Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2021
Merval Pereira - Antilavajatismo
Ascânio Seleme - O que esta Casa quer
Houve
um período em que a vontade popular influenciava as decisões tomadas pelos
deputados
Houve
uma época na vida política nacional em que a Câmara dos Deputados
subordinava-se ao eleitor. Os movimentos das massas, o clamor das ruas, o rufar
dos tambores mexiam com posições enraizadas, transformavam "verdades
absolutas" e forçavam deputados a votar de acordo com o pleito manifesto
pela maioria. Na votação do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, o
então deputado Ibsen Pinheiro, presidente da Câmara, promulgou o resultado com
uma frase emblemática que resumia esse sentimento. “O que o povo quer, esta
casa acaba querendo”, disse o deputado.
Muitos
outros exemplos comprovam a tese de Ibsen. Inúmeras matérias que contrariavam
interesses de governos e de suas bases parlamentares acabaram sendo aprovadas
para atender aquele grito rouco que é impossível não se ouvir. O segundo
impeachment no Brasil, da ex-presidente Dilma Rousseff, também confirma que é
bom não contrariar a vontade do povo. A cassação do odiado Eduardo Cunha, que
perdeu a presidência da casa e em seguida o mandato, acabando preso, da mesma
forma corrobora a máxima de Ibsen.
Mas, nos dois últimos anos, contrariando a história, os parlamentares aparentemente deram as costas ao clamor popular. O presidente do Brasil que cometeu uma dúzia de crimes de responsabilidade permanece no cargo e, mesmo tendo apenas 37% de apoio popular, não teve na Câmara seu processo de cassação encaminhado. Na noite de segunda-feira, viu-se outro sinal inequívoco de que os senhores deputados e as senhoras deputadas estão se lixando para o que o povo quer ao elegerem o deputado Arthur Lira para a presidência da Câmara. O que importa é o que esta casa quer.
Carlos Andreazza - O autêntico nocivo
Bolsonaro é o autêntico. Assim vai percebido por parcela relevante da população. E não adiantará argumentar que autenticidade não seja qualidade per se. Tampouco explicar que essa autenticidade seja produto — nada novo — de personalismo extremo, ao qual se soma a pregação permanente de polarização para guerra, comando confundido com ser politicamente incorreto. Nem que sua autenticidade tenha a mesma consistência da de um sociopata. Ele é o mito. Muitos anos sob mentalidade autoritária nos trouxeram até aqui.
Bolsonaro
elegeu-se vendendo também a imagem de alguém que quebrava a liturgia de
Brasília. Num país com baixa cultura republicana, e com tradição personalista,
isso é um tesouro para a modalidade de populismo que representa.
Impossível não associar essa concepção de homem público original à maneira como soube explorar as demandas antipolíticas derivadas do lava-jatismo. O sujeito que é autêntico porque nada deveria ao sistema. É desde essa farsa que arma sua carcaça de líder popular — um poderoso que sai do palácio de moto, simulando improviso, para jogar porrinha numa padaria. Porque pode; porque é gente como a gente; porque está limpo.
Hélio Schwartsman - Bolsonaristas deveriam revoltar-se
Se
eu fosse um deles (deus me livre), já estaria na rua quebrando tudo
Se
eu (Deus me valha e guarde!) fosse bolsonarista, já estaria na rua quebrando
tudo. É que há um limite para o número de vezes que uma pessoa pode deixar-se
enganar sem comprometer a autoimagem. E, no caso dos admiradores do mito, esse
limiar já ficou para trás em qualquer análise objetiva.
A
cereja do bolo é o esforço bilionário do presidente de distribuir verbas e
cargos entre congressistas para tentar assegurar aliados no comando
da Câmara e do Senado. O próprio Bolsonaro, durante a campanha, dizia que o
presidente que troca cargos por apoio no Parlamento merece o impeachment
(declaração de 27 de outubro de 2018). E quem é um bolsonarista para discordar
de Bolsonaro?
