segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Fernando Gabeira - O Plano B somos nós

- O Globo

Vamos esperar que Bolsonaro se ilumine?

Para o Brasil escapar de tragédias maiores, precisa vacinar 150 milhões de pessoas no prazo mais rápido possível.

O governo é incapaz de realizar esse plano de vacinação. Faltam vontade, competência e habilidade diplomática. Qual é a saída?

Derrubar o governo não basta. É preciso também tentar, simultaneamente, salvar vidas, pois, cada vez mais, elas estão em jogo.

Se todos compreendessem a urgência dessa tarefa, veriam que, na realidade, podemos contar com o próprio esforço. Bolsonaro e Augusto Aras nos ameaçam com um golpe, é tudo que sabem fazer. São tão estúpidos que nem percebem o mundo que os envolve.

E é sobre o mundo que precisamos conversar. As relações internacionais não podem ser monopólio de um pequeno grupo de fanáticos. Precisamos, de todas maneiras, romper o isolamento do país e deixar dentro de suas linhas estreitas apenas o governo e seus seguidores.

Precisamos de vacina num momento em que não há abundância: grande parte já foi comprada pelos países ricos.

Percebo que os governadores se movem mas encontram dificuldades. Para um só estado, se colocar no mercado internacional é difícil. Mas talvez não seja tanto para um consórcio de estados. A Bahia e outros estados do Nordeste poderiam tentar fechar negócio com a Sputnik V. Não há autorização da Anvisa? Ela é muito parecida com a de Oxford, que já foi analisada. E já foi aprovada em muitos países.

Cacá Diegues - O signo da esperança

- O Globo

Biden anunciava uma volta à normalidade democrática que sossegou nossos corações, como o triunfo dos Aliados

Uma irmã de minha avó, a quem chamávamos de tia Sinhazinha, foi enfermeira militar na Força Expedicionária Brasileira (FEB), lutando nos campos da Itália durante a Guerra no final dos anos 1940. Essa minha tia-avó, a tenente Olímpia Camerino, cuidava com afeto dos filhos de suas sobrinhas cada vez que a visitávamos depois de seu retorno vitorioso ao Brasil. Tia Sinhazinha nos contava então, com modéstia e simplicidade, histórias passadas durante a guerra que me fascinavam. Numa delas, cercada numa colina italiana por força inimiga muito mais numerosa, nossa tropa foi salva por um general esperto que mandou espalhar que os inimigos estavam doidos para se render, por pura exaustão. Como estavam sendo informados de que os italianos não aguentavam mais e queriam se entregar, nossos rapazes multiplicaram a valentia e derrotaram o bando de Mussolini que, ainda que majoritário, acabou se rendendo.

Me lembrei de tia Sinhazinha e de suas histórias durante a emocionante posse de Joe Biden, o líder sereno, e Kamala Harris, a vice afro-asiática, no Capitólio norte-americano. Depois de quatro anos de voluntarismo, caos autoritário e suplício trumpista, o novo presidente anunciava uma volta à normalidade democrática que sossegou nossos corações, como o triunfo dos Aliados há mais de 75 anos. Em 1945, a vitória militar era sobre a Alemanha, a Itália e o Japão, o famigerado Eixo. Mas se tratava sobretudo do fim do nazismo, que ameaçava o mundo com sua barbárie organizada e desumana, derrotado por ideais de fraternidade sem preço, liberdade individual e eventual igualdade. E pelo progresso que o mundo haveria de conhecer a partir dali.

Os Estados Unidos eram nosso jovem herói nessa saga, o país que acendia esse sol em nossas vidas, o responsável por essa luz que trouxe com ela os brinquedos e os objetos domésticos de plástico, as máquinas movidas a combustível fóssil, uma cultura universal imposta por filmes de cinema e música popular que ignorava o particular de cada um de nós. Nascia uma visão nada cínica da política, a fantasiosa esperança numa república democrática liberal, formulada e fundada quando nada do tipo existia no mundo e, dois séculos depois, ainda era original. O alvorecer era nosso.

