terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Cristovam Buarque* - Um guardião para a moeda

Correio Braziliense

Quando proclamamos a República, mudamos a bandeira nacional. Desde então, nenhum governo propôs mudá-la para que fosse ajustada às características do partido vencedor nas eleições. Apesar de que o ouro passou a significar genocídio, não se propôs substituir o amarelo; o verde das matas tem virado cinza, mas continua na bandeira; nenhum governo propôs desenhar chaminés de fábricas para indicar desenvolvimento econômico; nem colocar vermelho para simbolizar compromisso social. Mudamos a bandeira, mas mantivemos por mais 50 anos e 14 presidentes a mesma moeda adotada desde 1833 pelo Império. Só em 1942, o governo Vargas substituiu o réis pelo cruzeiro. A partir daí, até 1994, foram 12 presidentes e 10 moedas diferentes, cada uma com média de vida de 5,2 anos, quase uma nova moeda para cada governo. Somos campeões mundiais em tipos de padrão monetário; mais moedas que as cinco taças de Copa.

O Brasil nunca precisou de um guardião da bandeira, mas desvaloriza e cria nova moeda sempre que necessário. Mesmo depois da criação do Banco Central, em 1964, suas decisões seguiam o que o governo desejava para cumprir suas promessas de campanha: realizar obras, financiar privilégios e mordomias, infraestrutura e subsídios para promover a economia, sem atender as necessidades sociais básicas. Financiamos o milagre econômico com inflação, mas nosso povo continuou sem saneamento, transporte público, educação de base.

Merval Pereira - Postura correta

O Globo

Lula adotou a postura que se exige do líder político máximo do país ao deixar o descanso do carnaval para sobrevoar as áreas atingidas por inundações

O presidencialismo, por mais força que tenha o Legislativo devido a articulações políticas como acontece agora, tem uma marca de forte preeminência do presidente da República. Por isso, sempre que se quer reduzir seus poderes, fala-se em semipresidencialismo, em parlamentarismo.

Quando os militares temiam a ascensão de João Goulart ao poder, com a renúncia de Jânio Quadros, providenciou-se um parlamentarismo de emergência, que acabou derrubado anos depois por um plebiscito a favor do presidencialismo.

Não importa que ambos os regimes políticos tenham vantagens sobre o personalismo do presidencialismo. Vale que, quando se defende a troca de regime, está embutida na iniciativa uma dose alta de desejo de emparedar o presidente. Bolsonaro abriu mão de sua força no Congresso porque nunca acreditou em partidos, mas em personalismo.

Carlos Andreazza - A República de Elmar

O Globo

A manchete de um grande jornal informou: “Governo Lula abre mão de verba para Lira distribuir emendas até a deputados de oposição”. Poderia ter simplificado: “Orçamento secreto continua”. Talvez pusesse uma pimenta: “Novo governo mantém prática do antigo”. Quem sabe dando nome aos bois: “Governo Lula dá sequência a esquema de Bolsonaro”. (E, então, o jornal seria cancelado. Como ousou equivaler o garantidor da democracia ao capiroto?)

Nada mudou, afinal. (Calma. Nada mudou em matéria de orçamento secreto.)

Sufocada a rubrica RP9, que classifica a emenda do relator, a gestão autoritária do orçamento da União driblou o Supremo e migrou à RP2, mantida a falsa administração dos recursos pelos ministérios. O orçamento era secreto porque movido por detrás de fachadas. As fachadas se deslocaram — para que o trânsito orçamentário permaneça na mão obscura de poucos senhores.

Lembro que a Lei Orçamentária Anual de 2023 veda o cancelamento — sem o aval do relator-geral — de dotações de despesas discricionárias que decorram de indicações do... relator-geral. Ficou tudo amarrado, conforme distribuição dos bilhões definida — sob indicação do relator — quando ainda vigorava o uso pervertido das emendas... do relator.

Míriam Leitão - O jeito certo e o inaceitável

O Globo

Autoridades dos três níveis federativos trabalham juntas na tragédia em São Paulo. Já na Terra Yanomami, um apoio inaceitável

O presidente Lula e o governador Tarcísio não tiveram carnaval. Muita gente nas administrações do país e do estado suspendeu as festas e se concentrou na tragédia que abalou o litoral norte de São Paulo. Sentados na mesma mesa, representantes dos três níveis federativos tinham a demonstrar a forma correta de agir diante de um evento que tira vidas, desabriga, desampara e choca. Governos governam. Isso é natural, mas não era frequente em tempos recentes. O ex-presidente Bolsonaro não se abalou de cima do seu jet ski quando a chuva desabou sobre a Bahia há pouco mais de ano, no Réveillon de 2022. “Espero não ter que retornar antes”, disse ele na ocasião.

