quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Luiz Werneck Vianna* - A propósito do amigo Almeida

-Prefácio do livro: Almeida – Um combatente da democracia

 Bertolt Brecht foi o poeta inigualável de tempos sombrios que ele viveu na Alemanha nazista e no seu amargurado exílio, “trocando de países mais que de sapatos através das guerras e das lutas de classes, desesperados quando havia só injustiça e nenhuma revolta”. Em sua heroica luta contra a barbárie, em nome de uma “preparação do solo para a gentileza”, rogou aos pósteros “que se lembrassem de nós com benevolência”.

Almeida, companheiro de lutas dos ideais democráticos da sua geração, é um veterano da resistência em tempos sombrios, primeiro nos de 1964 a 1985, que atalhou sua mocidade, e agora nesses malfadados dias presentes que exigem dos membros da sua geração a mobilização das forças que ainda lhes restam para afastar a ameaça fascista que nos ronda.

Nesses dois tempos contamos com a presença de Almeida, sertanejo rijo como sua gente, articulador de pessoas e coisas na luta comum. Com ele já dissipamos no passado tempos sombrios, e com quem ainda contamos para buscar a saída desse maldito labirinto que nos empesteia a vida. Nas lutas sociais há os que se destacam em certos momentos, e por isso devem ser celebrados, mas os que dedicam sem pausa a sua história pessoal a essas lutas devem ser reverenciados por sua exemplar obstinação em perseguir a vitória.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio

Merval Pereira - O Bolsonaro dos EUA

- O Globo

A gravidade dos acontecimentos em Washington, onde militantes a favor de Trump cercaram e invadiram o Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos, impedindo a formalização da eleição de Joe Biden como novo presidente, tem repercussão no mundo ocidental como um todo, e entre nós, que temos um presidente da República que já se mostrou capaz de estimular a tentativa de desacreditar instituições democráticas como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

Veio imediatamente à mente a possibilidade de os mesmos ataques acontecerem no Brasil caso Bolsonaro seja impedido de continuar suas loucuras antes do término do mandato, ou perca a eleição presidencial do ano que vem, como aconteceu com seu ídolo Donald Trump. Bolsonaro já denunciou fraude na eleição presidencial que ele mesmo venceu, e diz que a urna digital é sujeita a manipulações. Pois ele não gosta de ser chamado de “Trump dos Trópicos”?

Ao mesmo tempo em que, na capital, a democracia americana era desafiada por uma horda incentivada pelo próprio presidente da República, na Geórgia, um estado confederado, pela primeira vez na história um senador negro era eleito, o pastor Raphael Warnock, que atua na mesma igreja do Reverendo Martin Luther King. Essa vitória uniu-se a outra, de Jon Ossof, um jornalista e produtor de cinema.

A garantia da maioria no Senado para o partido de Biden foi uma resposta clara do eleitorado americano de apoio a uma mudança radical do novo governante, que terá nos primeiros dois anos as duas Casas do Congresso com maioria para aprovar as reformas que pretende.

William Waack - Autoridade perdida

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro está se empenhando para se tornar cada vez menos respeitado

Entre um país que está quebrado (Bolsonaro, na terça) ou que está uma maravilha (Bolsonaro, na quarta) há uma enorme diferença. Ela é igual ao tamanho da perda de credibilidade de quem faz essas afirmações de forma tão inconsequente. Um presidente que se gaba num dia de ter poder para quase tudo, e no outro declara que não pode nada.

Por achar que para governar bastava ser engraçadinho com a claque à qual se dirige na porta do Alvorada – além de animador de auditórios virtuais –, Bolsonaro arriscou a credibilidade e perdeu a autoridade. Do ponto de vista formal (do relacionamento entre os poderes, por exemplo), a autoridade do presidente já vinha sendo encurtada desde o primeiro dia de mandato pela incapacidade dele de liderar e se articular frente ao Legislativo e ao Judiciário.