Demétrio Magnoli - Trump, Cruz e o Compromisso de 1877

- O Globo

Para trumpistas, a ‘nação verdadeira’ foi sitiada pela massa de ‘estrangeiros’

A invasão do Capitólio, no dia 6 de janeiro, não impediu a certificação da vitória de Joe Biden — nem o espetáculo parlamentar de fundação do Partido de Trump. Na retomada dos trabalhos do Congresso, mais de cem deputados republicanos e meia-dúzia de senadores ainda insistiram em contestar os resultados eleitorais. À frente deles, o senador Ted Cruz, do Texas, invocou como precedente o Compromisso de 1877. A referência sintetiza o programa do Partido de Trump.

A eleição presidencial de 1876 foi travada entre o republicano Rutherford Hayes e o democrata Samuel Tilden. Na época, os republicanos eram o “partido da União”, dos vencedores da Guerra Civil (1861-65), e os democratas eram o “partido da Confederação”, das elites sulistas derrotadas. Tilden triunfou no voto popular, mas o desenlace no Colégio Eleitoral dependia de 20 delegados de quatro estados contestados. Depois de uma longa disputa judicial e parlamentar, concluiu-se por uma barganha. O Compromisso de 1877 deu a Casa Branca a Hayes, em troca da retirada das forças militares que ocupavam os estados da antiga Confederação.

À primeira vista, o paralelo entre as eleições de 1876 e 2020 não tem sentido. Na primeira, de fato verificaram-se irregularidades e fraudes generalizadas nos quatro estados decisivos. Na segunda, meticulosas recontagens e inúmeras decisões judiciais confirmaram a absoluta lisura do pleito. Cruz, porém, invocou o Compromisso de 1877 para delinear uma plataforma política: o Partido de Trump almeja a retirada das tropas da Lei dos Direitos de Voto que, em 1965, ocuparam o conjunto dos EUA.

Ricardo Noblat - Mutirão pela vacina, uma vez que vidas pouco importam

- Blog do Noblat | Veja

À falta de governo, cada um por si e Deus por todos

Estava escrito nas estrelas que não daria certo realizar as provas do Exame Nacional do Ensino Médio em meio a pandemia de coronavírus que ainda não acabou – pelo contrário, recrudesceu. A abstenção tem sido enorme. Como os estudantes mais pobres poderão se dar bem se não conseguiram sequer estudar direito?

Da mesma forma, parece escrito nas estrelas que o governo do inepto presidente Jair Bolsonaro não dará conta sozinho de bancar a vacinação em massa dos brasileiros contra o vírus. Não deu conta de enfrentar a doença quando podia, preferindo deixá-la se espalhar. Perdeu o bonde à partida da compra das vacinas.

Não foi por falta de dinheiro, mas de vontade, empenho e competência. Sobraram a visão negacionista do presidente da República e sua aposta errada na politização do assunto. Quando o governo acordou, se é que acordou, havia sido passado para trás pelo governador João Doria (PSDB-SP) e o Instituto Butantan.

Bons tempos aqueles para Bolsonaro onde a administração da crise de saúde não dependia só dele, mas também de governadores e prefeitos. Foram tempos em que ele pôde descaradamente mentir dizendo que o Supremo Tribunal Federal havia lhe tomado o dever e o direito de comandar a guerra à Covid-19.

Marcus André Melo* - A nova política da pandemia

- Folha de S. Paulo

A vacina alterou a dinâmica política no combate contra a Covid

A política da pandemia sofreu mais uma transmutação, embora haja elementos de continuidade com sua fase inicial. A segunda fase —que se estende grosso modo de junho a novembro— foi de estabilização; a nova é marcada, como na primeira, por temores quanto a uma hecatombe econômica e social. E também pelo retorno de disputas federativas e sobre os trade offs entre saúde e economia. O horror sanitário que havia arrefecido também volta.

A nova fase coincide com o fim do auxílio emergencial e segunda onda da Covid. As disputas sobre responsabilização política —inclusive sobre terapias imaginárias— voltam à agenda. É como se agora tivéssemos voltando para a estaca zero; mas as condições de contorno mudaram.

Em primeiro lugar, se antes tínhamos 27 pandemias, agora a responsabilidade política se federalizou. Para isso contribuiu a descoberta da vacina e a própria amplitude da pandemia.

