sexta-feira, 3 de setembro de 2010

GRAMSCI NO SEU TEMPO - Convite




(Quarta Capa) Graças a seu marxismo aberto e criativo, aliado a uma biografia impregnada de densidade histórica e drama pessoal, Antonio Gramsci converteu-se ao longo do século XX num dos mais discutidos e frequentados pensadores políticos. Hoje, é referência decisiva para o conhecimento crítico da realidade. No Brasil, sua fortuna é um fato à parte, dada a receptividade pioneira que Gramsci teve nos anos 1960 e dada, ainda mais, a rápida disseminação que seus conceitos e seu particular modo de pensar o mundo tiveram nos mais variados campos dos estudos políticos e sociais. O presente volume explora aspectos da reflexão de Gramsci ainda não inteiramente explorados pelos estudiosos brasileiros. São escritos históricos e teóricos de importantes especialistas italianos que mostram tanto o vigor da concepção política gramsciana, quanto a originalidade de suas reflexões filosóficas e o efeito que sua obra máxima – os Cadernos do cárcere – teve sobre o socialismo de sua época, e no que veio depois. Encontra-se aqui uma excelente oportunidade para que se aprofunde o diálogo com esse “clássico” do século XX que persiste, a cada leitura, sempre mais valioso para que se compreenda o mundo que nos cerca e desafia.

Marco Aurélio Nogueira

(Texto das abas) A marca de um grande autor, como Gramsci, está na capacidade da sua obra ter sabido não só formular uma compreensão das questões presentes em seu tempo como, bem para além delas, ter deixado um repertório de validade permanente a transcender a circunstância em que foi produzida. No caso de Gramsci, envolvido como sempre esteve com os problemas da sua sociedade, havia a plena consciência de que a sua reflexão, tendo como ponto de partida o aqui e o agora, não deveria se deter na casuística dos fatos presentes, mas sim sondar o que havia de universal em suas manifestações. E foi sob essa inspiração, que, em suas palavras iniciais nas Cartas do Cárcere, fez estampar a orgulhosa divisa für ewig (para sempre).

Gramsci, como é sabido, escreveu os textos dos Cadernos, que começa redigir em 1929, três anos após sua prisão pela polícia política do fascismo italiano, sob a forma de fragmentos a serem desenvolvidos sistematicamente quando viesse a oportunidade, que não veio, pois morre em 1937 na condição de prisioneiro. Embora a atenção crítica do autor se dirigisse para um elenco muito diversificado de questões, indo da literatura à política e à filosofia, passando por uma refinada intervenção em economia política, seus múltiplos objetos, contudo, sempre estavam aplicados para uma única direção: exausto o ciclo aberto pela revolução de 1917, quais as novas circunstâncias com que se confrontava a luta pelo socialismo e que inovações teóricas eram exigidas a fim de levá-la à frente.

Apartado do convívio social, a matéria-prima das suas reflexões em os Cadernos será a da sua rica experiência, primeiro, como a de militante político e, depois, como a de dirigente do Partido Comunista Italiano (PCI), que serão processadas à luz das informações que recebe sobre o estado de coisas reinante no país, no partido e no mundo, da sua cunhada Tânia Schucht e do seu amigo Piero Sraffa, um brilhante economista radicado na Inglaterra, ambos com permissão para visitá-lo na prisão. Graças a eles, Gramsci se mantém antenado com os fatos da política italiana e da cena internacional, nos anos dramáticos de emergência do nazismo na Alemanha, com indisfarçáveis sinais de guerra iminente entre as principais potências européias, e de consolidação do regime fascista em seu país.

Se as suas referências políticas, antes da prisão, já vinham mudando, em particular na caracterização do que deveria ser a estratégia do movimento socialista no Ocidente em oposição àquela que tinha preponderado na Rússia, uma formação econômico-social de tipo oriental, os Cadernos testemunham o triunfo teórico do seu autor sobre essa decisiva questão. Se no Oriente o Estado era muito poderoso, enquanto seria fraca e gelatinosa a sociedade civil sobre a qual se assentava, no caso de colapso das suas estruturas de poder, ele se tornava vulnerável à apropriação por parte dos seus adversários. No Ocidente, diversamente, em razão da complexidade e do vigor da sua sociedade civil, uma tentativa de conquista do Estado por parte de um grupo antagonista teria de se confrontar com uma rede de trincheiras – as agências privadas de hegemonia, no léxico do autor - com ele intimamente articulada e que consistiria em um sistema intransponível em defesa da ordem estabelecida.

As repercussões dessa nova concepção do Estado ocidental moderno, visto como um aparelho de coerção encouraçado por um consenso socialmente produzido nas agências da sociedade civil, implicava um giro radical na estratégia do movimento socialista: a ênfase no político-militar deveria ceder lugar ao político-cultural, à luta pela hegemonia da direção da vida social. Tal operação teórica, presente em germe em textos anteriores à sua prisão, como em A Questão Meridional, somente ganham sua plena expressão em Os Cadernos, assim como sua experiência juvenil nos conselhos operários de Turim, nas primeiras décadas do século, vai aguardar o momento de reflexão no cárcere para se converter nas páginas clássicas sobre o americanismo e o fordismo.

Gramsci revive na prisão, sob a forma de um pensamento refletido, o seu passado, daí extraindo teoria nova, o que lhe vai permitir observar a cena contemporânea com categorias originais, instituindo um campo próprio para o estudo do processo de modernização capitalista, em particular na modalidade de modernização autoritária, tal como em suas análises sobre o corporativismo italiano. A precocidade e o alcance de sua pesquisa teórica sobre esse assunto, antecipando-se em décadas a feitos da ciência política contemporânea, são bem indicados na formulação do seu conceito de revolução passiva, sua maior contribuição para os estudos dedicados à mudança social, hoje de uso generalizado.

Nessa coletânea de artigos de importantes especialistas italianos na obra gramsciana, reunida por Luiz Sergio Henriques e Alberto Aggio, respeitados intérpretes do legado do genial sardo – o prefácio deles não se pode não ler - o leitor encontrará um bom mapa do estado das artes e do tipo de recepção contemporâneos às extraordinárias criações deste grande autor que foi Gramsci.

Luiz Werneck Vianna

Erro estratégico:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O comando da campanha presidencial tucana cometeu um erro estratégico ao tentar impugnar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a candidatura situacionista de Dilma Rousseff, dando margem a que seus adversários aleguem que toda gritaria em torno da quebra dos sigilos fiscais tem o objetivo único de "melar" a eleição que, segundo as pesquisas, a candidata de Lula vence com larga margem sobre José Serra, o candidato do PSDB.

A mesma reação teve o presidente Lula quando disputava a reeleição em 2006 e aconteceu o episódio dos "aloprados". Lula partiu para o ataque dizendo que a oposição estava querendo "melar o jogo" ou "ganhar no tapetão", o que na gíria futebolística tanto ao gosto do presidente significa querer ganhar nos tribunais os pontos perdidos em campo.

Usaram a tática de atacar para se defender mesmo que todas as evidências chegassem, como hoje, bem próximas ao Palácio do Planalto e à campanha de reeleição de Lula, com assessores pessoais envolvidos na tramoia, como Freud Godoy, ex-segurança transformado em assessor especial.

Acusado de ser o planejador da compra do dossiê contra os candidatos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra, Freud desapareceu de cena e ressurgiu no início deste ano, sempre envolvido em espionagem e contrainformação, presidindo a Caso Sistemas de Segurança.

Hoje, quando se repete a revelação do uso de métodos ilegais na campanha petista, a alegação é a mesma: por que interessaria ao governo perturbar uma eleição que parece tão tranquila, com Dilma mais de 20 pontos à frente de Serra?

Acontece que, quando o sigilo de Verônica Serra foi quebrado, em setembro do ano passado - fato que só foi revelado agora, na esteira da investigação dos demais sigilos quebrados - quem estava na frente das pesquisas era José Serra.

O mais grave é que o jornal "Estado de S. Paulo" teve acesso a documentos que provam que a Receita Federal descobriu que o sigilo da filha de Serra fora quebrado há mais tempo, mas escondeu o fato.

Mesmo que a direção da Receita nada tenha a ver diretamente com a espionagem de pessoas ligadas ao candidato do PSDB, não tendo controle sobre os "aloprados" que atuam nas agências a serviço do partido, estaríamos diante de uma clara utilização de órgão do governo para pelo menos proteger a campanha da candidata oficial de notícias potencialmente prejudiciais.

Mas era previsível que a Justiça Eleitoral não aceitaria as evidências para iniciar um processo, assim como não tomou providências quando laços muito mais explícitos ligavam os "aloprados" de 2006 à campanha de reeleição de Lula.

A não aceitação da denúncia, no entanto, não transforma o malfeito - na definição de Dilma Rousseff - em bem-feito, nem reduz a gravidade da situação.

Embora sem chances de eleger seu candidato à Presidência, Plínio de Arruda Sampaio, nem de fazer uma bancada que tenha expressão numérica, o PSOL pretende continuar pautando sua atuação no Congresso pela prática da política independente. Deve eleger Heloísa Helena para o Senado, o que será garantia de protagonismo político naquela Casa.

Dentro dessa estratégia, a eleição mais importante, a essa altura, é a dos Legislativos. Segundo o deputado federal Chico Alencar, candidato à reeleição, o PSOL não aceita "ficar no "gueto" dos "nanicos ideológicos": valorizamos os espaços institucionais, defendemos uma radicalização da democracia, combinando a representativa (tão débil hoje) com a participativa".

Para Alencar, uma hegemonia completa dos setores fisiológicos, de mandatos de clientela -- a maior parte hoje vinculada à hegemonia lulista, como antes gravitavam em torno de FHC - será um desastre para o país, e o balcão de negócios, isto é, a corrupção política, aumentará, junto com a degradação total do próprio Parlamento, que já é pouco relevante em termos de projetos estratégicos e fiscalização efetiva dos governos.