Não foi só na antipolítica que o ex-militar cuspiu em seu eleitorado. Ele também o fez em relação à pauta anticorrupção (foi Bolsonaro, não Temer, quem enterrou a Lava Jato) e à agenda econômica liberal (cadê o R$ 1 trilhão em privatizações?) para ficarmos só nos grandes temas.
Luiz Carlos Azedo - Jogo jogado no Congresso
É
sensato fazer uma aposta de que a atuação do novo presidente do Congresso será
um fator de equilíbrio na relação entre os três Poderes.
O
senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), conforme se previa, foi eleito de forma
consagradora para a Presidência do Senado e, por conseguinte, do Congresso.
Recebeu 57 votos, contra 21 na senadora Simone Tebet (MDB-MS), que desafiou o
candidato governista. O placar dilatado deve-se ao fato de que contou com o
apoio do presidente Jair Bolsonaro e de uma ampla aliança, que incorporou os
partidos governistas e, também, PT, PDT e Rede. Simone Tebet perdeu
competitividade quando a bancada do MDB resolveu não apoiá-la.
Apesar
de ter nascido em Porto Velho (RO), Rodrigo Pacheco foi criado em Minas e fez a
sua carreira política no estado. Tem todas as características de um político
liberal mineiro, sendo hábil articulador e muito moderado no discurso. Não foi
à toa que citou o presidente Juscelino Kubitscheck, um político pessedista
conciliador e, ao mesmo tempo, inovador. Nessa perspectiva, seu discurso, logo
após a eleição, foi irretocável, porque tratou de todos os temas da atualidade
— pandemia, crise econômica, reformas, ética etc. —, com equilíbrio e
objetividade, tendo reafirmado seu compromisso com o Estado democrático de
direito.
O clima da eleição de Pacheco no Senado foi completamente diferente do que aconteceu na eleição de Davi Alcolumbre, cuja disputa com Renan Calheiros (MDB-AL) foi duríssima, com ataques pesados de ambos os lados. Após a eleição, o novo presidente da Casa tratou a candidata derrotada com muita deferência, na tentativa de evitar sequelas no relacionamento político entre ambos e o grupo de senadores que Simone Tebet representou. É sensato fazer uma aposta de que a atuação do novo presidente do Congresso será um fator de equilíbrio na relação entre os três Poderes.
Ricardo Noblat - Congresso escolhe caminhar em direção oposta a do país
Bolsonaro
ganhou – e o Centrão mais do que ele
Jair
Bolsonaro pagou uma fortuna ao Centrão para derrotar o que lhe pareceu ser o
germe de uma aliança de parte da esquerda e da direita para minar suas chances
de se reeleger em 2022.
A
partir de agora, pagará outra para que o Centrão apoie no Senado e na Câmara
dos Deputados os projetos do seu governo que não conseguiram avançar quase nada
por culpa dele mesmo.
Uma
vez de novo candidato a presidente, pagará uma terceira fortuna no mercado
futuro para evitar que o Centrão se bandeie para o lado de seus possíveis
adversários.
Deu
Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para presidente do Senado, como previsto. Deu Arthur
Lira (PP-AL) para presidente da Câmara depois que o DEM largou de mão Baleia
Rossi (MDB-SP).
Foi
o enterro da Nova Política prometida por Bolsonaro há dois anos, e a
ressurreição com todo o seu esplendor da Velha onde, por sinal, Bolsonaro se
criou durante quase 30 anos.
Eleito, Pacheco falou em Senado independente, em auxílio emergencial para os brasileiros mais pobres atingidos pela pandemia, mas não só, e em reformas na economia.
Eliane Cantanhêde - Dupla vitória de Bolsonaro
Aliados
de Bolsonaro se unem no Congresso, adversários de 2022 se autodestroem e perdem
O
que a eleição municipal de
2020 uniu a eleição para as presidências da Câmara e
do Senado desuniu: MDB, DEM e PSDB,
os três carros-chefes de uma candidatura de centro em 2022, agora empacam, sem
bússola e sem piloto. O desastre, enorme, pode ser personalizado em Rodrigo Maia, que implodiu sua corrida
para um lugar ao sol entre os principais articuladores políticos do País.