Em outras palavras, a caneta do presidente tem menos tinta hoje do que há dois anos. Mas a autoridade política, subjetiva, se deteriorou mais rápido ainda com a pandemia. Uma coisa é ser falastrão diante de desafios da política, como os de levar adiante reformas estruturantes, desatar os nós da economia, derrubar o governo da Venezuela, peitar os críticos internacionais das políticas ambientais, prometer maravilhas e por aí vai.

Eliane Cantanhêde - O alvo foi o Capitólio, não as Torres Gêmeas, mas também foi terrorismo

- O Estado de S. Paulo

Havia clara previsão de tumultos, depois da ordem de comando de Trump para seus seguidores entrarem em ação. E ele é o grande culpado

Não foi a Al Qaeda, não foram as Torres Gêmeas, não morreram quase três mil americanos, mas ainda assim o que ocorreu na (ainda) maior democracia do mundo não tem outro nome: foi terrorismo, um terrorismo doméstico, interno, contra o Capitólio (o Congresso dos Estados Unidos) e atiçado pelo próprio presidente da República, Donald Trump. E onde estava a Força Nacional?

É de uma gravidade imensa para os EUA e para o mundo, jogando luzes e temores também na democracia brasileira. Não é exagero. Afinal, o presidente Jair Bolsonaro segue todos os passos de Trump, contra o multilateralismo, o Acordo de Paris, a China e todas as orientações científicas no combate à pandemia – da “gripezinha” ao estímulo à cloroquina e ao pouco caso com as vacinas. E, como Trump, ataca o sistema eleitoral, joga denúncias irreais e irresponsáveis de fraudes no ar.

Mas não é só isso. Aqui no Brasil, como lá nos EUA, Bolsonaro e Trump jamais abrem a boca para condenar assassinatos cruéis cometidos por policiais contra negros e pobres, mas fazem todo um jogo de aproximação com as forças policiais e militares. Lá, as Forças Armadas, aparentemente, não caíram na esparrela. E aqui?

Chamam a atenção: 1) o quase embaixador em Washington Eduardo Bolsonaro estar nos EUA, confraternizando com os Trump justamente neste momento; 2) o tuíte misterioso do assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, com uma mensagem que parecia ser “a cobra está fumando” e deixou a turba bolsonarista em êxtase, antes de ser apagada; 3) o silêncio do governo brasileiro.

Thomas L. Friedman - Nunca se esqueçam dos que tentaram um golpe de Estado

- The New York Times / O Estado de S. Paulo

Para que os Estados Unidos voltem a ser um país saudável, os republicanos decentes precisam romper com este Partido Republicano atrelado ao culto de Trump

O Novo Testamento nos pede no Evangelho de São Marcos 8:36: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”.

Os senadores Josh Hawley, Ted CruzRon Johnson e todos os seus colegas do Partido Republicano que tramaram o golpe claramente esqueceram deste versículo – se é que o conheciam – pois estão dispostos a sacrificar as próprias almas, a alma do seu partido e a alma dos Estados Unidos – nossa tradição de eleições livres e justas como o meio para a transferência do poder – a fim de que Donald Trump continue presidente e um destes sacanas possa eventualmente substituí-lo. 

A “filosofia” em que se baseiam estes republicanos sem princípios que cultuam Trump é incontestavelmente clara: “A democracia é boa para nós enquanto mecanismo que nos permita estar no controle. Se não detivermos no poder, para o inferno com as normas e para o inferno com o sistema. O poder não emana da vontade do povo – ele emana da nossa vontade e da vontade do nosso líder’.

Para que os Estados Unidos voltem a ser um país saudável, os republicanos decentes – no governo e nos negócios -  precisam romper com este Partido Republicano atrelado ao culto de Trump e fundar o seu próprio partido. É uma tarefa urgente.

Mesmo que apenas um pequeno grupo de legisladores de centro-direita que se pautam por princípios – e os grandes empresários que os financiam – rompessem e formassem sua própria coalizão conservadora, eles se tornariam tremendamente influentes no Senado, hoje tão dividido. Eles seriam uma facção crucial na mudança que ajudaria a decidir se uma legislação aprovada por Biden seria moderada ou fracassaria. 

