentadas criticava duramente a política econômica, conclamando o PT a lutar pelo fim do superávit fiscal primário e a abandonar a “política de concessões, leilões e a privatização”. A proposta foi superada em plenário por Berzoini, que representava o chamado “campo majoritário” do partido.

Democracia interna
Várias correntes apresentaram emendas pedindo alterações nas eleições internas do PT, que hoje ocorrem por meio do chamado Processo de Eleições Diretas (PED). O tema não chegou a ser apreciado. O Diretório Nacional do partido nomeará comissão responsável por oferecer uma proposta de alteração, que será discutida na segunda fase do V Congresso, em 2015.

Fonte: Correio Braziliense

PMDB também está de olho na composição de palanques

Presidente tem que evitar disputa no 1° escalão entre PTB e peemedebistas

Júnia Gama

Para tentar solucionar o xadrez da reforma ministerial, a presidente Dilma Rousseff terá que agir antes que as disputas pelos cargos mais cobiçados provoquem intrigas, com cuidado especial dedicado ao PMDB, principal aliado do governo e do projeto de reeleição. O PMDB está de olho não apenas no seu espaço no primeiro escalão, mas na composição dos palanques estaduais para 2014.

Para atender o desejo do aliado Cid Gomes, Dilma teria que enfrentar o PMDB, que tem altas expectativas em relação à Integração Nacional, ou oferecer um cardápio melhor ao partido do vice-presidente Michel Temer. A equação pode não ser fácil, até porque o PMDB poderá ser instado a ceder também a pasta de Turismo, hoje com Gastão Vieira, que sai para disputar a reeleição como deputado pelo Maranhão.

O Ministério do Turismo é cobiçado pelo PTB, partido que já se comprometeu a participar oficialmente da coligação de Dilma que vai disputar a reeleição, dando à petista preciosos 53 segundos na propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. Desde que tenha um representante na Esplanada, claro.

O nome já está definido: o do baiano Benito Gama. O PMDB da Câmara, representado por Gastão Vieira na Esplanada, deve chiar para entregar o Turismo ao PTB, porque viu na pasta um caminho mais rápido para alocar recursos de convênios para prefeituras. Foram muitas emendas neste sentido aprovadas em 2013, com frutos para serem colhidos no ano eleitoral.

Mas, para boa parte do comando do PMDB há jogo nessa negociação com a presidente Dilma. O mais importante para dirigentes peemedebistas no ano eleitoral é combater o que chamam de “projeto petista de diminuir o poder parlamentar do PMDB” . A estratégia detectada pela cúpula peemedebista é que o PT investirá alto no incremento de sua bancada no Senado para superar a do PMDB e, assim, diminuir a dependência do governo federal em relação ao partido de Michel Temer.

O partido sabe que, para sua sobrevivência, é fundamental ampliar espaço no Congresso e nos estados. O PMDB não quer perder espaço na Esplanada, mas, resume um cacique do partido: — o jogo agora é outro, ministério não é mais o foco. O jogo é o das alianças nos estados. Eles preferem, em vez de ocupar ministério por mandato-tampão agora, que o PT ceda em alguns estados, apoiando peemedebistas.

Fonte: O Globo

Protegendo a máfia

Romeu Tuma Junior, ex-secretário nacional de Justiça, revela que o governo Lula deu privilégios a um russo procurado pela Interpol

Robson Bonin

Em 2007, o magnata Boris Berezovsky ganhou ares de celebridade no Brasil. Famoso na Rússia, onde nasceu, ficou rico e de onde teve de sair fugido acusado de envolvimento com a máfia, ele era o sócio mais vistoso de uma empresa que ajudou o Corinthians a montar um time de astros. O Ministério Público, porém, descobriu que a parceria ocultava uma engrenagem complexa que usava a compra e a venda de jogadores de futebol como biombo para disfarçar um esquema internacional de lavagem de dinheiro. Não se conhecem até hoje exatamente a dimensão do crime e suas reais conexões, até porque a parceria foi desfeita, os envolvidos desapareceram e Boris, o principal acusado, morreu, no início do ano. em Londres, onde estava asilado desde que fugiu de seu país. Na época do escândalo, surgiram indícios de que o magnata russo mantinha relações próximas com políticos brasileiros e cultivava interesses que nada tinham a ver com times de futebol. Mas isso também nunca foi devidamente esclarecido.

Lançado na semana passada, o livro Assassinato de Reputações — Um Crime de Estado, do ex-secretário nacional de Justiça Romeu Tuma Junior, resgata um capítulo inédito sobre a passagem de Boris Berezovsky pelo Brasil. São duas revelações importantes. A primeira: ele quase foi preso em São Paulo. A segunda e mais grave: não foi preso porque o Ministério da Justiça deu ordem para não prendê-lo. Quando isso aconteceu, Tuma Junior, como delegado e corintiano, desconfiou da parceria e resolveu investigar o principal investidor: "Havia muitas coisas por detrás (da parceria): a criação de um banco de apostas para manipular resultados esportivos, todo um envolvimento com gente do governo federal para atuar em projetos cuidadosamente indicados, e que gerariam parte dos recursos para financiar partidos e pessoas, corno era o caso da compra da Varig", relata Tuma Junior. Eram, porém, apenas suspeitas. O delegado conta que soube da chegada do russo a São Paulo. Consultou os arquivos e descobriu que ele estava na lista de procurados da Interpol.

"Chamei a Polícia Federal e mandei prendê-lo. Ele tinha um mandado de prisão da Interpol", conta. Para o autor, prender Berezovsky seria um procedimento natural da Polícia Federal em relação a um procurado internacional. Mas um telefonema o fez mudar de ideia. Segundo conta no livro, tão logo acionou a polícia para prender o magnata russo, ele recebeu uma ligação no celular. Do outro lado da linha estava o então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. "Você não pode mexer com essa pessoa, ele está legal no Brasil", advertiu o ministro. O autor tentou argumentar, mas a outra resposta foi ainda mais clara: "Não pode prender de jeito nenhum, Romeu! A Federal não vai fazer nada, não vou permitir, ele não pode ser preso. Eu recomendo que você não mexa com ele". Depois de ouvir as declarações do ministro, Tuma Junior anotou: "Por tudo que a gente vê hoje, por todos os favores que essas pessoas recebiam, havia um troco que ia para uma caixinha do Partido dos Trabalhadores", registra o autor. Para Tuma Junior, o interesse do magnata russo no Brasil era um só: conseguir o título de refugiado político para escapar das ameaças que sofria dos russos ligados ao presidente Vladimir Putin, seu inimigo, na Europa. Berezovsky teria conseguido alcançar seus objetivos, não fosse a ironia de meses depois Romeu Tuma Junior ter sido alçado pelo então presidente Lula ao comando da Secretaria Nacional de Justiça, justamente o órgão que iria abrir as portas do Brasil ao magnata.

Na edição passada, VEJA publicou os principais trechos do livro do ex-secretário, que acusou o governo petista de fabricar dossiês contra adversários, de manipular investigações e ainda apontou Lula como informante do Dops na época em que era sindicalista e liderava as greves no ABC paulista — o que foi motivo de muita polêmica. O ex-presidente não se pronunciou. A oposição apresentou requerimento para que o autor fosse convidado a falar no % Congresso. A base aliada, porém, blindou o governo e acabou derrubando os requerimentos. Um dos principais personagens do livro, o petista Gilberto Carvalho prometeu processar Tuma Junior diante do relato de que o ministro teria confessado que havia pagamento de propina no governo do prefeito Celso Daniel, morto em 2002, o que estaria por trás do assassinato. Nas redes sociais, a militância virtual do PT se encarregou de fazer o que sabe de melhor. Sem entrar no mérito das declarações do autor, sem sequer ter lido o livro, passou a tentar desconstruir a figura do ex-secretário, como se as graves revelações que ele fez se tornassem menos importantes por causa do seu passado. A primeira edição se esgotou antes mesmo de chegar às livrarias.