A
vitória do presidente Jair Bolsonaro é muito maior do
que apenas a garantia de aliados cômodos e ativos na Câmara e no Senado, agora
sob a condução do deputado Arthur Lira (PP-AL) e do
senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Já é espetacular, mas vai além. De um lado, o resultado nas duas Casas do
Congresso deixa Bolsonaro numa situação bastante confortável. De outro,
desmonta, já nos alicerces, a construção de uma sólida opção de centro.
O clima do Planalto, ontem, era de festa. O general Luiz Eduardo Ramos jurava que não comprou votos coisa nenhuma, apenas conduziu a distribuição “normal” de emendas. E que não trocou, nem trocaria, cargos por votos, só fez a “equalização” das vagas de governo: se o apoiador de Arthur Lira no Estado tal não tinha vaga nenhuma, mas o aliado de seu adversário Baleia Rossi (MDB-SP) tinha duas... Ora, tinha de melhorar essa balança aí.
O fato é que o governo entrou pesado, sim, e Bolsonaro se empenhou pessoalmente, sim, nas duas disputas, mas é preciso admitir que as forças políticas tiveram, como sempre têm, seus movimentos próprios, com sua dinâmica particular. Ou seja: contaram nos resultados, também, os acordos intramuros da Câmara e do Senado, as guerrinhas intestinas nos partidos, as divergências ideológicas.
Carlos Melo* - Rodrigo Maia, novos presidentes e grandes desafios
Atividade
dinâmica, a política é cruel. Há três meses, o Dem saía das urnas municipais
quase consagrado – era o mais vistoso. Rodrigo Maia colhia os maiores louros. O
então presidente da Câmara posicionava-se como o aglutinador do chamado
“centro”, o “sujeito do diálogo” pelo qual, não sem motivo, muitos clamavam.
Com vistas em 2022, Maia seria a ponte desde o centro direita até o centro
esquerda. Independente do candidato à presidência desse amplo espectro, certo é
que Maia seria um dos articuladores do que se pretendia “uma frente ampla”.
A fama que Maia construiu não foi imerecida: no longo período em que se manteve à frente da Câmara, deu extraordinário salto de importância; interveio no debate nacional, propôs. No mais, não se deixou levar pelo canto que lhe oferecia o lugar de Michel Temer; articulou o teto de gastos e a reforma da Previdência – com todos seus erros, acertos e inevitabilidades –, defendeu as prerrogativas do Congresso Nacional e seu papel de freio e contrapeso ao bolsonarismo.
Rafael Cortez* - O retorno do presidencialismo de coalizão
Vitória
de Arthur Lira na Câmara revela a opção de Bolsonaro por fazer política
Aos
olhos dos críticos do governo resultado do “toma lá da cá”. Sob a ótica dos
seus defensores, mais um sinal do pragmatismo do presidente. De todo modo,
a vitória de Arthur Lira (Progressistas–AL) é
mais um passo ao retorno do presidencialismo de coalizão. O próprio presidente
externou a disposição em afetar o resultado para presidência da Câmara. O
discurso refratário à política tradicional ficou na memória política
brasileira, o interregno da nova política teve pouca duração. O presidente e
seu núcleo político aprenderam que sob administração minoritária, a
estabilidade política se torna uma commodity escassa, flutuando ao sabor da
conjuntura.
Em boa medida, a busca por uma coalizão estável parece refletir não apenas ensinamentos do passado, mas especialmente a antecipação de um quadro político turbulento. O debate sobre a interrupção sobre possível processo de impeachment e os entraves da agenda do governo, de fato, sugerem a metade final da administração bastante instável, especialmente diante de um perverso quadro de pandemia. O governo tinha uma decisão a tomar: mitigar tais pressões por meio da mobilização direta da base de apoio bolsonarista nas redes sociais ou partilhar o poder com as lideranças legislativas. Dito de modo mais direto: escolher entre o presidencialismo plebiscitário ou o presidencialismo de coalizão. A vitória de Lira revela a opção por fazer política.
