A estratégia comum ontem dos advogados de Rogério Tolentino, Cristiano Paz, Simone Vasconcelos e Geiza Dias – acusados de formar o “núcleo operacional” do mensalão – foi jogar toda a responsabilidade em Marcos Valério, dono da agência SMP&B, na qual todos trabalharam ou prestaram serviços. Eles alegaram que seus clientes apenas cumpriam ordens ou nada sabiam sobre o destino final dos recursos repassados a políticos. Também ontem, o advogado da ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello, José Carlos Dias, negou irregularidades nos empréstimos do banco para Valério.
Tudo na conta do chefe
Para defesa do "núcleo operacional do mensalão", clientes só cumpriam ordens de Valério
Evandro Éboli, Thiago Herdy
UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA
BRASÍLIA Acusados de formar o que o Ministério Público chamou de "o núcleo operacional" do esquema do mensalão, o advogado Rogério Tolentino, o publicitário Cristiano Paz e Simone Vasconcelos e Geiza Dias, ex-funcionárias da agência de publicidade SMP&B, adotaram ontem a mesma estratégia para tentar se desvincular das acusações de envolvimento no repasse de dinheiro para políticos ligados ao governo Lula entre 2004 e 2005. Os advogados dos quatro réus preferiram repassar a Marcos Valério, dono da SMP&B, toda a responsabilidade pelas ordens para irrigar mensalão.
O advogado de Tolentino, Paulo Sérgio Abreu e Silva, argumentou que seu cliente não poderia ser acusado de corrupção ativa por não ter participado da entrega de recursos a parlamentares. Segundo ele, Tolentino, advogado de Marcos Valério, deu cheques com sua assinatura e com valores em branco a Marcos Valério. A secretária de Valério os teria preenchido e depositado em conta para que fossem repassados a três ex-deputados petistas.
- Rogério não entregou dinheiro para político nenhum, ele entregou dinheiro à SMP&B. Não houve ação de corromper - alegou.
Sobre o recebimento de R$ 1,4 milhão por Tolentino - valor que teria sido repassado a políticos, segundo a denúncia do MPF -, Abreu e Silva alegou que o dinheiro era referente a honorários por serviços prestados por Tolentino à SMP&B e não contabilizados.
- Não havia prova de que esse dinheiro fosse para uma terceira pessoa. Ele recebeu essa importância e colocou no colo dele, gastou com ele. (...) Rogério fez caixa dois, Rogério sonegou - disse o advogado, informando que a responsabilização adequada para esse crime é a autuação fiscal, com pagamento de multa.
Advogado minimiza cargo da cliente
O advogado Leonardo Yarochewsky fez o perfil da ex-diretora da SMP&B Simone Vasconcelos apenas como uma cumpridora de ordens de Valério, sem qualquer autonomia na empresa. Disse que Simone trabalhava em um andar da agência conhecido como porão e que era uma simples assalariada da agência. Ela era a responsável por fazer os pagamentos a políticos, entregar diretamente o dinheiro em suas mãos ou de prepostos. Políticos que, segundo Yarochewsky, Simone não conhecia por ser uma "ignorante política".
- A mando de Marcos Valério, Simone entregou várias quantias de dinheiro para vários parlamentares, mas nem sabia quem eram esses parlamentares. Não conhecia a composição partidária. O dinheiro não lhe pertencia. Marcos Valério ordenava: vai lá e entregue R$ 50 mil, R$ 100 mil para fulano e beltrano - disse Yarochewsky.
Sobre os pagamentos realizados na agência do Banco Rural, num shopping de Brasília, ele comentou.
- Era uma agência bancária que funciona num shopping, com câmera, tinha que apresentar carteira de identidade. Nunca vi alguém assaltar banco e entregar identidade.
O advogado minimizou o fato de Simone ter cargo de diretora na SMP&B.
- Tem diretor de tudo numa agência. Tem mais diretor que funcionário.
Castellar Modesto Guimarães, advogado do publicitário Cristiano Paz, ex-sócio da SMP&B, repetiu a mesma linha de defesa do ex-sócio da agência Ramon Rollerbach, no dia anterior. Alegou que, por cuidar de assuntos da SMP&B, seu cliente não tinha envolvimento com o esquema financeiro montado por Valério, apesar de ter participado de reunião para discutir os empréstimos tomados em nome da empresa para abastecer o PT e aliados.
- Para um homem de publicidade, a tarefa que lhe cabe é se dedicar à sua atividade de criar. (Paz) trabalhava na construção de marcas, para que seus clientes restassem bem atendidos. (...) - alegou o advogado.
Geiza seria "batedeira de cheques"
Guimarães disse que Tolentino se tornou sócio do filho na Filadélfia Comunicação logo após o mensalão, tamanho seu reconhecimento profissional. O advogado se emocionou ao falar da convivência com Cristiano nos últimos anos e disse que o Ministério Público não tem prova contra o cliente.
- Havia uma expectativa de que a instrução criminal possibilitasse melhor robustez dessa prova, o que não ocorreu. Cristiano era sócio da SMP&B e tão somente pelo fato de ter sido sócio de Valério e Ramon ele se vê a responder por esse processo - reclamou.
O advogado criticou o fato de o Ministério Público não ter feito perguntas a "pouco mais de três centenas de testemunhas" ouvidas no processo, para que pudesse fundamentar a acusação.
- Nenhuma vez sequer existe pelo menos a menção ou a demonstrada intenção de individualizar a conduta a ser atribuída a Cristiano Paz - disse.
A defesa de Geiza Dias, ex-gerente financeira da SMP&B, usou a mesma argumentação de Simone Vasconcelos e alegou que a cliente não tinha autonomia e só cumpria ordens. As duas respondem por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas. Geiza era subordinada de Simone. O advogado Paulo Sérgio Abreu afirmou que Geiza não conhecia José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino, petistas réus na ação do mensalão. Segundo ele, Geiza era funcionária sem qualquer importância:
- A minha cliente vai me perdoar, sei que estou sendo visto por ela. Mas era uma funcionária mequetrefe, de terceiro ou quarto escalão no setor financeiro. Uma batedeira de cheque.
Paulo Sérgio afirmou ainda que Geiza, por conta do escândalo, teve que sair de Belo Horizonte, onde vivia.
- Essa é a vida de Geiza. Estudou com dificuldades, foi admitida em 1997 na SMP&B, com salário de R$ 1,1 mil, e foi demitida, quando o escândalo estourou, com salário de R$ 1.740. Moça pobre, trabalhadora, honesta.
FONTE: O GLOBO