Fonte: Revista Veja

'Quem vota com o governo é recompensado'

BRASÍLIA - A liberação de uma emenda costuma ser uma festa nas cidades por ela beneficiadas. Em agosto, a liberação de R$ 400 mil de emenda do deputado José Otávio Germano (PP-RS) para obras de infraestrutura em Palmitinho (RS) parou a cidade e foi alardeada pela emissora local : de rádio. O prefeito Luís Carlos Panosso anunciou, em entrevista, que o dinheiro já estava empenhado e que seria usado no calçamento da cidade.

Em novembro, os deputados Ronaldo Benedet e Edinho Bez, do PMDB catarinense, conseguiram liberar dinheiro para a compra de caminhões para Rio Fortuna. O assunto logo virou notícia na rádio local. Em Campina Grande (PB), a liberação de uma emenda de R$ 900 mil do senador Vital do Rêgo (PMDB) para a compra de 675 notebooks também foi festejada. Ele não perdeu tempo e logo anunciou que o próximo município a ser beneficiado por emenda sua, agora de R$ 200 mil, seria Alagoa Nova.

Instrumento. "Eu só faço emenda porque, se eu não fizer, vou ficar em desvantagem na eleição porque outro deputado vai lá e faz. E eu preciso me eleger", diz o deputado Osmar Terra (PMDB-RS), ao explicar como as emendas individuais são : usadas como instrumento eleitoral. Terra acusa o governo de também usar a liberação de verba parlamentar para conquistar vantagens políticas. "É assim: quem vota com o governo é recompensado, quem não vota é boicotado. De 2009 para 2010, cortaram 90% das minhas emendas por causa da minha postura crítica em relação ao governo."O deputado Milton Monti (PR-SP) também reconhece que as emendas tratam "de uma elevação política do deputado no local". "Quando o governo corta o pagamento de uma emenda, ele não compreende o prejuízo eleitoral que isso causa. Prejuízo político tanto para o parlamentar quanto para o próprio govemo, porque dificilmente ele conseguiria chegar a pequenos municípios."

Monti justifica esse tipo de visão. "Ai você me pergunta se isso não é clientelismo. E eu respondo que não, porque quando as comunidades elegem seus representantes, elas esperam que suas deficiências imediatas possam ser solucionadas. Quem não conhece a dinâmica política pode achar esse vínculo descabido. As emendas são importantes para o parlamentar, comunidade e governo."

Valdir Colatto (PMDB-SG), um dos líderes da bancada ruralista no Congresso, diz que concentra suas emendas nas áreas da saúde e rural. "Os prefeitos procuram a gente e fazem os pedidos. Acabam sendo eles os grandes beneficiados." Para ele, as emendas resultam em votos, mas não elegem alguém. "Campanha mesmo acontece é na distribuição de retroescavadeira, trator e caminhão pelo governo federal." Colatto conta : que outro dia se infiltrou numa dessas cerimônias depois de cansar de ouvir elogios ao PT. "Peguei o microfone e disse:"Gente, isso aqui foi mandado também pelo PMDB, porque o vice-presidente da República é do PMDB"?/ J.O e O.B

Fonte: O Estado de S. Paulo

Na estrada com Aécio

A bordo de bimotor, senador tucano fala sobre o avô Tancredo Neves e diz torcer para que delator do mensalão consiga prisão domiciliar

Natuza Nery

BRASÍLIA - "Acordei às 4h da manhã com Ângela na cabeça. Minha sobrinha de seis anos não sabe que a mãe teve um AVC (acidente vascular cerebral)", diz Aécio Neves, mão direita à testa.

Sentado a bordo de um bimotor que o levaria a Belém no dia 5 passado, o senador do PSDB aperta o cinto de segurança e faz o sinal da cruz.

Antes de começar o giro por seis cidades do Norte e do Sudeste, volta a falar da irmã mais nova, de 45 anos, internada três dias antes.

"Não consegui voltar a dormir", diz o senador, 53, provável candidato tucano à Presidência. E afirma que a insônia naquela madrugada o ajudou a tomar a decisão de "fazer comboios pelo Brasil".

Em Belém, uma van o leva a um centro de convenções onde centenas de pessoas o esperam amontoadas. A cena destoa da imagem elitista associada aos eventos do PSDB. O termômetro marca 36 graus.

Às 22h45, os motores do jatinho já estão ligados. A viagem continua rumo ao Rio, onde ele verá Ângela antes de seguir para Americana, Campinas e Sorocaba (SP).

Uma senhora entra no avião com presentes em duas caixas de isopor. Aécio sustenta um dos potes sobre as pernas e cava colheradas fartas de sorvete de tapioca.

"Será que vão dar prisão domiciliar para o Roberto [Jefferson, delator do mensalão, condenado à prisão no julgamento do caso]? Espero que sim. Não torço pelo infortúnio de ninguém."

Algumas horas mais tarde, o mineiro fala da pior cena de que se recorda: ver o caixão do avô subindo a rampa do Palácio do Planalto. Na memória, a última frase do presidente antes de morrer: "Eu não merecia isso".

"No Hospital de Base (onde Tancredo fora internado, em Brasília) era uma confusão de gente. Uma coisa criminosa o que aqueles filhos da puta fizeram. Tinha médico, parlamentar, que entrava dando carteirada. Entraram na sala na hora da cirurgia com banquinho para ver a operação!", diz.

Folha de S. Paulo

O que vale é uma boa foto na rede social

Dilma, Aécio e Campos postam fotografias no Instagram para mostrar momentos descontraídos ao lado de personalidades e de anônimos

Sérgio Roxo

Eles ainda não arriscaram um ‘selfie’, mas não dispensam fotos ao lado de famosos, além do eleitorado, claro. Na tentativa de mostrar um lado mais informal, diferente da postura séria em que são retratados diariamente no noticiário, os três principais pré-candidatos a presidente — Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) — embarcaram com tudo no Instagram, rede social usada pelos que querem ser vistos.

A mais recente adesão à ferramenta virtual foi da presidente Dilma, por meio do perfil @palaciodoplanalto, que entrou no ar há três meses. Logo de cara, foram publicadas fotos antigas de encontros de Dilma com a cantora colombiana Shakira e com os integrantes da banda irlandesa U2. Comuns no perfil também são as fotos da presidente abraçada a funcionários em eventos dos quais ela participa.

Foi o que aconteceu, por exemplo, em 25 de outubro, quando Dilma esteve no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, para anunciar investimentos para o Metrô. Na ocasião, o perfil exibiu uma imagem da presidente ao lado de uma copeira e um garçom. O perfil tinha, na última sexta-feira, 6.808 seguidores. Durante o funeral de Nelson Mandela na África do Sul, semana passada, também foi postada uma imagem de Dilma cumprimentando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que foi marcado na foto.

Detalhe: o americano, que aderiu à rede social em janeiro de 2012, antes da campanha que o levou à reeleição, tem 2,6 milhões de seguidores. No Brasil, entre os três presidenciáveis, é Aécio Neves quem tem mais seguidores: 8.243. O senador é também o que está há mais tempo na rede: pouco mais de um ano. No perfil @aecionevesoficial, há fotos dele com o vocalista da banda Jota Quest, Rogério Flausino, com o ex-jogador Ronaldo, com Neymar e com o ex-tenista Guga Kuerten.

Aécio também se exibe andando a cavalo e não se incomoda de aparecer na rede social com camisas marcadas de suor, como num encontro partidário em Goiânia, no mês passado. O senador já postou uma foto com seu possível adversário do PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Foi durante um encontro entre os dois, em Recife. Campos também publicou uma imagem do encontro, que até aquele momento era desconhecido.

