segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Marcus André Melo* - Lula e o Congresso

Folha de S. Paulo

Por que Lula desperdiça apoios de quem nunca o apoiou?

Celso Furtado foi pioneiro em identificar um padrão nas relações Executivo-Legislativo no país que, rompido sob Bolsonaro, aparentemente reemerge com Lula 3. Em "Obstáculos Políticos ao Crescimento Econômico no Brasil", escrito em 1964 na Universidade Yale, ele identificou um conflito irresolúvel entre o presidente —eleito por um eleitorado modernizante urbano— e um Congresso conservador, comprometido com o status quo.

Instaura-se o conflito porque, "para legitimar-se, o governo tem que operar dentro dos princípios constitucionais. Para corresponder às expectativas da grande maioria que o elegeu, o presidente da República teria que alcançar objetivos que são incompatíveis com as limitações que lhe cria o Congresso dentro das regras do jogo constitucional". O conflito cria para o presidente "a disjuntiva de trair o seu programa ou forçar uma saída não convencional, que pode ser inclusive a renúncia ou o suicídio".

Celso Rocha de Barros - Aonde vai Tebet?

Folha de S. Paulo

É bom lembrar que senadora foi peça-chave para vitória de Lula e dialoga com moderados

O ministério de Lula já está quase todo formado. Dos quatro nomes que defendi na última coluna, Nísia Trindade já se tornou a primeira ministra da Saúde da história do Brasil. Izolda Cela será secretária de educação básica (ministra seria melhor, Lula).

Tudo indica que Marina Silva será ministra do Meio Ambiente. Ainda falta Simone Tebet, mas ainda não sabemos que ministério a emedebista receberá, ou mesmo se, de fato, participará do governo.

Acho importante oferecer um bom ministério para Tebet, algo que tenha orçamento razoável e/ou boas possibilidades de projeção política.

Lygia Maria - Democrata, mas não muito

Folha de S. Paulo

Aceitar interferências insensatas do Judiciário sobre o Legislativo não condiz com o discurso de quem defende a democracia

Eis que o STF excede mais uma vez os limites de suas funções. O ministro Gilmar Mendes decidiu que o Auxílio Brasil pode ficar fora do teto de gastos.

Parte da esquerda apoiou, em tom moralista similar ao do senador Randolfe Rodrigues (Rede): "A miséria humana não pode ser objeto de chantagem". Como se a responsabilidade fiscal não fosse tão importante quanto a responsabilidade social para garantir emprego, renda e inflação controlada, que beneficiam sobretudo os mais pobres.

Mas a cegueira ideológica não acaba aí. A canetada de Gilmar atenta contra um princípio fundamental do Estado de Direito: a separação entre os três Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário) e suas limitações mútuas.

Ana Cristina Rosa - Presentes de Natal e Ano Novo

Folha de S. Paulo

Não seria espetacular ter um Fundo Monetário de fomento ao empreendedorismo negro e um Museu Nacional da Escravização no Brasil?

Fim de ano costuma ser uma época de reflexão na qual, em meio a festejos e promessas, muitas vezes nos damos conta de que nossas ambições nem sempre se coadunam com a realidade.

Foi envolta numa atmosfera nostálgica que, às vésperas do Natal, recebi de um amigo uma notícia alvissareira divulgada pela AFP: O primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, sugeriu que a escravatura seja considerada "crime contra a humanidade". E não ficou por aí.

Apresentou um pedido formal de desculpas pelo papel do país no processo de escravização e anunciou a criação de um Fundo Monetário de Fomento a Iniciativas Antidiscriminatórias, composto por 200 milhões de euros, no Reino dos Países Baixos e suas ex-colônias.

Bruno Carazza* - Desejo a todos um 2023 com reforma tributária

Valor Econômico

Equipe econômica não empolga, mas Alckmin e Appy sim

A partir de uma certa idade, as festas de final de ano geram em nós uma mistura de sentimentos, como o saudosismo da lembrança daqueles que já partiram, a alegria do reencontro com entes queridos e a esperança que insistimos em nutrir ao virarmos mais uma página na história de nossas vidas.

Celso Pinto faria 70 anos no próximo dia 20 de janeiro. Um dos mais completos jornalistas econômicos da sua geração, Celso teve sua carreira interrompida prematuramente em 2003, quando uma parada cardiorrespiratória o condenou a uma batalha pela vida que durou longos 17 anos. Faleceu às vésperas da comemoração de duas décadas de existência de sua principal criação, o jornal Valor Econômico.

A objetividade, a sobriedade e a ótima interlocução com suas fontes fizeram de Celso Pinto o principal analista das reviravoltas da economia brasileira desde o tempo dos militares até a chegada ao poder de Lula, como destaca o título da coletânea de alguns de seus principais textos publicada em 2007 (“Os Desafios do Crescimento: dos Militares a Lula”).