Partidos de oposição a Lira vão ao STF contra 1º ato de novo presidente da Câmara
Lira
anulou um ato de seu antecessor, Rodrigo Maia, numa tentativa de esvaziar o poder
do grupo de seu adversário
Vinícius Valfré - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA
- Onze partidos da Câmara anunciaram na madrugada desta terça-feira, 2,
que vão ao Supremo Tribunal
Federal (STF) contra o primeiro ato de Arthur Lira (Progressistas-AL) como
presidente da Casa. Minutos após assumir a cadeira e fazer um discurso de
conciliação, Lira anulou um ato
de seu antecessor, Rodrigo Maia (DEM-RJ), numa tentativa de esvaziar o poder do
grupo de seu adversário.
O
novo presidente da Câmara decidiu não considerar a formação do bloco de dez
partidos que apoiou Baleia Rossi (MDB-SP),
seu adversário na disputa. Além de eleger o presidente, os deputados
iriam definir a composição da chamada Mesa Diretora, grupo formado por outros
seis parlamentares – sem contar os suplentes – que participam das decisões de
comando do Legislativo, desde medidas administrativas a questões políticas,
como a aceitação de um pedido de cassação.
Na prática, a decisão de Lira permite que cinco das seis principais vagas na Mesa Diretora fiquem com parlamentares do seu grupo. Apenas o PT manteria um assento.
‘Discurso de paz e harmonia de Arthur Lira durou dez minutos’, diz Doria
O
governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse na noite
desta segunda-feira, 1, que o discurso “de paz e harmonia” do recém-eleito
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), “durou dez
minutos”
“O discurso de paz e harmonia do deputado Arthur Lira
durou 10 minutos. Foi sucedido por um outro discurso revanchista e odioso. E
mostrou o tom de como vai conduzir a Câmara Federal”,
afirmou. Na disputa, Doria apoiava o adversário de Lira, Baleia Rossi
(MDB-SP) .
Em
seu primeiro discurso como presidente da Casa, Lira fez um gesto ao emedebista
disse que governará olhando ao centro, à direita e à esquerda, em referência a
deputados de todo o espectro político.
Mas, em seguida, anunciou já o seu primeiro ato administrativo, desmanchando o bloco de Baleia Rossi (MDB-SP), inscrito com alguns minutos de atraso nesta segunda-feira, com a aceitação de Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Com centrão, agenda econômica não ganha impulso, diz cientista político
Cristiane
Agostine – Valor Econômico
SÃO PAULO - A provável vitória do Centrão no comando da Câmara dos Deputados, com a eleição de Arthur Lira (PP-AL), deve ajudar o presidente Jair Bolsonaro a barrar não só um processo de impeachment contra ele, mas também investigações de irregularidades no governo federal em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). No entanto, não garante a aprovação de projetos de interesse do presidente, nem o avanço da agenda econômica e de pautas conservadoras. Na análise do cientista político Carlos Pereira, professor da FGV, a consolidação da aliança de Bolsonaro com o Centrão não dará ao presidente o controle das votações nem a certeza de governabilidade.
O
Centrão, diz o cientista político, é a “maior minoria” na Câmara: tem apoio
suficiente para impedir o impeachment, mas não tem votos na Câmara para dar
maioria simples nem qualificada para aprovar projetos.
Pereira
avalia a aliança com o Centrão como um “estelionato eleitoral” do presidente. A
defesa da agenda anticorrupção e as críticas à “velha política” e às práticas
do “toma-lá-dá-cá”, que marcaram a campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018 e o
primeiro ano do governo, caíram por terra, diz o professor da FGV. O presidente
deu um “cavalo de pau” na forma de se relacionar com o Legislativo, ao trocar o
tom belicoso por um acordo com o partidos como PP, PL e Republicanos, com a
oferta de cargos e recursos vultuosos. A vitória de Lira, afirma Pereira, é
sinônimo da derrota das bandeiras defendidas por Bolsonaro e, ao mesmo tempo, a
vitória do presidencialismo de coalizão no Brasil.