A visão de Alencar é pessimista caso essa hegemonia clientelista se confirme: "A reforma política ficará enterrada, definitivamente, até que o desencanto total com o atual sistema produza turbulências sociais (como aconteceu em muitos dos nossos vizinhos latino-americanos)".

O PSOL também repudia, segundo Alencar, "a cooptação dos movimentos populares, sindicais - e até estudantis - que partidos ditos de esquerda, da base do governo, praticam, contínua e exitosamente".

Ele admite que a bancada do partido, nos estados e no Congresso Nacional, será "bem pequena", mas garante que terá independência crítica frente ao provável governo Dilma e aos governos estaduais: "com autonomia para cobrar, criticar, exigir, denunciar. Mas não na linha conservadora e incoerente da oposição demo-tucana, que, ao que tudo indica, ficará menor do que hoje".

Chico Alencar prevê, no entanto, que o PSOL terá "autoridade moral e política para questionar", enquanto parte da oposição de direita "irá aderir: não terá contradições fundamentais com os possíveis futuros governos e não consegue viver tanto tempo longe de seus benefícios, inclusive para a reprodução de mandatos".

No balanço que publiquei em recente coluna sobre os governos estaduais e a campanha para senador, não citei dois prováveis vencedores das eleições de 3 de outubro: Simão Jatene (PSDB), no Pará, e Omar Aziz (PMN), no Amazonas.

No Pará, coloquei Valéria Pires (DEM) como provável senadora eleita, quando ela não é nem candidata.

No estado, o líder das pesquisas é Jader Barbalho, que tem agora uma difícil luta no Supremo para manter o provável mandato, já que foi considerado "ficha-suja" pelo TRE e pelo TSE.

Os outros dois candidatos mais votados são: Paulo Rocha (PT) e Flexa Ribeiro (PSDB).

Pernas curtas :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Se a Receita Federal é confiável como diz o presidente Luiz Inácio da Silva, por mais razão é urgente que as pessoas responsáveis pela instituição - do mais alto ao mais baixo escalão - comecem a falar a verdade e parem de tratar o cidadão brasileiro feito idiota.

A candidata Dilma Rousseff, que se apresenta como parceira de Lula em todas as ações de governo e gerente de toda a máquina pública, também precisa parar de fazer de conta que não está entendendo o que se passa.

Na impossibilidade de contar a verdade, que pelo menos arrume uma versão verossímil para corroborar a tese de que uma coisa é a violação do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato da oposição, outra coisa são os interesses político-eleitorais do PT.

Sob pena de carregar o passivo pelo restante dos dias até a eleição.

As teorias em circulação são frágeis e obviamente falsas.

A que passou a ser defendida - com pouquíssima sutileza, diga-se - pelo presidente Lula se assemelha àquela do caixa 2 inventada à época do mensalão para tentar reduzir o estrago jurídico e político das denúncias de fraude, corrupção e peculato.

Na época, a ideia era fugir dos crimes mais graves para assumir o crime eleitoral e socializar o prejuízo na base do "todo mundo faz".

Agora o presidente Lula indignou-se com o falsificador do documento apresentado como sendo uma procuração da filha de José Serra, Verônica, para a retirada de suas declarações na Receita. Disse que, "se ficar provado", foi cometido "um crime grave no Brasil": falsidade ideológica.

Ora, ora. O que se desenha é muito mais do que isso. É a quebra de sigilo para coleta de informações de adversários. Só não está claro se os autores se aproveitaram de esquema pré-existente no ABC ou criaram um disfarce especial para atingir seus alvos dando a impressão de que se tratava de um sistema geral de quebra de sigilo e venda dos dados.

Quando o presidente fazia o discurso da falsidade ideológica, o governo já sabia havia pelo menos dez dias que Verônica Serra tivera a declaração de renda violada e que havia suspeita de fraude e, ainda assim, sustentava a versão de que ela havia assinado uma procuração.

É uma mentira atrás da outra.

Indicativas de que as acusações da oposição têm fundamento. Se não, por que assessores do presidente reclamariam da inabilidade da Receita por ter enviado os documentos relativos a Verônica para o Ministério Público?

Achavam que a Receita poderia ter sido mais companheira e omitido essa parte já que havia a "procuração" como "prova" de licitude.

Ademais, se não sabe o que aconteceu, se é verdade que as investigações ainda estão em curso e por isso não se chegou ao culpado (ou culpados), de onde sai a certeza que não houve uso político, conforme declarou Lula?

A outra mentira da qual poderíamos todos ser poupados é a que aponta falta de interesse do PT em quebrar sigilo "agora" pois está muito à frente nas pesquisas e que a campanha de Dilma não pode ser responsabilizada, pois em 2009, quando ocorreram as violações, a candidatura dela não existia.

Existia tanto quanto a certeza do PT de que em algum momento poderia ser necessário implodir o adversário, então na dianteira nas pesquisas.

Abraçado. O candidato José Serra teria muito mais credibilidade em seu justo dever de denunciar os métodos de seus oponentes se não tivesse, por razões táticas, dito que Lula estava "acima do bem e do mal".

Se mesmo tendo sido vítima de estratagema parecido em 2006, ainda levava o adversário na maciota, fica complicado explicar - sem remeter o assunto para a seara do oportunismo - por que a opção por se abraçar com Lula no horário eleitoral, procurando estabelecer com ele uma relação comparativa de igual para igual na cabeça do eleitor.

Ou, a fim de preservar o eleitor intersecção, dirá que o PT é uma coisa, a campanha de Dilma outra e Lula uma terceira completamente diferente?

Meteram a filha no meio:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Desde 1989, quando Collor levou a história de Lurian à TV contra Lula -o que só conta contra ele e a favor Lula-, não se via neste país algo de tal violência em campanha eleitoral: a quebra do sigilo fiscal da filha de um candidato da oposição. Nada poderia ser tão ilustrativo de uma praga: "os fins justificam os meios".

Nesse ritmo, podem surgir "aloprados" da oposição prontos a responder na mesma moeda. E se resolverem quebrar o sigilo da negociação de Lulinha com a Telemar, com intermediação de um compadre do presidente da República?

Em vez de discutir economia, investimentos, empregos, educação, saúde, inclusão social -o que já se faz muito pouco-, o país passaria a assistir uma guerra entre Veronica Serra e Lulinha da Silva.

Se é que não apareceriam aloprados vermelhos, azuis, verdes e amarelos contra o outro filho de Serra, a filha de Dilma, os filhos de Marina Silva. A partir daí, a campanha descambaria para o vale-tudo, metendo até mãe no meio.

A questão, porém, não é só eleitoral; é principalmente institucional. A história está mal contada, e falta saber quem, e com que motivação, mandou quebrar o sigilo da filha de Serra e de dirigentes tucanos na Receita.

Se depender do governo e da própria Receita, ninguém vai saber de nada até a eleição e ninguém será punido depois dela. Os "aloprados" originais, da campanha de 2006, levaram uma bronca de Lula por serem atrapalhados e ponto.

É assim que o Estado é usado para fazer "banco de dados" contra Ruth e Fernando Henrique Cardoso, quebrar o sigilo de um caseiro que diz umas verdades e produzir dossiês contra adversários políticos. E tudo isso vai se incorporando à paisagem placidamente.

Por ora, ainda sobra a imprensa para descobrir esses ímpetos stalinistas e levar ao conhecimento da opinião pública. Até que se dê um jeito nisso também.

Delinquência e tapetão :: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O governo e o PT usam a popularidade de Lula como biombo para semear a impunidade. Tem sido assim desde que se recuperaram do mensalão. O escândalo dos aloprados até hoje permanece impune, sem solução. E Antônio Palocci, o maior interessado na violação do sigilo do caseiro Francenildo, é hoje coordenador da campanha de Dilma Rousseff e seu avalista informal junto à turma do PIB.

Mas não se trata apenas de impunidade. Sempre que a realidade lhe pede satisfação, o governo costuma reagir com soberba, como se fizesse um favor à opinião pública. Foi assim, por exemplo, em 2008, quando Dilma dizia ser uma "ficção" o dossiê, confeccionado na Casa Civil que ela chefiava, sobre as despesas pessoais de FHC na Presidência.

Agora, mais uma vez, o governo se mostra insolente e relapso diante das evidências de que a Receita se tornou a moradia da Mãe Joana. Há, de um lado, o comércio de dados fiscais violados em larga escala; e há, entre eles, a violação do sigilo de figuras ligadas a José Serra, inclusive o de sua filha empresária.

Tudo nesse episódio é muito grave. Inclusive a reação da campanha tucana. Ao ir à Justiça Eleitoral para impugnar a candidatura Dilma, Serra se agarra ao escândalo como tábua de salvação para chegar ao segundo turno. Não se trata de "incriminar a vítima", mas de expor os interesses de seu açodamento.

Em 2006, havia uma montanha de dinheiro de origem equívoca para comprar um dossiê. Mas havia, além disso, Hamilton Lacerda (braço-direito de Mercadante), Freud Godoy (assessor especial de Lula), Jorge Lorenzetti (o "churrasqueiro" oficial), Gedimar Passos (da "inteligência" petista). Pegos fazendo arte, os aloprados tinham rosto e vínculo inequívoco com a campanha.

O crime de agora parece ser até mais grave, mas, apesar dos antecedentes do PT, os elos com a campanha de Dilma ainda estão por ser esclarecidos. Ao escandalizar o escândalo da maneira como faz, Serra contribui para a sua banalização.

É o segundo turno que está em jogo:: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Reação desabrida do PT à acusação de quebra de sigilo mostra que lições dos aloprados custam a ser assimiladas

A reação desabrida à exploração do dossiê dos aloprados custou um turno a mais de campanha ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006. Só a incapacidade de se aprender com os próprios erros pode levar à repetição da história. A tragédia que abateu a oposição lá atrás pode fazer sombra sobre os petistas se a quebra do sigilo fiscal da filha de José Serra continuar a ser tratada como uma farsa pela campanha de Dilma Rousseff.