Míriam Leitão - Golpe de Trump alerta o Brasil

- O Globo

Como um Nero dos nossos tempos, o presidente Trump criou um tumulto social, incendiou o país com mentiras e ficou no Salão Oval vendo o fogo cercar as instituições americanas. O Brasil pode apenas observar ou pode se proteger. Esse é exatamente o plano do presidente Bolsonaro e por isso ele alimenta desde 2018 a teoria conspiratória em torno da urna eletrônica, das leis eleitorais do país, do STF. Ele planta para colher o que vimos ontem acontecer em Washington.

A democracia americana tem regras complexas de apuração da vontade popular, mas tem instituições fortes dispostas a manter que a Constituição seja respeitada. Por isso, o sistema derrotou a tentativa de golpe disparada pelo presidente da República. Trump usou todos os poderes da presidência para atacar a Constituição.

As cenas vistas ontem na capital americana foram chocantes. Trump decidiu levar o país à beira do colapso institucional. Esse é o modelo do presidente brasileiro. Bolsonaro sempre desprezou a democracia, arma seus seguidores e os estimula a se levantar contra os governadores. Bolsonaro se prepara e ensaia diante de nossos olhos. E ontem vimos a dimensão do precipício.

Os acontecimentos de Washington mudaram a natureza da eleição na Câmara brasileira. Devemos imaginar o improvável, porque ele acontece. Imagina o que Bolsonaro poderá fazer se tiver as presidências das duas Casas na mão? O Congresso deve refletir sobre essas cenas. Elas foram fruto da negligência diante das seguidas ameaças feitas por Trump. Um líder deletério e sem apreço pelas instituições tentou encurralar a consolidada e sólida democracia americana. É melhor que as autoridades brasileiras aprendam com o que houve. A polícia foi extremamente negligente, o Departamento de Defesa negou o pedido da prefeita de acionar a guarda nacional para proteger o capitólio. Aqui, Bolsonaro distribui mimos para militares e cultiva a fidelidade da Polícia Militar. Ignorar os riscos é o maior risco.

Luiz Carlos Azedo - A nova secessão americana

- Correio Braziliense

Trump obteve 74 milhões de votos, dos quais 86% supostamente seriam de eleitores que não acreditam na vitória de Joe Biden, que foi eleito por 81,3 milhões de norte-americanos

Exibidas em tempo real pelas redes de tevê, as cenas da invasão do Capitólio por partidários do presidente Donald Trump, que os incitou, ao alegar fraude nas eleições presidenciais e contestar a vitória do democrata Joe Biden — que seria confirmado na sessão do Congresso —, somente ainda não superaram a deterioração da política norte-americana nos anos 1960 e 1970 porque o presidente eleito continua vivo. Entretanto, ninguém pode descartar a possibilidade de Trump ter tramado um golpe de Estado, por mais inverossímil que isso possa parecer.

Na política norte-americana, é sinuosa a linha divisória entre ficção e realidade. Na trilogia Underwold USA  (Submundo USA), o escritor noir James Elrroy, formada pelos romances Tabloide americano (1995), 6 mil em espécie (2001) e Sangue Errante (2011), todos publicados no Brasil pela Record, desnuda os bastidores da política da época. Um time de canalhas conta a história norte-americana, num épico com sinal trocado, em meio aos assassinatos de John Fitzgerald Kennedy, Robert Kennedy e Martin Luther King e o suspeito suicídio de Marilyn Monroe. O sonho americano é visto sob a mira de fuzis e pistolas de ex-policiais convertidos ao crime, membros da Ku Klux Klan, mafiosos e políticos corruptos. A trama se passa no período de crescente envolvimento na Guerra do Vietnã e maior turbulência dos movimentos da esquerda norte-americana, culminando com o impeachment de Richard Nixon.

Ricardo Noblat - Bolsonaro ameaça repetir aqui o que Trump fez no seu país

-Blog do Noblat / Veja

É aconselhável não subestimá-lo

O presidente Jair Bolsonaro adiantou-se ao anúncio do fracasso do golpe tentado por seu ídolo Donald Trump para confirmar indiretamente o que muitos acham que ele fará caso seja derrotado nas eleições do ano que vem.

