Por Cristian Klein
SÃO PAULO - Um dos principais entusiastas da candidatura do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à Presidência da República, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso põe água na fervura do ex-governador José Serra, que passou a travar uma queda de braço para ser mais uma vez o candidato do partido no ano que vem, depois de derrotado em 2002 e 2010. Para FHC, Serra não vai sair do PSDB, como ameaça, e provavelmente não será necessária a realização de prévia entre ele e Aécio. "Eu acho difícil", afirma Fernando Henrique, em entrevista ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor. FHC argumenta que os tucanos nunca estiveram tão unidos, situação que, em sua opinião, não pode ser desperdiçada. "A dificuldade [para Serra]
é que o PSDB em sua imensa maioria está com Aécio. Então, acho que a pessoa tem que ser realista", diz.
O ex-presidente lembra que nas últimas eleições houve cisão interna, o que gerou indefinição e prejudicou o PSDB na urnas. Serra, afirma, tem direito de postular a candidatura, mas sem atrapalhar.
Na contramão da oposição, FHC diz ser favorável à polêmica importação de médicos feita pelo governo federal: "Não sou contrário, desde que haja clareza e diploma que realmente tenha valor".
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: Qual tem sido o seu papel na disputa entre Aécio e Serra?
Fernando Henrique Cardoso: Não precisa chegar ao ponto de ser um bombeiro. Acho que temos que dar um pouco de tempo ao tempo. Há dois passos decisivos do Serra. Um é agora: resolver se ele fica no PSDB ou não. Meu palpite: ele fica.
Valor: Por que um palpite?
FHC: Não, somente porque ele não me disse. Eu sou prudente. Mas o Serra é um ser racional. Não tem muito sentido você sair de um partido onde sempre esteve, onde construiu sua história e contribuiu para a história do partido, e ir para uma coisa que você não sabe como é, com um ponto de partida frágil.
Valor: Seria uma candidatura frágil, se for para outro partido?
FHC: É frágil. Qual é a dificuldade? A dificuldade [para Serra] é que o PSDB em sua imensa maioria está com Aécio. Quer o Aécio. Então, acho que a pessoa tem que ser realista, até que ponto tem sentido se apresentar como candidato ou não. Mas isso só o tempo vai mostrar, se é possível ou não.
Valor: Ele pode atrapalhar?
FHC: Ahn... agora não. Porque está muito longe, o povo não está nem aí para esta questão de eleição. Agora, tem um momento, o PSDB vai ter que... Qual foi o nosso problema nas outras candidaturas? É você ter indecisão por muito tempo. Não dá para repetir isso. A vantagem que temos agora é que houve uma tendência consolidada no PSDB pela candidatura Aécio.
Valor: O sr. vê uma diferença grande no processo de escolha desta vez em relação às outras eleições?
FHC: Ah, sem dúvida. Nos outros anos, houve muito mais indecisão. O partido estava mais dividido. Agora não. O que tem é uma aspiração legítima do Serra, mas não é que o partido se dividiu entre um e outro. Neste momento, nos diretórios, que eu saiba, não existe nenhuma cisão dentro do PSDB. O PSDB está ao redor da candidatura do Aécio.
Valor: Há clima para prévias?
FHC: Eu acho difícil. Mas, claro, se o Serra insistir em ser candidato ele tem o direito. Agora o partido também tem a obrigação de dizer: "Vamos resolver isso logo, não pode esperar". Para não cair nos erros do passado.
Valor: Até quando o sr. acha que o partido pode esperar?
FHC: Primeiro temos que deixar passar o que vai acontecer agora no fim do mês. Não adianta especular antes da hora. Meu palpite é que Serra fica. Se não ficar, muda tudo. Por que é ele e outros. Mas não há tendência nenhuma de as pessoas saírem. Não há. Ninguém. Nenhuma força importante. Até porque as dificuldades do governo [federal] são enormes. Nunca houve conjuntura tão favorável a uma alternativa. Nosso dever é construir essa alternativa, com seriedade, o quanto antes e juntando gente.
Valor: O Aécio, em terceiro lugar nas pesquisas, ainda não decolou. Isso não preocupa?
FHC: Não é hora de decolar. O povo só vai se abrir para isso no segundo semestre do ano que vem. É hora de se organizar, de organizar o discurso, ter presença articulada com outros setores.
Valor: Mas a classe política já se prepara e se articula com os demais nomes do cenário, como Marina Silva e Eduardo Campos.
FHC: A Marina, indiscutivelmente, se beneficia, neste momento, dessa onda dos protestos. Agora, no ponto de partida, o Aécio tem [o apoio de] Minas, uma estrutura grande do PSDB e candidatos organizados em praticamente todos os Estados. E o Eduardo tem menos. De fato, vamos ver como é que a porca torce o rabo, quando estivermos na campanha. Quem tem mais organização na oposição é o Aécio. A Marina não tem nem partido. E o Eduardo tem, mas é um partido mais fraco que o PSDB. No ponto de partida, Aécio tem vantagem, independentemente das variações de [pesquisa de] opinião. A opinião está muito longe da eleição. O Serra saiu sempre muito na frente, e não ganhou. Isso é muito relativo.
Valor: Mas o Serra não se espelha na trajetória do ex-presidente Lula, que concorreu quatro vezes até finalmente vencer?
FHC: Sim, mas o partido queria que o Lula fosse. Não é a mesma situação. E o PT não tinha alternativa. São situações diferentes. A candidatura não depende de você. Depende de os outros quererem.
Valor: O Serra pode atrapalhar e jogar contra o Aécio em São Paulo, durante a campanha, numa revanche ao que teria acontecido em Minas, em 2010?
FHC: Primeiro, o Aécio nega isso. Serra ganhou em BH. Segundo, o Serra não pode fazer isso porque seria trair o partido. Acho que isso ele não faz.
Valor: O sr. se sente o patrono da candidatura Aécio?
FHC: Não, a candidatura foi lançada não foi nem por mim, foi pelo [deputado federal] Sérgio Guerra, pelo [ex-presidente do PSDB] Tasso [Jereissati] e eu apoiei Porque o partido está nesta direção e porque eu acho que o momento é de você renovar.
Valor: O sr. é a favor do programa de importação de médicos?
FHC: Não tenho muita clareza. O estranho é o Brasil pagar e o governo de Cuba escolher quem vem. Agora, que obviamente sejam médicos, que haja alguma aferição destes diplomas. Há diplomas e diplomas. Mas não acho que seja errado. Não sou contrário desde que haja uma coisa com clareza, que tenha diploma que realmente tenha valor. Agora, o resto, se for necessário... Sempre fui muito favorável a que houvesse migração, liberdade de movimento de pessoas, o Brasil precisa de gente com competência. Agora, tem que ter algum critério para saber se tem competência mesmo.
Valor: O que o sr. achou do relato de que a presidente Dilma teria saído de motocicleta por Brasília para escapar da rotina, sem ser notada?
FHC: Eu não vi isso. E nem acredito. A quem se atribui ter feito isso foi o [ex-presidente e general João Batista] Figueiredo (1918-1999). Não acho que ela faça isso, não.
Valor: E o sr. já fez ou teve vontade de fazer algo semelhante quando era presidente?
FHC: Esse não é o meu estilo.
Fonte: Valor Econômico