A quinze dias daquele primeiro turno, a Polícia Federal prendeu duas pessoas e apreendeu R$ 1,7 milhão em espécie num hotel em São Paulo. Estava em negociação dossiê contra o mesmo Serra, à época candidato ao governo paulista. Um dos presos declarou à PF que havia recebido do PT a missão de comprá-lo.

A imagem das montanhas de dinheiro logo inundaram os principais telejornais. Lula tascou nos correligionários envolvidos a alcunha de "aloprados", recusou-se a ir ao último debate da campanha e mais não fez. Da condição de favorito para levar em primeiro turno, Lula viu esvaírem-se em duas semanas um milhão e meio de votos.

Na antevéspera da eleição o comando da campanha já sabia que, mais do que a exploração do flagrante das montanhas de dinheiro com petistas, a resistência do presidente a oferecer uma explicação sobre os fatos, protagonizada por sua decisão de não participar do último debate, que seria assistido por 40% do eleitorado, foi considerada arrogante.

A constatação de que o PSDB é movido pela falta de votos pode explicar o grau de hostilidade com que a campanha presidencial inicia seu último mês, mas não é suficiente ao eleitor que, face ao bombardeio, quer preservar seu voto de um debate manipulado.

A exploração da quebra de sigilo de sua filha pode não devolver a Serra os votos que lhe faltam, mas a reação incontida ao episódio pode tirar de Dilma aqueles que lhe assegurariam vitória em 3 de outubro.

Não adianta tirar do baú aquela faixa estendida na Av. Paulista no dia do comício da vitória em 2006: "O povo venceu a mídia". O PT já tem estrada suficiente na relação com a imprensa para saber que videotape de campanha rende tese de doutorado sobre o poder da mídia, mas é nos 90 minutos que se decide o jogo. E as regras do vazamento de vazamentos todo mundo conhece.

Na entrevista que deu ao SBT na noite de quarta-feira, por exemplo, Dilma abandonou o comedimento com que, sob muito esforço, tem conseguido atravessar a campanha. Sem responder a uma pergunta sobre a conduta do PT no dossiê dos aloprados e depois de recusar três apartes ao jornalista Carlos Nascimento, Dilma contestou as ilações do PSDB fazendo outras duas sobre o partido de seu principal adversário.

Sugeriu envolvimento dos tucanos no vazamento da dívida de deputados junto ao Banco do Brasil na votação da emenda da reeleição e na quebra de sigilo da direção da Petrobras na CPI que apurava denúncias contra a estatal.

Nada disso serve para o eleitor compreender por que a Receita Federal, um dos mais modernos e poderosos fiscos do mundo, é incapaz de impedir que dados sigilosos de contribuintes sejam comercializados à luz do dia nas ruas de São Paulo.

A confiança de que o episódio pouco abalará a campanha de Dilma porque apenas seis milhões de contribuintes declaram Imposto de Renda beira o escárnio. É verdade que sigilo ainda é coisa de bacana, mas se o governo que a campanha de Dilma promete continuar der certo, a maioria será de bacanas. O foco da campanha petista mudou, não centra nos remediados, mas naqueles que almejam prosperidade. Se os beneficiários do Bolsa Família hoje podem ter conta em banco, também são capazes de entender o direito ao sigilo fiscal.

Basta cotejar as pesquisas de 2006 para entender que não é preciso declarar Imposto de Renda para ser capaz de cobrar correção de seus governantes. Segundo o Datafolha, foi na faixa de eleitores com renda até dois salários mínimos que Lula mais perdeu votos com o episódio do dossiê dos aloprados em 2006.

Parece improvável que a campanha de Dilma tenha enxergado algum benefício na quebra do sigilo fiscal da filha de seu adversário. Mas a justificativa de que a campanha não pode ser responsabilizada porque o ilícito se deu em setembro, quando Dilma ainda não era candidata, só serve para os autos.

Quando a quebra de sigilo ocorreu, Dilma era a ministra mais poderosa do governo. Se a candidata pede votos na condição de herdeira do lulismo, não pode se esquivar do ônus. Se o governo é seu, cabe exigir que providências mais efetivas sejam tomadas para punir os responsáveis pelo vazamento e evitar que novos ocorram.

O secretário da Receita levou todo o primeiro escalão do governo, inclusive o presidente da República, a defender a instituição para depois serem confrontados com a inautenticidade da procuração que permitiu acesso aos dados.

Até hoje não se descobriu de onde veio o dinheiro que compraria o dossiê dos aloprados, mas o episódio rifou meia dúzia de petistas e levou ao afastamento do então presidente do partido, Ricardo Berzoini, da coordenação da campanha de Lula. A parcela do eleitorado que migrou para Geraldo Alckmin enquanto esperava satisfações do presidente da República voltou quando entendeu que as providências haviam bastado. Uma evidência disso foi o fato de que Alckmin teve, no segundo turno, votação inferior à do primeiro.

A decisão de Serra de trazer de volta ao noticiário a quebra do sigilo do caseiro Francenildo dos Santos é um sinal de que está disposto a tudo para levar a disputa ao segundo turno. Antonio Palocci, principal operador político da campanha de Dilma, é a principal ponte entre petistas e tucanos e avalista do mercado que subsidia os espetáculos da temporada eleitoral.

Aquele que acaba de entrar em cartaz tem a pretensão de mostrar Francenildo e Verônica como a mesma pessoa. A quebra de sigilo revela dificuldade de quem a promove de lidar com a presunção da inocência alheia. A desconfiança do menino pobre já teve condenação na Justiça. Da menina rica, os petistas garantem que nunca desconfiaram, mas o pai quer buscar nas urnas a condenação. Ainda é improvável que consiga.


Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Discurso de Serra no encontro com 350 prefeitos de São Paulo, quarta-feira 01/09/2010

Não preciso de marqueteiro que mude a minha cara, o meu pensamento, a minha história de vida. Fico feliz de estarmos todos reunidos neste momento tão crucial para a História do Brasil. Qualquer eleição é sempre uma aposta sobre o futuro, mas só se pode olhar para o futuro tendo o passado como referência.

Vejo nos olhos de cada um de vocês o reflexo da luta que travamos pela democracia, aqueles anos de sacrifício em que demos nossas melhores energias para que hoje todos os brasileiros pudessem ter sua voz ouvida.Vejo nos olhos de vocês os reflexos da luta que empreendemos para reconstruir o Brasil. Eu quero dizer que tenho muito orgulho do Brasil democrático que eu ajudei a construir. Eu me reconheço neste Brasil que se deseja cada vez mais livre e vibrante. Tenho certeza de que o mesmo orgulho bate no peito de cada um de vocês. E é essa caminhada comum que me inspira a enfrentar os imensos desafios colocados diante de nós.

Aliás, que futuro queremos para os nossos filhos e netos? Quando entramos numa luta dura, como esta agora, acho que é a primeira pergunta a se fazer. Eu disse em 10 de abril: “No país com que eu sonho, o melhor caminho para o sucesso e a prosperidade será a matrícula numa boa escola, e não a carteirinha de um partido político”.

Porque esta foi uma lição que eu aprendi com o meu pai. O sucesso deve vir como resultado do trabalho duro e do esforço. Não da esperteza, dos expedientes escusos, do favorecimento ou da delinquência. E aqui nós chegamos a um ponto vital nesta discussão sobre a liberdade. Ela é essencial também porque todo ser humano precisa ser livre para buscar o progresso para si mesmo, para sua família, para sua comunidade.

Sem liberdade, a igualdade de oportunidades fica capenga. Eis por que, amigos, amigas, companheiros e companheiras, quando os tiranos, ou candidatos a tiranos, desejam subjugar uma sociedade aos seus propósitos, começam restringindo a liberdade. Minando a liberdade dos outros. Não apenas a de pensar, ou de falar, mas principalmente a de adotar posições sem a sombra do temor, sem o medo de comprometer o bem-estar e os sonhos, os próprios sonhos e os dos amigos e entes queridos.

Dia sim, outro também, alguém deste governo fala em controlar a imprensa. O partido do governo sonha com o dia em que vai poder censurar a imprensa. A expressão, bonita, é “controle social”, como se a palavra “social” pudesse legitimar o conteúdo horroroso. Maquiar as más intenções. Em palavras diretas, querem estabelecer comitês partidários para decidir o que os jornais e as revistas poderão ou não publicar, as rádios, tevês e a internet poderão ou não veicular. Querem sufocar economicamente quem ousa discordar.

Não vamos nos enganar, não vamos maquiar a realidade. É isso que estamos enfrentando nesta eleição. Vamos lutar e vamos vencer.

A defesa da liberdade nos une nesta candidatura, nesta caminhada em condições extremamente desafiadoras, caminhada que vai nos levar ao Palácio do Planalto. Liberdade não apenas de consciência, mas liberdade de ação. Liberdade para empreender e trabalhar. Liberdade para a cidadania plena.

Os brasileiros e brasileiras precisam ser livres para não temer que o Estado, financiado com o dinheiro de todos nós, seja ocupado por uma máquina partidária que ameaça e persegue as pessoas, que viola nossos direitos fundamentais. Como, por exemplo, o direito ao sigilo bancário e fiscal. As notícias estão aí, o segredo fiscal de pessoas que o governo identifica como adversárias foi quebrado por gente na Receita Federal evidentemente a serviço de uma operação político-partidária.

Quando se viola o sigilo bancário de um caseiro, viola-se a Constituição. Quando se viola o sigilo fiscal de representantes da oposição, viola-se a Constituição. Quando se viola o sigilo telefônico e de correspondência de adversários, viola-se a Constituição. Não perguntem jamais quem é Francenildo Pereira. Francenildo são vocês. Francenildo somos nós. Não passo a mão na cabeça de malfeitores. Exijo é que se respeitem os Francenildos e as Marias, os Josés e as Anas.

Sabem o que é o mais impressionante? O mais impressionante é que ninguém do governo, do partido do governo ou da campanha da candidata do governo deu-se ao trabalho de fingir que acha grave, de simular indignação, de vir a público para dar alguma satisfação à sociedade. Dão de ombros, emitem notas protocolares, ameaçam até processar as vítimas. Indignação? Nem pensar! Como acham que podem tudo, acreditam que podem também violar as leis do país e seguir em frente assoviando.