Sim, ele está disposto a recusar nesse caso o resultado das eleições e a proclamar que elas foram roubadas. Exatamente como fez Trump, novamente citado por ele como seu grande amigo só por tê-lo encontrado menos de meia dúzia de vezes.

Como de hábito, ao cumprimentar uma cada vez mais rarefeita plateia de devotos às portas do Palácio da Alvorada, Bolsonaro não apenas disse que a eleição do democrata Joe Biden foi fraudada como também a que ele disputou aqui há dois anos.

Não lhe pediram provas da fraude aqui e nos Estados Unidos, mas ele voltou a repetir que elas existem, embora nem mesmo Trump tenha apresentado as suas até hoje. Não fosse a fraude, segundo Bolsonaro, ele teria sido eleito no primeiro turno.

O presidente do Brasil foi o último chefe de Estado do mundo a parabenizar Biden pela vitória que agora chama de fraudulenta. Seu filho Eduardo, o Zero Três, visitou, esta semana, a Casa Branca acompanhado da mulher e da filha recém-nascida.

Eduardo já morou nos Estados Unidos, já tentou ser embaixador em Washington, é lobista de empresas americanas fabricantes de armas e, ultimamente, depois de sucessivas visitas a Las Vegas, aposta na legalização dos jogos de azar no Brasil.

O que o Brasil ganhou com a falsa amizade entre os Bolsonaro e a família Trump? Nada. O que poderá perder depois da chegada de Biden à Casa Branca? A ver.

 6/1/2021, o dia da maior infâmia à democracia americana

O golpe fracassado de Trump

Maria Hermínia Tavares* - Os fantasmas do chanceler

- Folha de S. Paulo

O mal causado pela caça aos fantasmas é real e presente

Inaugurando 2021, o chanceler Ernesto Araujo divulgou no Twitter sua mensagem de Ano-Novo. Trata-se do palavroso artigo "Por um reset conservador liberal", publicado no blog onde costuma expor sua míope e bizarra visão dos problemas mundiais. Para o ministro, no ano que passou teria ficado clara a gigantesca trama de interesses contra a liberdade e a dignidade humanas.

Os agentes da urdidura seriam —vale a pena transcrever— "a grande mídia; o narcosocialismo, a corrupção; a bandidagem em geral (crime organizado); o sistema intelectual politicamente correto; o climatismo (uso da questão climática como instrumento de controle econômico); o racialismo (programa de organização da sociedade segundo o princípio da raça); o covidismo (a histeria biopolítica e sua utilização como mecanismo de controle); o terrorismo; o multilateralismo antinacional (distorção e manipulação do sistema multilateral composto pelos organismos internacionais); a ideologia de gênero; o abortismo; o trans-humanismo [sic]; o anticristianismo e a cristofobia; o esquema de alguns megabilionários ou trilionários; o elitismo transnacional; e o marxismo de mercado megatecnológico ou neomaoísmo". Ufa!

Formando uma confraria espectral, estariam ligadas por uma invisível estrutura, de tal forma que "quando você compra a biopolítica do "fique em casa" talvez esteja ajudando o narcotráfico".

Celso Ming - O Brasil não está quebrado. Está sem rumo

- O Estado de S. Paulo

Percepção manifestada pelo presidente Bolsonaro não é compartilhada pelo mercado financeiro, o disjuntor mais sensível em situações de inadimplência

Se o presidente Bolsonaro não pode fazer nada, como disse, “porque o País está quebrado”, então, para começar a fazer alguma coisa, ele tem de consertar o País.

Ele aponta duas causas da quebra: o novo coronavírus, que paralisou a atividade econômica e derrubou a arrecadação em 2020; e a “mídia sem caráter, que potencializou a covid-19”.

Sobre o diagnóstico de que o País está quebrado, não há o que acrescentar ao que seu próprio ministro da Economia e economistas independentes já disseram. 