A divulgação acirrou os ânimos na base política de Dilma e contribuiu para a saída do PSB do governo. Quando ainda era aliado de Dilma, o pernambucano postou uma imagem com a presidente na inauguração de uma adutora. No perfil de Campos, @eduardodocamposbr, estão fotos ao lado de Caetano Veloso e Claudia Leitte.

Campos aparece tocando pandeiro ou vestindo uma roupa de chefe de cozinha durante um concurso de culinária. Só Marina Silva, a mais nova e poderosa aliada do socialista, ainda não apareceu em seu perfil. O pre-candidato do PSB possui menos seguidores que seus prováveis adversários: 5.317. Ele tem perfil no Instagram desde o começo deste ano.

Fonte: O Globo

Os desafiantes de Dilma

Aécio e Campos serão protagonistas de uma disputa particular: terão de mostrar qual é a candidatura mais competitiva para enfrentar Dilma

O senador mineiro Aécio Neves (PSDB) e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), têm muito mais em comum do que a intenção de desafiar a presidente Dilma Rousseff na eleição de 2014 ao Palácio do Planalto. Amigos há mais de dez anos, os dois herdaram de seus avôs maternos um legado político e são protagonistas de um projeto de poder.

Aécio é neto de Tancredo Neves, o presidente que morreu antes de tomar posse, em 1985, ano da transição da ditadura para a democracia. Sem carregar o sobrenome Arraes porque a família temia perseguição política, Campos é neto de Miguel Arraes – governador de Pernambuco cassado pelo golpe de 1964 – e só conheceu o avô, exilado na Argélia, quando tinha 10 anos.

Tanto Aécio quanto Campos conquistaram altos índices de aprovação em seus Estados, mas enfrentam dificuldades para ampliar o arco de alianças e se contrapor ao PT de Dilma.

O senador tucano administrou Minas duas vezes. O governador pernambucano está no segundo mandato à frente do Palácio do Campo das Princesas.

As semelhanças não param aí: ambos tiveram longa experiência como deputados federais, são presidentes de seus partidos e gostam de Luiz Inácio Lula da Silva. A diferença é que Campos, chamado por amigos de Dudu, era até ontem da base aliada e Aécio está na oposição desde 2003. Campos tem 48 anos; Aécio, 53. Na primeira campanha presidencial planejada pelos dois, a ideia tanto de um como de outro é explorar o lado do político que representa "o novo", embora suas famílias sejam velhas conhecidas da política brasileira.

Além das semelhanças em suas trajetórias, Aécio e Campos possuem estratégias comuns – fazem gestos públicos de aproximação e de apoio mútuo em um eventual segundo turno da eleição presidencial.

Na prática, porém, devem disputar um mesmo espaço no eleitorado e já foram protagonistas de uma disputa por aliados. Recentemente, Campos recebeu o indicativo de apoio futuro do PPS, tradicional parceiro dos tucanos. Antes, o pernambucano havia conseguido arregimentar a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, no lance até agora mais surpreendente da pré-campanha.
Ao lado de Marina, o governador mantém as pontes com o lulismo, mas reforça a proposta de se firmar como a terceira via na eleição presidencial e quebrar, em 2014, a polarização entre o PT de Lula e Dilma e o PSDB de Aécio. Seu slogan: "É possível fazer mais e bem feito".

O senador tucano, por sua vez, assumiu mais recentemente o figurino de oposição radical ao PT no poder, distanciando-se do tom quase sempre contemporizador que marcou seus dois mandatos à frente do governo de Minas. O mineiro que pregava o "pós-Lula" e uma aproximação futura entre PT e PSDB abraçou as bandeiras históricas dos tucanos com o aval do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – principal patrono de sua postulação.

Em 2013, os projetos presidenciais de Aécio e Campos deixaram de ser esboço e já estão quase completamente desenhados.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Perfil Aécio Neves: 'Minha felicidade incomoda alguns'

Na futura campanha presidencial, fama de festeiro de Aécio será propagandeada como sinônimo de sua ‘alegria de viver’

Débora Bergamasco

BRASÍLIA - O senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi presidente da República por três dias e sentiu uma solidão profunda. Foi em 2001, quando comandava a Câmara dos Deputados. O então presidente Fernando Henrique Cardoso e o vice, Marco Maciel, combinaram de viajar no mesmo período para o parlamentar assumir o Palácio do Planalto. O mineiro confidenciou a amigos ser uma cena angustiante ter batedores atrás de seu carro oficial lhe fazendo a segurança para onde quer que fosse e ver pessoas de seu cotidiano cumprirem protocolo para se aproximar. "Quando cheguei lá, não achei que aquilo poderia ser o maior prêmio que alguém pode ter, não. E nem me vejo fazendo política até os últimos dias da minha vida", contou Aécio ao Estado.

Entretanto, desde que completou o segundo mandato no governo de Minas Gerais, em 2010, o tucano decidiu que realmente queria disputar a Presidência. Conseguiu angariar apoio majoritário de seu partido em torno do próprio nome, especialmente ao assumir o comando nacional do PSDB, em maio deste ano. Ainda não é o candidato oficial do partido, embora seja tratado desta forma pela grande maioria dos tucanos.

‘Cristo dilacerado’. Em mais de 30 anos na vida pública, o economista por formação costuma dizer que nunca foi obcecado pela cadeira presidencial. Por ser de uma família tradicional na política mineira e neto do presidente Tancredo Neves, que morreu em 1985 antes de assumir o cargo, há pelo menos uma década – desde que assumiu o governo de Minas, em 2003 – seu nome passou a ser cotado no PSDB para a disputa pela Presidência. Mas Aécio titubeava. Duvidava se queria renunciar aos prazeres pessoais para ser presidente. "Já me vi muitas vezes como um Cristo dilacerado. Uma parte de mim achando que eu tinha que ir (disputar a Presidência) a qualquer custo, outra achando que não", confidenciou.

A incerteza do mineiro contaminou correligionários que duvidavam de seu empenho para chegar ao Palácio do Planalto. O prefeito de Manaus e um dos fundadores do PSDB, Arthur Virgílio Neto, resumiu o sentimento, até pouco tempo atrás, de alguns colegas da legenda. "Nunca vimos o Aécio disposto a matar ou morrer, no sentido figurado, para ser presidente e isso nos desanimava. Hoje mudou. Sentimos nele essa disposição."

Um parlamentar de Minas Gerais, próximo de Aécio e de Serra, relembra uma frase do ex-deputado mineiro José Bonifácio Lafayette de Andrada sobre o avô do senador. "Tancredo é um político capaz de tirar as meias sem tirar os sapatos." E fez um paralelo: "É isso que o Aécio fez agora que está pronto. Ele tirou o Serra do jogo sem brigar nem com ele nem com ninguém".

Aécio acredita ter resolvido o dilema do "Cristo dilacerado" com a perspectiva de conseguir conciliar a vida pessoal e a profissional. Aos 53 anos, e com a ajuda de FHC, percebeu que incorporar o papel de homem sério e tentar sufocar a fama de festeiro para se eleger presidente seria um tiro no pé. Decidiu, então, incorporar seu apreço pelo agito em boates na noite carioca, festas com bem-nascidos em Angra dos Reis e passeios a cavalo ou de moto Brasil afora à sua biografia de homem público. Como um veneno que, dosado, vira antídoto, ser festeiro vai virar sinônimo de "alegria de viver", a ser propagandeada em 2014. "Queremos a campanha dele bem alegre, para cima, como foi a de Juscelino Kubitschek, eles têm um espírito bem humorado", disse o governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia.

Um discurso importante que deve ser incorporado ao marketing eleitoral do pré-candidato é o de que ele construiu sua trajetória política sendo o que sempre foi, com os mesmos amigos de longa data e gozando dos mesmos prazeres. "Não moldei a minha vida para ser um político convencional. Essa é a minha vida. Eu levo a vida de forma absolutamente normal. Sou uma pessoa feliz e acho que essa minha felicidade incomoda algumas pessoas", teoriza Aécio.