Mas o Brasil é maior do que eles. Com muito trabalho, luta e fé, vamos derrotá-los. O Brasil, repito, não precisa de alguém que “tome conta” da gente, como se nós, brasileiros e brasileiras, fôssemos incapazes de construir nossos próprios caminhos. E é isso que nós vamos fazer.

Nosso projeto político está claro há muito tempo para o Brasil. Para nós, democracia, estado de direito e justiça social são coisas inseparáveis. Repudiamos quem usa o desejo profundo dos brasileiros por mais justiça social e menos desigualdade para negar às pessoas o direito fundamental de viver num país que seja realmente de todos. Mas todos mesmo, e não só dos amigos, sócios, cupinchas ou cúmplices.

Na economia, somos o país campeão dos altos impostos, campeão dos juros, campeão do atraso na infraestrutura. Você vê o horário eleitoral deles, você vê a propaganda do governo, paga com o dinheiro do povo, e parece que todos os problemas do Brasil foram resolvidos. Obras que não existem, que andam mais devagar que tartaruga, são divulgadas dia e noite como se já estivessem prontas. Eles seguem a receita repugnante, repudiada pela História, de que a mentira repetida mil vezes se transforma em verdade. Só que eles não sabem que a receita está errada. O povo não é bobo.

Claro que há avanços, pois este governo teve a felicidade de colher o que os outros plantaram. Talvez estejamos assistindo à mais escancarada exibição de falta de caráter de que se tem notícia na história da política brasileira. A ingratidão é um defeito de caráter, a ingratidão é a cicatriz que revela uma alma complicada. O que é o PT? Um partido que tenta destruir os que o antecederam no governo, enquanto governa sobre as bases construídas com muito esforço e suor por quem veio antes. Governa e estraga essas bases.

O Novo Brasil - que se depara com o futuro do pré-sal, de uma nova e pujante classe media, que vai sediar Copa do Mundo e a Olimpíada - ainda precisa enfrentar grandes problemas: metade dos adolescentes fora das escolas, a necessidade de uma completa reforma do sistema de saúde, organizar o combate ao crime e as drogas, a construção e recuperação da infraestrutura, o déficit habitacional que chega a milhões de moradias. Grandes problemas que precisam de uma economia forte para serem resolvidos.

Agora, no momento de escolher um novo Presidente, é hora de perguntar: “Quem tem mais condições de manter a estabilidade?” Nesse terreno, um passo em falso que seja pode trazer prejuízos irremediáveis para os brasileiros. Quem tem mais condições de brigar lá fora para defender a economia do Brasil? Quem tem mais condições de defender os ganhos da estabilidade que chegaram ao bolso dos brasileiros na forma de salário, crédito e benefícios? Somos nós! É de nós que o Brasil Novo precisa.

Aí alguém vai me dizer. “Poxa, Serra, tudo bem falar disso. Mas e das outras coisas? Será que este é o melhor discurso para a eleição?” Essa é mais uma diferença. O PT diz a cada momento o que é mais conveniente, tem uma conversa para cada plateia. Nós temos um só discurso, uma só personalidade, uma só cara.

Nós não nos escondemos, não somos bonecos de ventríloquo, não precisamos andar na garupa de ninguém. Nós, acima de tudo, não somos produto de uma fraude. Nenhum pedaço da minha biografia precisa ficar trancado no cofre na época da eleição. E, se o povo brasileiro me der a honra de governar este país, saberá quem está a governar. Nós não seremos reféns de um projeto continuísta nem do apetite enlouquecido de um partido por posições de poder, que é forma bonita de chamar as verbas orçamentárias e os cargos cujos salários são pagos com o dinheiro do povo. Nós não somos candidatos a donos do Brasil. Somos candidatos a servir ao Brasil e ao nosso povo.

No horário eleitoral, nas entrevistas, nas palestras, tenho deixado claro o que pretendo fazer em benefício do Brasil e dos brasileiros. Por isso, faço propostas de cara limpa, sendo quem sou. Porque o grande patrimônio que tenho e que submeto ao julgamento da população é, sim, a minha biografia; é, sim, o meu trabalho; é, sim, o meu compromisso com o bem-estar de todos; é, sim, o meu compromisso com a liberdade; é sim, a minha luta por justiça e igualdade. E isso ninguém vai me tirar. Em campanhas eleitorais, nossos adversários têm optado pelo caminho da sordidez; sabotadores da ordem democrática se movem nas sombras para manchar reputações, para manchar biografias. É inútil no meu caso. Desde os meus tempos de presidente da UNE, são quase 50 anos de vida pública. Cinquenta anos de uma vida ficha limpa!

- Não tenho nada a esconder do meu passado;
- não preciso que reescrevam a minha vida excluindo passagens nada abonadoras;
- não preciso que tentem me vender, como se eu fosse um sabonete;
- Não preciso de marqueteiro que mude a minha cara, o meu pensamento, a minha trajetória de vida.

Ninguém precisa dizer à população quem sou eu. Inventar coisas que não fiz e esconder coisas que fiz. É a minha vida pública que diz quem sou.

Posso fazer cara feia às vezes. Mas é uma cara só. Não digo uma coisa hoje para desdizer amanhã. E ninguém me diz o que tenho de falar ou não. Respondo pelas minhas palavras e pelas minhas escolhas. Não fui inventado por ninguém! Foi a luta democrática que me fez. Foram as minhas escolhas de vida que me trouxeram até aqui.

Vocês não imaginam a tristeza que eu sinto quando vejo o governo do meu país transformado num porta-voz planetário de todo tipo de ditador, de facínora, de genocida ou candidato a genocida. Transformaram o Brasil num avalista dos negadores de que tenha existido um Holocausto contra os judeus na Segunda Guerra Mundial. Pensam que enganam alguém, mas ajudam a criar um ambiente favorável a que os novos fascistas do século 21 construam a bomba atômica.

Meus amigos, minhas amigas, meus companheiros, minhas companheiras. Obrigado a todos vocês, a todas vocês, por terem vindo aqui hoje. Obrigado por terem vindo ouvir o que eu penso sobre esta luta e sobre o futuro. Obrigado por terem me dado a oportunidade de falar sobre os meus valores, sobre as ideias que defendo para o meu Brasil.

Obrigado por estarem comigo nesta caminhada. Que é difícil, eu sei. Exige muita firmeza, mas, para nós, pode ser conduzida com suavidade, serenidade, tranqüilidade. Pois, nesta campanha, nós temos a felicidade de poder defender exatamente aquilo que pensamos.

Nossa caminhada é difícil, mas Deus só dá a missão a quem pode realizá-la. Por isso nossa caminhada é também suave, já que, nela, podemos ser nós mesmos, sem precisar mentir, esconder, conspirar.

Vamos em frente, pela democracia, pela justiça, pela liberdade, pela igualdade, em defesa do Brasil livre e democrático que nós ajudamos a construir e que vamos ajudar a fazer avançar muito mais.

Pois, de uma coisa, nosso Brasil pode ter certeza.

“Verás que um filho teu não foge à luta
Nem teme, quem te adora, a própria morte.
Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil, Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada Brasil!”

Fundo de quintal - Nosso Grito

Receita já suspeitava de violação política

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Documento da Receita obtido pelo Estado revela que a Corregedoria do órgão já trabalhava desde o dia 20 de agosto com linha de investigação que apontava para violação político-eleitoral do sigilo fiscal de Verônica Serra, filha do presidenciável José Serra, e de outros quatro tucanos. A suspeita, porém, foi confinada" na Corregedoria enquanto a cúpula do Fisco e integrantes do governo unificaram um discurso público em direção contrária para despolitizar o caso e blindar a candidatura de Dilma Rousseff (PT). O documento mostra que, ao pedir para verificar se os dados fiscais de Verônica haviam sido violados, a comissão da Corregedoria mencionou demais tucanos alvos de quebra de sigilo e vinculou todos esses nomes a reportagens sobre o dossiê que foi parar na campanha de Dilma.

Cúpula da Receita omitiu motivação política da violação do sigilo de tucanos

Ao pedir para verificar se dados da filha de Serra tinham sido invadidos, comissão mencionou demais nomes do PSDB alvos de devassa ilegal

Leandro Colon

Documento da Receita Federal obtido pelo Estado revela que a corregedoria do órgão já trabalhava desde o dia 20 de agosto com uma linha de investigação que apontava para uma violação político-eleitoral do sigilo fiscal de Verônica Serra, filha do presidenciável José Serra, e de outros quatro tucanos.

A suspeita de violação política, porém, foi "confinada" na corregedoria, enquanto a cúpula do Fisco e integrantes do governo unificaram um discurso público em direção contrária para despolitizar o episódio e blindar a candidatura presidencial de Dilma Rousseff (PT).

Ao pedir para verificar se os dados fiscais de Verônica haviam sido violados, a comissão da corregedoria mencionou os demais tucanos alvos de quebra de sigilo e vinculou esses nomes, inclusive o da filha do candidato, a reportagens sobre o dossiê que foi parar na campanha de Dilma.

O documento tem o registro das 17h de 20 de agosto. Chamado de "ata de deliberação", o teor revela os motivos que levaram a comissão da Receita a verificar se os dados de Verônica foram violados: o polêmico dossiê.

"... E tendo em vista que emergiu dos autos acessos aos conteúdos da declarações de Imposto de Renda de outros nomes da política nacional... e ainda tendo em vista que foi noticiado pela mídia jornalística, dentre eles O Globo (reportagem anexa à presente ata), de que havia suspeição que Verônica Serra, filha de José Serra, também poderia ter sido alvo de quebra de sigilo fiscal", diz trecho do documento.

A reportagem mencionada pela comissão foi publicada em maio, cita Verônica Serra e trata da crise instalada na campanha de Dilma por causa do dossiê contra os tucanos. O caso derrubou o jornalista Luiz Lanzetta, que era integrante do setor de comunicação da campanha.