O
avanço da agenda econômica dependerá mais do empenho do governo do que do novo
presidente da Câmara, independentemente de quem for eleito. Na avaliação de
Pereira, as pautas de interesse da equipe econômica não foram aprovadas por
falta de articulação política e por erros do governo. Se o presidente não
aprovar reformas como a administrativa e tributária, diz o professor, não
poderá mais culpar o Congresso por divergências e assinará uma “sentença de
incompetência”.
Para
o cientista político, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), errou ao
não usar a ameaça de abertura de impeachment contra Bolsonaro para fortalecer a
candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) contra Lira.
A
seguir, trechos da entrevista ao Valor ontem,
antes da votação na Câmara e no Senado.
Valor: A
vitória de Lira coroa o fortalecimento do Centrão, com o retorno do
protagonismo na Câmara depois de Eduardo Cunha?
Carlos Pereira: É uma vitória de Bolsonaro, não do
Centrão. Bolsonaro fez uma mudança radical, deu cavalo de pau na política que
implementou inicialmente com o Legislativo. Ele teve uma postura desde o início
do governo de muito confronto com o Legislativo e acreditou que poderia
governar através de conexões diretas com sua base eleitoral, passando os
partidos e o Congresso. Ele colheu tempestade, muitas derrotas no Legislativo e
viu crescer a possibilidade real de que seu governo terminasse de forma
prematura pelo impeachment. Diante das sinalizações que o presidencialismo
multipartidário deu, fez uma mudança radical, um cavalo de pau, e passou a
querer governar com os partidos, montando uma coalizão com Centrão. O Centrão
soube aproveitar essa inflexão. Estavam disponíveis a participar de uma
coalizão dependendo do que fosse ofertado em troca.
Valor: Essa
coalizão garante governabilidade? E enterra as possibilidades de um
impeachment?
Pereira: Não está claro se essa coalizão
poderá dar maioria consistente e sustentável ao governo no Legislativo, mas
pelo menos é capaz de dificultar iniciativas que o governo julga não desejáveis
como o impeachment. O Executivo está oferecendo execução de emendas individuais
e coletivas, espaço no governo, ministérios.
O presidente se torna dependente dessas figuras que são ideologicamente amorfas e fica mais vulnerável”
Míriam Leitão - Duas Casas de costas para o país
O
Congresso virou de costas para a sociedade nesta eleição. Enquanto o país está
sendo devastado pela pandemia, atingido pela desastrosa gestão da crise,
açoitado pelas ofensas do presidente Bolsonaro, a Câmara e o Senado, como se
estivessem em outro planeta, negociavam com olhos em outras questões. Houve
ecos, alguns poucos, do que realmente aflige o Brasil, mas o que pavimentou o
caminho dos candidatos governistas foram verbas e cargos. Os eventos da
sucessão no Congresso terão reflexos na política e na economia.
Na
política, houve uma mudança de curso importante, diz o cientista político Jairo
Nicolau. O governo Bolsonaro aderiu nesta eleição à construção de uma maioria
com base em partidos. Isso significa uma reversão daquela ideia inicial,
fracassada por inviável, de ignorar os partidos e fazer acordos com as
bancadas. É um equívoco avaliar que houve agora a adesão de Jair Bolsonaro ao
centrão, ao fisiologismo e à velha política. Ninguém adere ao que sempre foi.
Esse é o seu grupo. Bolsonaro é o que ele definia como “velha política”. Pensou
que poderia costurar alianças diretamente com as bancadas temáticas. Não deu
certo, porque não daria mesmo.
Bolsonaro fez explícita intervenção no Congresso para, desta forma, afastar o fantasma do impeachment. No Senado, conseguiu um feito impressionante. O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi eleito com convincente maioria, juntando votos dos seguidores de Bolsonaro e dos partidos de esquerda. Pacheco conseguiu também tirar do maior partido, o MDB, a presidência da Casa. E o fez com apoios do próprio MDB, que abandonou sua candidata Simone Tebet. Pacheco falou em pacificação, sendo o candidato de um presidente que fez do mote da campanha o gesto de armas apontadas. E elas têm atirado.
Vera Magalhães - Pior líder mundial? Vamos dar a ele o Congresso!