A institucionalidade da vacinação é federal, o que contrasta com a política de atenção a saúde em que os recursos humanos e equipamentos são locais. A iniciativa paulista que catapulta Doria como rival competitivo de Bolsonaro foi o último lance de disputas federativas. Combinada com o fiasco na obtenção da vacina e o horror sanitário em Manaus —agora nacionalizado em sua responsabilização política—, a vacinação repercute na popularidade presidencial, e recoloca o impeachment na agenda.

Celso Rocha de Barros - A vacina deu a medida de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Governo é o único do mundo que viu no início da vacinação como uma crise

O início da vacinação no mundo deu ao público brasileiro algo que ele ainda não tinha: uma medida precisa de como a atuação de Jair Bolsonaro no combate à pandemia de Covid-19 foi pior do que a dos outros governantes.

Por maiores que fossem os números de mortos brasileiros, não era fácil para boa parte do público compará-los com os de outros países, quanto mais relacioná-los às políticas de combate à pandemia adotadas em cada um deles. O desastre nos Estados Unidos, de longe o país estrangeiro sobre o qual os brasileiros têm mais informação, permitia aos bolsonaristas mentir que a tragédia brasileira era inevitável. Quantos brasileiros sabem que a bem governada Nova Zelândia voltou à vida normal antes da vacina por ter feito o exato contrário do que fez Bolsonaro?

A vacina mudou tudo isso. É muito fácil saber que países vacinaram e que países não vacinaram. As imagens das pessoas sendo vacinadas nos fazem, imediatamente, voltar a imaginar uma vida sem o vírus, e, nesse momento, intuitivamente, se entende o que os especialistas dizem desde o começo, contra Bolsonaro, contra Paulo Guedes, contra a burguesia da morte que apoia o governo: a vida normal só voltará com a vacina, só voltará quando o vírus tiver sido derrotado.

Catarina Rochamonte - Direita sem Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Liberais e conservadores precisam avançar pelo caminho da racionalidade que exige o respeito às instituições

O campo liberal-conservador engajou-se outrora na campanha pelo impeachment de uma presidente de esquerda. Agora, não faltam razões para se posicionar contra um presidente de direita que fez retroceder as pautas anticorrupção e que —em momento de clamor nacional devido à pandemia— após ter demitido dois ministros da Saúde que não se curvaram às suas idiossincrasias, ocupa-se em questionar a eficácia das vacinas, atrasar sua compra, reforçar narrativas conspiratórias que põem em xeque as instituições, alimentar a histeria nas redes sociais e bajular com oferta de cargos a ala fisiológica e podre da política (o tal do establishment que prometeu combater).

Ainda pior que Bolsonaro é o bolsonarismo, ideologia que, à semelhança do lulismo, mantém-se com base no culto à personalidade do líder. Esse fanatismo bizarro —que foi a estranha resposta dos brasileiros à hipocrisia da esquerda, aos excessos do progressismo e à avassaladora corrupção da era petista— tem se expressado pela incivilidade, boçalidade, selvageria e intolerância.

Sergio Lamucci - A volta do auxílio emergencial

- Valor Econômico

Retorno faz sentido, com piora da pandemia e vacinação incerta

A volta do auxílio emergencial se torna cada vez mais provável, devido ao recrudescimento da pandemia e ao ritmo lento e incerto da vacinação contra a covid-19. A economia brasileira vai sofrer o golpe dessa combinação, devendo encolher no primeiro trimestre. O aumento do número de casos e mortes começa a levar a medidas mais fortes de restrições à mobilidade, como as anunciadas pelo governo de São Paulo na sexta-feira. As perspectivas para o mercado de trabalho, que já não eram das melhores, tendem a piorar, afetando o consumo das famílias. O quadro também é negativo para o investimento, dadas as incertezas sobre a vacinação e a possibilidade de que outros Estados e municípios adotem novas medidas de isolamento social, ainda que menos rigorosas do que as implementadas em março e abril do ano passado.

Com isso, as perspectivas para o crescimento em 2021 começaram a se deteriorar, e números na casa de 2% a 3% já aparecem em algumas estimativas de bancos e consultorias, apesar da elevada herança estatística que 2020 deixará para este ano. Nesse ambiente, cresce a pressão pela renovação do auxílio, uma medida que faz sentido, num ambiente de desemprego altíssimo. A volta do benefício, porém, precisa ser muito bem comunicada e acompanhada por medidas que indiquem o compromisso com a sustentabilidade fiscal, com reformas que enfrentem o aumento das despesas obrigatórias, como os gastos com pessoal.

