quinta-feira, 7 de maio de 2015

Opinião do dia – deputados da oposição

PT pagou com traição, a quem sempre te deu a mão

-----------------
Bradavam os deputados da oposição, carregando cartazes com a imagem da carteira de trabalho, ontem, depois da votação do ‘ajuste’ da “vaca tossiu”

Bancada do PT cede à pressão e Câmara aprova a primeira medida do ajuste fiscal

• Após PMDB exigir que petistas declarassem apoio ao texto que restringe o acesso ao seguro-desemprego, plenário dá aval em votação apertada a uma das MPs do pacote de Dilma para cortar gastos; houve racha na base, panelaço e chuva de dólares falsos

Ricardo Brito, Tânia Monteiro e Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Sob protestos de manifestantes na galeria, bate-boca de parlamentares e panelaço da oposição, o governo Dilma Rousseff conseguiu ontem uma apertada, mas importante vitória na Câmara dos Deputados ao aprovar o texto principal da Medida Provisória 665, que restringe o acesso ao seguro-desemprego e ao abono salarial. Após o PMDB ter exigido apoio do PT à primeira proposta do ajuste fiscal analisada pelo Congresso, a medida foi aprovada com ampla adesão da bancada petista. A maioria dos peemedebistas, que não queriam assumir sozinho o ônus de aprovar uma medida impopular, também se posicionou a favor da MP.

O governo escalou ontem ministros e pediu ajuda ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao presidente do PT, Rui Falcão, para assegurar o voto favorável dos deputados do partido e, com isso, obter apoio dos peemedebistas. Integrantes das duas maiores legendas da base aliada resistiam a apoiar publicamente a proposta.

Antes da votação, o PMDB obrigou a bancada do PT a fazer uma declaração pública de apoio à medida provisória. A condição imposta pelo principal partido aliado deu fôlego para que fosse fechado um acordo na base governista.

O texto-base foi aprovado com 252 votos a favor, 227 contra e uma abstenção. Dos 64 deputados do PT, 55 participaram da votação e apenas um, Weliton Prado (MG), votou contra. No PMDB, por sua vez, dos 66 deputados, 13 votaram contra e dois estavam ausentes – como presidente da Casa, Eduardo Cunha (RJ), não votou.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), afirmou que PT e PMDB fizeram a diferença na votação. “O fundamental é que a base conseguiu pela primeira vez uma extraordinária vitória”, comemorou.

Diante do desgaste de apoiar o pacote de ajuste fiscal, o PT já fechou questão contra o projeto que amplia a terceirização no País. O texto que amplia a terceirização das atividades foi aprovado na Câmara e ainda será apreciado no Senado.

Nesta quarta, a maior surpresa na base foi o PDT, cujos 19 deputados votaram contra a MP mesmo após terem recebido a visita do ministro do Trabalho, Manoel Dias – filiado ao partido. A postura do PDT na votação pode lhe custar o ministério. Após o Estado revelar na semana passada que o presidente do partido, Carlos Lupi, disse que o PT “roubou demais”, a rebeldia do partido que desagradou profundamente o governo.

Sem contar com os votos do PDT, de 10 petistas e de 13 peemedebistas, o governo só respirou aliviado porque o texto recebeu apoio de oito deputados do DEM que, depois de terem participado de almoço ontem com o vice-presidente e articulador político, Michel Temer, votaram com governo pelo ajuste fiscal. Temer também conseguiu apoios no PV, que não é da base aliada, e resgatou dissidentes do PP.

A oposição, que se valeu de manobras regimentais para adiar a votação do mérito da proposta por cinco horas, protestou com panelaço ao final da votação. “Você pagou com traição a quem sempre te deu a mão”, entoaram os oposicionistas. Um dos vice-líderes do governo na Casa, Carlos Zarattini (PT-SP), rebateu. “Essa oposição que bate panela é a que bate em professor”, disse o petista, referindo-se indiretamente à recente ação da Polícia Militar do Paraná, governado por Beto Richa (PSDB).

A votação vai continuar hoje, quando destaques ao texto ainda terão de ser apreciados. Somente após isso, o Senado vai apreciar a MP e tem até o dia 1.º de junho para votá-la, prazo em que a medida perde a validade.

Entre as principais mudanças até o momento, está a redução do prazo para um ano para que o trabalhador faça o primeiro pedido de seguro-desemprego. Na MP enviada ao Congresso, esse prazo era de um ano e meio. Antes da nova regra, que já vale desde março, a carência era de seis meses. O texto da medida provisória aprovada também torna mais rígidas as regras para o pagamento de abono salarial e a concessão do seguro-defeso.

Tensão. A sessão foi marcada por vários momentos de tensão. O principal deles envolveu a retirada de sindicalistas da Força Sindical, braço sindical do Solidariedade contrário às MPs do ajuste fiscal. Eles acompanhavam as votações das galerias e jogaram notas falsas de dólares com os rostos de Dilma, Lula e do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto – preso na Operação Lava Jato –, com a inscrição “PTro Dollar”.

A sessão também teve ataques entre deputados. Em um deles, a líder do PC do B, Jandira Fhegali (RJ), saiu em defesa do colega de partido Orlando Silva (SP), que batera boca com Roberto Freire (PPS-SP). O deputado Alberto Fraga (DEM-DF) afirmou: “Mulher que participa da política e bate como homem tem que apanhar como homem”. Criticado pelos colegas, o parlamentar pediu desculpas. / Colaboraram Daniel Carvalho e Nivaldo Souza

Planalto segura rebelião na base, e pacote fiscal avança

• Texto do primeiro item do ajuste é aprovado por margem estreita na Câmara

• Com duas interrupções, sessão tumultuada foi marcada por discursos agressivos, insultos e 'chuva de petrodólares'

Ranier Bragon, Sofia Fernandes, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em meio a ameaças generalizadas de rebelião em sua base, principalmente no PT e no PMDB, o governo Dilma Rousseff conseguiu aprovar na noite desta quarta (6), em uma tumultuada sessão na Câmara, o texto principal do primeiro item do seu pacote de ajuste fiscal

Por margem apertada, 252 votos a 227, os deputados aprovaram a medida provisória 665, que estabelece aumento do tempo de trabalho para requisição do seguro-desemprego: de 6 para 12 meses.

Após o anúncio do resultado, a oposição cantou nos microfones: "O PT pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão". Depois, promoveu um panelaço no plenário.

Duas emendas foram derrubadas. Nesta quinta, as cinco últimas, que podem alterar o projeto, irão a voto.

As medidas de equilíbrio das contas públicas, elaboradas sob a chefia de Joaquim Levy (Fazenda), tinham o objetivo de, ao todo, cortar R$ 18 bilhões em gastos. Mas mudanças prévias patrocinadas pelos congressistas já reduziram esse em cerca de 20%.

A resistência às propostas que restringem direitos trabalhistas e previdenciários foi impulsionada pelo próprio PT, o que deu a senha ao principal aliado, o PMDB, para ameaçar uma rebelião.

Segundo relatos obtidos pela Folha, aliados também aproveitaram a votação para exigir do Planalto a obtenção de cargos federais. O PP, por exemplo, chegou a indicar votação contra o governo durante a sessão, mas recuou. Líderes do partido foram recebidos pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB), coordenador político do governo.

"Deve ser coincidência, mas todos os cargos do segundo e terceiro escalão devem estar preenchidos até o final da semana", ironizou Chico Alencar (PSOL-RJ).

Petistas aprovaram o apoio ao projeto após muita resistência interna. Alas mais ligadas à base sindical queriam evitar o desgaste.

Irritado, o PMDB cobrou que os petistas fechassem questão sobre o tema, prevendo punição a eventuais traições. Essa exigência foi feita à liderança da bancada petista pelos principais ministros de Dilma e por Temer, em reunião na manhã desta quarta.

Acuado, o PT aceitou "fechar questão", mas não deve punir o único que votou contra, Wellington Prado (MG).

Na votação no plenário, o PT foi bastante atacado. Integrantes da Força Sindical, do deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), interromperam a sessão com uma "chuva de petrodólores": réplicas de notas com fotos de Dilma e do ex-presidente Lula, entre outros, em referência ao escândalo do petrolão.

"Dilma deveria mandar para esse Congresso uma medida provisória que tivesse em seu primeiro artigo a proibição de que o chefe de Estado minta", discursou Bruno Araújo (PSDB-PE), líder da oposição, lembrando a promessa da petista, durante a campanha, de não retirar direitos dos trabalhadores.

"Estamos votando uma matéria em que o que está em jogo é o futuro do Brasil", respondeu o líder do governo, José Guimarães (PT-CE).

A sessão voltou a ser interrompida quando deputados governistas e oposicionistas quase se atracaram. Alberto Fraga (DEM-DF) chegou a dizer que a colega Jandira Feghali (PC do B-RJ) deveria "apanhar" como homem. Membro da bancada da bala, ele foi alvo de protesto da bancada feminina, chamado de deputado com fama de "matador".

Compõem ainda o pacote de Dilma a medida provisória 664, que restringe direitos previdenciários, e o projeto de lei que revê a política desoneração da folha de pagamento de alguns setores. Nenhuma delas ainda foi votada pelo plenário da Câmara.