Jair Bolsonaro é considerado o pior líder mundial no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Sua popularidade está em queda em qualquer pesquisa de opinião que se olhe, em praticamente todos os estratos e regiões. Não existe vacina disponível para a grande maioria da população brasileira. A economia patina após um soluço de recuperação à custa de auxílio emergencial e a desigualdade, depois do mesmo soluço, é maior que no início da pandemia.
Qual a
resposta dos senhores parlamentares a esse estado de coisas? Simples: dar a
este presidente o comando das duas Casas do Congresso. A que custo? As cifras
variam bastante, mas sempre na casa dos bilhões de reais, vindos do Orçamento
federal já estourado e de mais sacrifício a gastos que deveriam ser
prioritários.
Parece
impossível de entender, e é mesmo. A política vai mostrando que não tem nenhum
compromisso com as preocupações reais do Brasil, as urgências sociais, de saúde
pública, econômicas e institucionais, e que viu na fragilidade de Bolsonaro a
chance de lhe arrancar até a cueca na forma de fisiologismo explícito para
afastar o fantasma do impeachment, a única coisa que aflige de fato o capitão.
Não importa que, para isso, os partidos implodam suas próprias estruturas e comprometam a própria estratégia para 2022. Como em 2018, as principais siglas mostram incapacidade de projetar as consequências de médio e longo prazo de suas ações, e ignoram a capacidade de Bolsonaro de manter uma base fiel, ainda que minoritária, para construir sua candidatura em cima dos erros dos adversários (além de outros expedientes conhecidos, como fake news, discurso de ódio, negação da política e, agora, rios de dinheiro público).
Bernardo Mello Franco - Bolsonaro compra seguro contra impeachment e CPI
A
vitória de Arthur Lira sela o enlace entre Jair Bolsonaro e o Centrão. É um
casamento de interesses, ditado pela gula dos parlamentares e pelo instinto de
sobrevivência do governo.
Na
campanha de 2018, o capitão definiu o grupo como “a nata do que há de pior” no
Brasil. Ao subir a rampa, ele continuou a tratar a turma com desdém.
Partidos
como o PP de Lira e o PTB de Roberto Jefferson, acostumados a abocanhar cargos
em todas as gestões anteriores, viram-se preteridos na partilha de ministérios
e estatais.
Foi
uma surpresa amarga para as duas legendas, que haviam oferecido abrigo ao então
deputado Bolsonaro por mais de uma década.
O
ensaio de independência durou enquanto o presidente se julgava forte o
suficiente para governar sem dividir poder com o Congresso. Essa situação mudou
com a queda de popularidade e com o cerco judicial aos filhos do capitão.
Fragilizado, Bolsonaro se rendeu ao Centrão e decidiu abrir os cofres para comprar proteção parlamentar. O investimento em Lira representa a contratação de um seguro contra o impeachment, cuja apólice terá que ser renovada periodicamente até 2022.
Murillo Camarotto - Cloroquina com leite condensado
- Valor Econômico
Anvisa atestou a importância de uma sociedade vigilante
Esta última, realizada
há duas semanas, tem um simbolismo importante. Durante meses, os servidores de
carreira do órgão conviveram com uma inédita desconfiança por uma boa fatia da
sociedade. Motivos não faltavam. O principal era a guerra declarada pelo
presidente da República contra a vacina que a agência viria a analisar.
Nos
primeiros dias da pandemia, Jair Bolsonaro foi à porta do Palácio do Planalto
saudar fãs que pediam um novo golpe militar. Estava acompanhado do atual
presidente da Anvisa, o almirante Antônio Barra Torres, cuja participação no
ato gerou apreensão com a influência do negacionismo sobre o trabalho da
agência reguladora.
Internamente, os
servidores insistiam que a análise das vacinas seria técnica e independente,
mas não negavam o temor de uma possível interferência. A desconfiança chegou ao
nível máximo em novembro, quando a Anvisa interrompeu os testes com a
Coronavac, vacina demonizada pelo presidente da República.