Bruno Carazza* Cheiro de reforma no ar

- Valor Econômico

Não importa quem vença, Bolsonaro terá que mudar

Arthur Lira (PP) ou Baleia Rossi (MDB)? Simone Tebet (MDB) ou Rodrigo Pacheco (DEM)? A disputa para o comando da Câmara e do Senado entra na semana decisiva, e o envolvimento direto do presidente da República nas negociações comprova que tudo voltou ao normal na política brasileira.

A Lava-Jato abalou as estruturas do sistema partidário, e a eleição de Bolsonaro foi anunciada como o fim da “velha política”. Apenas dois anos depois, o presidencialismo de coalizão, explicado lá atrás, em 1988, por Sérgio Abranches, dita mais uma vez o ritmo de funcionamento da nossa instável democracia.

A partir da próxima segunda-feira a (01/02) o destino do país estará nas mãos de filhos de políticos tradicionais - Benedito de Lira, Wagner Rossi e Ramez Tebet. Pacheco, por sua vez, vem de uma família de proprietários de empresas de ônibus, um setor tradicionalmente dependente e credor de poderosos. Brasília girou, girou, e parou no mesmo lugar.

Também não é estranho que os quatro principais candidatos à presidência das Casas Legislativas venham de partidos herdeiros dos dois grandes blocos conservadores sob os quais se estruturou nosso sistema político desde a ditadura militar. Enquanto PP e DEM são filhos legítimos da Arena, o MDB de hoje, apesar de ter se despido do “P”, nunca deixou de ser o que restou de mais retrógrado da legenda original de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves.

Carlos Pereira* - Redescobrimento?

- O Estado de S. Paulo

A democracia americana não foi redescoberta, mas reafirmada

No dia 20 de janeiro, data da posse do novo presidente americano, estava na Barra do Cahy, praia paradisíaca localizada no extremo sul da Bahia, que reúne falésias deslumbrantes, vasta mata atlântica e águas claras que se encontram com as curvas sinuosas do rio que dá nome à praia. De acordo com a descrição de Pero Vaz de Caminha em carta enviada em 1500 ao Rei de Portugal, Dom Manoel I, foi nesta praia que supostamente o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral e sua tripulação. Mas apenas em janeiro de 2017 a Barra do Cahy recebeu o título de “primeira praia do Brasil” pela prefeitura do município de Prado.

Parece que neste dia 20 de janeiro o mundo redescobriu a democracia, supostamente ofuscada por quatro anos do governo de Donald Trump. Esse sentimento ficou evidente especialmente a partir dos eventos do último dia 06 de janeiro, quando o Capitólio, símbolo máximo da democracia americana, foi invadido por apoiadores radicais e insurrecionados do ex-presidente.

A posse de Joe Biden como presidente dos EUA, portanto, teve o significado de reafirmação dos valores e princípios da democracia. Nas palavras de Biden “a democracia prevaleceu”. 

Moisés Naím - Dilema de Joe Biden: buscar paz ou Justiça?

- O Estado de S. Paulo

Biden é um político de grande experiência e conhece a árdua tarefa de unir os compatriotas

Susan Bro encarna o dilema que pode definir o governo de Joe Biden: Pode haver paz social sem que haja justiça? Bro é a mãe de Heather Heyer, que em 2017, aos 32 anos, foi assassinada em Charlottesville, capital do Estado de Virginia, por James Alex Fields, um ativista de extrema direita.

Com o seu automóvel, Fields atropelou deliberadamente um grupo de pessoas que protestavam pacificamente contra uma marcha de neonazistas e supremacistas brancos, vindos a Charlottesville de todo o país.

Como é notório, ao comentar esses fatos trágicos, o presidente Donald Trump realçou que havia muita boa gente de ambos os lados do protesto. Joe Biden afirmou que o que aconteceu em Charlottesville foi determinante para sua decisão de se candidatar à presidência.

Susan Bro está preocupada com a possibilidade de que, buscando a unidade, Joe Biden esteja disposto a sacrificar a justiça. “Sanar as feridas causadas por esse tipo de ato exige que os que as cometem sejam responsabilizados e condenados. A união exige justiça”, declarou Bro ao jornal The New York Times. 