Do dia 20 de agosto para cá, o comando da Receita e o governo adotam a mesma atitude em discursos, notas e entrevistas. Para diminuir a crise, anunciaram ter descoberto um esquema de venda de informação mediante encomenda e propina - versão não sustentada nos autos até agora -, e tentaram abafar o escândalo da violação do sigilo de Verônica.

Além disso, descartaram qualquer conotação política na violação. "Nós não identificamos qualquer ilação político-partidária", fez questão de frisar, em coletiva dada há uma semana, o corregedor-geral da Receita, Antonio Carlos Costa D"Avila, cujo discurso foi reforçado pelo secretário Otacílio Cartaxo. Naquele dia, aliás, eles já sabiam que o sigilo fiscal de Verônica havia sido acessado. Conforme revelou ontem o Estado, em 20 de agosto a comissão de investigação confirmou que os dados fiscais da filha de Serra foram violados em 30 de setembro de 2009.

A comissão, presidida pelo servidor Levi Lopez, inclui naquela ata de duas semanas atrás, além do nome de Verônica, a descoberta da quebra do sigilo fiscal de três pessoas que, segundo a própria investigação, são ligadas ao comando do PSDB: Luiz Carlos Mendonça de Barros (ex-ministro das Comunicações do governo FHC), Gregório Marin Preciado (casado com uma prima de Serra) e Ricardo Sérgio (ex-caixa de campanha do PSDB).

Os três tiveram o sigilo fiscal violado em 8 de outubro de 2009, quando também houve invasão ilegal às declarações de renda do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge. Ele passou a ter acesso ao processo administrativo desde o dia 24 após liminar judicial.

Ontem, o Estado mostrou que o comando da Receita suspeitou de fraude na violação do sigilo da filha de Serra, mas montou uma operação para abafar o escândalo e evitar impacto político. O governo já sabia que a procuração usada para violar os dados de Verônica poderia ser falsa.

Para não demitir Cartaxo, Lula tira Receita da apuração

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

PF assume integralmente a investigação do caso e o Fisco fica apenas com o processo disciplinar dos seus funcionários

Vannildo Mendes, Vera Rosa, Rui Nogueira, Leandro Colon, Eduardo Rodrigues

Em vez de demitir o secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenou ontem ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, que a Polícia Federal assuma integralmente a investigação das violações de sigilo fiscal dos políticos e familiares de tucanos aliados do presidenciável José Serra (PSDB). A Receita fica só com o processo disciplinar dos seus funcionários.

O acirramento da disputa eleitoral e judicial entre PT e PSDB adiou a exoneração de Cartaxo. Os assessores da Presidência avaliam que a candidata Dilma Rousseff (PT) está enfrentando um "golpe eleitoral" e que este não é o momento de oferecer a cabeça de Cartaxo aos tucanos.

A decisão de concentrar a investigação na PF parte do princípio de que a instituição policial tem mais credibilidade para o trabalho. Também tira o foco da suspeição de cima da Receita.

Vergonha. No Planalto, no Ministério da Fazenda e entre líderes da base aliada no Congresso, a avaliação é de que a Receita fez o governo passar vergonha ao tratar uma procuração falsa como documento que provaria que o acesso às declarações de Imposto de Renda de 2008 e 2009 de Verônica Serra não foi uma violação de sigilo fiscal.

Lula, o ministro Guido Mantega (Fazenda) e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB), apregoaram ao longo de toda a quarta-feira que a Receita tinha um documento que "explicaria tudo".

A reportagem do Estado mostrou, na edição de ontem, que a Receita tinha indícios suficientes para suspeitar da procuração, em vez de apresentá-la como uma documento verdadeiro. E que, mesmo tendo informações da comissão de sindicância apontando para a suspeita, montou uma operação para abafar o escândalo e evitar impacto político na campanha de Dilma.

Artificial. Em conversas reservadas, ministros admitem que a demissão de Otacílio Cartaxo alimentaria o que no Palácio do Planalto se chama de "crise artificial" e "jogaria água no moinho" da campanha de Serra. Avaliação que é compartilhada com o comitê de Dilma, que fala em "golpe eleitoral".

Diante das pressões, Cartaxo chegou a dizer ao Estado que sua demissão era uma decisão exclusiva do ministro. "O cargo pertence ao ministro Mantega, essa pergunta deve ser feita a ele. Nós estamos navegando na crise. Não é uma crise administrativa, é política", afirmou o secretário. Quando a reportagem perguntou se ele tomaria a iniciativa de entregar o cargo, Otacílio Cartaxo pediu para desligar o telefone.

Mantega, horas depois, usou uma frase de conteúdo duvidoso para tratar do assunto. Em vez de negar categoricamente a demissão, afirmou apenas: "Não estou cogitando fazer isso".


Governo mantém Cartaxo para preservar Dilma

DEU EM O GLOBO

Permanência de secretário da Receita atrairia para ele desgaste pelo vazamento
Martha Beck e Gerson Camarotti

BRASÍLIA. É cada vez mais incômoda a situação do secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, diante do escândalo provocado pelo vazamento de dados fiscais de pessoas ligadas ao PSDB e ao candidato tucano a presidente, José Serra. O Palácio do Planalto considera que o secretário tem apresentado um desempenho sofrível diante da crise. Mas o próprio presidente Lula sinalizou internamente que não é o momento para fazer qualquer mudança no comando da Receita, principalmente em período de grande bombardeio político.

A percepção no núcleo do governo é de que a permanência de Cartaxo é conveniente por ter atraído para ele todo o desgaste da quebra de sigilo, distanciando o episódio da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff. Ontem, um interlocutor de Lula que o acompanhava na viagem a Foz do Iguaçu foi enfático ao afirmar que o presidente não tratou em nenhum momento de demissão de Cartaxo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Os boatos sobre a demissão de Cartaxo correram ao longo do dia, mas Mantega descartou a possibilidade de exoneração:

- Não estou cogitando fazer isso - disse.

Cartaxo é usado como escudo de Dilma

Um ministro afirmou que a demissão de Cartaxo só seria feita em última instância e que sua permanência no cargo servia de escudo para o próprio Mantega e até mesmo para a campanha de Dilma. Mas há o reconhecimento de que ele foi atrapalhado nas explicações públicas e de que não passou credibilidade nas entrevistas concedidas para falar sobre as violações de sigilo. Um assessor palaciano ressaltou que Cartaxo estaria cumprindo uma missão.

A postura reticente de Cartaxo ao longo do episódio que começou com a quebra do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, e culminou com a liberação de dados da filha de Serra, Verônica, está sendo criticada também por integrantes do Ministério da Fazenda. Apesar de ainda não tratarem o caso como um motivo para tirar Cartaxo do cargo, auxiliares do ministro Guido Mantega reconhecem que o secretário não tem administrado a crise.

O problema mais recente veio com a divulgação de uma procuração falsa que teria sido utilizada por um contador para obter, numa delegacia do Fisco, cópias das declarações do Imposto de Renda de Verônica Serra.

A avaliação na Fazenda é que a Receita fez mal ao divulgar a procuração para justificar o acesso aos dados, já sabendo que o documento tinha indícios de fraude.

O problema é que uma troca de comando na Receita neste momento é avaliada como problemática em meio às pressões da oposição para que isso aconteça. Além disso, Cartaxo teve um papel importante na administração da crise interna gerada no Fisco que culminou com a saída de Lina Vieira do comando do órgão, em julho de 2009. A então secretária levara para o governo aliados políticos que aparelharam as superintendências da Receita e prejudicavam o andamento do Fisco num momento delicado economicamente, em que o governo precisava aumentar a receita.

Esses aliados ameaçavam deixar os cargos se Lina fosse demitida e o ministro Mantega levasse de volta à secretaria integrantes do comando anterior, ligados ao ex-secretário Jorge Rachid. Cartaxo, que ocupava o segundo cargo mais importante na Receita, acabou sendo aceito pelos auditores que disputam espaço no órgão.

Em entrevista ao "Estado de São Paulo", Cartaxo afirmou ontem que seu cargo pertence ao ministro da Fazenda e que questionamentos sobre sua exoneração deveriam ser feitos a Mantega. O secretário disse ainda:

- Nós estamos navegando na crise. Não é uma crise administrativa, é política.

Sigilo violado, risco até de Estado policial

DEU EM O GLOBO

Para presidente da OAB e especialistas, impunidade compromete governo e incentiva fraudes contra cidadãos

Fabio Brisolla e Natanael Damasceno

A crise deflagrada pela quebra de sigilo fiscal da filha do candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, evidencia uma fragilidade do sistema que põe em risco não só as instituições democráticas, mas o próprio estado de direito. A opinião, do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, é compartilhada por especialistas. Todos pedem ações imediatas do governo.

Para Ophir, não há dúvida de que o episódio põe em risco o estado de direito uma vez que evidencia o comprometimento de um direito fundamental do cidadão.

- O que parece é que há uma certa fraqueza de controle dentro da Receita. E isso compromete a credibilidade da instituição e do próprio governo. Em hipótese alguma esse sigilo poderia ser quebrado, sob o risco de se quebrar um pilar da democracia. Estamos sujeitos a ter o sigilo devassado a qualquer momento, e isso pode nos remeter a um Estado policial - diz Ophir.

Professor de ética e política da Unicamp, Roberto Romano lembra que a credibilidade das instituições está em xeque desde a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, em 2006, por pessoas que queriam defender o então ministro Antonio Palocci.

- Já é tempo de encarar este como um problema de Estado.

Para ele, a impunidade tem incentivado uma série de episódios de quebra de sigilo. E, quando há a quebra do direito de um cidadão, existe a quebra de toda a estrutura do Estado.

- Se houvesse punição exemplar, não haveria essa sucessão de casos semelhantes. Houve o caso do Francenildo, o dossiê da Ruth Cardoso, o caso do Eduardo Jorge. Estamos assistindo é à absoluta perda de um dos esteios do Estado.