A percepção manifestada pelo presidente não está sendo compartilhada pelo mercado financeiro, o disjuntor mais sensível a cair ao primeiro curto-circuito produzido por situações de inadimplência. Não há corrida ao dólar; o índice de risco Brasil medido pelo Credit Default Swap de 5 anos (CDS5) está em queda, como mostra o gráfico; e a Bolsa vive seu momento de pico. Além dos US$ 356 bilhões em reservas externas, a balança comercial apresentou superávit de US$ 50 bilhões em todo o ano de 2020. Portanto, as contas externas não preocupam.

Zeina Latif* - Levanta, sacode a poeira...

- O Estado de S. Paulo

Desafio das instituições democráticas é evitar nova década perdida no País

A crise atual é grave, mas será ainda mais perversa se não tirarmos lições dos erros e também dos acertos.

Começando pelos acertos, o Legislativo não ficou paralisado. Além das medidas anticrise, foram aprovadas reformas – marco do saneamento básico, lei de licitações, nova lei de falências – e outras tantas avançaram – lei do gás, marco legal de cabotagem e independência do Banco Central.

Câmara, liderada por Rodrigo Maia, teve importante papel em frear centenas de iniciativas irresponsáveis, que iam desde suspender o pagamento de contas de consumo à proibição de cobrança de juros pelos bancos. Medidas que desorganizariam a economia e pesariam nas contas públicas. Agravariam a crise e deixariam um rastro de insegurança jurídica.

Congresso tampouco deu ouvidos a recomendações equivocadas de política econômica, como a de permitir o financiamento dos gastos públicos com emissão monetária. A PEC do orçamento de guerra proveu maior poder de ação ao Banco Central de forma prudente. A aceleração recente da inflação serve de alerta contra propostas inadequadas para um país emergente com graves problemas fiscais.

Houve muitos acertos do Banco Central, no timing e no desenho das medidas para injetar liquidez no sistema monetário e, de forma inédita, elevar substancialmente a capacidade de empréstimo dos bancos, medida que ultrapassou R$ 1,5 trilhão. Além disso, teve participação nas políticas de socorro a empresas. Também merece destaque o avanço da agenda estrutural, como o lançamento do Pix – desconhecido por Bolsonaro. O prêmio internacional de “presidente de Banco Central do ano” recebido por Roberto Campos Neto diz muito.

Ascânio Seleme - Contaminando Eduardo Paes

- O Globo

Correr para o colo de Bolsonaro foi um tremendo erro de cálculo político

Reza o manual das boas maneiras políticas que se devem dar pelo menos cem dias antes de criticar mais duramente um governante recém-eleito. Até mesmo o bispo Marcelo Crivella mereceu essa deferência quando iniciou seu ruinoso mandato como prefeito do Rio há quatro anos. Eduardo Paes recebeu a mesma benevolência ao assumir pela primeira vez a prefeitura. Talvez merecesse igual cuidado agora, apesar de ser um gato já bem escaldado. Mas não. Desta vez não dá para esperar o fim da “lua de mel”.

Primeiro. Como pode um prefeito que vem do campo democrático correr, antes mesmo de tomar posse, para o colo do presidente Jair Bolsonaro? Claro que Paes sabia muito bem que estava tratando com um homem perigoso, instável, que gera permanente risco para as instituições. Um presidente que apenas continua na cadeira porque os líderes que temos no Congresso são os que já vimos e sobre os quais já falamos. O presidente a que Paes se alinhou cometeu mais de uma dúzia de crimes de responsabilidade.

Carlos Alberto Sardenberg - O vírus espalhado

- O Globo

Com programas públicos em andamento, não haveria por que impedir hospitais e clínicas privadas de vender vacinas

Quem correu mais riscos no réveillon? As pessoas que se aglomeraram nas praias ou as que trabalharam em festas (clandestinas, claro) promovidas em casas e mansões (cozinheiros, garçons, copeiros, faxineiros, seguranças, motoristas, operadores de som e vídeo)?