Por falar em incômodo, a ação penal que trata do mensalão mineiro no Supremo Tribunal Federal e tem como réu o deputado federal e ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo (MG) pode ser julgada em meio à eleição do ano que vem. Segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República, tratou-se de um esquema de arrecadação ilegal de recursos para a campanha à reeleição de Azeredo, então governador de Minas, em 1998. Nessa época, Aécio tinha deixado a presidência do PSDB mineiro e dedicava-se à Câmara dos Deputados – ele não é réu na ação. Porém, o tema envolvendo seu partido pode lhe gerar desgaste durante a campanha caso seja explorado pelos adversários. No mínimo, já tem um efeito congelante imediato: em recentes entrevistas, Aécio já avisou não vai usar a prisão dos petistas condenados no mensalão durante a disputa do ano que vem.

Do surfe ao poder. Filho do deputado Aécio da Cunha, Aecinho, como era chamado pelos parentes e colegas de escola, nasceu em 10 de março de 1960, em Belo Horizonte. Viveu lá até os 12 anos. Nessa época, costumava viajar com os pais e as irmãs Andrea e Ângela para a fazenda da família na cidade de Cláudio, no centro-oeste mineiro, onde passava tardes sumido explorando a propriedade no lombo de um cavalo. Também não saíam da histórica São João del Rei, para longos almoços familiares na terra de Tancredo. Na capital do Estado, a brincadeira envolvia política. Antes de toda eleição, esparramava-se no chão com as irmãs e passavam horas brincando de envelopar santinhos para os políticos da casa.

Em 1972, mudou-se para o Rio, quando seu pai foi participar de um curso na Escola Superior de Guerra. Lá, morou nos metros quadrados que estão entre os mais caros do Brasil, como em um amplo apartamento na Avenida Vieira Souto, na zona sul. A praia de Ipanema era como a extensão de sua casa. Dividia seu tempo entre pegar onda com os amigos e estudar na escola católica de São Vicente de Paulo, no bairro do Cosme Velho.

Como aluno, nunca foi muito apegado aos livros. Costumava ir bem em matemática, escolheu estudar Economia e ingressou na PUC-Rio. E assim levava a juventude: estudava, saía para beber e paquerar com os amigos, participava de corridas de motocross, adorava viajar e não saía da praia. Não foi militante estudantil, nem mesmo presidente de grêmio na escola.

Primeira campanha. Mas o destino do futuro economista mudou no Natal de 1981. Tancredo convidou o neto para deixar a capital fluminense e o ajudar na campanha para o governo de Minas Gerais. Aécio riu, levou na brincadeira. Quando viu que era para valer, aceitou e voltou para o Estado natal. Percorreu Minas em comícios com o avô e a eleição foi vitoriosa para os Neves. Aos 23 anos, o jovem surfista foi nomeado secretário particular do gabinete do governador, enquanto equilibrava o curso universitário transferido para a PUC de Minas. Participou da campanha das Diretas Já e passou a ajudar o avô em mais uma campanha – agora, para a presidente da República, cuja vitória veio em janeiro de1985, via voto indireto.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Depoimento: Fernando Henrique Cardoso

"Depois do encontro de Poços de Caldas é difícil continuar com a toada de que o PSDB não se define porque está desunido. Praticamente todas as lideranças do partido lá estiveram e manifestaram solidariedade ao presidente da sigla, exortando-o a assumir as responsabilidades de quem será seu candidato à Presidência.

Então, por que ainda há quem seja reticente à espera de uma chance? Porque política não é exercício de mecânica celeste: não se tem como predizer conjunturas futuras, observação que vale para os demais partidos e candidatos. Assim, quem pretenda ser candidato continuará sempre a esperar que algo inadvertido ocorra e mude o jogo. Aposta arriscada, mas não ilegítima. Cabe aos que não apostam no imprevisto empenhar-se para que a competição transcorra normalmente, mesmo porque os responsáveis por um partido não podem ficar paralisados à espera de um imprevisto, como uma doença num candidato, por exemplo.

Por que apostar no ex-governador mineiro? Porque governou bem seu Estado, com equilíbrio e competência. Agora, que assumiu a direção do partido, da mesma maneira, mostrou que sabe compor – e, mais importante, que tem comando. Quem quiser que se iluda: as formas amenas no trato não são contraditórias com o pulso na tomada de decisões e no controle dos processos políticos. É isso que Aécio Neves tem demonstrado.

O Brasil de hoje, assim como o da primeira metade da década de 1990, precisa de novo salto rumo ao futuro. A mim coube, sem ser economista, cercar-me de uma equipe excelente e ousada. Ganhei credibilidade quando mostrei ao País o que faria e o fiz, controlando a inflação e depois modernizando a máquina pública. Hoje, os sinais de fadiga da atual situação de poder são evidentes, assim como a deterioração da situação econômica. As deficiências de gestão estão a prejudicar a qualidade de vida do povo. Basta exemplificar com a desastrada política energética que desanimou os produtores de etanol, levou ao entupimento das cidades pela redução do IPI dos carros, reduziu as possibilidades de investimento da Petrobrás com a contenção dos preços da gasolina e assim por diante. O governo tenta recuperar os dez anos perdidos dos investimentos de infraestrutura voltando a privatizar, mas envergonhadamente, errando e postergando leilões por ideologia e incompetência. Basta ver os aeroportos e estradas. Os serviços de saúde pública são calamitosos. Tudo isso, e muito mais, está clamando por uma mensagem nova.

Aécio está se cercando de gente competente, tem energia e facilidade de contato e comunicação para expressar uma mensagem não arrogante, aberta à escuta, mas firme para se diferenciar do lulopetismo e do autismo da atual administração, sem necessariamente negar progressos quando seja o caso. É, portanto um candidato competitivo, que parte de uma base sólida, a enorme vantagem que terá no eleitorado mineiro. Dispõe ainda de um partido que governa oito estados, entre os quais São Paulo, e mantém alianças fortes no Norte e no Nordeste, sem falar no Sul, que sempre deu a vitória ao PSDB e seus aliados."

* Ex-presidente da República

Fonte: O Estado de S. Paulo

Perfil Eduardo Campos: 'Não quero briga; tenho natureza'

Governador de Pernambuco tenta se firmar como a terceira via na disputa presidencial sem perder as pontes com o lulismo

Vera Rosa

BRASÍLIA - Um caixote de madeira era a sua tribuna. Com um megafone nas mãos e olhos azuis arregalados, Eduardo pedia votos para "Doutor Arraes" em comício relâmpago na Praça do Diário, centro do Recife. Aluno do primeiro ano da Faculdade de Economia e fã de Alceu Valença, o jovem discorria sobre educação, saúde, segurança, mas nada empolgava mais a plateia do que suas imitações de políticos, entremeadas pelo bordão "PMDB neles!".
Trinta e um anos depois daquela primavera de 1982, quando Miguel Arraes foi eleito deputado federal pelo PMDB com a maior votação do Nordeste, o jovem do megafone, hoje governador de Pernambuco e presidente do PSB, começou a construir pontes para disputar o Palácio do Planalto.

Nessa empreitada, Eduardo Henrique Accioly Campos rompeu com o PT e aliou-se à ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Nem mesmo sob a promessa de apoio a um voo solo do PSB, em 2018, Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu convencer Campos, ministro de Ciência e Tecnologia de seu governo (2004 a 2005), a concorrer ao Senado e desistir do plano de enfrentar a presidente Dilma Rousseff.

"O gato que mira vários ratos não pega nenhum", diz Eduardo Campos, desafiante de Dilma. "Eu não estou procurando briga com ninguém, mas tenho natureza. Nessa história não existe só um sabido."