Outro que vê o episódio com preocupação é o jurista Vicente de Paulo Barreto, professor de direito da Universidade do Estado do Rio (Uerj). Ele enxerga duas questões graves na violação ocorrida dentro da Receita:

- Por um lado, você tem a violação de direitos pessoais. Há uma máquina burocrática que não respeita os mínimos critérios legais - avalia Barreto. - O outro ponto, ainda mais grave, é a ausência de qualquer critério moral da máquina do governo. Um agente público faz o que quer e nada acontece. Pelo contrário, surgem sucessivas justificativas para tentar encobrir a ação de forças políticas dentro da Receita Federal.

Para professor, cúpula da Receita deveria ser demitida

Todos, aliás, são unânimes em afirmar que o governo deveria tomar uma posição mais enfática com relação ao episódio.

- O governo tem que ser claro e reconhecer o erro. Mostrar que há credibilidade. Não pode continuar nesse jogo de empurra, atribuindo isso à disputa eleitoral. Aliás, o ponto central não é o que levou ao delito, mas a fragilidade do sistema - diz o presidente da OAB.

Romano vai mais longe e afirma que, se o governo quer recuperar a credibilidade, deve demitir logo todo o alto escalão da Receita Federal. Ele alega que o fato de haver indícios de fraude, visto pelo ângulo do princípio da responsabilidade, já tipifica a obrigação de reordenar a estrutura burocrática do sistema.

- Não é a apenas a estrutura do governo que está sendo ameaçada. É uma das fontes fundamentais do exercício jurídico e político do Estado. Qual o grau de confiança que o cidadão terá ao preencher sua declaração do IR? E, supondo-se que a Dilma vença a eleição, isso tem que ser apurado e punido para que ela não enfrente um governo cheio de desconfiança. O problema não é a legitimidade da candidatura. É a legitimidade da autoridade pública.

Em meio ao clamor pela apuração das irregularidades, há quem ache que o contribuinte pode acabar sendo o maior prejudicado no episódio. Coordenadora da FGV Direito Rio, a advogada tributarista Bianca Xavier alerta que a discussão pode levar ao aumento da burocracia.

- As irregularidades devem ser apuradas e ter punição com rigor. Mas o contribuinte não pode ser prejudicado. O cidadão comum já enfrenta enorme burocracia. Meu medo é que, a pretexto de se proteger o direito à intimidade, a discussão comprometa o direito à informação.

Serra: 'Isso não é política, é sujeira'

DEU EM O GLOBO

Em seu programa eleitoral na TV, candidato tucano reage com indignação à quebra de sigilo fiscal de sua filha

Paulo Marqueiro, Maiá Menezes e Silvia Amorim

SÃO PAULO e RIO. O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, falou ontem pela primeira vez em seu programa de TV sobre a quebra de sigilo fiscal de sua filha, Verônica Serra. Em tom indignado, classificou o episódio de baixaria:

- Como todo o Brasil, fiquei sabendo que espionaram minha filha, uma mulher honrada que trabalha para sustentar os três filhos. Estou indignado. Quiseram prejudicá-la para me atingir. Isso não é política, é sujeira. Jamais aceitaria ser presidente a qualquer preço, fazendo baixarias.

Serra disse ainda que ele e a mulher sofreram com duas ditaduras (no Brasil e no Chile):

- Apontaram armas para as crianças - afirmou Serra, lembrando que ele lutou pela restauração da democracia.

Serra relacionou a quebra de sigilo de sua filha ao episódio do caseiro Francenildo Costa:

- Lembra o Francenildo? Se continuarmos assim, todos nós seremos Francenildos.

Antes da fala de Serra, o programa fez um relato dos últimos acontecimentos. Um apresentador contextualizou os fatos:

- Mais uma vez, os adversários tentam fazer uma armação para prejudicá-lo. Primeiro, violaram o Imposto de Renda de pessoas ligadas a Serra. Agora, violaram o Imposto de Renda até da filha dele. É como se alguém usasse sua senha de banco, vasculhasse sua conta, invadisse sua casa, revirasse suas gavetas, só para te prejudicar.

O programa procurou mostrar que não é de hoje que fatos semelhantes acontecem antes das eleições e lembrou o que ocorreu em 1989, quando Fernando Collor, que disputava a Presidência com Lula, levou para a TV a história da filha de Lula, o que o programa de Serra chamou de baixaria.

- Hoje Collor está com Dilma - disse o apresentador, enquanto eram exibidas imagens de Collor apoiando a candidatura de Dilma Rousseff (PT).

O programa lembrou o episódio dos aloprados, em 2006, quando a polícia apreendeu R$1,7 milhão que seria usado para comprar dossiês contra tucanos.

Em entrevista à rádio Jovem Pan, Serra afirmou:

- Esses blogs sujos de internet que o PT aluga, tantos jornalistas de aluguel que eles têm há tanto tempo. Eles vinham atacando minha filha. A tropa do PT. Aquele Lanzetta foi contratado e vários outros estavam todos na folha de pagamento do PT da campanha da Dilma.

Mais cedo, em São Paulo, em resposta à declaração de Lula de que a Receita Federal é séria e confiável, Serra disse que a instituição está sendo prejudicada e desprestigiada por "arapongas do PT". O tucano acusou o comando da Receita de montar uma operação "abafa-abafa" para atrasar a apuração da violação dos sigilos fiscais.

- A Receita, na verdade, está sendo prejudicada pela ação de arapongas do PT que procuram instrumentalizar órgãos do governo com vistas a suas propostas político-eleitorais - afirmou Serra, após reunião com o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, em São Paulo.

Para Serra, a Receita tenta postergar as investigações. Anteontem, o secretário do órgão, Otacílio Cartaxo, informou que a Corregedoria da Receita estava delegando a apuração do caso ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal, em Brasília. Eles são os responsáveis agora por descobrir quem falsificou a procuração apresentada à Receita em nome de Verônica, ano passado, e que possibilitou o acesso ilegal aos seus dados fiscais.

- A estratégia da Receita é postergar, e tem sido assim desde o começo. Agora, inclusive, levam para Brasília, quando o lugar (da investigação) deveria ser São Paulo. Há toda uma estratégia de abafa-abafa.

Serra concordou com Lula ao considerar a Receita um órgão sério. Mas explicou:

- A Receita como instituição é séria e responsável. O problema que está acontecendo não é por causa da Receita. O problema é a ação do PT junto à Receita, aproveitando que está no governo. O PT está conseguindo desprestigiar a Receita Federal.

Diante das novas declarações de Dilma de que o tucano é leviano ao acusar sem provas sua campanha, Serra reagiu:

- Quem tem que provar o contrário é ela - disse ele.

O presidenciável citou Dilma ao dar exemplos que ele considerou de interferência do governo na rotina da Receita.

- Houve problemas da própria Dilma com aquela secretária da Receita. Uma coisa que sempre coloca em dúvida a questão da interferência do governo no trabalho da Receita. A Receita, assim como a Polícia Federal, o Itamaraty, é uma instituição de Estado e não do governo.

Marina: a sociedade está vulnerável

DEU EM O GLOBO

Candidata do PV volta a dizer que Mantega está sendo omisso e afirma que há clima de vale-tudo na campanha

Donizeti Costa, Marcelle Ribeiro e Sérgio Roxo

SÃO PAULO. A candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva, afirmou que também se sente vulnerável, assim como todos os brasileiros, com a revelação da quebra de sigilo fiscal de tucanos e até a filha do presidenciável José Serra na Receita Federal.

- Entre a condição de vítima e a omissão do ministro (Guido Mantega, da Fazenda), há uma sociedade que está vulnerável e que merece explicações - declarou Marina, que voltou a criticar a polarização entre PT e PSDB. - Não podemos admitir que essas coisas sejam tratadas apenas pelo olhar do interesse político de A ou B - disse.

Marina afirmou que até compreende a atitude do adversário Serra, de responsabilizar o PT e a campanha da petista Dilma Rousseff pela quebra do sigilo fiscal da filha dele, Verônica Serra. Mas afirmou que é preciso haver provas para acusar alguém.

- Acho que os indícios não bastam para que se tenha um julgamento peremptório. É fundamental que se tenha a apuração dos fatos. Se foi motivação política ou não, isso não pode servir para minimizar o que está acontecendo na Receita Federal - disse, depois do encontro com o presidente da Colômbia, Juan Manoel Santos, na tarde de ontem.

Mais tarde, em entrevista ao "Jornal do SBT", a presidenciável verde afirmou que as "campanhas eleitorais não podem entrar no vale-tudo".

- Eu vejo que estamos resvalando para o vale-tudo, o que não é bom - alertou.

Mas Marina disse compreender que Serra tenha motivos para usar o caso na disputa com Dilma.

- Essa politização, até porque o Serra se sente atingido, talvez seja inevitável para ele. Mas eu não quero usar o que eu estou combatendo como arma. Só vou me pronunciar com provas, porque é assim que se faz uma política com P maiúsculo.

Marina também levou à internet as cobranças sobre um posicionamento público do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em relação ao vazamento de dados sigilosos da Receita. Ela pôs no seu site (www.minhamarina.org.br), um vídeo em que acusa o ministro de omissão.

"Não se pode admitir, que numa situação como essa, o ministro da Fazenda, numa verdadeira atitude de omissão, fique em silêncio, sem dar uma palavra em um episódio com esse nível de gravidade" diz a candidata do PV, na gravação. Ela também afirma esperar mais transparência, investigação e punição dos culpados:

- (Espero) que a gente possa ter certeza de que este descontrole na administração pública vá ter um freio de arrumação.

Marina também criou uma campanha no Twitter pedindo que os internautas cobrem uma posição de Mantega falando do assunto com o tópico #mantegachegadeomissao.