Pelo que diz o CDC (Centro de Controle de Doenças, do governo americano, cdc.gov), foram as pessoas que trabalharam e frequentaram as festas.

O CDC oficializou as evidências científicas sobre a transmissão do coronavírus. Entre elas: o risco é muito baixo em atividades ao ar livre; risco muito alto em festas.

Mas, considerando os quatro fatores básicos para calcular riscos, o pessoal da praia também se arriscou muito.

São eles, sempre colocando na frente os de maior risco:

1) Interior versus exterior;

2) espaços estreitos versus espaços amplos e ventilados;

3) alta densidade de pessoas versus baixa densidade;

4) exposição mais longa versus exposição mais breve.

Há outros dados interessantes que ajudam a avaliar as situações. A carga necessária para a pessoa contrair o vírus é receber 1.000 partículas virais (PVs). Na respiração, a pessoa exala mais ou menos 20 PVs por minuto. Na fala, são 200 PVs/minuto. Mas, se a pessoa contaminada espirra, ela espalha nada menos que 200 milhões de PVs, um volume suficiente para permanecer no ar por horas se o ambiente for mal ventilado.

Cláudio Gonçalves Couto* - Como destruir um país

- Valor Econômico

Se há algo que o Brasil bem fazia, era vacinar

A agenda do combate à corrupção culminou, em 2018, na eleição de Jair Bolsonaro. Trata-se de agenda negativa pois, mais do que propor um programa de governo, alardeia a necessidade de limpar o país. Um dos equívocos dessa agenda (não o único) está na suposição de que, feito isso, o resto se resolve sozinho, ou quase.

Contra “a roubalheira do PT”, o que alguns definiram como uma “escolha difícil” foi, para outros, uma decisão fácil: “Bolsonaro e os militares, pelo menos, não são corruptos”, diziam. Que o republicanismo não é atributo dessa turma já ficou evidente na tour de force em defesa do clã Bolsonaro e suas rachadinhas, bem como nas benesses concedidas a militares pela atual gestão - por exemplo, ganharam um novo plano de carreira, enquanto outros foram agraciados com a reforma previdenciária; e asseguraram um cabideiro de empregos federais suficiente para toda a seção de roupas da Riachuelo. Claro, sem esquecer do casamento tardio com o Centrão, apesar de todas as invectivas bolsonaristas e militaristas contra o que se chamava de “velha política”. Foi noutro dia que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, cantarolou: “E se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão...”.

Ribamar Oliveira - Cai gasto com pessoal civil; sobe com militares

- Valor Econômico

Técnicos creem que gasto com pessoal tenha caído em 2020

Um fato pouco comum merece ser registrado. De janeiro a novembro do ano passado, a despesa da União com os seus servidores civis ativos foi 0,5% menor do que aquela registrada no mesmo período de 2019, em termos nominais, de acordo com dados do Tesouro Nacional. Em compensação, o gasto com os militares ativos aumentou 12%, na mesma comparação.

A expectativa na área técnica é que esse quadro tenha se mantido no período janeiro a dezembro. Os técnicos trabalham com a previsão de que a despesa da União com pessoal ativo e inativo, civil e militar, tenha caído em 2020, em termos reais (descontada a inflação), na comparação com 2019.

O efetivo controle do gasto com pessoal civil no ano passado decorreu da lei complementar 173, que proibiu a concessão de qualquer vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados de estatais. A LC 173 proibiu também criar cargo, emprego ou função, alterar estrutura de carreira e instituir ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza.

No caso dos militares, no entanto, a situação foi diferente. O aumento das despesas no ano passado refletiu, principalmente, o impacto orçamentário decorrente da lei 13.954/2019, que reestruturou o Sistema de Proteção Social dos militares das Forças Armadas.

Bruno Boghossian – Os freios falharam

- Folha de S. Paulo

Autoridades americanas vão bloquear rebelião, mas brasileiros podem não ter a mesma sorte em 2022

A principal autoridade eleitoral de um estado-chave da corrida presidencial americana se opôs à pressão de Donald Trump para adulterar a votação. Dez ex-secretários de Defesa assinaram uma carta em que rejeitavam o envolvimento de militares em qualquer tentativa de ruptura estimulada pelo presidente.