Sergio Lamucci - Os caminhos para o crescimento sustentável

Valor Econômico

Política fiscal responsável e agenda para melhorar a produtividade são essenciais para preparar bases para expansão da economia a taxas sustentáveis

O novo governo toma posse em seis dias, com o desafio de preparar as bases para um crescimento de fato sustentável a taxas mais elevadas, um objetivo que o país está longe de alcançar nas últimas décadas. A tarefa mais imediata é adotar uma política fiscal responsável, que permita ao Banco Central (BC) iniciar um ciclo de cortes da Selic neste ano e garanta que os juros possam ser mantidos em níveis baixos. É fundamental ainda desenvolver uma agenda para elevar a produtividade - sem isso, a economia não vai escapar da armadilha do baixo crescimento.

No fim de março de 2014, no último ano do primeiro governo de Dilma Rousseff, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, previu que o PIB cresceria em média 4% entre 2014 e 2022, num “novo ciclo da economia”, ao participar de evento na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP). Considerando um crescimento de 3% para este ano, o ritmo anual de expansão para o período de 2014 a 2022 será de apenas 0,3%, muito distante dos 4% estimados por Mantega.

Gustavo Loyola* - Lula e seus desafios

Valor Econômico

Lula deve abandonar as ideias preconcebidas que, levaram à debacle da gestão Dilma e à grande recessão de 2015/2016

A eleição de Lula, por uma margem estreita no segundo turno e a teimosa rejeição do resultado eleitoral por parte de bolsonaristas extremados são apenas alguns dos indicadores de que o novo presidente encontrará um ambiente político bem menos favorável do que quando iniciou seu primeiro mandato em 2003. Acresce-se a isso um Congresso Nacional em que o PT e os partidos aliados mais próximos são minoria, situação que força o novo governo a buscar uma ampla coalizão com partidos de centro e de centro-direita, para obter um mínimo de governabilidade. Por mais que se credite a Lula uma habilidade política que falta a seu antecessor no cargo, o risco de se ter uma coalizão instável e sujeita a crises recorrentes não é desprezível.

André Lara Resende* - Os Juros, outra vez!

Valor Econômico

Despesas autorizadas pela PEC vão para os mais pobres e o serviço da dívida, para o sistema financeiro

Richard Feynman, laureado com o Nobel de física, gênio inconteste, considerado um dos maiores professores de todos os tempos, tinha, como todo iconoclasta, outros interesses além da física - era percussionista. Quando veio ao Brasil, no início dos anos 1950, dar aulas para um seleto grupo de alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, costumava se infiltrar nos ensaios da bateria de uma escola de samba.

Como conta em “Sure You’re Joking, Mr Feynman”, costumava atravessar o ritmo, o que levava o diretor da bateria a interromper e exclamar: o americano, outra vez! Pois bem, peço emprestada a exclamação do diretor da bateria: os juros, outra vez, ameaçam a retomada do desenvolvimento.

O tema é árido, sei bem, mas da mais alta relevância. Insisto em tentar despi-lo da roupagem tecnocrática que o torna inacessível. Sejamos o mais simples e direto possível. Vamos aos fatos. Desde o início de 2021, o Banco Central elevou a taxa básica de juros de 2,75% para 13,75% hoje. São 11 pontos de percentagem.

Carlos Pereira - Risco de apendicite

O Estado de S. Paulo

Lula precisa montar um governo de coalizão, mas não consegue deixar de ser monopolista

Temos observado, mais uma vez, grande dificuldade de um governo do PT compartilhar poderes e recursos com partidos aliados, inclusive alguns que se engajaram decisivamente na sua vitória eleitoral. Muitos avaliam que esse comportamento monopolizador decorre de uma espécie de “ganância” do PT por poder e recursos. Por mais tentadora que pareça essa explicação, existem outros elementos que também explicam essa conduta.

Partidos políticos que vencem eleições majoritárias em ambientes institucionais multipartidários enfrentam um dilema crucial entre controle e delegação. Por um lado, precisam delegar poderes e recursos para que outros partidos se sintam motivados e comprometidos em participar de um governo de coalizão. Por outro, ao delegar poder e recursos para partidos aliados, correm riscos de ver as políticas implementadas e recursos alocados distantes das suas preferências.

Fernando Gabeira - Perdemos e ganhamos no ano que vai acabar

O Globo

Temos condições de superar o ódio e retomar o debate político, sem lacrar ninguém, apenas uma troca de ideias

Lá se vai um ano. Algumas perdas, mas isso parece típico da idade. Morreu minha irmã e, da família original, apenas eu sobrei. Morreu um gato querido, apareceu outro, a gente vai levando.

Foi um ano de eleições e Copa do Mundo. Conseguimos nos livrar de Bolsonaro. Não entendo bem como tantas pessoas votaram nele, apesar da performance na pandemia e de sua política de destruição ambiental. Possivelmente não levam em conta essas variáveis.

A solução foi buscar uma liderança no passado recente. Entendo esse caminho, julgo-o inevitável. Mas não consigo entender como tantos veem o futuro no passado.