Acuado por PMDB e Planalto, PT ajuda a aprovar ajuste

• Para aprovar medida de arrocho fiscal, governo enquadra PT e promete cargos ao PMDB

Júnia Gama, Simone Iglesias, Isabel Braga e Eliane Oliveira – O Globo

Acerto de contas e cargos

BRASÍLIA - Para garantir sua mais importante vitória no Congresso este ano, dando início à aprovação do ajuste fiscal, o governo enquadrou o PT e recorreu à negociação de cargos com os aliados que poderão resultar até mesmo em trocas ministeriais. O Palácio do Planalto obteve êxito com a estratégia e aprovou, na noite de ontem, o texto base da Medida Provisória (MP) 665, que endurece as regras para concessão de seguro-desemprego e abono salarial. O PT se viu pressionado pelo Planalto e pelo PMDB, que ameaçou não aprovar a medida se o principal partido do governo não se comprometesse com o apoio. Para convencer os deputados da base, emissários do Planalto avisaram que uma nova configuração do governo - incluindo o primeiro escalão - dependeria da atuação de cada partido na votação.

Segundo relatos de peemedebistas, o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), afirmou à tarde, em reunião com a bancada do partido, que o Planalto estava aguardando a votação da medida para iniciar mudanças na disposição de cargos do governo. A primeira alteração citada como exemplo por Guimarães, de acordo com deputados do PMDB, seria no Ministério do Trabalho, atualmente ocupado pelo PDT com o ministro Manoel Dias, que decidiu fechar posição contrária à MP. No momento em que foi encaminhar o voto contrário do PDT, o líder do partido, André Figueiredo (CE), rechaçou as ameaças:

- O PDT não se rende! O PDT não se vende por cargos. Se for para entregar cargos nos ministérios, entregaremos de bom grado.

Oposição ironiza PT
A garantia de Guimarães foi dada aos deputados do PMDB no momento em que um deles se queixou de que as reivindicações dos partidos aliados não estariam sendo atendidas, apesar do articulador político do governo, o vice-presidente Michel Temer, ter anunciado há cerca de um mês, quando assumiu a função, que o governo começaria a nomear aliados para o segundo escalão. Minutos antes da votação começar no plenário, Guimarães fez um último apelo, ainda mais explícito:

- Vamos votar a MP, porque o governo vai reconhecer os gestos de todos vocês - disse.

Logo que o resultado da votação foi anunciado, com 252 votos favoráveis, 227 contrários e uma abstenção, deputados da oposição ironizaram o PT, com paródia do samba "Vou festejar":

- PT pagou com traição, a quem sempre te deu a mão - bradavam carregando cartazes com a imagem da carteira de trabalho.

Apesar de terem dado um "voto de confiança" ao governo na votação da MP 665, os parlamentares da base avisaram que a MP 664, que dificulta o acesso a pensão e auxílio-doença, não será apoiada sem que as nomeações sejam publicadas. A medida foi aprovada pela comissão especial na terça-feira e está pronta para ser apreciada em plenário. A votação, no entanto, só deve ocorrer semana que vem, pois depende da decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de proceder à sua leitura.

- Não andou nada desde que o Michel assumiu. O Guimarães disse que as mudanças iam depender dessa votação e vamos acreditar. Agora, a 664 o governo não consegue aprovar sem nomear - afirmou um peemedebista da cúpula.

O dia de ontem foi de intensas negociações das bancadas governistas pelos cargos no segundo e terceiro escalões em troca de apoio à MP. Vários recados foram mandados ao governo para que as nomeações fossem agilizadas. Os parlamentares do PP, que até terça-feira se mantinham indecisos sobre as medidas de ajuste, passaram a pregar ontem o voto contra a MP 665, porque não estavam sendo contemplados. Um deputado afirmou ao GLOBO que as nomeações estão atrasadas e que os pedidos do partido, de cargos em bancos públicos, não estão sendo atendidos.

O PR, que também está às voltas com pedidos de emprego, decidiu manter o apoio ao governo, na tentativa de mudar a estratégia habitualmente adotada pelos aliados, do toma-lá-dá-cá, para ver se desta forma terá algum novo cargo. Líderes do governo e aliados admitiram que a falta de pragmatismo do governo em cumprir compromissos com os partidos aliados prejudica as negociações.

- Está demorando mais tempo que o razoável. Se não houver mais pragmatismo e menos ideologia, o governo vai demorar para entrar nos trilhos - disse o vice-líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR).

PT deu um voto contra
Logo pela manhã, Michel Temer se reuniu com líderes aliados e ministros, para reforçar a importância da votação do ajuste. Na reunião, o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), sinalizou que o bloco do PMDB defenderia o adiamento da votação, a menos que a bancada do PT fechasse questão a favor do ajuste.

A pressão do PMDB levou o líder do PT, Sibá Machado (AC) a fazer nova reunião. Depois de três horas de reunião, a bancada do PT continuou sem fechar questão mas garantindo a maioria dos votos. Novamente, foi descartada a punição de petistas que votassem contra as propostas.

- Só não serão 64 deputados do PT porque dois deles estão com problemas de saúde - disse o líder petista.

A realidade se mostrou diferente. Dos 64 deputados do PT, 55 estavam presentes e um deles, Welinton Prado (MG), votou contra a MP.

Logo depois da reunião do PT e do anúncio de apoio à medida do ajuste, Picciani anunciou que a maioria "esmagadora" da bancada do PMDB daria um voto de confiança ao governo e votaria a favor da MP 665. O líder, afirmou, no entanto, que novas conversas serão feitas para definir a votação da MP 664.

Também pela manhã, a presidente Dilma Rousseff apelou à sensibilidade dos parlamentares para aprovar as medidas do ajuste fiscal. Segundo Dilma, apesar das divergências, tanto o Congresso como o governo trabalham a favor do país. Dilma pediu tranquilidade neste momento de divergência entre a base aliada e o Palácio do Planalto.

- É impossível o país achar que ele vive de um dia para o outro grandes transformações. Então, vamos aguardar para ver como transcorre essa votação do ajuste. Vamos nos manter tranquilos. Eu tenho certeza de que haverá, por parte dos parlamentares, a sensibilidade necessária para que se vote o ajuste, principalmente, porque eu tenho consciência e, além disso, tenho a crença de que os parlamentares trabalham a favor do Brasil - disse a presidente. (Colaboraram Catarina Alencastro e Luiza Damé)

Medidas vêm quando o desemprego aumenta

• Trabalhador precisará ficar um ano no emprego para ter direito ao seguro

Cássia Almeida – O Globo

O mercado de trabalho brasileiro, que vinha se mostrando firme mesmo com o baixo crescimento dos últimos anos, começa a sofrer os efeitos da estagnação exatamente quando as regras para conseguir o seguro-desemprego ficaram mais rígidas. O trabalhador só poderá requerer o benefício depois de um ano no mesmo emprego. Até então, eram necessários seis meses para conseguir o benefício.

Diante da restrição e da piora no mercado, uma das consequências pode ser o aumento da informalidade. Para os empregados com pouco tempo de casa, perder o emprego sem ter o benefício para pagar as contas pode levar ao trabalho informal. A economia não está gerando vagas formais para absorver os trabalhadores demitidos.

- O trabalhador vai ter que se virar e isso aumenta a informalidade - afirmou a economista Sonia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).

Especialista em mercado de trabalho, o professor da UFRJ João Saboia lembra que o desemprego está maior agora do que no mesmo período do ano passado e até mesmo quando é comparado ao fim de 2014, quando foi editada a medida provisória que mudou as regras. A taxa de desocupação nas seis maiores regiões metropolitanas estava em 5% da força de trabalho em março do ano passado. Em março último, a taxa já subira para 6,2%:

- O problema dessa mudança no seguro-desemprego é que prejudica o trabalhador num momento em que o desemprego está aumentando.

Os gastos com seguro-desemprego têm crescido de forma exponencial. Há dez anos, representavam 0,5% do PIB, atualmente comem 0,9% de tudo que é produzido pela economia: cerca de R$ 53 bilhões.

O abono salarial, o chamado décimo quarto salário, também não vai ter menos poder de aliviar o caixa das famílias mais pobres. Bastava um mês de trabalho para ter direito ao abono de um salário mínimo no mês do aniversário. Agora, só terá direito ao benefício integral quem estiver empregado por três meses seguidos e o pagamento será proporcional ao tempo de trabalho.

Esse benefício é pago para quem ganha até dois salários mínimos. Com a valorização do mínimo, de mais de 300% em dez anos, bem acima da renda média do trabalhador, mais gente pôde requerer o benefício. De 2003 a 2013, o número de pessoas atendidas passou de 7,9 milhões para 21,3 milhões.

- De qualquer maneira, se os ajustes nesses benefícios não fossem aprovados, o governo teria que lançar mão de mais impostos e corte maior nos gastos públicos para entregar a economia prometida, afetando o trabalhador de outra maneira - afirmou Saboia.

Governo e oposição registram traições

• Maior percentual de votos contrários ao ajuste entre siglas da base veio do PDT, que tem o Ministério do Trabalho

• No DEM, que defendia a derrubada da medida, 8 dos 22 deputados votaram a favor da aprovação do ajuste

Ranier Bragon, Valdo Cruz e Sofia Fernandes – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - "Nem o Papa tem 100% de apoio", ironizou o deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, ao comentar as traições generalizadas nos partidos da base --o que ameaça a aprovação dos pontos restantes do pacote de ajuste econômico.

