Debate sobre programas sociais deve migrar
para reinclusão de desempregados, afirma economista
Por Lucianne Carneiro / Valor
Econômico
Rio- Um dos idealizadores do Bolsa Família
e hoje professor titular do Insper, Ricardo Paes de Barros afirma que a gestão
da pandemia no Brasil transformou a crise numa situação crônica, que prejudica
de forma mais intensa os mais pobres e contribui para o aumento da
desigualdade. “Os pobres e as empresas iriam perder muito menos com um choque
do que com a maneira agonizante com que a gente está fazendo, em que a coisa é
arrastada, lenta”, diz.
Ele defende que o debate sobre programas
sociais deve ser deixar de se concentrar no auxílio emergencial e incluir
estratégias de reinclusão dos milhões de desempregados ao mercado de trabalho.
Seu alerta é de que a volta desses
trabalhadores vai demorar tempo demais se ficar a cargo da “mão invisível [do
mercado]”: “Precisamos de um programa poderoso de reinserção produtiva e não
parece que isso está sendo pensado”.
Integrante da Comissão Consultiva do Censo,
Paes de Barros critica a falta de diálogo do Congresso com o IBGE ao cortar o
orçamento para o Censo Demográfico em 2021 e reconhece que ainda há risco de
falta de recursos para sua realização em 2022, apesar da determinação do
Supremo Tribunal Federal (STF).
Ele diz que a execução do Censo na pandemia
era controversa - como se viu até pelas diferentes posições entre países
europeus -, mas que é fundamental a decisão de uma data, para nortear o
trabalho do IBGE. “Não se pode definir ano a ano”, argumenta.
A seguir, os
principais trechos da entrevista:
Valor: O STF determinou a realização
do Censo em 2022? Ainda há riscos para a pesquisa? E a capacidade?
Ricardo Paes de Barros: O IBGE tem
capacidade de sobra, está superpreparado para realizar o Censo. A questão é o
jeito que o Orçamento foi definido. A decisão de adiar ou não adiar o Censo não
é consensual. Só para ter uma ideia, a Inglaterra está fazendo o censo neste
ano e a Escócia está deixando para o ano que vem. A Alemanha está deixando para
2022 e a República Tcheca faz neste ano. Não é surpreendente que haja opiniões
nas duas direções no Brasil. Surpreendente é que a presidente do IBGE [Susana
Cordeiro Guerra] na época foi a uma audiência no Congresso e ninguém
questionou, o que dava a impressão de que era consenso de que íamos fazer, para
dias depois ser cancelado. Se tinha um debate para ser feito, e parece ligado
ao conflito do Censo na atual situação sanitária, era a hora de os
parlamentares perguntarem. E não teve nada disso. Quando a gente toma decisões
sem uma clara consulta ao IBGE e à Comissão Consultiva do Censo, tem um
problema de governança que [sugere que] qualquer coisa pode acontecer. A
possibilidade de chegar ano que vem e não ter orçamento [para o Censo] existe.
Como a forma de decisão ser tomada foi meio obscura, acho que tem esse risco.
Valor: Há outras questões em risco?
Paes de Barros: Outra questão
fundamental, que parece bem clara agora, é que o custo do censo será maior. A
pandemia faz o Censo ficar mais caro. E, a cada ano que adia, esse custo
aumenta. Se está construindo uma ponte e adia, ela começa a ficar mais cara.
Isso porque há uma série de custos para atualizar as coisas que não seriam
necessários antes. Um erro é acreditar que você pode ficar cortando o orçamento
do Censo. Não pode. Você tem que aumentar. Ao contrário do que o Congresso
brasileiro fez, o Departamento de Estatísticas das Nações Unidas tem um comitê
de especialistas que acompanha o que ocorre no mundo, já que os censos de 2020
acontecem em vários países [nesta época]. E uma das questões que deixam muito
claro é que o Censo ficará mais caro devido aos cuidados na realização e que
porque terá que eventualmente ser feito em um período de tempo maior. A
preocupação de adequar o censo à pandemia é uma questão mundial, que a
presidente do IBGE levou ao Congresso. Mas não se escutou direito e se tomou
uma decisão. Então, se a gente voltar a fazer isso no ano que vem, muita coisa
no Brasil vai ter dificuldade de acontecer e não só o Censo.