No mesmo ano em que Arraes conquistou uma cadeira na Câmara dos Deputados, após retornar do exílio na Argélia, seu adversário Roberto Magalhães, então no PDS, foi eleito governador de Pernambuco. Magalhães sempre pedia a correligionários que ficassem de olho no "menino de Arraes", um garoto que, na avaliação dele, iria muito longe.

"Existem três coisas perigosas na vida: parágrafo de lei, entrelinha de texto e fato novo na política", previa o então governador.

Neto e herdeiro de Miguel Arraes, um ícone da esquerda, Campos agora luta para ser esse fato novo, mas é desconhecido fora de Pernambuco – Estado que governa desde 2007. Na tentativa de ampliar as alianças, ele capricha no sorriso e veste o figurino da terceira via com a esperança de quebrar, em 2014, a polarização entre o PT de Lula e Dilma e o PSDB do senador mineiro Aécio Neves.

Somente neste ano Campos participou de mais de 50 encontros com empresários para apresentar suas ideias. Em São Paulo, ouviu queixas da nata do PIB sobre Dilma. Ancorado pelo slogan "é possível fazer mais e bem feito", seu discurso prega a melhoria da gestão pública, tema "vendido" na propaganda do PSB como marca de governo.

A portas fechadas, Campos diz que Dilma é de um "voluntarismo arretado", age de forma "pendular" e emite sinais contraditórios na economia. "Na área social, nós não podemos deixar as filhas do programa Bolsa Família serem mães do Bolsa Família", insiste. Nos últimos tempos, o governador tem aproveitado essas conversas para neutralizar o temor do agronegócio à provável chapa liderada por ele, tendo a ex-petista Marina como vice.

"É como se a gente estivesse numa guerra e o nosso batalhão começasse a se separar", compara Lula. "Mas Eduardo arrumou uma encrenca porque a Marina tem muito mais votos e vai ficar sempre no cangote dele."

As últimas pesquisas mostram que, se as eleições fossem hoje, Campos alcançaria 11% dos votos e ficaria atrás do tucano Aécio Neves. No cenário atual, Dilma só não venceria no primeiro turno se Marina fosse candidata.

Dote. Divergências entre os dois ministros de Lula também já começaram a aparecer. Em São Paulo, por exemplo, integrantes da Rede Sustentabilidade – o partido de Marina que foi barrado pelo Tribunal Superior Eleitoral – querem candidatura própria ao Palácio dos Bandeirantes, mas o PSB negocia apoio à reeleição do governador Geraldo Alckmin (PSDB).
"Nós temos de conviver com isso. Levamos o dote da Marina, mas a família dela veio junto", brinca o deputado Márcio França (PSB-SP). "Não tem crise nenhuma. Por acaso o PMDB segue o PT nos palanques de todos os Estados?", ameniza o secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira.

Depois de percorrer as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, Campos passará agora a se concentrar no Nordeste. Nessa nova etapa, ele promete reeditar a "tribuna" de debates ao ar livre, tática usada na época em que era do PMDB e também na campanha de 2006, quando já presidia o PSB e ganhou pela primeira vez a eleição para o governo pernambucano.

A estratégia do Planalto e da cúpula do PT para desconstruir a dupla Campos-Marina prevê o reforço da ofensiva no território "inimigo", com Lula no palanque. A ideia é mostrar como o governo federal contribuiu para turbinar os indicadores de Pernambuco, hoje a 10.ª economia do País.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Depoimento: Ariano Suassuna

"Para falar de Eduardo Campos eu precisaria escrever um ensaio, tal a importância que dou a ele em relação a nosso País e ao nosso povo.

Teria de começar falando do ponto de vista pessoal, para dizer que o conheço desde o seu nascimento, pois seu pai, Maximiano Campos, e seu tio, Renato Carneiro Campos, eram escritores e meus amigos, e ambos eram já pessoas preocupadas com os mais pobres e com a terrível dilaceração que, no Brasil, separa os despossuídos e os privilegiados.

Tenho certeza, então, de que todos dois teriam imenso orgulho ao ver o filho e sobrinho desempenhando agora, na política brasileira, o papel que também a mim está me deixando entusiasmado, ao ver um jovem como Eduardo Campos lançar-se na política, movido por sua grande, lúcida e tranquila coragem e por um imenso desejo de servir.

Explico-me. Coragem porque sabe quantas dificuldades e incompreensões vai ter que enfrentar. Ainda assim, mantém seu sonho e seu desejo de servir ao nosso grande País e ao nosso grande povo; porque sabe que, como dizia Aristóteles, praticada como se deve, a política é uma atividade elevada e nobre, porque consiste ‘na arte de bem servir ao bem comum’.

Assisti de perto à atuação de Eduardo Campos, como o extraordinário governador, por duas vezes, do Estado de Pernambuco, cujo povo lhe confere a inédita aprovação de 83% - coisa que eu nunca vi acontecer com qualquer outro. Normalmente, no fim de um primeiro mandato, o titular do Executivo sai desgastado.

Finalmente resta-me dizer que já passei dos 80 anos e, com toda esta idade (que já vai longa), posso afiançar que Eduardo Campos, além do extraordinário administrador que demonstrou ser, é o político mais brilhante que já conheci. É, portanto, a meu ver, o mais capacitado a levar adiante e aprofundar as reformas que o povo brasileiro está exigindo como indispensáveis para que o Brasil se aproxime cada vez mais do glorioso destino que merece."

* Escritor, dramaturgo e integrante da Academia Brasileira de Letras

Fonte: O Estado de S. Paulo

Chile vota para levar uma nova Bachelet ao poder

Ex-presidente socialista, que fez governo de continuidade, agora promete reformas radicais

Janaína Figueiredo

Em março de 2006, a socialista Michelle Bachelet chegou ao Palácio de la Moneda com o mérito de ser a primeira mulher eleita presidente do Chile e o objetivo de continuar o trabalho do antecessor, o também socialista Ricardo Lagos. Hoje, Bachelet, que obteve 46,67% dos votos no primeiro turno da eleição presidencial em novembro, contra 25,01% da ex-ministra de direita Evelyn Matthei, deverá bater um novo recorde e chegar mais uma vez à Presidência — com metas mais ambiciosas.

A líder da coalizão Nova Maioria, que, pela primeira vez desde 1970, inclui também o Partido Comunista, tem no programa de governo iniciativas ousadas como a de elaborar uma nova Constituição (a atual foi herdada da ditadura de Augusto Pinochet) e promover reformas profundas em Educação, Saúde e sistema tributário.

O lema de campanha de Bachelet é “O Chile é de todos”. E ela prometeu mudar o que ainda não conseguiu — incluindo a elaboração de uma nova Carta Magna, “escrita em democracia, representativa do Chile de hoje e que cuide de todos os direitos dos cidadãos”, diz. Ainda não está claro como será o processo que levará à nova Constituição. Para tal, poderia ser convocada uma Assembleia Constituinte, ou, caso haja resistência interna, até deixar a reforma nas mãos do Congresso.

O que parece claro é que esta nova Bachelet tem pouco a ver com a Concertação que governou o Chile entre 1990 e 2006. — Hoje Bachelet está mais decidida a avançar com as reformas que exige a sociedade. Este é um novo ciclo político — disse ao GLOBO o sociólogo Alvaro Diaz, ex-embaixador do Chile no Brasil e ex-vice ministro da Economia. Para ele, neste segundo governo, Bachelet atuará num sistema político modificado pela força dos movimentos sociais e, principalmente, estudantis.

— Ela se identificou com a luta dos movimentos sociais, e esta nova coalizão está fortemente influenciada por estes movimentos — explicou Diaz.