Proporcionalmente, as principais defecções governistas ocorreram no PDT --que ocupa o ministério do Trabalho, com Manoel Dias--, que concedeu todos os seus 19 votos contra o projeto da presidente Dilma Rousseff, no PTB (12 dos 24 votos) e no PP (18 dos 39 votos).

"Houve insatisfação com o governo, claro, mas defendíamos o adiamento da votação, a bancada não estava pronta para votar", afirmou o líder do PP, Eduardo da Fonte (PE). Ele negou que a insatisfação tenha a ver com o atraso da entrega de cargos ao partido.

"Parte da bancada ficou com o governo, mas preferimos ficar com o estatuto do partido, de defesa do trabalhador", afirmou a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ).

O PMDB, que ameaçou abandonar a defesa do projeto a depender da posição que a bancada petista tomasse, registrou 13 traições no total de 64 votos. "Foi o que esperávamos. Agora o governo tem que continuar conversando para evitar derrotas daqui para frente. Tem que ver esses dez do PT que não votaram, por exemplo", afirmou o líder do partido, Leonardo Picciani (RJ).

No partido de Dilma, nove deputados da bancada não compareceram à votação. Dos 55 presentes, somente Weliton Prado (MG), deputado de pouca expressão na bancada, votou contra o governo. A Folha não conseguiu falar com ele na noite desta quarta-feira (6).

Oposição
Com exceção do PSDB, que votou unido contra Dilma --todos os representantes do partido foram contrários ao projeto--, a oposição também registrou traições.

A mais inusitada aconteceu com o DEM, sigla que faz ataques ferrenhos ao governo e ao ajuste fiscal. Oito integrantes da bancada, de um total de 22 que votaram, apoiaram a proposta de ajuste fiscal do governo. Entre eles os deputados Rodrigo Maia (RJ) e José Carlos Aleluia (BA), dois dos principais críticos do Palácio do Planalto.

"Houve nesse grupo uma razão mais ideológica, na linha de corrigir imperfeições na atual política", afirmou o líder da bancada do partido, Mendonça Filho (PE), para justificar a posição adotada por seus correligionários.

A Folha apurou que o grupo de infiéis do DEM se reuniu com o vice-presidente Michel Temer (PMDB), em uma articulação que contou com o apoio do prefeito de Salvador, ACM Neto, que é do partido.

PT rejeita governo. E vice-versa

• Desgastado, partido se confronta com o seu DNA

Maiá Menezes – O Globo

Duas cenas retrataram ontem um dilema que os petistas, há 12 anos no poder, resistem em equacionar. Ser ou não ser governo, com todos os ônus que as escolhas carregam?

Cena 1: o PMDB, indignado, cobra posição do PT em favor da aprovação do ajuste fiscal, projeto-pilar do segundo mandato de Dilma Rousseff. O partido da presidente vinha se manifestando contra o ajuste e, ontem, se tornou um obstáculo delicado de transpor na condução do projeto nas casas legislativas. O PT age como se governo não fosse.

Cena 2: diante do panelaço, feito contra o programa de TV do PT sem Dilma, o ministro Edinho Silva devolveu a seu partido o ônus. Disse que quem tem que responder pelo protesto é o PT. É o governo agindo como se PT não fosse.

Os panelaços ganharam forma a partir de discursos de Dilma. O silêncio da presidente no 1º de Maio a poupou de outra reação. Ao evitar o programa de TV, no entanto, ela não conseguiu fugir do barulho. A insatisfação contra o governo encarna com nitidez a reação contra o partido que está no governo pelo quarto mandato consecutivo. E contra Lula, a estrela decana. Longevo no poder, o partido, com a agenda pró-arrocho e os protestos, se confronta com seu DNA.

Chamuscado até a raiz no mensalão e atingido novamente na Lava-Jato, o partido agora enfrenta outro revés, desta vez ideológico: a dificuldade em encontrar discurso para lastrear as decisões econômicas da gestão Dilma, muitas na contramão de bandeiras históricas da esquerda. Já o governo, enquanto se esforça para domar seu partido tenta se distanciar do que lhe faz mal no PT. Com o PMDB de capataz. Hora do divã.

Planalto ‘descola’ Dilma do partido

• Para ministro, misturar governo e PT é "erro"; presidente minimiza protesto e diz que é parte da democracia

Catarina Alencastro, Luiza Damé e Juliana Castro – O Globo

BRASÍLIA e RIO - Um dia depois de o programa de TV do PT provocar um panelaço em todas as regiões do país, o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, tentou ontem desvincular a governo da presidente Dilma Rousseff do partido dela. Para Edinho, é um "erro" misturar quotidianamente o governo e o partido e caberia ao segundo se pronunciar sobre o panelaço, uma vez que o conteúdo dos programas partidários são atribuição das legendas.

- Do ponto de vista do trabalho e da atuação, cada um tem seu espaço de trabalho e sua agenda. Misturar, no quotidiano, essas três instituições (o PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que apareceu no programa de TV, e o governo) seria um erro - disse Edinho.

Na avaliação do ministro, a fala de Lula contra a terceirização não deve atrapalhar o debate da matéria no Congresso nem a votação de outros projetos de interesse do governo, como as medidas provisórias do ajuste fiscal.

- O presidente Lula tem história, tem credibilidade para se posicionar. Penso que, numa democracia, assim como temos que respeitar as opiniões das ruas, dos partidos e das forças políticas, temos que respeitar as opiniões das lideranças constituídas. A opinião do presidente Lula tem que ser respeitada - afirmou.

A presidente Dilma, por sua vez, minimizou ontem o panelaço e voltou a dizer que ele é parte da democracia.

- Em alguns outros países, manifestações, assumindo a forma de panelaço ou qualquer outra forma, não são consideradas normais. No Brasil, elas são normais, porque nós construímos a democracia. Então, respeitar a manifestação livre das pessoas é algo que conquistamos a duras penas. Eu vejo (a de anteontem) como mais uma manifestação de uma posição diferente da outra - disse ela.

Sobre sua ausência no programa do partido, Dilma afirmou que "nem sempre" participa dele e minimizou o fato de não ter se pronunciado na TV no Dia 1º de Maio. Referindo-se aos três vídeos postados na internet, ressaltou que falou aos brasileiros através de "um forte e novo" veículo de comunicação, mas que também manterá os pronunciamentos "na chamada mídia tradicional".

Dois tipos de eleitor
O ministro da Defesa, Jaques Wagner, seguiu a mesma linha. Ontem, no Rio, afirmou que o panelaço é parte da democracia, mas que foi feito por dois tipos de eleitores: os que nunca gostaram do PT e os que se decepcionaram com o PT:

- Acho que os que batem panela deveriam gritar pela reforma política, porque só ela dará tranquilidade ao exercício da política sadia no Brasil.

Presidente afirma que panelaço é algo ‘normal’

• Dilma diz que manifestação é democrática’; para PSDB, ato de anteontem foi ‘histórico’

Rafael Moraes Moura, Tânia Monteiro e Felipe Werneck – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff tratou nesta quarta-feira, 6, como “normal” o panelaço realizado durante a veiculação do programa partidário do PT na televisão, na noite de anteontem. A oposição, por sua vez, voltou a criticar o vídeo exibido pelo partido.

“Eu já disse várias vezes para vocês que (manifestação) é normal no Brasil. Em alguns outros países, manifestações assumindo a forma de ‘panelaço’ ou qualquer outra forma não são consideradas normais. No Brasil, elas são normais, porque nós construímos a democracia. Então, respeitar a manifestação livre das pessoas é algo que nós conquistamos a duras penas”, disse a presidente a jornalistas, depois de participar de solenidade no Planalto de lançamento do plano nacional de defesa agropecuária.

Ao falar sobre sua ausência no programa partidário do PT, Dilma disse que “nem sempre” participa dos programas exibidos na televisão.

Além da presidente, o ministro da Defesa, Jaques Wagner (PT-BA), minimizou o ato realizado em algumas capitais do País e tentou estimular o debate sobre a reforma política. “Os que batem panela deviam gritar por reforma política. Nossa democracia é tão sólida que resiste a panelaço, à rua e à investigação de corrupção”, afirmou o petista ao ser questionado sobre o assunto. O ministro participou da cerimônia comemorativa dos 126 anos de fundação do Colégio Militar, no Rio, onde estudou de 1962 a 1968.

Um dia antes do panelaço, na tarde de segunda-feira, Wagner utilizou o microblog Twitter para criticar a “falta de bandeira propositiva”, segundo ele, de simpatizantes do movimento que pede o afastamento da presidente. “Ao mesmo tempo, sinto que essa energia não tem destinação pela falta de bandeiras, de proposições”, tuitou. Minutos antes, havia relativizado. “É positivo ver a sociedade nas ruas, ver esta energia democrática intensa em movimento.”

‘Cara de pau’. Por outro lado, o PSDB elogiou o protesto , chamando-o de “histórico”. “Não mostraram a Dilma, por vergonha, mas tiveram a cara de pau de dar destaque ao Lula, o ‘pai’ de todas as maracutaias”, afirmou Carlos Sampaio (SP), líder da legenda na Câmara, em texto publicado no site do PSDB.

A convocação para o ato foi feita por redes sociais e por grupos de mensagens instantâneas pelo celular. Parlamentares do PSDB também publicaram posts convocando seus apoiadores a baterem panelas durante o pronunciamento transmitido às 20h30. O líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), utilizou a hashtag #PanelaçoNaDilma. Uma das hashtags mais reproduzidas e comentadas nas redes sociais, entretanto, foi a #TonaLutaPeloBrasil, de apoio ao governo Dilma, com várias mensagens favoráveis ao governo.