Pedro Cafardo - Por que um novo “Plano Marshall” é necessário
Avanço
da vacinação concentrado nos países mais ricos vai estimular o aumento das
desigualdades e dos conflitos sociais no mundo
Logo
no início da atual pandemia, em março do ano passado, o secretário-geral da
OCDE, Ángel Gurría, conclamou as principais economias do mundo a promover ações
conjuntas com ambição de um Plano Marshall. Cada vez mais, a recomendação se
justifica.
Para
quem não se lembra ou nunca leu a respeito, vale explicar o que foi o Plano Marshall.
Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, em 1945, os grandes países da Europa
e o Japão estavam destruídos. As perdas mais terríveis eram humanas, com cerca
de 60 milhões de mortos entre civis e militares. Ferrovias, portos, pontes,
casas e a infraestrutura em geral haviam sido arrasados pelos bombardeios.
Estima-se que 40% das habitações foram destruídas na Alemanha, 30%, no Reino
Unido, e 25%, no Japão.
Temia-se,
então, que pudesse se repetir o que havia acontecido depois da Primeira Guerra
Mundial (1914 a 1918), quando o Tratado de Versalhes (1919) estabeleceu que os
países derrotados deveriam pagar vultosas quantias a título de reparação de
guerra aos vencedores. Isso provocou desemprego, hiperinflação e o
fortalecimento de governos nacionalistas e totalitários que acabaram levando à
Segunda Guerra Mundial.
Nos
EUA, a situação era completamente diferente. Além de ganhar a guerra e apesar
das perdas humanas - morreram 300 mil soldados dos 12 milhões alistados -, os
EUA tiveram um grande impacto econômico positivo.
O
esforço de produção bélica promoveu recuperação plena da economia, que saiu
definitivamente da grande depressão dos anos 1930. O desemprego foi extinto
pela criação de 16 milhões de vagas, o que exigiu a incorporação inédita de 6
milhões de mulheres ao mercado de trabalho, por força da escassez de mão de
obra. Em 1950, o PIB americano estava 80% acima do nível de antes da guerra, em
1938.
O
grande ganhador da guerra, portanto, tinha a obrigação de sustentar a
recuperação da economia mundial. E o fez por meio do Plano Marshall, que tem
esse nome em homenagem ao general George Catlett Marshall, idealizador do
programa, que havia lutado nas duas guerras mundiais e ocupara cargos de secretário
de Estado e da Defesa dos EUA.
O plano forneceu US$ 13 bilhões, em valores de época, para reconstrução e recuperação de 16 países da Europa Ocidental e do Japão. É difícil avaliar, aos olhos trilionários de hoje, o valor real dessa ajuda. Mas foi extraordinária. Representava, por exemplo, cerca de 20 vezes o valor do PIB brasileiro da época.
O grande economista John Kenneth Galbraith (1908-2006) estimou que
metade desses recursos foi destinada a alimentos e matérias-primas, 17%, a
combustíveis, 17%, a máquinas e equipamentos, e 7%, a transportes. Isso forjou
a chamada “Era de Ouro” do capitalismo, um período de grande expansão econômica
no pós-guerra, que se estendeu até o início dos anos 1970, quando veio a
primeira crise do petróleo.
Recursos do Plano Marshall foram oferecidos também à União Soviética, mas Josef Stalin não os aceitou e impediu a adesão ao programa dos demais países do bloco socialista europeu. Até porque o plano se inseria na estratégia da Doutrina Truman, do presidente Harry Truman, cujo objetivo era barrar o avanço comunista da União Soviética no pós-guerra.
Luiz Gonzaga Belluzzo* - Indisciplina nos mercados
Há
conflito permanente entre as regras do jogo e a compulsão dos possuidores de
riqueza para transgredi-las
Jornalista
de um prestigioso matutino entregou-se a entrevistas com gentes dos mercados na
tentativa de desvendar as razões do episódio GameStop protagonizado por
pequenos investidores. A empresa de games estava em situação crítica, prestes a
solicitar acolhimento no Chapter Eleven que regulamenta falências no
ordenamento jurídico americano.