Maioria no Congresso facilita
De fato, líderes estudantis que nos últimos anos participaram e comandaram marchas por reformas na educação, como a comunista Camila Vallejo, participaram da campanha da campanha e são aliados da favorita. Em seu primeiro governo, Bachelet tentou atender os pedidos do levante estudantil chamado de “rebelião dos pinguins”, mas a falta de apoio parlamentar à época transformou-se num obstáculo intransponível.

Agora, o bloco Nova Maioria terá 68 de um total de 120 cadeiras na Câmara e 21 das 38 vagas no Senado. Não será um controle absoluto, mas Bachelet e seus aliados estão seguros de conseguir o apoio necessário para aprovar, primeiro, uma reforma tributária que permita ao Estado oferecer educação gratuita e de qualidade — através de mais impostos para os mais ricos.

— Hoje, o custo da educação universitária é um dos mais altos do mundo. Paralelamente, 1% dos chilenos concentram 30% da renda do país. São distorções que precisam ser corrigidas — observou o ex-embaixador.

Casamento gay e aborto em pauta
Bachelet quer deixar para trás episódios como os de um vídeo da campanha, onde uma família tinha de optar: apenas um dos filhos podia ir à universidade.

— A sociedade chilena entrou numa etapa de maior exigência na prestação de serviços à classe média e média baixa. As promessas de Bachelet estão em sintonia com esse momento político — opinou o economista Gonzalo Martner, ex-presidente do Partido Socialista (PS). A plataforma é ousada. A candidata socialista e seus aliados incluíram na agenda o debate sobre o casamento gay e o aborto em caso de estupro.

Para a ala mais conservadora da Nova Maioria, o partido Democrata Cristão, fundador da antiga Concertação junto com os socialistas, a simples discussão desse tipo de projeto é um grande passo. — A nova coalizão inclui o Partido Comunista, que vai pressionar para radicalizar o governo — afirmou Roberto Méndez, diretor da consultoria Adimark, prevendo que Bachelet pode enfrentar certa tensão das ruas, dos movimentos sociais e de outros setores do país que não querem mudanças tão profundas.

Mesmo sem pesquisas recentes, analistas descartam a possibilidade de vitória da candidata governista. Após quatro anos de um governo de direita, os chilenos já deixaram claro que querem dar uma nova guinada em sua política. Aos 62 anos e depois de uma bem-sucedida experiência à frente da ONU Mulheres, Bachelet deve voltar com fôlego.

Se no primeiro governo, ela conseguiu aprovar uma reforma da Previdência que ampliou direitos para mais de um milhão de chilenos, agora, ela parece disposta a fazer mais mudanças a partir de março de 2014.

Fonte: O Globo

A cocaína de Lula - Eliane Cantanhêde

Lula não precisa e não deveria desferir golpes abaixo da cintura, até porque o PT já tem bom arsenal contra os tucanos nas eleições de 2014, atacando de Siemens, Alstom, trem, metrô, palavrinhas que marcam bem uma campanha.

Com sua alta popularidade, seu poder de comando no PT e seu status de ex-presidente, ele deveria pensar bem antes de falar e mais ainda antes de insinuar. Mas Lula foi buscar mensagem subliminar de profundo mau gosto contra adversários.

Os gritos ecoavam no salão cheio de jovens e militantes no congresso do PT: "Sou brasileiro e não me engano, a cocaína financia os tucanos".

O grande líder não apenas autorizou como potencializou, jogando gasolina na fogueira: "Se for comparar o emprego do Zé Dirceu no hotel com a quantidade de cocaína no helicóptero, pelo menos houve uma desproporcionalidade no assunto".

Era para ser mais um ataque à imprensa, tática surrada de Lula para levar as plateias petistas ao delírio, mas virou uma tentativa um tanto sórdida de criar e massificar um vínculo dos tucanos com cocaína.
A referência dos militantes --que até podem ser irresponsáveis-- e do seu líder --que não tem esse direito-- era à grande dose da droga encontrada no helicóptero da família do senador Zezé Perrella.

Perrella é ligado ao candidato tucano à Presidência, Aécio Neves, mas ele não é do PSDB, é do PDT. E, aliás, até sexta não havia algo que o comprometesse com a co- caína e muito menos um documento, uma declaração ou uma revelação envolvendo o tucano com as dro- gas do helicóptero.

Derrotado usar essa sujeira já seria inadmissível. Se quem usa é potencial vitorioso, como Lula, passa a ser indigno. Enlameia não os adversários, mas a própria campanha.

Duvido que Dilma aprove. Mas também duvido que ela tenha poder para controlar Lula, o partido e até a própria campanha. Que, apesar de favorita, vai por um mau caminho.

Fonte: Folha de S. Paulo

De mal a pior - Dora Kramer

Não têm sido boas, na semana passada pioraram e tendem a se deteriorar de vez as relações entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal caso não seja feito um arranjo no meio dos dois campos para se chegar a um entendimento sobre os limites de atuação de cada um dos Poderes.

O Judiciário justifica que age no vácuo da inércia do Legislativo que, por sua vez, se sente usurpado em suas prerrogativas e já começa a preparar atos de revide explícito.

Na visão de um líder de bancada expressiva na Câmara, o Supremo pretende levar o Parlamento "ao corner" ao tentar proibir o financiamento de campanhas por empresas privadas com base no princípio da igualdade entre os cidadãos (cláusula pétrea da Constituição) só para impedir que deputados e senadores anulem a decisão por meio de emenda autorizando aquelas doações.

Cláusulas pétreas, como assenta a expressão, não podem ser modificadas. Em contrapartida, já se articulam no Congresso dois tipos de medidas: uma contra a Ordem dos Advogados do Brasil, autora da ação de inconstitucionalidade das doações corporativas, outra para atingir os ministros do Supremo.

Na quinta-feira, quando ficou clara a disposição de proibir as doações, os parlamentares começaram a falar de novo em acabar com as provas para obtenção de registro na OAB.

O fim do "exame da Ordem" já sofreu duas derrotas no Congresso, mas diante do assunto posto em pauta pela entidade, muitos dos que eram contra vão ficando a favor: há movimentação para pedir votação em regime de urgência para esta semana, antes do recesso.
Outra reação ficaria para o ano que vem, quando concluído o julgamento interrompido pelo pedido de vista do ministro Teori Zavascki. A ideia é retomar a proposta de estipular um tempo de mandato para os ministros, que hoje só saem do cargo por desistência voluntária ou por aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade.

O clima é de beligerância crescente pelo acúmulo de decisões judiciais que o Congresso acredita de sua exclusiva competência, culminando com essa questão do financiamento. Da perspectiva dos parlamentares, agora o STF entrou em área de ameaça à sobrevivência eleitoral de cada um deles.

A falta de diálogo entre os dois Poderes é patente. O espaço para interlocução, várias vezes utilizado quando questões sensíveis mereciam abordagens diretas entre as cúpulas do Legislativo e do Judiciário, ficou interditado desde a posse de Joaquim Barbosa na presidência do STF. Ele é visto como um oponente. Por alguns, possível concorrente.

Há questionamento sobre a oportunidade de uma decisão sobre doações : perto de uma eleição presidencial e o temor de que isso tumultue o processo. A ação da OAB chegou ao Supremo há dois anos. E por que nesse meio tempo o Congresso não se mexeu para legislar sobre o financiamento? A resposta que se ouve é bastante óbvia: porque o Congresso quer manter as regras atuais e, se assim o deseja, considera que tem o direito delegado pelo voto popular de tratar o assunto como acha que deve ser tratado.

Não há, por esse raciocínio, base institucional para o Supremo acumular as funções de legislador e julgador. Nem haveria lógica formal na declaração de inconstitucionalidade do sistema de arrecadação em vigor que elege presidentes que indicam ministros do Supremo, cuja nomeação é confirmada por senadores também eleitos pelo mesmo sistema.