Origem. O panelaço nasceu como instrumento de protesto de forças conservadoras em 1971, no Chile, para derrubar o presidente socialista Salvador Allende. O utensílio foi utilizado após uma das lideranças comunitárias questionar a falta de ter o que cozinhar. Na Argentina, as panelas começaram a soar em 1982, ainda na ditadura, também com mulheres revoltadas com escassez e inflação. O modelo foi utilizado nos anos 2000 em países europeus em crise financeira, como Grécia e Islândia, e também no Canadá.

No Brasil, a atual gestão enfrentou seu primeiro panelaço no Dia da Mulher, seguido de outro realizado no momento em que o Jornal Nacional, da TV Globo, exibia reportagem sobre a presidente, um dia após os protestos de 15 de março.

PSDB adia decisão sobre impeachment de Dilma

• Há falta de consenso e insegurança jurídica

Gabriela Guerreiro e Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Sem haver consenso na oposição ao governo federal, o presidente nacional do PSDB, Aécio Neves, adiou para o final de maio decisão sobre apresentação de pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT).

A mudança deveu-se à divergência de opiniões sobre o afastamento da petista neste momento, sobretudo dentro do próprio PSDB, e à insegurança jurídica sobre se a condenação da presidente por crime de responsabilidade cometido no mandato anterior poderia justificar o impeachment para a atual gestão.

Para esclarecer a dúvida jurídica, o PSDB pretende ingressar na próxima semana com ação penal contra a petista em relação às chamadas "pedaladas fiscais", realizadas em 2014. Caso não seja arquivada, abriria caminho para pedido de impeachment.

A sigla decidiu avaliar melhor a questão devido à manifestação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de que a petista não pode ser processada por crime cometido antes do atual mandato.

O adiamento foi elogiado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que, assim como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador José Serra, é contrário a pedido de afastamento da petista neste momento.

"A decisão do PSDB é correta, está adequada. O PSDB não é o partido do quanto pior, melhor", afirmou.

A bancada tucana na Câmara dos Deputados, no entanto, insiste na tese do impeachment e ameaça ingressar isoladamente com o pedido se não tiver apoio da sigla.

Paralelamente, o jurista Miguel Reale Júnior pediu tempo ao partido para finalizar parecer jurídico, encomendado pela sigla, sobre o impeachment da presidente. Ele avalia a possibilidade de ação penal contra a petista por crime comum, o que a levaria a perder o mandato caso fosse condenada.

O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio, se reunirá na semana que vem com o jurista para levar a ele informações levantadas pela CPI da Petrobras e o conteúdo do depoimento do ex-diretor da empresa estatal Paulo Roberto Costa.

"A reunião [para a decisão] foi adiada para a semana seguinte à da reunião com Miguel Reale, para que ele tenha tempo para analisar novos dados", disse Aécio.

Alckmin diz considerar Marta sua 'aliada'

• Pouco tempo depois de sair do PT, senadora participa de encontro com governador tucano em São Paulo

Ricardo Chapola e Felipe Resk - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O governador Geraldo Alckmin classificou nesta quarta-feira, 6, a senadora Marta Suplicy (sem partido) como uma aliada ao comentar sobre um encontro que teve com a parlamentar no dia anterior.

Marta participou nessa terça, 5, de um encontro entre a bancada federal e Alckmin no Palácio dos Bandeirantes, evento não divulgado pela assessoria do governo.

"Recebi a bancada federal, deputados e senadores, e conversamos sobre projetos de lei que estão tramitando no Congresso Nacional", disse Alckmin, após uma cerimônia de assinatura de convênios realizada na sede do governo paulista.

O tucano informou que está agendando um novo encontro com os parlamentares em Brasília ainda para este mês. Alckmin afirmou estar bem sintonizado com a bancada e disse que a senadora Marta Suplicy, José Serra (PSDB) e Aloysio Nunes (PSDB) costumam participar dessas reuniões. Os dois senadores tucanos não compareceram na que ocorreu nessa terça.

Questionado se Alckmin considerava Marta uma aliada, o governador foi categórico: "Claro".

Marta se desfiliou do PT no mês passado, depois de fazer vários ataques ao partido e à presidente Dilma Rousseff. A senadora tem sido cortejada pelo PSB, que abriu as portas para que Marta dispute a Prefeitura de São Paulo no ano que vem. A sigla faz parte da base aliada de Alckmin em São Paulo. O governador, no entanto, negou que reunião dessa terça tenha sido para tratar de questões eleitorais.

Desemprego no país subiu para 7,9% no 1º trimestre, a maior taxa em 2 anos

• Renda somou R$ 1.840 e ficou estável em relação ao primeiro trimestre de 2014, segundo Pnad Contínua, do IBGE

Clarice Spitz – O Globo

RIO - A taxa de desemprego no país no primeiro trimestre do ano subiu para 7,9%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua divulgada nesta quinta-feira pelo IBGE. É a maior taxa desde o primeiro trimestre de 2013, quando foi de 8%. No primeiro trimestre do ano passado, ela tinha sido de 7,2%. No último trimestre de 2014, chegou a 6,5%. Em 2014, a taxa média de desemprego no país foi de 6,8% ante 7,1% de 2013.

Pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que abrange as regiões metropolitanas do Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife, o desemprego no primeiro trimestre ficou em 5,8%. Os dados de março mostraram uma deterioração da renda do trabalho, com queda tanto nominal quanto real na renda frente ao mês anterior.

O objetivo do IBGE é substituir a PME pelo levantamento nacional, criado em 2012. A Pnad Contínua Trimestral pesquisa as informações sobre o mercado de trabalho em cerca de 3.500 municípios.

A renda ficou estável em relação ao primeiro trimestre de 2014 e somou R$ 1.840. Frente ao quarto trimestre de 2014, subiu 0,8% acima da inflação.

Por estados, o Rio Grande do Norte teve a maior taxa de desocupação no primeiro trimestre, com 11,5%. Santa Catarina, a menor: 3,9%. No Rio, foi de 6,5%, abaixo da média nacional. Em São Paulo, o desemprego atingiu 8,5%, a maior taxa do Sudeste.

Um terço dos estados apresentaram no primeiro trimestre do ano a maior taxa de desocupação, considerando todas os trimestres da pesquisa. Ao todo, 19 estados tiveram aumento da desocupação frente ao mesmo trimestre do ano passado, enquanto oito registraram queda nessa base de comparação.

— Há uma pressão maior sobre o mercado de trabalho, um aumento dos desocupados, uma geração menor de postos de trabalho e isso vai se refletir na taxa de desocupação — afirma Cimar Azeredo, gerente da pesquisa.

Desemprego maior entre mulheres
O contingente de desempregados no país chegou a 7,9 milhões de pessoas. Já o de pessoas com carteira assinada avançou 0,5 ponto percentual frente ao mesmo período de 2014, para 78,2% do trabalhadores do setor privado. A população ocupada ficou em 92,023 milhões. Houve uma queda de 0,9% na comparação com o trimestre anterior e uma alta de 0,8% frente ao mesmo o período de 2014.

A taxa de desocupação subiu em todas as regiões, em relação ao primeiro trimestre de 2014. No primeiro trimestre de 2015, a região Nordeste foi a que apresentou a maior taxa de desocupação (9,6%) e a região Sul, a menor (5,1%). No Centro-Oeste, do primeiro trimestre de 2014 para o primeiro trimestre de 2015, foi observada elevação de 1,5 ponto percentual na taxa de desocupação e nas regiões Norte e Sudeste, de 1 ponto percentual.

As análises apontaram diferenças significativas na taxa de desocupação entre homens e mulheres, comportamento verificado também nas cinco grandes regiões. No primeiro trimestre de 2014, a taxa ficou em 6,6% para os homens e 9,6% para as mulheres. Já entre os jovens de 18 a 24 anos de idade, a taxa foi de 17,6%, patamar elevado em relação à taxa média total (7,9%), comportamento verificado tanto para o Brasil, quanto para as cinco regiões.

Senado aprova projeto que regula direitos de trabalho doméstico no país

• Após 2 anos de debates, Senado regulamenta lei, que vai à sanção de Dilma

• Governo tentou evitar redução de alíquota da previdência, que pode tirar R$ 700 milhões da arrecadação por ano

Gabriela Guerreiro Flávia Foreque – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O Senado reduziu de 12% para 8% sobre a remuneração do empregado doméstico a contribuição previdenciária feita pelo empregador e regulamentou o recolhimento de FGTS para essa categoria profissional.

Após dois anos de discussões no Congresso, o projeto que regulamenta direitos de domésticos foi aprovado e segue agora para sanção da presidente Dilma. As regras passam a valer 120 dias após a sanção.

Entre as medidas decididas ontem está a alíquota de 8% sobre o salário do doméstico, para o FGTS. A cobrança do INSS, do IR e do fundo de garantia será unificada em um boleto único.

Também haverá o percentual de 0,8% de seguro por acidente de trabalho e o recolhimento mensal de 3,2% para um fundo que será utilizado pelo patrão se houver demissão sem justa causa.

Apesar de muitos benefícios estarem em vigor desde 2013, quando a chamada PEC das Domésticas foi aprovada, alguns direitos precisavam de aprovação do Legislativo.

Horas extras
O texto cria um banco de horas extras a ser compensado com folga num prazo de até um ano.