Vivemos a Copa do Mundo. Perdemos. Para mim, um momento de emoção foi quando um jogador do Marrocos dançou com a mãe, de mãos dadas, na beira do gramado. Foi um lampejo de Chaplin num espetáculo tecnológico de massas, feito para televisões ao longo do mundo.

Demétrio Magnoli -Tábuas da aliança

O Globo

Ninguém, exceto militantes fanáticos, tem o direito de continuar a levar a sério o rugido santo do lulismo

Gilmar Mendes, operando monocrática e politicamente, torpedeou a chantagem de Arthur Lira, retirando o Bolsa Família do teto de gastos. Lula não precisava mais do Centrão para cumprir suas promessas centrais de campanha. Mas a PEC, explicaram os próceres do PT, era “o Plano A, o B e o C”. Já não se tratava de colocar comida na mesa dos pobres. O plano obsessivo era — e é — cooptar uma ampla facção do bolsonarismo para o governo.

Foi por pouco, seis a cinco, e na última hora. A maioria do STF operou juridicamente, resistindo à tentação da politicagem, ao declarar a inconstitucionalidade do “orçamento secreto”. Os negociadores de Lula usaram a decisão para concluir o pacto de aliança com Lira, repartindo ao meio o fruto envenenado.

 “Genocida!”, “pedófilo!”, “canibal!” — ninguém, exceto militantes fanáticos, tem o direito de continuar a levar a sério o rugido santo do lulismo. O agora camarada Lira funcionou como esteio indispensável de Jair Bolsonaro. As duas tábuas da aliança votadas no Congresso — a PEC da Transição e a divisão das verbas do extinto “orçamento secreto” — evidenciam que, se depender de Lula, o comandante parlamentar das forças bolsonaristas se tornará um baluarte do novo governo.

Reforma tributária do governo eleito deve reduzir desigualdade

Mudança no sistema tributário deve começar pelos impostos sobre consumo, com unificação de tributos e limitação de isenções que beneficiam mais o topo da pirâmide

Por Cassia Almeida / O Globo

RIO - Os impostos sobre consumo, que incidem sobre produtos e serviços, tornam o sistema tributário do país ainda mais desigual. As alíquotas diferentes para cada produto e isenções beneficiam mais o topo da pirâmide de renda, levando os mais pobres a pagarem proporcionalmente mais tributos que os mais ricos. Um dos desafios do novo governo é avançar com uma reforma tributária que consiga aumentar a eficiência da economia e, ao mesmo tempo, reduzir a desigualdade. Especialistas dizem que unificar impostos e eliminar o efeito cascata dos tributos sobre consumo são os primeiros passos para tornar o sistema tributário mais justo.

A escolha do economista Bernard Appy para ocupar o cargo de secretário especial para reforma tributária mostra que a mudança nos impostos é uma das prioridades do governo eleito. Ele é um dos maiores especialistas no sistema tributário brasileiro e autor de proposta que tramita no Congresso de unificação dos impostos indiretos (PIS/Cofins, ICMS, IPI e ISS) no Imposto de Bens e Serviços (IBS), com poucas alíquotas e sem impostos em cascata. Um modelo já usado no mundo inteiro há décadas.

Há duas propostas em tramitação: a PEC 45/2019, que já foi aprovada em comissão especial e aguarda votação no plenário da Câmara, e a PEC 110/2019, que tramita no Senado. Após as discussões, as propostas se aproximaram, com a diferença que a PEC 45 propõe um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) único, enquanto a PEC 110 estabelece um imposto dual, com um tributo para União e outro para estados e municípios.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

COP15 repete frustração de outras reuniões

O Globo

Conferência de Biodiversidade fecha outro acordo ‘histórico’ sem definir de onde sairá dinheiro para cumpri-lo

Na Conferência sobre Biodiversidade das Nações Unidas (COP15), em Montreal, quase 200 países chegaram a um entendimento para tentar deter ameaças a ecossistemas e espécies no planeta. O acordo foi considerado “histórico”, como outros semelhantes, sem que tenha sido resolvida a questão vital: como os países ricos financiarão projetos de proteção à biodiversidade nos países pobres e de renda média, onde está a maior parte das espécies ameaçadas.

Os países se comprometeram a preservar um terço da natureza do planeta e estabeleceram metas para conservar biomas como florestas. Embora o acordo fale em garantir que o dinheiro para a preservação chegue aonde é necessário, não se sabe de onde virá. O tempo da diplomacia costuma ser lento, mas não tão lento quanto os acertos financeiros ambientais com os países ricos.

Desencontros entre intenções e realizações na questão ambiental são antigos. Na Rio-92, 197 países firmaram a primeira convenção sobre mudanças climáticas com o objetivo de reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa. Não se estabeleceram metas, tampouco tratou-se de recursos para a empreitada. As emissões continuaram a crescer pelas três décadas seguintes.

Poesia | Tenho tanto sentimento - Fernando Pessoa

 

Música | Trenzinho do Caipira - Coral "Voz por Elas"