Serra cobra posição do governo sobre Farc

DEU EM O GLOBO

Tucano diz vai declarar a guerrilha como grupo terrorista; presidente da Colômbia também se reuniu com Marina, do PV

Silvia Amorim e Marcelle Ribeiro

SÃO PAULO. Um dia depois de encontrar-se com a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, teve encontros com os candidatos do PSDB, José Serra, e do PV, Marina Silva. Depois da reunião com Santos, Serra disse que, se eleito, vai fazer o governo brasileiro declarar oficialmente as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) como um grupo terrorista. Santos pediu a Marina conselhos sobre como deve funcionar um ministério do Meio Ambiente.

- A Colômbia tem tido uma política de combate à cocaína positiva, contrariamente ao governo boliviano, que foi a de expansão das plantações de folha de coca. E o Brasil tem se abstido de uma pressão diplomática mais direta com relação à Bolívia para que o governo boliviano ajude a limitar a exportação ilegal de cocaína para o Brasil - disse Serra, na saída do encontro, em um hotel.

O tucano conversou com o presidente colombiano, de quem disse ser amigo há anos, por cerca de uma hora. Serra criticou o governo Lula por não ter declarado ainda as Farc um grupo terrorista.

- Para mim, ficou claro que a Colômbia as considera como uma força terrorista e ligada ao narcotráfico. A meu ver, a posição brasileira neste caso é equivocada. O Brasil deveria explicitar que se trata de uma força terrorista e ligada ao narcotráfico. Caso eleito, direi que as Farc são uma força terrorista e ligada ao narcotráfico.

Santos quer ministério para cuidar do meio ambiente

Santos pediu conselhos a Marina sobre a montagem do ministério que ele quer criar para cuidar do meio ambiente na Colômbia. A conversa durou quase uma hora. O colombiano disse que tem muito em comum com a candidata do PV, mas não quis se posicionar em relação às eleições brasileiras:

- Compartilhamos valores muito parecidos na preservação de uma riqueza que talvez seja a maior que temos, que é a nossa diversidade. Pedi muitos conselhos a ela, de como estruturar o ministério que estou criando de meio ambiente. Ela sabe muito, foi ministra.

Serra e Marina criticam Dilma por evitar debate

DEU EM O GLOBO

Tucano diz se tratar de "ocultamento", e Marina, desrespeito à democracia

Silvia Amorim e Sergio Roxo


SÃO PAULO. Os presidenciáveis do PSDB, José Serra, e do PV, senadora Marina Silva (AC), condenaram ontem o fato de a candidata petista, Dilma Rousseff, líder nas pesquisas de intenção de voto para presidente, recusar-se a participar da série de sabatinas que O GLOBO realizará na semana que vem, na sede do jornal, com colunistas e leitores. Serra disse que a recusa de Dilma a participar de sabatinas como as que serão realizadas pelo GLOBO e pelo "Estado de S.Paulo" só confirma que a petista é uma fabricação do PT e do governo.

O tucano, que confirmou presença, acusou a candidata governista de adotar uma "estratégia de ocultamento" nesta eleição.

- O PT e o governo estão blindando a Dilma, não só nesse episódio da violação dos sigilos fiscais, mas em tudo, porque essa campanha está se caracterizando pelo ocultamento de uma candidata. Agora mesmo, nós temos debates no jornal O GLOBO e no "Estado de S. Paulo" e ela está se recusando a ir. É uma estratégia de ocultamento - criticou o tucano.

Para Serra, proteção contra a exposição pública

Serra disse que a ausência de Dilma é uma forma de proteger a petista da exposição pública, o que ele afirmou não temer:

- No meu caso, todo mundo me conhece. Eu não preciso que se invente nada a respeito do que eu fiz, ou que se fechem num cofre pedaços da minha biografia. O caso dela é exatamente o oposto. É uma fabricação do PT e do governo. É uma candidatura inventada, uma pessoa desconhecida e preparada pelo PT e pelo próprio governo para disputar uma campanha eleitoral como se fosse uma ficção.

A senadora Marina Silva disse que a recusa da petista a participar de sabatinas representa um desrespeito à democracia.

- Apostar no desconhecimento como estratégia para ganhar eleição é falta de consideração com o eleitor e uma forma de desrespeito com a democracia - disse Marina.

'Governo popular não é dono das leis', diz Gabeira

DEU EM O GLOBO

Para Cabral, fato de denúncias estarem sendo investigadas é prova da força da democracia

Rafael Galdo e Miguel Caballero

A quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra, filha do candidato à Presidência pelo PSDB, José Serra, e de outras quatro pessoas ligadas aos tucanos repercutiu ontem na campanha do Rio. O candidato do PV ao governo, Fernando Gabeira, saiu em defesa de seu aliado Serra e disse que o vazamento de dados da Receita Federal é uma ameaça ao estado de direito. O governador Sérgio Cabral, que concorre à reeleição pelo PMDB com o apoio do PT, disse que o fato de denúncias serem investigadas e amplamente noticiadas é uma prova da força da democracia do Brasil.

- É o ponto mais importante na campanha eleitoral neste momento. Revela que estamos caminhando perigosamente para uma situação em que o estado de direito não é respeitado. Isso nos coloca a todos numa situação de vulnerabilidade. Não só a mim, mas todos podem ter amanhã o sigilo fiscal quebrado. E, quebrando o sigilo fiscal, podem quebrar outros sigilos também - disse Gabeira, em visita à Central do Brasil. E acrescentou:

- Governo popular não é dono do Brasil nem das leis. Quando eu apoiava o PT, essas armações eram feitas por grupos que considerávamos superados na política brasileira, como foi a campanha do Collor contra o Lula. Agora, esses métodos foram assimilados também por pessoas que se dizem próximas ao PT ou que fazem campanha para o PT.

"Tudo está sendo fartamente noticiado, graças a Deus"

Cabral, ao ser perguntado sobre o caso, em um almoço na Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, disse que o escândalo mostra a força das instituições democráticas:

- Exatamente por ser uma democracia forte é que tudo está sendo fartamente noticiado pela imprensa, graças a Deus. Há investigação, o Ministério Público está trabalhando. Se não houvesse democracia forte, nada disso aconteceria.

Para tucano, Receita faz operação ''abafa-abafa''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Julia Duailibi

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, afirmou ontem que há impressões "digitais e visuais" que relacionam a quebra de sigilo fiscal de sua filha Verônica e de pessoas ligadas ao partido à campanha da rival Dilma Rousseff (PT). O tucano acusou ainda a Receita Federal de promover uma operação que chamou de "abafa-abafa". "A estratégia da Receita é postergar. Tem sido assim desde o começo", disse, após encontro com o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, em São Paulo.

O presidenciável também reagiu à declaração do presidente Lula, que disse confiar na atuação do órgão. "A Receita está sendo prejudicada pela ação de arapongas do PT que procuraram instrumentalizar órgãos do governo com vistas a suas propostas político-eleitorais", rebateu.

Indagado sobre as razões que o levam a acreditar que Dilma estaria envolvida no episódio, uma vez que o governo alega ser um caso sem vinculação política, Serra afirmou: "Ela é a responsável, porque é a responsável pela campanha. O esquema de espionagem foi feito com gente nomeada, reuniões, pessoas contratadas e tudo mais. Além do mais, isso é tradicional dentro do PT."

O tucano anunciou que serão tomadas também medidas criminais, além das representações protocoladas no Tribunal Superior Eleitoral. Não quis, no entanto, detalhar. "Isso não é um assunto que queira tratar agora."

Desde que a quebra do sigilo fiscal de sua filha veio à tona, na terça-feira, Serra passou a adotar um tom mais crítico em relação aos adversários. Já havia um entendimento no comando da campanha de que ele deveria adotar atitude mais dura com o governo e com o PT.

Ontem, manteve o tom e disse que o PT e o governo estão "blindando" Dilma. "Aliás, não só nesse episódio. Essa campanha está se caracterizando pelo ocultamento da candidata", atacou. "Na verdade, é uma pessoa desconhecida." Atacou diretamente Dilma ao dizer que ela não tem "histórico de vida pública adequado para responsabilidade de uma candidatura desse tipo".

Farc. Serra acusou o governo de confundir política externa com política partidária e condenou a conivência em relação às Forças Armadas Revolucionárias (Farc), da Colômbia. "O Brasil deveria explicitar que se trata de força terrorista e ligada ao narcotráfico." Ele criticou especificamente o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. / Colaborou Anne Warth

Serra diz ter feito alerta a Lula sobre ataques a sua filha

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Conversa teria ocorrido em janeiro, quando os dados dela já apareciam em blogs

O tucano José Serra tem dito a aliados que alertou o presidente Lula em janeiro sobre a hipótese de violação de sigilo de sua filha. O candidato mostrou textos de blogs de apoio ao PT que traziam dados de Veronica. Lula disse que nada tinha a ver com as publicações.

O programa do tucano na TV explorou o episódio da violação, acusando a campanha do PT. Dilma Rousseff retrucou, dizendo que o adversário está "querendo ganhar no tapetão", e anunciou ações do partido contra o PSDB no TSE e na Procuradoria-Geral da União.

A PF começou a periciar os computadores usados para acessar dados de pessoas ligadas ao PSDB.

Antônio Carlos Atella, que assinou a falsa procuração de Veronica, identificou Ademir Estevam Cabral como autor do pedido. Cabral nega.

Serra diz que avisou Lula sobre ataques a sua filha

ESCÂNDALO DA RECEITA Conversa teria ocorrido em 25 de janeiro, em São Paulo

Tucano, que na época era governador, teria se queixado de que blogs "patrocinados" fizeram acusações a Veronica

Catia Seabra


DE SÃO PAULO - O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, tem dito a aliados que alertou pessoalmente, em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a hipótese de violação de sigilo fiscal de sua filha, Veronica.

Segundo seus relatos, a conversa com Lula aconteceu no dia 25 de janeiro, quando se encontraram na solenidade oficial de comemoração do aniversário da cidade de São Paulo.

Serra conta que, advertido pela própria filha, mostrou a Lula cópias impressas de artigos publicados em blogs de apoio ao PT e à candidatura de Dilma Rousseff.

Como os textos continham dados sobre Veronica, Serra reclamou da exposição de sua família em blogs, segundo ele, "patrocinados pelo governo". O tucano teria questionado Lula sobre a origem dos dados. Ainda segundo relatos a aliados, o presidente disse que não tinha nada a ver com as publicações.