O pagamento das primeiras 40 horas extras do mês, no entanto, deverá ser feito em dinheiro.

O projeto abre caminho para ampliar a formalização dos empregados domésticos ao criar o Redom, um programa de refinanciamento de dívidas com o INSS.

O texto anistia integralmente as multas para quem formalizar empregados que atualmente não têm carteira assinada, além de parcelamento para o que estiver em atraso.

Derrota do governo
O governo trabalhou contra a mudança da alíquota previdenciária para não reduzir sua arrecadação --a perda foi estimada em R$ 700 milhões anuais--, mas acabou derrotado.

Tentou ainda manter o modelo clássico de 40% de multa do FGTS nas demissões sem justa causa, mas também saiu derrotado.

Após intensa polêmica na Câmara, os senadores estipularam o pagamento de contribuição sindical apenas para os empregados, no valor de um dia de trabalho por ano. Também incluíram a permissão para os patrões deduzirem a contribuição previdenciária dos empregados no Imposto de Renda.

Merval Pereira - Luta política

- O Globo

Foi uma segunda noite seguida de horrores para o Partido dos Trabalhadores. Não bastando que até Lula tivesse sido vítima de um panelaço nacional na véspera, ontem à noite os deputados petistas sofreram calados e sem condições de reação na votação do ajuste fiscal.

Já haviam sido constrangidos pelo PMDB, que exigiu uma posição formal do PT em apoio às medidas propostas, ameaçando não votar com o governo depois que a propaganda oficial do partido, coordenada por Lula e sem a presença da presidente Dilma, criticou as medidas como se elas fossem do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e não do governo. A própria CUT, o braço sindical petista, está convocando uma greve geral contra o "ajuste do Levy".

O líder do PT na Câmara, José Guimarães — o que teve um assessor preso na época do mensalão com dólares escondidos na cueca — , resumiu bem a questão ao dar seu voto: "O PT, com muita coragem, vota "sim " ". É preciso coragem mesmo para apoiar as medidas propostas, todas corretas do ponto de vista do equilíbrio financeiro do Estado, mas que só precisam ser adotadas para ajudar a tapar os buracos orçamentários criados pelo desacerto da "nova matriz econômica" da equipe do governo Dilma, sob sua vigilância permanente.

O problema do discurso governista é que ele não resiste à sua própria contradição. Ajustar para crescer é o slogan que tenta juntar duas palavras que se contrapõem: se é preciso reequilibrar as contas públicas para que a economia volte a crescer, é sinal de que está desequilibrada no momento. E a oposição passou a noite se divertindo, servindo ao PT doses homeopáticas de seu próprio veneno.

Quando o PT chegou ao governo federal em 2003, uma das primeiras medidas foi enviar ao Congresso uma proposta de reforma previdenciária em tudo semelhante à que o governo tucano tentara aprovar, contra a resistência petista. Perguntei ao petista João Paulo Cunha por que o PT agira assim no governo de Fernando Henrique, e ele me respondeu sem tergiversar: "luta política". Pois ontem foi um dia exemplar de como a "luta política" está sendo usada pela oposição para sangrar o PT.

Foi um desfile de discursos oposicionistas de todos os matizes ressaltando o ponto central: que o PT está traindo os trabalhadores, que o governo Dilma mentiu durante a campanha eleitoral. As táticas mais rasteiras do sindicalismo foram usadas, desta vez contra os governistas. Até dólares falsos com as caras da presidente Dilma e do ex-tesoureiro João Vaccari foram jogados das galerias sobre os deputados, e a CUT uniu-se à Força Sindical nos protestos contra o ajuste. A oposição obstruiu permanentemente as sessões, e a maioria governista não conseguia impor o ritmo, era uma maioria na defensiva, sem aquele vigor que o PT demonstrava "na defesa do trabalhador".

O máximo que conseguiram foi tentar criar uma falsa crise política, acusando o líder do PPS, deputado Roberto Freire, de ter agredido a deputada Jandira Feghali, provavelmente com o intuito de reverter o clima, que era claramente contrário aos governistas que se preparavam para aprovar o reajuste fiscal. Aprovável vitória governista, a ser confirmada ainda hoje em novas votações, não vai acontecer sem custos adicionais.

A oposição conseguiu fechar um acordo de votação nominal do texto principal e de destaques, como maneira de pressionar os governistas, que certamente temem ver seus nomes em cartazes espalhados pelo país como os "inimigos do povo". Igualzinho o PT passou a vida na oposição fazendo com os governistas de outrora.

Não se avançará no debate político com essa disputa radicalizada, mas não há a mínima indicação de que a oposição estenderá a mão para ajudar o governo, como pretendia Levy, técnico que veio das hostes tucanas para implantar medidas que provavelmente seriam aplicadas pela equipe econômica de um hipotético governo tucano, caso Aécio Neves tivesse vencido a eleição. Mas o PSDB alega que essas seriam medidas menores dentro de um amplo projeto de mudança na economia que o PT não apresentou.

Bernardo Mello Franco - A vitória amarga do PT

- Folha de S. Paulo

A aprovação da primeira medida provisória do ajuste fiscal é uma vitória amarga para o PT e para o governo Dilma Rousseff.

O texto empurra a conta da crise para os trabalhadores, ao restringir o acesso a benefícios como o abono salarial e o seguro-desemprego. Os afetados serão os mais pobres, que já sofrem com a inflação e as demissões em diversos setores da economia.

O pacote atinge a base social do petismo e expõe o rompimento das promessas de campanha da presidente, reeleita no ano passado.

Até a noite de terça, deputados do PT ainda criticavam o texto, enquanto o governo pressionava parlamentares de outros partidos aliados a votar a favor dos cortes. Foi preciso o PMDB ameaçar abandonar o barco para que os petistas aceitassem, a contragosto, assumir a defesa dos cortes. Uma defesa envergonhada, como se viu na votação desta quarta.

A bancada abaixou a cabeça enquanto a claque da Força Sindical xingava Dilma, gritava "Fora, PT" e atirava dólares sobre os governistas. Em uma inversão de papéis, deputados do PSDB subiam à tribuna para acusar petistas de defender os banqueiros e punir os trabalhadores.

"A oposição finalmente aprendeu a fazer oposição", divertia-se Lúcio Vieira Lima, do PMDB da Bahia.

A votação acabaria com um inusitado panelaço no plenário da Câmara, que deve estimular novas manifestações contra o governo e o PT.

Apesar do desgaste anunciado, a aprovação da medida evita um prejuízo ainda maior para o Planalto. Uma derrota significaria o estilhaçamento definitivo da bancada governista e poderia provocar a saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Líder da bancada da bala, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que afirmou que uma colega merecia "apanhar como homem", foi o campeão de votos no Distrito Federal em 2014. O ex-PM teve apoio de mais de 155 mil eleitores brasilienses.

Carlos Alberto Sardenberg - Quando a palestra parece lobby

• Sempre ficará a dúvida: contratariam Lula como palestrante se ele fosse apenas um político aposentado?

- O Globo

Quem já assistiu sabe o quanto é valiosa uma palestra do ex-presidente Bill Clinton. O homem parece saber de tudo o que se passa pelo mundo. E sabe mesmo. Ainda que seja uma pessoa pouco afeita ao trabalho pesado, como era Ronald Reagan, o presidente dos EUA tem que tratar de todos os problemas locais e globais. Sendo um político empenhado e um homem culto, Clinton acumulou enorme sabedoria. Além do mais, o cara tem o dom da fala e do bom humor. Charmoso, dizem os admiradores; demagogo, dizem os outros.

Agora, será que uma hora ou, vá lá, duas horas de palestra com Clinton valem US$ 700 mil? O ex-presidente fez quatro palestras nesse valor, duas delas para um jornal da Nigéria (!). Outras dez por 500 mil dólares e muitas na casa dos 100 mil, as mais baratas. Somando tudo desde 2001, Clinton ganhou US$ 104 milhões contando histórias por aí.

Não há como estabelecer o valor objetivo ou real de uma palestra. Mas o mercado define. Simples assim: se há contratantes que pagam o preço e se há pessoas que compram bilhetes para ouvir Clinton, então vale o que está no contrato.

Não é feio ganhar dinheiro nos EUA. Ao contrário, é reconhecimento de sucesso profissional. Ex-governante palestrante é um tipo de profissão mundial, inclusive no Brasil. Tony Blair ficou rico. Lula e FH ganham bom dinheiro com isso. Como disse o próprio Clinton, "a gente tem de pagar as contas".

Mas por que os jornalistas americanos têm levantado esse tema? Porque Clinton não é apenas ex-presidente. É o marido de Hillary, fortíssima candidata a presidente. E que foi uma poderosa secretária de Estado.

Uma coisa é contratar um político aposentado; outra, bem diferente, é pagar 500 mil dólares para um provável futuro "primeiro cavalheiro" da Casa Branca.

Clinton fez palestras quando Hillary era secretária de Estado, quando ela concorreu com Obama pela indicação democrata e diz que vai continuar no mercado mesmo durante a atual campanha.

Além disso, o ex-presidente mantém a Fundação Clinton, uma instituição filantrópica que recolhe muito dinheiro para ações meritórias, como a ajuda às vítimas do terremoto no Haiti, em 2010. Só neste caso, a fundação recebeu uma doação de 500 mil dólares do governo da Argélia.