Lula não se perguntou isso. Junto com o governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o prefeito tucano de São Sebastião, Felipe Augusto, afirmou que o governo federal vai ajudar na recuperação da Rio-Santos e na construção de moradias em lugares adequados. O governador disse que a presença de Lula dava “amparo e conforto”. Todo mundo se comportou da forma correta. Gestores públicos passam por cima de divergências políticas para atuar de maneira colaborativa quando acontece uma tragédia e pessoas públicas vão ao local dos eventos dramáticos porque é assim que se informam melhor, e demonstram solidariedade. Era tão difícil explicar o óbvio ao antigo governante do Brasil.

Cristina Serra - Uma carta para militares golpistas

Folha de S. Paulo

Formação castrense precisa ser refundada no apreço à legalidade e à democracia

A imprensa tem noticiado movimentações de parlamentares petistas para modificar o tão propalado artigo 142 da Constituição, sobre as Forças Armadas. O objetivo seria deixar mais claro que os fardados não têm papel "moderador" sobre o poder civil.

Tal sandice de papel "moderador" só existe em delírios golpistas. Ademais, o governo não tem base sólida para aprovar emenda sobre o tema e gastaria muito capital político em negociação com um Congresso marcadamente de direita e fisiológico. A chance de piorar o artigo é maior do que a de melhorá-lo.

Mais eficaz seria investir na formação militar, que precisa ser refundada no apreço à legalidade e à democracia e na subordinação ao poder civil. Sobre isso, trago à reflexão a história do brigadeiro Rui Moreira Lima (1919-2013), contada no belíssimo livro "Adelphi!", de seu filho, Pedro Luiz Moreira Lima, e de Elisa Colepicolo (Topbooks).

Alvaro Costa e Silva - Golpista em tempo integral

Folha de S. Paulo

A jogada arriscada de voltar ao país e forçar a própria prisão

Seria mais sensato ignorar um mentiroso. Um candidato que desconsiderou, desrespeitou e tentou fraudar o processo eleitoral, acabou derrotado e deixou o país com o rabo entre as pernas para não presenciar a posse de seu adversário. Só que o bolsonarismo não morreu com a vitória de Lula. Como tampouco morreu o antipetismo que alimenta o mentiroso.

Mesmo enfraquecido e desacreditado (tomou ou não tomou a vacina contra a Covid?), Bolsonaro consegue ficar em evidência esticando a corda do destino. Volta ou não volta? Permanece nos EUA ou foge para a Itália? Será preso, se retornar ao Brasil? Ficará inelegível? O que ele quer é isso: perturbar, mesmo de longe, o ambiente político e assegurar o comando não da oposição democrática e sim dos extremistas capazes de tocar o terror nas sedes dos três Poderes e explodir o aeroporto de Brasília. Tudo para manter acesa a chama do golpismo.

Hélio Schwartsman - Por um Brasil 'low profile'

Folha de S. Paulo

País deveria passar longe do Conselho de Segurança da ONU

Com a volta de Lula, volta também o projeto de obter para o Brasil uma cadeira permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU, que deu o tom da diplomacia nacional nas gestões petistas.

Tenho uma posição bem singular nessa matéria. Sou contra um assento permanente para o Brasil. Penso que a conquista desse lugar faria bem ao ego de presidentes, ministros e hierarcas do Itamaraty, mas em nada beneficiaria o cidadão. Pelo contrário, uma cadeira no CS obrigaria o país a assumir maior protagonismo mundial, o que significaria empenhar mais recursos, financeiros e humanos, em crises externas. Também nos forçaria a tomar partido numa série de encrencas internacionais, o que quase certamente faria com que nos indispuséssemos com algumas nações.

Joel Pinheiro da Fonseca - Técnica e retórica

Folha de S. Paulo

Modelo do Banco Central pode ser critica, mas é preciso enfrentar o debate científico real

Um aspecto da discussão sobre a taxa de juros do Banco Central lembra, em sua configuração, a discussão entre Anvisa, Instituto Butantan e os antivacina: um lado aposta no rigor técnico, o outro na retórica política.

Em primeiro lugar, a importante diferença: a discussão da vacina tinha, de um lado, cientistas; do outro, pura e simplesmente, uma campanha de fake news e desinformação levada adiante por propagandistas.