A maioria dos congressistas americanos se recusou a participar da manobra golpista para reverter a derrota de Trump nas urnas. O vice-presidente Mike Pence rebateu os apelos para descumprir a Constituição e avisou que não impediria a certificação do resultado eleitoral.

Com tantas demonstrações de vigor, os adeptos do mantra “as instituições estão funcionando” devem ter acordado tranquilos nesta quarta-feira (6). Trump, no entanto, mostrou que não é tão difícil corroer as estruturas democráticas que deveriam servir de obstáculo para as aventuras de líderes autoritários.

Igor Gielow - Trump promove sedição e fornece roteiro para Bolsonaro em 2022

- Folha de S. Paulo

Se brasileiro perder, narrativa do inconformismo está pronta; republicanos pagam preço na Geórgia

A derrota do Partido Republicano na Geórgia, tirando da sigla o controle do Senado e entregando um Congresso mais amistoso para o governo Joe Biden, é um conto cautelar acerca dos limites do populismo da cepa Trump.

Não só deles: antecipa, a insurreição estimulada pelo presidente na frente do Capitólio e nas ruas de Washington, a tática no forno de Jair Bolsonaro caso perca o pleito em 2022.

Particular, a variante trumpista do populismo agregou lições dos eurocéticos britânicos, da extrema direita anti-imigração europeia e de líderes autocráticos como o russo Vladimir Putin, mas trouxe consigo a estridência isolacionista das entranhas dos EUA.

Aproveitando o solo semeado pelo movimento Tea Party, de rejeição à globalização e com fortes cores conspiratórias, Donald Trump emergiu para sua surpreendente vitória em 2016 e inspirou seguidores no mundo todo. Hoje, o que ocupa o principal posto se chama Bolsonaro.

Assim, o fracasso republicano no Sul dos EUA, ainda que tenha de ser relativizado pelas margens estreitíssimas da vitória democrata, é o preço pago pelo partido por manter-se mais ou menos fiel a Trump até o fim.

Isso porque o fim, para o presidente americano, não tem nada menos do que o tom sombrio do "Götterdämmerung" (crepúsculo dos deuses) wagneriano levado por Hitler a seu bunker em 1945. A democracia americana viu cenas inacreditáveis em pleno 2021.

Só que o desespero aqui é acrescido do tom burlesco que marca Trump, diluindo o resultado num pastiche quando tudo acabar, ou assim se espera. O que não quer dizer que não haja perigos reais, a começar pelo confronto que pode degringolar nas ruas.

FHC diz a tucanos que voto em Lira significa adeus às expectativas de ganhar as próximas eleições

Partido apoia Baleia Rossi, mas deputados têm sinalizado que podem optar pelo candidato de Bolsonaro

 Painel / Folha de S. Paulo

ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu puxão de orelha nos deputados do PSDB que têm manifestado intenção de votar em Arthur Lira (PP-AL), candidato de Jair Bolsonaro, nas eleições para a presidência da Câmara.

O partido faz parte do bloco de apoio a Baleia Rossi (MDB-SP), lançado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas parte da bancada de 33 parlamentares tem indicado que pode não seguir a decisão partidária.

Fernando Henrique pediu a um ex-deputado que postasse sua mensagem no grupo de WhatsApp dos parlamentares tucanos, o que foi feito.

"Transmita à bancada meu sentimento: ou mostramos força e independência apoiando claramente o Baleia ou adeus às expectativas de sermos capazes de obter alianças e ganhar as próximas eleições. Se há algo que ainda marca o PSDB é a confiança que ele é capaz de manter e expressar. Quem segue a vida política estará olhando, que ninguém se iluda".