O dinheiro foi todo, comprovadamente, para o Haiti. Ninguém duvida disso. Mas, nessa época, o governo da Argélia estava tentando sair da lista americana de países que violam os direitos humanos.

Pois é. Parece, não é mesmo?

Bill Clinton reconheceu que houve um erro aí. A fundação, disse, não poderia ter recebido doações de governos enquanto Hillary fosse secretária de Estado. E informou que foi apenas aquele caso.

Fora dessa época, Clinton levantou milhões na física e na PJ junto a governos diversos, bancos (inclusive russos), empresas e fundações mundo afora.

Esse é um tema que atinge a candidatura de Hillary, cujo foco central é a empobrecida classe média americana. Como disse o jornal "Financial Times", depois de ressalvar a qualidade e o mérito da filantropia de Bill: "Desafia o bom senso acreditar que governos dariam dinheiro para uma fundação americana que não carregasse o nome Clinton".

O ex-presidente e Hillary dizem que isso é coisa de campanha, mas reagiram de um modo muito positivo: ampla informação, transparência. Ou seja, todos sabem quanto Bill Clinton recebe por palestras, de quem recebe e sabem que esse dinheiro é na física. É pública a contabilidade da fundação, com informações detalhadas de receitas e gastos.

Quanto vale uma palestra do ex-presidente Lula? Aliás, Lula é um ótimo palestrante, embora sua fala perca muito quando é traduzida. Mas o valor da atividade é problema dele e dos seus contratantes. É na física? Tudo certo. Vai ficar rico? Dinheiro dele.

Mas falta transparência, especialmente porque Lula, se não continua no governo, tem óbvia influência sobre o aparelho de Estado brasileiro.

Eis, portanto, o caso: uma empresa brasileira, que fez negócios com o governo Lula, contrata o ex-presidente para falar em outros países e conversar com os governantes locais, que contratam obras daquela empresa brasileira, com financiamento de um banco público brasileiro.

Como no caso Clinton, é só uma palestra ou pode ser um lobby? Pode não ser, claro, mas parece.

A resposta tem que ser como no caso Clinton. Quem contrata Lula? Quanto paga? Como foi o evento? E sobretudo, em quais condições o BNDES financia as obras externas de empreiteiras que contratam o ex-presidente?

Sempre ficará a dúvida: contratariam Lula se fosse apenas um político aposentado? A transparência da contabilidade ajudaria a dissipá-la.

E FH? Como ex-presidente, tem compromisso com a transparência, mas sua situação é obviamente mais tranquila. Quem pensasse em contratá-lo como lobista estaria muito mal informado.

-------------------------
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Vinicius Torres Freire - Dilma 1 e a regressão da indústria

• Investimento deve levar tombo que não se via desde o século passado; indústria encolhe faz meia década

- Folha de S. Paulo

O investimento em capacidade produtiva extra está com cara de levar o maior tombo em 13 ou 16 anos, pelo andar da carruagem da produção de máquinas e equipamentos industriais, sobre o que há estatísticas até março. No caso da construção, as informações são mais nebulosas, mas o cheiro de queimado é intenso, pois há colapso nas obras pesadas, o setor imobiliário encolhe de modo alarmante.

O investimento varia de modo abrupto. Cai e sobe rapidamente, em geral. Vai ser assim, outra vez?

A resposta depende da análise dos males da indústria e da possibilidade de colocar alguma ordem no setor de construção.

A tendência da indústria é de declínio desde 2010 ou 2011, ano inaugural de Dilma 1. Os investimentos em obras grandes estão em colapso devido à ruína da Petrobras e do setor de petróleo, à ruína das empresas corruptas da Lava Jato e ao corte brutal de gastos do governo, que talhou quase um terço de seus investimentos neste ano.

A produção industrial encolheu 6% no primeiro trimestre de 2015 (em relação ao primeiro de 2014). A produção de bens de capital (de investimento), em particular, desabou 18%. Em 12 meses, os tombos foram, respectivamente, de 3,5% e 12,4%. O ritmo de importações de bens de capital, em geral associado ao ritmo de produção e investimento domésticos, indica que a coisa não melhorou em abril.

Em ano de recessão, não seria de espantar tamanho tombo. O problema, repita-se, é que a indústria encolhe desde 2011, com algumas melhoradas breves, em geral devidas à anabolizantes que o governo injetou na economia.

A produção industrial está em um nível uns 8% menor que o de meados de 2013. No primeiro semestre daquele ano, haviam decerto diminuído alguns temores de que o euro fosse à breca, entre outras crises que então ficavam menos feias. Talvez mais importante, o país ainda estava na marchinha forçada imposta por Dilma 1, que distribuía incentivos fiscais e de crédito a fim de reanimar a economia no muque.

Não poderia durar, entre outros motivos, porque tal política econômica inflacionava o Brasil (elevava custos) em um mundo em deflação. A indústria, já padecendo de jequice isolacionista e improdutiva (por protecionismos vários), de ineficiências crônicas do Brasil e de dólar barato (que encarecia o produto brasileiro), teve de engolir alta adicional de custos. Não poderia prestar, não prestou.

A política econômica de Dilma 1, além de causar desordem no sistema de preços e outras ineficiências, resultou em deficit público pré-falimentar, em inflação extra, juros mais altos e incerteza regulatória aguda; contribuiu sobremaneira também para o tumulto político, realimentando o desânimo econômico.

No curto prazo, como a indústria pode ao menos tirar o pé do pântano? Talvez por meio dessa coisa horrível que se chama "ajuste", que no fim das contas significa redução de salários médios, o que virá por meio da combinação de algum desemprego com alguma desvalorização do real. Contas públicas em ordem mínima e juros em queda decerto vão dar uma animada, o de costume.

E depois de amanhã? Qual o projeto para tornar a economia mais eficiente?

Celso Ming - A indústria está doente

• Esse mau desempenho da indústria não pode ser debitado à política de ajuste, que apenas começou; Tem tudo a ver com decisões equivocadas de política econômica a partir da segunda metade do primeiro mandato Lula

- O Estado de S. Paulo

A produção da indústria teve mais uma queda forte em março. Foi de 0,8% em relação a fevereiro, mês mais curto com feriados de carnaval.

No trimestre, o recuo foi de 5,9%, o maior desde 2009. E essa retração aponta para um avanço do PIB neste 1.º trimestre também negativo, provavelmente de magnitude de menos 0,3% a menos 0,5%. No período de 12 meses terminado em março, a indústria produziu menos 4,7% do que nos 12 meses anteriores.

Número mais preocupante é o desempenho ainda pior do setor de bens de capital (máquinas e equipamentos), que acumula queda de produção de 13,8% nos últimos 12 meses. Indica que o investimento vai mal e, portanto, que o aumento de produção futura também está comprometido.

Por enquanto, o desemprego ainda não atingiu em cheio a indústria. Mas todos os dias há notícias de dispensas de pessoal, lay-off (suspensões temporárias de contratos), planos de demissão voluntária e férias coletivas. A perspectiva é de que o mercado, tão esquentado até recentemente, comece a virar.
Esse mau desempenho da indústria não pode ser debitado à política de ajuste, que apenas começou. Tem tudo a ver com decisões equivocadas de política econômica a partir da segunda metade do primeiro mandato Lula.

A política industrial tem sido caótica, baseada em puxadinhos e remendos, que logo em seguida não podem ser mantidos, seja porque o Tesouro está espremido demais, seja porque não dão resultado, como aconteceu com as reduções tributárias na compra de veículos e aparelhos domésticos ou nas desonerações, que depois se mostraram excessivas.

Os critérios para distribuir favores são esdrúxulos. Quase sempre, recebe mais quem grita mais, tem mais lobby ou mais contribui para campanhas eleitorais.
E mais, o governo preferiu alianças comerciais com vizinhos esfarrapados que trancam suas importações para o Brasil (embora as abram para a China) do que com países de melhor poder aquisitivo.

A indústria está doente. Durante muitos anos, os dirigentes das entidades representativas dos empresários culparam o câmbio baixo e os juros altos demais e, até mesmo, o excessivo custo Brasil pelas agruras do setor. Hoje, parece consolidada a percepção de que a baixíssima competitividade da indústria vai além dos suspeitos de sempre. Está envelhecida e mal-acostumada com excesso de proteção e de reservas de mercado. Para tudo quer altas barreiras alfandegárias e reluta em modernizar-se.

Até países que se industrializaram anteontem, como a Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura, conseguem ser mais dinâmicos e colocar no mercado internacional produtos de melhor qualidade do que a indústria brasileira. Alguém bota defeito em carro coreano? E, no entanto, não há setor industrial no Brasil que tenha obtido mais favores do que o de veículos.

O empresário é vítima, mas também tem sido conivente com esse jogo. Tende sempre a abanar o rabo a cada torresmo que o governo lhe atira e se mostra menos disposto a batalhar por decisões estruturais que deem horizonte e sustentabilidade. Não é à toa que temos os números que estão no gráfico acima.

Exportações
Os números divulgados nesta quarta-feira pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) apresentam aparente discordância com os do IBGE. A Abimaq mostra que o faturamento bruto do 1º trimestre cresceu 8,7%. Para o IBGE, a produção caiu 18,0%. Em parte a diferença se explica pelo aumento das exportações, beneficiadas pela desvalorização do real ante o dólar. As vendas no mercado interno recuaram 16,8%.