Em janeiro, Serra era governador de São Paulo e liderava as pesquisas de intenção de voto para presidente. A amigos ele conta que ficou especialmente contrariado ao saber que, dois meses depois da conversa, o governo enviara cumprimentos ao blog pelo aniversário.

Agora, com a confirmação da quebra de sigilo da filha, Serra tem se queixado pelo fato de o governo ter negado qualquer envolvimento.

Ontem, em entrevista, Serra disse que os dados referentes à declaração de bens de sua filha eram usados, desde o ano passado, em blogs que chamou de "semioficiais".

"Esse pessoal que vem fazendo [os blogs] é da campanha da Dilma", acusou Serra.

"No ano passado, minha filha disse: "meus dados de imposto de renda estão circulando nesses blogs sujos do PT", inclusive referências feitas em blogs da Dilma, dos amigos do presidente Lula, blogs semioficiais. Há inclusive cartas cumprimentando um dos blog pelo aniversário. Eram blogs semioficiais."

Na entrevista, realizada após audiência com o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, Serra acusou o governo de "blindagem" de Dilma. Mas, em nenhum momento, mencionou sua conversa com Lula.

Serra disse que Dilma é a responsável pela violação do sigilo, ainda que afirme desconhecer a quebra. "Ela é a responsável, porque é a responsável pela campanha. O esquema de espionagem foi feito com gente nomeada, reuniões, pessoas contratadas e tudo mais", afirmou.

Serra acusou a Receita de postergar as investigações, no que chamou de operação "abafa-abafa". Questionado sobre declarações de Lula, concordou que a Receita "é uma instituição séria e responsável". "O problema é que o PT está conseguindo desprestigiar a Receita."

STF amplia liberdade à imprensa nas eleições

DEU EM O GLOBO

Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou ontem, por unanimidade, a decisão do ministro Ayres Britto que, semana passada, derrubara a censura ao humor nas eleições. O plenário foi além, deixando claro que a legislação não deve fazer restrições à liberdade de expressão, inclusive na propaganda eleitoral partidária.

STF mantém decisão que libera humor

Por unanimidade, ministros do Supremo suspendem censura a programas humorísticos durante a campanha

Demétrio Weber

BRASÍLIA. Por unanimidade, os nove ministros presentes à sessão plenária de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitaram pedido da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e mantiveram decisão, dada na semana passada em caráter liminar pelo ministro Carlos Ayres Britto, que suspende a censura ao humor durante a campanha eleitoral. As restrições estavam previstas em legislação de 1997, agora derrubadas pelo STF.

A liminar de Ayres Britto fora concedida na última quinta-feira, e precisava ser referendada pelo plenário. Embora tenham atendido unanimemente ao pedido da Abert, os ministros divergiram sobre como fazer isso. Por 6 votos a 3, prevaleceu a posição do relator Ayres Britto, que propôs retirar da Lei Eleitoral (9.504/1997) os trechos que afetavam diretamente os programas humorísticos - ao proibir o uso de montagens e trucagens - e vedavam a veiculação de opiniões sobre candidatos e partidos. Os seis ministros da tese vencedora foram além e cortaram ainda dois parágrafos que definem o que é montagem e trucagem.

Liderados pelo ministro Marco Aurélio Mello, os outros três ministros entenderam que não seria necessário cortar trechos da lei, mas simplesmente deixar claro que, à luz da Constituição, eles não restringem a produção de programas humorísticos e a programação das emissoras.

Miro: "É o direito do povo à informação verdadeira"

Dois deles - os ministros José Antônio Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, este último presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - chegaram a apresentar voto parcialmente contrário ao pedido da Abert, mas, quase ao fim do julgamento, reviram sua posição e seguiram Marco Aurélio.

O julgamento de ontem começou na quarta-feira, quando os ministros ouviram o advogado da Abert, Gustavo Binenbojm, e o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que atua como colaborador nessa ação, além do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

- Temos um regime de liberdade absoluta, exceto no período eleitoral - disse Miro. - É o direito do povo à informação verdadeira, não é o direito do acionista, do jornalista. É o direito do povo.

O referendo à liminar, ontem, não substitui o julgamento de mérito. Em data ainda a ser marcada, o Supremo julgará o caso em definitivo.

Ayres Britto disse que os dispositivos da Lei Eleitoral suspensos ontem são inconstitucionais. Ao apresentar seu voto, disse que a primeira pergunta que se fez foi se o humor pode ser considerado uma atividade de imprensa. Se a resposta fosse afirmativa - como, segundo ele, acabou sendo - seria o caso de aplicar o mesmo entendimento adotado pelo Supremo na decisão que declarou inconstitucional a Lei de Imprensa. Para o ministro-relator, a norma questionada censura o humor:

- Tanto programas de humor, como o humor em qualquer programa, ainda que não seja programa específico de humor, mesmo em noticiários.

Ele contou qual tinha sido a reação do presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, ao ser informado sobre o assunto, ainda na semana passada, quando concedeu a liminar ontem referendada:

- Mas vedar o humor é uma piada - dissera Peluso, segundo Ayres Britto.

O ministro Celso de Mello, penúltimo a votar, afirmou:

- O riso deve ser levado a sério. O humor é uma forma irônica de ridicularizar as condutas condenáveis. Se não se pode fazer outra coisa, zombe daqueles que se embaraçam na vida pública e não sabem distinguir o que é do povo e o que é interesse próprio.

O Supremo suspendeu o inciso 2 e parte do inciso 3 do artigo 45 da Lei Eleitoral (nº 9.504/1997), além dos parágrafos 4 e 5 do mesmo artigo. Eles incidem sobre o período que antecede as eleições, isto é, de 6 de julho até o dia da votação. O inciso 2 proíbe as emissoras de rádio e TV de "usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito".

A liminar suspendeu também a eficácia da segunda parte do inciso 3, que proibia as emissoras de "difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes". Ao retirarem os dois trechos, os ministros decidiram também, por lógica jurídica, anular os parágrafos 4 e 5 do artigo 45. Esses parágrafos foram incluídos na Lei Eleitoral em 2009, na minirreforma aprovada pelo Congresso, e definem o que é trucagem e montagem.

- Afrontavam a liberdade de imprensa de permitir a livre crítica aos poderes - disse o ministro Gilmar Mendes.

Trucagens e montagens liberadas no horário gratuito

Tóffoli e Lewandowski, por sua vez, afirmaram que a exclusão do inciso 2 do artigo 45 afeta outro trecho da lei, especificamente o que trata da proibição de que a propaganda eleitoral de candidatos e partidos faça uso de trucagens e montagens. Isso porque o artigo 55, que veda esse tipo de recurso à propaganda no horário eleitoral, faz menção ao inciso 2 suspenso pela liminar.

- Liberamos a propaganda eleitoral no horário gratuito. Vamos ter que fazer sessões extraordinárias às segundas-feiras (no TSE) - disse Lewandowski, referindo-se a trucagens e montagens.

Tóffoli argumentou que a Lei Eleitoral não proíbe críticas e que, se houve censura por parte das emissoras em decorrência da atual legislação, foi uma autocensura. Ele enfatizou que, "nos rincões" do Brasil, a disputa eleitoral não obedece aos mesmos princípios de lisura do pleito presidencial e que muitos políticos são donos de emissoras de rádio:

- Grande parte das rádios no Brasil está nas mãos de políticos - disse Tóffoli. - Vive-se no Brasil o famoso mito da independência dos meios de comunicação social.

Ele destacou ainda que as regras suspensas pela liminar são previstas na legislação brasileira desde 1993, antes mesmo de serem incorporadas na Lei 9.504, de 1997.

Jogo eleitoral

Graziela Melo

Bom... fico pensando, procurando, termos, expressões, palavras que se enquadrem, que se encaixem no que vejo, escuto e sinto com relação ao período pré-eleitoral que estamos vivenciando agora.

Primeiro a "qualidade" (e... se trata de algum produto?) da maioria absoluta dos candidatos em oferta", salvo as poucas exceções de sempre, é baixíssima!. Especialmente na área de deputados onde às vezes você tem de ouvir slogans do tipo "fulaninho borracheiro, esse não deixa buraco" e etc. . Qual o termo mais adequado?

Seria deprimente? horripilante? Repugnante? Ou... escrachante? Bom depois do episódio "Receita" acho que a única palavra por ser mais adequada, seria mesmo a pronunciada por "nosso guia", já um pouco ceguinho: avacalhante.

É que não me lembro de o aparelho do Estado ter sido antes, tão avacalhado como agora. Plagiando o “cara’, nunca antes na história desse país se viu tamanha avacalhação das instituições. Começou com escândalo do mensalão e nunca mais parou. Daí veio o caseiro Francelino e etc e tal. Bom, e se isso continuar assim, onde vamos parar???

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
Clique o link abaixo

J S BACH - AIR

Minha escola :: Ascenso Ferreira

A escola que eu frequentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!

À sua porta eu estava sempre hesitante...
De um lado a vida... — A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
— O meu engenho de barro de fazer mel!

Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
— Quantas orações?
— Qual é o maior rio da China?
— A 2 + 2 A B = quanto?
— Que é curvilíneo, convexo?
— Menino, venha dar sua lição de retórica!
— "Eu começo, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olimpo
para os destinos da Grécia!"
— Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
— Agora, a de francês:
— "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
— Basta
— Hoje temos sabatina...
— O argumento é a bolo!
— Qual é a distância da Terra ao Sol?
— ?!!
— Não sabe? Passe a mão à palmatória!
— Bem, amanhã quero isso de cor...

Felizmente, à boca da noite,
eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d'Água...
E me ensinava a tomar a bênção à lua nova.

Publicado no livro Catimbó (1927).In: FERREIRA, Ascenso. Poemas: Catimbó, Cana Caiana, Xenhenhém. Il. por 20 artistas plásticos pernambucanos. Recife: Nordestal, 1981