O debate sobre os juros opõe um lado dominante, ortodoxo, da ciência econômica contemporânea a um outro, heterodoxo, que, embora marginal no debate econômico mundial, também representa um grupo com pesquisadores e publicações acadêmicas.

Eliane Cantanhêde - Cadê o Lulinha paz e amor?

O Estado de S. Paulo.

Lula precisa revisitar Mandela: além de preencher lacunas e construir, curar feridas

“Chegou o tempo de curar as feridas. Chegou o tempo de preencher as lacunas que nos separam. Chegou o tempo de construir.” O discurso de Nelson Mandela, ao assumir a África do Sul, em 10 de maio de 1994, após 27 anos de cárcere, foi prestigiado por líderes de todos os continentes em Pretória e marcou não só uma nova era no país, mas no mundo.

Brasil não é África do Sul, o racismo é parte dos muitos problemas estruturais brasileiros e Jair Bolsonaro representa o oposto do que Frederik Willem de Klerk significou na fantástica transição do país. Bolsonaro destruiu e devastou. De Klerk, antecessor de Mandela, trabalhou pela união, reconstrução e reinserção sul-africana no mundo.

J. R. Guedes de Oliveira* - Visita de um poeta a um advogado e escritor

Neste 2023, marcamos os 125 anos de nascimento do poeta Rodrigues de Abreu (1897-1927) e os 130 anos de nascimento do advogado, jornalista e escritor Paulo Setúbal (1893-1937). Ambos, falecidos em pouca idade: o poeta de Capivari, com 30 anos de idade, e o de Tatuí, Paulo Setúbal, com 44 anos de idade. Figuras exponenciais das nossas letras, cujas memórias devem e precisam ser sempre reverenciadas.

Conta-se que por volta de 1921, o poeta da “Casa Destelhada”, procurava trabalho na capital paulista, por interferência de Amadeu Amaral, seu conterrâneo de Capivari. Buscou, ele, o amparo do ilustre tatuiense, que, de sua grande generosidade, jamais lhe faltaria o apoio necessário.

Registra-se, por um artigo de Paulo Setúbal, publicado na revista A Razão, na época uma das mais célebres publicações culturais do Brasil, este encontro, na capital. Por ser um texto profundo e de real valor histórico, reproduzimos aqui o que, de fato, se registrou e que serve, inegavelmente, para se aquilatar a grandiosidade de um poeta e de um célebre escritor do nosso país:

“Meu pobre Rodrigues de Abreu... Ainda me recordo, com dolorido carinho, daquele moço pálido, cor de cera velha, que um dia surgiu, muito tímido, pela minha casa adentro. Era magro. Tinha os cabelos longos e negros. Vinha trajado, não com simplicidade, mas com marcada pobreza.

Entrou. Sentou-se. E, respeitoso, cheio de infinita doçura, disse-me humildemente:

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Inépcia e omissão são as causas da tragédia das chuvas

O Globo

Quase 60% das prefeituras nem sequer têm plano para lidar com os riscos de desastres naturais

Na última quinta-feira, o GLOBO publicou editorial neste mesmo espaço sob o título “O Brasil continua despreparado para as chuvas”. A tragédia vivida no Litoral Norte paulista três dias depois demonstra a presciência daquelas palavras. Não é difícil antever as consequências catastróficas do aguaceiro inclemente nesta época do ano, tamanha a população que continua a viver em áreas sob risco de inundações ou deslizamentos, algo como 5% dos brasileiros pelas últimas estimativas. O inaceitável é que políticos ainda tenham a desfaçatez de culpar São Pedro.

É fato que o volume de chuvas em 24 horas atingiu um recorde histórico. Mas todos sabem que eventos extremos se tornaram mais frequentes em razão das mudanças climáticas. Aconteceu em Petrópolis no ano passado, acontece agora em São Sebastião. Tanto o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) quanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitaram áreas atingidas. É essencial demonstrar solidariedade às vítimas. Mas o que foi feito antes, para evitar a hecatombe?

Ainda não se tem mapa detalhado, nem relato minucioso da destruição em cidades como São Sebastião, Ubatuba, Caraguatatuba, Ilhabela, Bertioga ou Guarujá. É provável que as causas não fiquem distantes do padrão: inépcia e omissão. O Brasil carece de um plano informando quantas moradias em áreas de risco precisam ser reforçadas e quantas deveriam ser demolidas, com realocação dos moradores. Sem essas informações, não se tem ideia de custo e não se pode começar a pensar em fontes de financiamento.

Música | MANGUEIRA Carnaval 2023 - Sambas de Enredo