Míriam Leitão - Razão do ajuste

- O Globo

As medidas do ajuste fiscal não economizam muito, mas vão exatamente em alguns pontos de escalada de aumento de gastos. As despesas com seguro-desemprego e abono salarial dobraram como percentual do PIB. Se não for através do controle desses itens, terá que haver aumento de impostos . Mas a carga tributária subiu até em 2014, ano de PIB estagnado, segundo o IBPT, e bateu novo recorde.

O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IB PT) acaba de divulgar que a carga tributária subiu de 35,04% para 35,42% do PIB no ano passado, uma alta de 0,38 p.p. em ano de economia parada. Nunca foi tão alta. O brasileiro em 2015 terá que trabalhar de janeiro a maio apenas para pagar tributos aos governos municipal, estadual e federal. Ao longo dos quatro anos do governo Dilma, a elevação total da carga chegou a 1,66 ponto percentual do PIB. Forte incremento, principalmente se for considerado que alguns setores tiveram desonerações. Isso significa que o resto da economia teve que pagar muito mais. Esses dados mostram que o caminho de aumento da carga tributária já se esgotou. Os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique também tinham elevado fortemente o peso dos impostos.

A única saída é olhar para os gastos e ver quais precisam de mais controle. O economista Mansueto de Almeida contou que a despesa do governo com seguro-desemprego e abono saiu de 0,49% do PIB, em 2004, para 0,98%, dez anos depois. Subiu em percentuais do PIB, o que é uma insensatez e uma contradição. Afinal, neste período, o desemprego caiu. Evidentemente, era necessário fazer alguma coisa a respeito. Em números absolutos, os gastos saltaram de R$ 9,5 bilhões para R$ 53,8 bilhões. Uma escalada descontrolada. —Há razões para o estouro no custo desses benefícios, como o aumento do salário mínimo, a formalização, a rotatividade, que é uma das maiores do mundo — disse Mansueto ao meu blog.

Mesmo assim, é espantoso, porque, segundo dados do próprio economista, no período em que o desemprego estava mais alto , no governo FHC, o aumento foi modesto. De 1997 a 2004, os dois benefícios ficaram entre 0,46% e 0,49% do PIB. A proposta da equipe econômica apenas dificulta o acesso ao primeiro seguro-desemprego e exige um pouco mais de tempo trabalhado para o direito ao abono. No seguro-desemprego, o tempo exigido saía de seis meses para 18 meses. No Congresso, já foi reduzido para 12 meses. O acesso ao abono saiu de um mês trabalhado para seis meses, mas no Congresso já caiu para três meses. O avanço das últimas horas não garante que as MPs serão aprovadas nas duas Casas, porque, com a briga intestina da base parlamentar, o acordo de hoje vira o conflito de amanhã.

Além disso, há o temor de que, mesmo com as medidas aprovadas, elas acabem carregando propostas que aumentem outros gastos, como o fim do Fator Previdenciário. Na equipe econômica, argumenta- se que a aprovação ajuda a quebrar paradigmas. O primeiro é o de que todos tenham direito, independentemente da idade, a receber pensão vitalícia em caso de morte do cônjuge. Sendo votado em ambas as Casas, seria a primeira vez que se permitiria a diferenciação que existe em vários países do mundo . O problema é que se isso passar ao preço do fim do Fator Previdenciário, o ônus ser á muito maior do que o bônus. O fato é que o governo mandou um ajuste tímido ao Congresso e até agora não há certeza de que ser á aprovado na Câmara e no Senado, porque as propostas foram apanhadas no meio do tiroteio político da base de sustentação do governo Dilma.

A mudança no abono e no seguro-desemprego deveria ter sido feita em época de crescimento da renda e de emprego, mas o governo, em campanha eleitoral, não apenas não fez, como a presidente negou que mudaria os benefícios, proferindo a frase: "nem que a vaca tussa ." Quando falou isso , ela já conhecia esses número se sabia que seria inevitável fazer as mudanças . O ministro Levy disse que, sem as MPs, o corte de gastos no Orçamento será grande. Será grande, de qualquer maneira, a menos que Levy desista de atingir a meta de 1,2% do PIB de superávit primário. Quem vota achando que isso aliviará a conta poderá cobrar do governo depois. O tempo é de incerteza. A crise política está tornando o momento econômico ainda mais difícil

Jarbas de Holanda- Esvaziamento e reação de Temer. E custo e risco maiores do ajuste fiscal

O papel de coordenador político do governo Dilma, atribuído pela presidente ao vice Michel Temer, sofreu sensível abalo restritivo na passagem de abril para maio. A função maior de tal papel é, ou seria, a de recompor as deterioradas relações entre os presidentes peemedebistas das duas casas do Congresso e o Executivo. Tendo em vista basicamente a aprovação das medidas do ajuste fiscal. E com as implicações de tratamento do PMDB rebelado como principal partido de sustentação do Palácio do Planalto. Assumidas, de um lado, por Dilma como alternativa a um agravamento da crise de governabilidade, capaz de escancarar as portas políticoinstitucionais à demanda popular de impeachment. E, de outro, as vinculadas a duplo objetivo do ex-presidente Lula: fechar essas portas e seduzir a cúpula do PMDB para apoio à sua candidatura a um terceiro mandato.

O preparo e a realização dos eventos de 1º de Maio puseram em xeque as metas, explícitas e implícitas, confiadas a Temer. O presidente do Senado, Renan Calheiros, além de crítica ferina à chefe do governo pelo cancelamento do discurso (tradicional) em rede de rádio e televisão sobre a data “por não ter o que dizer aos trabalhadores”, avaliou as medidas do ajuste como “desajustes que penalizam o trabalhador”. Depois de, na véspera, haver desqualificado funções atribuídas a Temer associando-as à prática do PT de aparelhamento do Estado, por meio da distribuição de cargos e “boquinhas”. Por seu turno, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aparecia sorridente ao lado de Aécio Neves no ato comemorativo do Dia do Trabalho, promovido pela Força Sindical, com forte teor oposicionista. No dia seguinte, afirmou que poderá acolher pedido de impeachment de Dilma para submetê-lo a pareceres jurídicos sobre sua consistência institucional, desde que proposto por todos os partidos de oposição. E, ontem à noite, infligiu pesada derrota ao Palácio do Planalto com a aprovação final pela Câmara – por 333 votos a favor contra 144 do PT e aliados esquerdistas – da chamada PEC da Bengala. Quanto ao ex-presidente Lula, centrou sua participação no ato de 1º de Maio realizado pela CUT em São Paulo em ataques ao projeto de terceirização de serviços aprovado na Câmara e a medidas do ajuste fiscal, apontando para o cartaz destacado no palanque – “Abaixo Plano Levy. Derrotar as MPs 664 e 665, que cortam benefícios sociais”.

 A reafirmação do papel de Temer passa pela e depende da aprovação das duas Medidas Provisórias, básicas para o ajuste fiscal, que alteram regras do seguro-desemprego, do abono salarial, do seguro-defeso (de pescadores), da pensão por morte, do salário reclusão. As quais, juntamente com a que reduz a desoneração da folha de pagamento das empresas, são decisivas para uma queda das despesas da União. Prevista para representar uma economia de R$ 18 bilhões, já reavaliada para bem menos em face de sucessivas concessões negociadas na Câmara e no Senado. A obtenção de respaldo legislativo às duas MPs propiciará a Michel Temer uma reafirmação, mesmo que provisória, de seu papel de articulador político do governo. E um alívio político-institucional à presidente. Ademais de reduzir as preocupações do mercado, interno e externo, com as incertezas sobre o ajuste. Para tanto, ele dirigiu fortes apelos às lideranças do conjunto dos partidos da base governista, reforçados pela advertência de que a alternativa às MPs será um “contingenciamento radical” das verbas orçamentárias dos ministérios por eles ocupados. E cobrou a unidade de votos favoráveis das bancadas do PT (improvável por causa da subordinação de parte delas à CUT), implicitamente, assim, atribuindo a uma divisão dessas bancadas um eventual peso maior de votos contrários nas do PMDB (e de outros partidos da referida base), a fim de evitarem assumir, em lugar dos petistas, o desgaste maior do respaldo a medidas impopulares.

 Por outro lado, uma rejeição das duas MPs ou uma desfiguração muito grande delas agravarão o mix de crises política e econômica, que sacode o país. Acentuando os problemas da relação conflituosa entre o Congresso e um Executivo extremamente fragilizado. Que tornarão ainda mais precária a governabilidade. E, no plano da economia, condicionando por inteiro a viabilização das metas – sérias mas insuficientes – do ajuste fiscal a custos ainda maiores para as atividades produtivas e para o conjunto da sociedade. Com recessão e desemprego mais agudos, aumento da carga tributária, persistência da pressão inflacionária (turbinada pela correção do populismo tarifário do governo anterior) e da consequência de juros elevadíssimos. Num contexto que amplia o risco de rebaixamento do crédito externo do país ao grau especulativo (conforme advertências feitas pelo próprio ministro Joaquim Levy). A isso tudo juntando-se os efeitos, econômicos e sociais, dos desdobramentos da operação Lava-Jato. De par com o revigoramento da movimentação social e política do “fora Dilma” e “ fora PT”, reavivados ontem pelos grandes panelaços e buzinaços, na hora da transmissão do programa do partido.