Seriam, então, todos ilegítimos, o processo estaria todo viciado por inconstitucional? Em face da realidade, a pergunta soa meramente retórica. Mas, se interesse houvesse das partes, poderia muito bem servir como ponto de partida para a construção de um ambiente mais afeito à convivência entre as instituições que ao clima de ringue de luta livre que assola a capital da República.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Aprender a ensinar - Merval Pereira

Alterar profundamente a formação dos professores e também o sistema de administração escolar, além de criar um currículo mais adequado aos tempos atuais, que leve ao aluno o conhecimento de que ele realmente necessitará no seu cotidiano. Esses são alguns dos pontos sugeridos por especialistas para melhoria de nosso sistema educacional.

O economista Fernando Veloso, da Fundação Getulio Vargas Rio, acha que é preciso estabelecer metas de aprendizagem em todas as séries e disciplinas, criar um currículo nacional e integrar as metas de aprendizagem com avaliação, currículo, material pedagógico e formação de professores.

“Como a condição socioeconômica é um determinante importante do desempenho educacional, é preciso ter políticas específicas para escolas que atendem crianças e jovens de famílias mais pobres lembra ele, ressaltando que essas mudanças envolvem uma combinação de medidas, como elevação da carga horária (possivelmente tempo integral), melhores professores e infraestrutura de qualidade”.

O sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), diz que, “para sairmos de onde estamos patinando, é preciso mexer na formação dos professores, nos sistemas de administração escolar e nos conteúdos do que é ensinado”. Hoje, segundo ele, os professores são formados em cursos universitários que não os formam naquilo que devem ensinar (Português, Matemática, Ciências) nem em como ensinar.

Melhorar o salário é importante para tornar a profissão mais atraente para gente mais qualificada, mas, ressalta Schwartzman, “não ajuda em nada se os professores forem os mesmos e não puderem ser estimulados pelo bom trabalho e, eventualmente, afastados por mau desempenho, ou seja, sem um sistema de mérito contra o qual os sindicatos se opõem sempre”.

Nesse esquema, as escolas seriam geridas “por diretores responsáveis pelo desempenho dos alunos, e não meros burocratas ou indicados políticos, o que ainda ocorre em boa parte de nossas escolas”. Em relação ao currículo, “é necessário que seja bem estruturado para garantir que os alunos aprenderão o essencial nos primeiros anos, e a possibilidade de fazer opções, inclusive pela formação técnica de nível médio, a partir do segundo grau”.

Schwartzman considera que hoje o currículo da educação fundamental “é genérico demais, e o ensino médio é estrangulado por uma legislação que exige um número absurdo de matérias obrigatórias, e pelo Enem, que transformou as escolas em cursinhos de preparação para a prova”. João Batista Araujo e Oliveira, ph.D. em Educação e presidente do Instituto Alfa e Beto, acha que os grandes avanços em educação no Brasil são de quantidade, “mas, na qualidade, patinamos, ou seja, não temos paciência para crescer com qualidade”.

Além de formação, certificação e plano de carreira para os professores e um currículo para o ensino fundamental, Araujo e Oliveira quer diversificar o ensino médio e reformar o ensino superior na direção do Protocolo de Bolonha, que uniu os governos da União Europeia em ações com o objetivo principal de elevar a competitividade internacional do sistema europeu do ensino superior.

O presidente do Alfa e Beto pede um “federalismo para valer — com delimitação clara de papéis e, no caso do governo federal, troca do intervencionismo por sistemas de incentivo para promover a diversidade, e não para empurrar os programas do MEC goela abaixo”. Mozart Ramos Neves, do Instituto Ayrton Senna, acha que é preciso rever a formação dada pelas nossas universidades, não somente os cursos de Pedagogia, mas as Licenciaturas de um modo geral em busca de “uma formação que seja capaz de integrar as novas tecnologias e plataformas de aprendizagem para o desenvolvimento humano”.

Ele acha fundamental “incorporar ao cotidiano das escolas as habilidades não cognitivas ou sócioemocionais no processo de aprendizagem”. “É preciso ir além do cognitivo, que ainda é um grande desafio”, diz ele, potencializando fatores como cooperação, resffiência, disciplina, planejamento e organização para alavancar os resultados de aprendizagem. “Isso já vem sendo observado em escolas que empregam games associados a esses fatores, saltos de aprendizagem significativos são verificados". observa Mozart.

Fonte: O Globo

Cavalo de pau - Tereza Cruvinel

A brusca proibição das doações eleitorais de empresas não extirparia o mal. Acabaria adubando sua raiz mais venenosa, o caixa dois

Com sua peculiar cautela, o ministro Teori Zavascki impediu, ao pedir vistas do processo, que o Supremo aplicasse um cavalo-de-pau ao sistema político eleitoral. Faltavam apenas dois votos. Pois tão brusca quanto a manobra radical automobilística, que costuma causar acidentes, seria a proibição das doações de empresas às campanhas eleitorais já em 2014. Este sistema tem todos os vícios apontados pela OAB, que patrocina a ação, e pelos quatro ministros que votaram por sua abolição. Mas, para um saneamento eficaz, ele precisa ser substituído por um outro modelo, coerente com o sistema partidário e a cultura política do país.

Terá também o Congresso mais tempo para reagir a esta invasão de sua competência que, mais uma vez, ocorre porque ele mesmo deixou o flanco aberto para o Judiciário legislar em seu lugar, como já fez tantas vezes, nem sempre com bons resultados. A pior resposta seria esta já anunciada pelo líder peemedebista Eduardo Cunha: a aprovação de uma emenda, inscrevendo na própria Constituição a legalidade de tais doações. Aí, sim, o monstro ficaria intocável.

A mera proibição não extirpará o mal. Acabará adubando sua raiz mais venenosa, o caixa dois. Proibidas as doações de empresas já no ano que vem, por decisão do STF, quem acredita que os grandes partidos, e especialmente os candidatos a presidente, fariam campanha só com doações de pessoas físicas? Hoje elas podem doar até 10% da renda bruta, mas quantos fazem isso? Não temos, ainda, tal cultura no Brasil. Ela pode mudar, mas não repentinamente. A lei, em alguns casos, é que molda a cultura. Com a proibição brusca, ocorreria o que você, leitor, já deduziu: as empresas continuariam doando, mas tudo pelo caixa dois. Hoje, elas fazem um mix. Uma parte declarada, outra não. O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), na campanha passada, abriu uma lista de doações para pessoas físicas pela internet. Divulgou massivamente a conta, mas o resultado, diz ele, foi decepcionante.

Depois de condenar como corruptos petistas e aliados no julgamento do mensalão, deduzindo que os recursos do valerioduto serviram à compra de votos e não para saldar dívidas eleitorais, como sustentam eles, o STF e seu presidente Joaquim Barbosa dariam, com a decisão, mais uma tacada moralizadora. Correriam porém o risco de tornar o sistema ainda pior. Pode haver melhor saída, se todos se empenharem, e o debate prosperar. O grupo interpartidário criado pelo presidente da Câmara, Henrique Alves, para formular uma proposta de reforma política, apresentou, há poucos dias, a minuta de emenda negociada pelo coordenador Cândido Vacarezza (PT-SP). Já falamos dela aqui. No que toca ao financiamento de campanhas, a proposta seria um avanço, sem chegar ao cavalo-de-pau. Pestana, um de seus formuladores da proposta pactuada, explica: primeiro, o candidato (a qualquer cargo) teria que optar entre receber o financiamento público ou a autorização para captar doações privadas.

Assim é nos EUA. Obama, por exemplo, abdicou da verba pública e recolheu milhões de pequenos doadores. Pela proposta, empresas doariam apenas aos partidos, que fariam a divisão interna dos recursos. Só pessoas físicas doariam diretamente aos candidatos. Isso reduziria, em muito, a desigualdade de oportunidades apontada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Ela favorece os ricos ou amigos dos empresários ricos. Candidatos sem recursos se valeriam do fundo público. E com isso já haveria uma saudável renovação da elite política. Henrique promete colocar a emenda em votação até abril, mas para vigorar em 2018. Para já, dificilmente haverá acordo sobre mudanças.