Os
parrudos Hedge Funds estavam “vendidos” em GameStop, provavelmente com a mesma
convicção que animou o personagem de Christian Bale a ficar “short” nas Asset
Backed Securities, conforme narrativa do filme “A Grande Aposta”. O personagem
de Bale se deu bem em seu Big Short, enquanto os Hedge Funds que “shortavam”
GameStop se deram mal diante da avalanche de ordens de compra disparadas pelos
investidores “amadores”, mediante a utilização de um aplicativo. As ações da
periclitante GameStop dispararam.
O
jovem periodista abriu uma das entrevistas sapecando: “É um absurdo, a
regulação não deveria ter deixado uma empresa quebrada subir tanto. Estava
errado. Aquele valor não era o justo!!”
O
entrevistado respondeu ironicamente que o valor das coisas é o valor que a
gente atribui às coisas. O rapaz ficou indignado: “Então não tem uma conta para
determinar o preço correto da empresa?
O
entrevistado: “Não é desesperadora essa liberdade negativa, enquanto ausência
de determinação?”
Silêncio
no mundo das positividades. Liberdade negativa, ausência de determinação? Que
diabo é isso? Veremos adiante.
Certamente
nosso entrevistador aquietou suas angústias quando outro entrevistado
proclamou: “Os preços das ações são determinados por fundamentos! Esse tipo de
movimentação é uma anomalia que afasta o investidor”.
Nas últimas décadas o valor das ações escapou desesperadamente dos ditos fundamentos, critérios de “valuation papai- mamãe” que usam o fluxo de caixa livre descontado a uma TMA, “taxa mínima de atratividade”, associada ao prêmio de risco do setor. Faz sentido, dinheiro agora vale mais que dinheiro daqui a cinco anos. Sendo assim, é preciso usar a taxa de desconto setorial para trazer esse fluxo longo para “precificar” o valor presente do ativo e torná-lo comparável com os demais.
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
União
de interesses fisiológicos com Planalto preocupa por impacto institucional
As
vitórias de Rodrigo
Pacheco (DEM-MG) e sobretudo de Arthur
Lira (PP-AL) para as presidências, respectivamente, do Senado e da
Câmara consolidam a ascendência do centrão na política federal. Essa geleia
geral de legendas —com poucas ideias e muito apetite por cargos e verbas— selou
um pacto de ocasião com um presidente acossado pelo risco de impeachment.
Jair
Bolsonaro, por seu turno, consumou o estelionato eleitoral ao despir-se dos
últimos fiapos do disfarce de vingador da política que vestiu em 2018. Enganou
apenas quem não acompanhou seus sete mandatos como deputado federal
especializado na arraia-miúda das transações parlamentares.
Não
deixa de ser uma evolução positiva, contudo, o presidente ter deixado de atiçar
quarteladas e escaramuças com outros Poderes e passado a fazer política, ainda
que no modo rebaixado que lhe restou.
A
nota preocupante nessa acomodação de interesses e interessados diz respeito ao
equilíbrio institucional. Desaparece das presidências do Congresso, pelo menos
enquanto o butim prometido pelo Planalto estiver sendo entregue, a disposição
de confrontar investidas autoritárias de Bolsonaro.
O
provável enfraquecimento do contrapeso legislativo vai requerer de outras
instâncias de controle, em especial do Supremo Tribunal Federal, uma vigilância
ainda mais atenta. Aumentam as chances de novos desafios contra a marcha
civilizatória nos próximos meses.
O
correr do tempo vai responder às dúvidas sobre o tamanho real da força
parlamentar do governismo e sobre o que o presidente da República deseja fazer
com ela além de se proteger da deposição.
A
perspectiva para a renda e o emprego das vultosas parcelas mais pobres da
população é de acentuada deterioração. Qualquer remédio que não inclua impor
derrotas a grupos privilegiados pelos orçamentos e as regras públicas vai
resultar em desconfiança e inflação.
No combate à pandemia, o horizonte não é menos carregado. Meses de incúria e falseamento da realidade por Bolsonaro deixaram o país de joelhos diante do vírus, com precária capacidade de vacinação.
Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.