Congresso confirma vitória de Biden após ataque de extremistas pró-Trump ao Capitólio

Em sessão conjunta, Câmara e Senado confirmaram o resultado apresentado pelo colégio eleitoral, cumprindo última formalidade para a condução de Joe Biden à Casa Branca

Redação, O Estado de S. Paulo

WASHINGTON - O Congresso dos Estados Unidos ratificou nesta quinta-feira, 7, a vitória do democrata Joe Biden na eleição presidencial no ano passado. Em uma sessão que se estendeu por toda a madrugada, retomada após a invasão do Capitólio por extremistas pró-Trump, os parlamentares confirmaram os resultados apresentados pelo colégio eleitoral e formalizaram a vitória da chapa Biden-Harris.

Com a confirmação do resultado apresentado pelos Estados - que apontou vitória da chapa democrata com 306 delegados conquistados -, não há mais nenhum obstáculo formal no caminho de Biden até a Casa Branca. A data da posse do novo presidente e de sua vice, Kamala Harris, está prevista para o dia 20 de janeiro.

A sessão que confirmou o resultado das eleições, contudo, passou longe de ser o ato simbólico que costuma ser. Na quarta-feira, 6, os trabalhos foram suspensos após extremistas pró-Trump invadirem o Capitólio para impedir a validação do resultado eleitoral. Quatro pessoas morreram e 52 foram presas em meio ao caos promovido pelos vândalos.

Cerca de duas horas depois de as autoridades terem conseguido limpar o Capitólio e seus arredores, o presidente da sessão conjunta, o vice-presidente Mike Pence, autorizou a retomada dos trabalhos pelas duas casas do Congresso, para a continuidade do processo de ratificação do resultado das eleições.

O trabalho legislativo, contudo, também não foi simples, com a nova sessão durando mais de sete horas devido ao debate em ambas as casas sobre duas objeções ao resultado das eleições na Pensilvânia e no Arizona, ambas apresentadas por aliados de Trump.

Com a rejeição das objeções nas duas Casas, a sessão conjunta foi novamente retomada, já na manhã desta quinta, 7. Sem nenhuma nova objeção, os parlamentares validaram o resultado apresentado por mais de dez Estados em um curto espaço de tempo, confirmando a vitória da chapa democrata./Com informações da EFE

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O Bolsonaro de sempre – Opinião | O Estado de S. Paulo

Se o presidente está mesmo convencido de que o Brasil está quebrado e não pode fazer nada, é imperioso – para o bem do País e dos brasileiros – que renuncie o quanto antes

No segundo dia útil do ano, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que não se pode alimentar nenhuma esperança em relação a seu comportamento. Ele continuará exercendo o mesmo papel paradoxal que assumiu ao longo dos dois primeiros anos de mandato: o de governante que, em vez de construir, destrói – e ainda se faz de vítima. “O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada”, disse Jair Bolsonaro, na terça-feira passada, a um apoiador na saída do Palácio da Alvorada, como desculpa pelo fato de não ter cumprido a promessa de alterar a tabela do Imposto de Renda.

Destaca-se, em primeiro lugar, que a fala desastrada não foi simples deslize verbal. Ela está em total consonância com o modo pelo qual Jair Bolsonaro vem se referindo, desde a posse, ao seu governo e à sua incapacidade de governar. No primeiro semestre de 2019, por exemplo, o presidente da República divulgou um texto em que afirmava ser o País “ingovernável” e “disfuncional”.

Diversas vezes, Jair Bolsonaro admitiu sua falta de eficácia no Congresso. “Realmente eu não consigo aprovar o que eu quero lá”, disse, por exemplo, em fevereiro do ano passado. É no mínimo excêntrico que um presidente da República proclame, desde a aurora de seu mandato, sua ineficiência e inaptidão para o cargo. Fica evidente o intento de se apresentar como vítima, como alguém que deseja a todo custo se esquivar de sua responsabilidade.

Mas o problema não é apenas que o presidente Bolsonaro seja incapaz de cumprir suas promessas – o que, não raro, é um benefício ao País. O grave é que Jair Bolsonaro, além de não construir, faz questão de destruir o que está de pé. Tal ímpeto demolidor ficou evidente, por exemplo, na declaração de terça-feira.

Música | Teresa Cristina - Seja Breve

 

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Catar Feijão

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.