- Folha de S. Paulo
Que ninguém se engane: o espectro da revolta social ronda o ano dois
Jair Bolsonaro é a manifestação brasileira da onda mundial do nacionalismo populista de direita. Bolsonaro é o “nosso” Trump —o “nosso” Orbán, Salvini ou Erdogan. O diagnóstico anterior tem grãos de verdade, mas erra no que é essencial. Ele não serve como bússola para delinear os rumos do governo e, sobretudo, identificar os riscos potenciais que pesam sobre a democracia brasileira.
Bolsonaro macaqueia o discurso de Trump et caterva. Por meio de Olavo de Carvalho e do filhote 03, costurou pactos com a “internacional dos nacionalistas”. Contudo, no fundo, o fenômeno brasileiro é uma singularidade. Ao contrário de seus ídolos, nos EUA e na Europa, Bolsonaro carece de raízes na cultura política nacional. É, para usar a expressão de Roberto Schwarz, uma “ideia fora de lugar”.
Trump et caterva ascenderam na maré de incertezas, angústia e raiva impulsionada pela recessão global e pelas sucessivas crises do euro e dos refugiados. Bolsonaro, por sua vez, foi transportado ao Planalto nas asas de dois acidentes concomitantes: a depressão econômica manufaturada pelo lulopetismo e o colapso do sistema político precipitado pela Lava Jato. Mais: na hora decisiva, o deputado insignificante beneficiou-se do atentado cometido por um desequilibrado. Jamais saberemos ao certo, mas o incidente dentro do duplo acidente pode ter selado o resultado eleitoral.
Um marxista diria que Bolsonaro é um acaso, não uma necessidade histórica. Trump está ancorado nas sombrias tradições americanas do nacionalismo isolacionista (America First), do nativismo étnico e do racismo legalizado. Salvini, Orbán e Erdogan refletem correntes profundas das histórias italiana, húngara e turco-otomana. Bolsonaro, porém, não passa de um imitador vulgar, um importador de línguas estranhas. Não é que faltem, entre nós, as árvores do ultraconservadorismo ou do autoritarismo. É que a versão olavo-bolsonarista dessas ideias não tem registros no nosso passado. A Aliança pelo Brasil, partido clânico, traça as fronteiras de um gueto político.