Entre eles
Quase tudo já foi contado, neste Correio, sobre o jantar de Aécio Neves com jornalistas na quarta-feira, em que o destaque foi seu apetite para a disputa com Dilma. Acrescente-se, a tantos indicadores de que a aliança com Eduardo Campos vai de vento em popa, a fórmula para o acordo em São Paulo. O PSB não daria o vice de Geraldo Alckmin, mas a candidata ao senado: a deputada Luiza Erundina.

Energia na campanha
Com a viagem para os funerais de Mandela, Dilma cancelou a viagem a Rondônia para inaugurar a distribuição da energia gerada pelas usinas de Jirau e Santo Antônio. A maior linha contínua do mundo, operada pela Eletronorte, vai de Porto Velho (RO) a Araraquara (SP), onde a energia é distribuída a todo o Brasil. A questão energética será um tema quente na campanha. Ela dirá que expandiu a geração e garantiu aos brasileiros a quarta tarifa mais barata do mundo. Aécio Neves vem dizendo que, com seu “populismo energético”, ela sacrificou as estatais do setor, e por isso teria havido tantos apagões localizados. Na volta, Dilma mandou reagendar a viagem a Rondônia. Vai tocar bumbo por lá.

Feliz 2014
O ano está se acabando e eu também já vou indo. Saio de férias agradecendo aos leitores o prestígio da leitura, desejando a todos um Feliz Natal e um venturoso 2014. Será um ano movimentado, talvez até fugaz. Teremos a Copa no Brasil e grandes escolhas na política. Como cidadãos, vivamos intensamente o momento de escolher representantes e governantes, sem perder a leveza e a devoção democrática.

Fonte: Correio Braziliense

Judicialização da política, politização do Judiciário - Almir Pazzianotto Pinto

Sem motivo a rebelião do Legislativo contra o Supremo ocorrida por causa da votação sobre a proibição de doações de empresas privadas. O fenômeno denominado judicialização da política, ou politização do Judiciário, ocorre quando o Poder encarregado de legislar se omite, deixa de lado problemas graves, tornando indispensável pronta manifestação do Estado.

O País aguarda por reformas, entre elas a política, há décadas. Câmara dos Deputados e Senado, entretanto, invertem a ordem de prioridades, se ocupam de questões menores, ou colocam no freezer, por preguiça, ou represália, matérias sobre as quais deveriam legislar bem, e rapidamente.

Invasão de esferas de competência, estabelecidas pela Constituição Federal, não é novidade. No passado o Executivo desafiava o Legislativo com decretos-leis, hoje abusa das medidas provisórias.

Provocado por quem dispõe de legitimidade e competência, o Supremo é obrigado a se manifestar para suprir a ausência do Legislativo, como sucedeu quando legislou sobre aviso prévio e adicional de insalubridade. O barulho agora decorre do fato de o STF enfrentar temas de natureza eleitoral, como financiamento público de campanhas, número de deputados por Estado, votos dados a candidatos envolvidos em acusações de natureza criminal, e assim sucessivamente. Sob a presidência de algum ministro acomodado, o Supremo adormeceria. Não é o que se passa hoje. Deixemos, portanto, o Supremo funcionar. Quem sabe o Legislativo desperta, toma brios e trabalha.

Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Fonte: O Estado de S. Paulo

A boca e a língua do justo - Celso Lafer

A Constituição de 1988 é um marco da constitucionalização do Direito, vale dizer, do empenho de impregnar todo o ordenamento jurídico dos preceitos constitucionais, com destaque para a tutela dos direitos humanos, positivados de maneira abrangente no texto constitucional.

Nesse contexto, a Constituição ampliou as competências do Supremo Tribunal Federal (STF) e ensejou sua intervenção em temas sensíveis da vida política e social. São exemplos as decisões sobre pesquisas com células-tronco, aborto de anencéfalos, cotas raciais, de marcação de terras indígenas. Foi nesse quadro que o Supremo se foi abrindo para as sociedade por meio de audiências públicas e da aceitação de amici curiae em processos.

Emblemático nesse sentido, e antecipador dessas tendências, é o caso Ellwanger, decidido pelo STF em 2003, há dez anos, no qual teve determinante e destacada atuação o ministro Maurício Corrêa. Soube ele, no correr do processo, encaminhar, com discernimento e firmeza, os dois grandes temas submetidos à predação da Corte: 1) Antissemitismo é racis-mo? e 2) a liberdade de manifestação do pensamento abrange a divulgação de escritos de ódio (hate speech) a que se dedicava Sigffied Ellwanger como editor e autor, publicando, "de maneira sistemática e constante, livros de propaganda antissemita e de denegação do Holocausto?

O relator inicial do caso, ministro Moreira Alves, deu interpretação restritiva ao texto constitucional, que qualifica a prática do racismo como crime, e à correspondente legislação infraconstitucional especificadora do que constitui prática do racismo. Entendeu que a prática da discriminação racista incide exclusivamente contra o negro e que os judeus, não sendo uma raça, não se enquadram no âmbito das garantias constitucionais previstas. ......

O ministro Maurício Corrêa percebeu o equívoco dessa orientação, que não levava em conta nem a multiplicidade das origens da sociedade brasileira e, portanto, a amplitude de que se pode revestir o crime da prática do racismo, nem o sentido axiológico do artigo 3.0, IV, da Constituição de 1988, que estabelece como um dos objetivos da República Federativa do Brasil ""promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Pediu vista do processo e sub-sequentemente me instou a atuar como amicus curiae, tendo em vista que a decisão do STF seria de interesse da socie-dade brasileira e teria repercussão geral.

O julgamento do caso Ellwanger concluiu-se em 17 de setembro de 2003. 0 ministro Maurício Corrêa foi o relator da ementa do acórdão, que concluiu:

1) O antissemitismo é uma prática de racismo, pois não existem "raças", mas apenas uma espécie, a espécie humana, e todos os seres humanos podem ser vítimas da prática de racismo; e 2) o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação do racismo". Registro, com admiração e respeito, suas palavras: "Escrever, editar, divulgar e comerciar livros fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias* contra a comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade".

Escreveu ainda: "Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social.

Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista".

Portanto, "a edição e publicação de obras escritas veiculando ideias antissemitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o Holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e des-qualificação do povo judeu, eqüivalem à incitação ao discrí-men com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham".

Sobre a liberdade de expressão, afirmou que se trata de garantia constitucional que não se tem como absoluta, já que há limites morais e jurídicos, e que o direito à livre expressão não pode abrigar manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal: "O preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação do racismo*, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os direitos contra a honra".

A sociedade brasileira deve a Maurício Corrêa uma leitura de repercussão geral não racialista do crime da prática do racismo e uma sensibilidade jurídico-po-lítica sobre os riscos, para uma sociedade democrática, dos escritos de ódio. E a comunidade judaica deve a ele, numa época de maré montante do antisse-mitismo, uma sensibilidade própria em relação à tutela dos seus legítimos direitos.

Antes da passagem bíblica em que Salomão decide a quem dar a criança objeto de disputa entre duas mulheres, há outra em que o jovem rei pede ao Senhor que lhe dê um coração compreensivo que lhe permitisse julgar, discernindo entre o bem e o mal. Foi um coração compreensivo dessa natureza que norteou o ministro Maurício Corrêa na condução do caso Ellwanger. Por isso cabe evocar o salmo (37:30): "A boca do justo fala da sabedoria; e a sua língua fala do que é reto".

Professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP

Fonte: O Estado de S. Paulo