Creche inacabada foi invadida, estrutura de mercado popular virou
estacionamento e plano inclinado continua no esqueleto
Um ano após a ocupação policial e já com uma UPP, a Rocinha está em compasso
de espera para a conclusão das obras do PAC 1, paralisadas desde o ano passado.
O que seria uma creche virou moradia para 30 pessoas; a construção onde
funcionaria o mercado popular se transformou em estacionamento; o plano
inclinado ficou no esqueleto; e um prédio que deveria ser demolido foi
invadido. O estado nega a paralisação e promete a conclusão dessas obras em
oito meses.
Rocinha: PAC em
ponto morto
Entre as obras paradas, creche foi invadida e esqueleto de mercado virou
estacionamento
Carolina Oliveira Castro
Ocupada pela polícia desde novembro de 2011 e contando já com uma UPP,
inaugurada em setembro deste ano, a Rocinha se livrou do domínio ostensivo do
tráfico de drogas e viu a sua segurança melhorar. Outras reivindicações, no
entanto, permanecem em compasso de espera: obras do Programa de Aceleração do
Crescimento 1 estão paradas desde o primeiro semestre do ano passado e vão se
deteriorando com o tempo. Uma equipe do GLOBO visitou algumas delas e não
encontrou qualquer operário. Para piorar, imóveis inacabados foram invadidos. É
o caso de uma creche, que virou moradia para mais de 30 pessoas, e do futuro
mercado popular, que está sendo usado como estacionamento. Apesar desse
cenário, o governo estadual nega que as obras estejam paradas: diz estar
preparando um novo edital e promete a conclusão de todos os trabalhos em oito meses.
A creche-modelo, cujo prédio inacabado fica na altura do número 445 da
Estrada da Gávea, deveria abrigar 75 crianças. Atualmente, no entanto, o lugar
serve de moradia a invasores: crianças, adultos e até um recém-nascido vivem
lá, em situação precária, dividindo o espaço com lixo, goteiras e animais de
estimação. Para ter mais privacidade, algumas famílias instalaram portas ou
pedaços de madeira delimitando seus espaços. Num dos corredores do imóvel,
alguns moradores costumam cozinhar num fogareiro a carvão.
- Os banheiros são comunitários. Alguns já estavam prontos, outros nós
mesmos fomos completando. As estruturas estão lá, é só colocar o vaso. Tem o
banheiro de homem e o de mulher, separados - contou Francisco Luís da Costa, um
dos que moram no local.
Outra ocupante da creche, Bruna Rosa, de 26 anos, mora com o marido e duas
filhas (de 2 anos e de 1 mês) num cômodo com cama, fogão e televisão.
Desempregado, o casal conta que vive no prédio inacabado há mais de oito meses.
- Eu fico muito preocupada. Minha filha tem apenas 1 mês, e aqui não é um
bom lugar para ela. Mas não temos para onde ir. Minha casa, no alto da Rocinha,
caiu durante uma chuva. E, apesar de eu estar cadastrada no aluguel social,
nunca recebi o benefício - disse Bruna.
Creche foi usada como estacionamento
A construção inacabada da creche também já foi usada como estacionamento. Em
março deste ano, uma equipe do GLOBO esteve no local e contou 13 carros e 17
motos.
O mesmo uso irregular vem tendo também o esqueleto do futuro mercado popular,
num terreno no Largo dos Boiadeiros. Por enquanto, em vez de frutas e legumes,
o que vem sendo negociado no local são vagas, e o que era para ser um prédio de
três andares - com praça de alimentação, 31 lojas e terraço aberto - virou um
estacionamento. Nas pilastras, é possível ler os nomes dos donos de vagas
fixas.
- O mercado popular, que hoje é composto por camelôs, era para vir para
dentro deste terreno. Até agora, nada foi feito, e aqui acabou virando
estacionamento - contou José Martins, coordenador do projeto Rocinha Sem
Fronteiras, que realiza reuniões frequentes com moradores para debater questões
da comunidade e que participou de encontros com o governo para obter
informações sobre as obras.
O plano inclinado é outra obra do PAC 1 que ainda está apenas no esqueleto.
O projeto prevê três estações num traçado que liga o acesso principal da
Rocinha, na altura da Autoestrada Lagoa-Barra, até o final da Rua Um. Uma
estrutura inacabada do plano, ao lado da boca do Túnel Zuzu Angel, pode ser
vista de longe, assim como a grande quantidade de lixo acumulado em volta do
que deveria ser uma estação.
Prédio esvaziado foi invadido
Outro problema é um prédio vizinho à creche: o imóvel, que foi esvaziado e
deveria ter sido demolido para permitir a canalização de um valão, ainda está
de pé. Resultado: foi invadido por pelo menos três famílias.
- Os antigos moradores foram indenizados e saíram. Como ninguém derrubou,
outras famílias entraram e estão morando lá. O governo vai ter que indenizar
essas pessoas também ou achar destino para elas. É dinheiro público jogado fora
- disse José Martins.
Para o engenheiro Antônio Eulálio Pedrosa, do Crea-RJ, a paralisação das
obras demonstra um grande erro de planejamento:
- E não é bom que os materiais da obra fiquem expostos. Materiais como aço
podem perder qualidade.
As obras do PAC 1 começaram no fim de 2007. Boa parte dos projetos já foi
concluída e entregue - o percentual não foi informado pelo governo. Em
reportagem do GLOBO em 8 de setembro de 2008, a Secretaria estadual de Obras
informou que o prazo final da fase 1 seria respeitado. Pelo cronograma inicial,
a conclusão seria no fim de 2010.
Apesar de nenhum operário ter sido encontrado nas obras inacabadas do PAC 1
na Rocinha, a Secretaria de Obras negou que elas estejam paradas. Segundo nota
do órgão, como o edital de nova licitação está sendo elaborado, "não há
paralisação, mas empenho do governo do estado para entregar à população da
Rocinha uma obra completa e de qualidade". A secretaria não se pronunciou
sobre o fato de imóveis inacabados estarem sendo usados para outros fins.
Ainda de acordo com o órgão, os projetos que faltam ser finalizados
atrasaram porque o alargamento da Rua Quatro custou mais que o previsto. Com
isso, o estado teve que pedir mais verbas ao governo federal, e novas
licitações precisaram ser abertas. Essas obras devem custar cerca de R$ 25,9
milhões. Dessa forma, todo o PAC 1 sairá por quase R$ 298 milhões.
Entre as obras já concluídas, estão um complexo esportivo, uma Unidade de
Pronto Atendimento (UPA) 24h, uma passarela projetada pelo arquiteto Oscar
Niemeyer, 144 unidades habitacionais e o alargamento da Rua Quatro, que
beneficiaram cerca de 101 mil pessoas.
Fonte: O Globo