Jarbas de Holanda é jornalista

Nunca antes na história – Editorial / Folha de S. Paulo

• Panelaço durante programa do PT mostra o quanto a sigla se desgastou; partido tentou proteger Dilma e terminou por expor Lula

Para usar um bordão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nunca antes na história o PT viu sua imagem se desgastar de forma tão acentuada quanto agora, e o buzinaço e o panelaço que acompanharam o programa de rádio e TV do partido, na terça-feira (5) à noite, constituíram mais uma medida audível desse malogro.

Não representavam, como se sabe, novidade na conjuntura brasileira. Desde o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff (PT) no Dia da Mulher, há dois meses, atos dessa natureza se incorporaram à disputa política nacional.

Nas demais ocasiões, contudo, protestava-se contra uma presidente fragilizada e um governo que, vitorioso por estreitíssima margem em outubro, só vinha reforçando a sensação de estelionato eleitoral.

Dessa vez, o alvo era a agremiação que comanda o país desde 2003. O fato de que depoimentos de Dilma nem sequer foram incorporados à propaganda de sua própria legenda não serviu para desmobilizar as manifestações.

Ao contrário, elas tiveram sua força renovada em pelo menos um sentido. Procurando esconder a presidente --algo em si bizarro--, o PT terminou por expor Lula, figura que a sigla sempre considerou um trunfo para eleições futuras.

Mais que isso, o partido exibiu o quanto há de dessintonia entre sua cúpula e o governo que ajuda a sustentar. Exaltavam-se não as ações da mandatária, mas bandeiras da agremiação, como se esta pudesse, aos poucos, desvencilhar-se da baixa popularidade de Dilma.

Mesmo que a tarefa pudesse ser levada a cabo, como a legenda se desgarraria de sua própria sombra? Segundo o Datafolha, em torno de 13% dos eleitores hoje dizem preferir o PT aos demais (eram 22% em dezembro); na crise do mensalão, essa fatia não caiu abaixo de 15%.

Pode-se atribuir tamanha corrosão a muitos fatores, mas dificilmente algum terá maior peso que o envolvimento reiterado em escândalos de corrupção.

Basta notar que Rui Falcão, presidente nacional da sigla, considerou oportuno enfatizar que petistas culpados ao fim de um processo judicial serão desligados da agremiação. Em outros tempos, quando o partido ainda podia se declarar arauto da moralidade política, tal declaração seria desnecessária --a expulsão estava presumida.

Hoje, ela soa pouco mais que demagógica. Apegando-se ao princípio de que leis penais não retroagem em prejuízo do réu, dirigentes do PT pretendem preservar os condenados pelo mensalão. Tudo leva a crer que, mais uma vez, o partido usou a rede nacional para fazer propaganda enganosa.

Na senda do retrocesso – Editorial / O Estado de S. Paulo

Não é exatamente um espetáculo de que os brasileiros se possam orgulhar, pois exibe sem retoques os meandros da política rasteira que impera em Brasília, mas as surras humilhantes que o PT tem sofrido no Congresso colocam a nu a triste figura a que acabou reduzido um partido político que chegou ao poder com a pretensão de inventar um novo país e hoje, afogado na própria soberba e em contradições insanáveis, tateia às cegas à procura da saída de emergência da encrenca em que se meteu ao mergulhar o Brasil na atual crise política, econômica, social e moral.

A aprovação pela Câmara dos Deputados, na noite de terça-feira, da chamada PEC da Bengala, proposta de emenda constitucional que eleva de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria de funcionários públicos e ministros de tribunais superiores, está longe de ser uma providência legal urgente e prioritária, tanto que estava engavetada na Câmara havia muitos anos. Mas foi retirada do limbo e incluída na pauta de votação em plenário pelo presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB), numa demonstração de força em sua queda de braço com o Planalto.

Com mais essa lição de manipulação política que impõe ao governo e seu partido, Eduardo Cunha coloca Dilma Rousseff e o PT contra a parede no momento delicado em que a Câmara está na iminência de votar as Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665, essenciais ao projeto de ajuste fiscal. Os deputados poderiam ter votado pelo menos uma dessas duas MPs na terça-feira, mas Eduardo Cunha encerrou a sessão em que a matéria estava sendo discutida e em seguida abriu uma sessão extraordinária para discussão e votação da PEC da Bengala. Foi uma manobra claramente destinada a neutralizar uma esperteza do PT.

As MPs 664 e 665, na medida em que impõem restrições a benefícios trabalhistas como parte do ajuste fiscal, provocam reações negativas dentro do próprio partido do governo, que teme perder votos por apoiar medidas impopulares. O PT quer apenas tudo: ver aprovadas as medidas que possibilitarão colocar em ordem as contas do governo e, ao mesmo tempo, manter a pose de não fazer concessões "na defesa dos trabalhadores".

Ao longo de toda a tarde de terça-feira o Planalto se empenhou, inclusive por meio da mobilização de ministros, em convencer os petistas a aprovar as MPs. Chegou-se a anunciar que o problema estava resolvido, mas, ao contrário do que se esperava, o PT não fechou questão em torno da matéria, num claro sinal de que seriam toleradas dissensões que, na verdade, eram desejadas. As raposas peemedebistas imediatamente reagiram a essa tentativa marota de jogar sobre seus ombros a responsabilidade pela aprovação das medidas impopulares. Até porque, em seu programa exibido na mesma noite na TV - aquele que foi recebido em todo o País com um ruidoso panelaço -, o PT fez questão de se colocar na defesa intransigente dos direitos trabalhistas. O resultado foi a fragorosa derrota do governo, com a aprovação da PEC da Bengala, por 333 votos a favor, 144 contra e 10 abstenções.

É inacreditável a vulgaridade a que os parlamentares brasileiros - ressalvadas honrosas exceções - relegaram o exercício do poder legislativo. O comando da Câmara dos Deputados foi empolgado por um hábil manipulador comprometido com a visão de mundo do chamado baixo clero. O Senado permanece sob o talante de um notório oportunista cujas convicções políticas variam conforme seus próprios interesses. Assim, o Poder Legislativo alia sua pouca confiabilidade à incompetência do Poder Executivo, protagonizando juntos o circo de horrores de um país que corre o risco de regredir social e economicamente.

Contra esse tenebroso pano de fundo há o fato auspicioso de que os brasileiros, principalmente de classe média, despertam para a necessidade de se fazerem ouvir. Têm à sua disposição os instrumentos institucionais de um regime democrático ainda incipiente, mas suficientemente sólido para continuar evoluindo. É um caminho que exige paciência e a cautela de evitar atalhos autocráticos. Fora dele, é o retrocesso.

O impossível malabarismo do PT – Editorial / O Globo

O Paraíso do político é aquele lugar em que ele pode ser oposição ou situação, sem ônus, a depender das circunstâncias. Vive em estado de glorificação, entre epifanias múltiplas. Pois é a manobra que o PT tentou, ou sua fração majoritária do lulopetismo, ao colocar no ar, na noite de terça, com Lula de âncora, um programa eleitoral embalado no discurso eleitoreiro da "defesa do trabalhador", num estilo oposicionista, enquanto o partido está sendo forçado a apoiar o ajuste fiscal no Congresso, única forma de evitar o aprofundamento da crise econômica e dar sustentação a Dilma.

O panelaço que ecoou em várias cidades, durante o programa, sinalizou que o truque de fingir ser oposição na TV, enquanto precisa ser governo no Congresso, não funcionou. O som de panelas e de buzinaços que acompanharam o programa deve ser entendido como um alerta ao partido, acometido, por ironia, da antiga síndrome tucana de ficar em cima do muro, diante do apoio a um governo cuja presidente é petista.

A propaganda do partido, muito centrada em críticas à terceirização, cuja regulamentação passou pela Câmara e precisa ser aprovada no Senado, levou o PMDB a cobrar, na manhã de ontem, uma definição do PT: se ele, da base do governo, votaria nas medidas do ajuste fiscal (as MPs 664 e 665, da eliminação de abusos em benefícios previdenciários, no seguro-desemprego e abono salarial) ou não. Neste caso, o PMDB tomaria a mesma posição, e estaria decretada a demolição definitiva da já abalada base parlamentar do Planalto. No regime parlamentarista, seria o caso da convocação de novas eleições legislativas. Na tarde de ontem, enquanto o vice-presidente Michel Temer, responsável pela coordenação política do governo, se movimentava, o PT formalizou apoio ao ajuste, e tudo parecia se encaminhar para o início da votação das medidas provisórias na Câmara.

Mas este surto de perda de identidade do PT produz estragos irreversíveis. Ao fragilizar a base governamental, dá espaço ao presidente da Câmara, o peemedebista Eduardo Cunha, para seguir na sua linha "independente", aproveitando-se das fragilidades políticas de um Planalto sem apoio inclusive entre petistas. É isso que permitiu a Cunha, numa manobra regimental, aproveitar o quórum obtido para a votação de medidas do ajuste fiscal e aprovar a "PEC da Bengala", tirando de Dilma o trunfo de indicar pelo menos mais cinco ministros do Supremo.

Tem lógica estender de 70 para 75 anos o limite de idade para a aposentadoria de ministros, mas a imprevista aprovação definitiva da PEC foi evidente retaliação contra Dilma, orquestrada por quem considera estar implicado no petrolão também devido ao governo.

Não há espaço vazio em política. Nem o vice-presidente Michel Temer consegue revogar esta verdade: diante de uma presidente acanhada, sem apoio claro no próprio partido, que aparece na TV com ares de oposição, outros interesses políticos avançam.