Jeffrey Sachs* - Libertação

- Valor Econômico

Para sustentar a vitória sobre a política destrutiva de Trump, precisamos superar o racismo que o levou ao poder

Ao celebrar a libertação do desgoverno de Donald Trump, não podemos nos esquecer que a presidência de Trump encarnou a crua política da supremacia branca dos EUA. Muitas vezes ele falava como um governador segregacionista do Sul dos anos 1960 ou, depois de perder as eleições de 2020, como um senador separatista às vésperas da Guerra Civil. Para sustentar a vitória sobre a política destrutiva de Trump, precisamos superar o racismo que o levou ao poder. Esse urgente desafio se impõe não apenas aos Estados Unidos, mas a todas as sociedades multiétnicas em todo o mundo.

Trump seduziu um segmento da sociedade americana - branco, mais velho, menos escolarizado, sulista e do oeste, suburbano e rural, cristão evangélico - com a ideia de que eles poderiam recuperar o passado racista dos EUA. Esse grupo de eleitores, cerca de 20-25% dos adultos americanos, tornou-se a ferrenha base de Trump nas eleições de 2016. Essa base foi grande o suficiente para que Trump conquistasse o Partido Republicano e, em seguida, gritasse até obter a vitória no Colégio Eleitoral, apesar de perder no voto popular por três milhões.

Outras peculiaridades da política americana possibilitaram a vitória de Trump em 2016. Caso uma alta proporção de americanos votasse, como em países onde o cadastramento de eleitores é automático e o voto é encorajado ou mesmo obrigatório, Trump não teria chegado nem perto da vitória em 2016. Mas os impedimentos para votar que pesam sobre os afro-americanos, os pobres e os jovens fazem parte da política americana há muito tempo, e seu objetivo é manter a supremacia política e econômica dos brancos ricos. Em suma, seu objetivo é permitir a eleição de nomes como Trump.

A política vulgar de Trump demonstrou a persistência de seu apelo racista aos evangélicos brancos mais velhos e também a alguns eleitores mais jovens, como aqueles que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro e ameaçaram linchar o vice-presidente Mike Pence por não impedir a confirmação da vitória de Joe Biden no Colégio Eleitoral. Poucos especialistas enfatizaram a continuidade da nostalgia racista de Trump com a política semelhante de Ronald Reagan, que usou o slogan quase idêntico - “Vamos fazer os EUA grandes de novo” - com o mesmo propósito.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A pequenez de Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo

Em sua rinha contra o governador João Doria, Bolsonaro esgarça ainda mais os limites aceitáveis das lides políticas da democracia

A postura antirrepublicana do presidente Jair Bolsonaro é mais uma entre tantas evidências de que ele não cabe no cargo que ocupa. A bem da verdade, jamais coube. A notória mediocridade de seu currículo, por assim dizer, e a intolerância a tudo e a todos que contrariem seus interesses já apontavam desde antes da eleição que, caso ele chegasse à Presidência, como de fato chegou, a Nação haveria de lidar com o mais nefasto governo de sua história. Em vez de se moldar à dignidade da Presidência da República, Jair Bolsonaro a rebaixou como nenhum outro presidente antes dele.

Em sua rinha contra o governador de São Paulo, João Doria, o presidente esgarça ainda mais os limites aceitáveis das lides políticas próprias da democracia. Por raiva, medo, inveja ou outros sentimentos inconfessáveis em relação ao tucano, o comportamento de Bolsonaro põe em risco projetos de interesse da população do maior Estado da Federação.

Há dezenas de obras em São Paulo que dependem fundamentalmente do aval da União, da ação de Ministérios ou de financiamentos de bancos públicos. A esmagadora maioria delas tem sido sabotada pelo governo central, por ordem de Bolsonaro. O presidente da República proíbe ministros e assessores de atender a qualquer pedido do governo paulista. Quem desobedecer à ordem, conversar e “fizer graça” com Doria está sujeito a “cartão vermelho”. Quão mais mesquinho pode ser o presidente?

Uma das obras em risco é a construção do Piscinão de Jaboticabal, que é fundamental para solucionar o problema das enchentes do Rio Tamanduateí e dos Ribeirões dos Couros e dos Meninos. Mas a angústia das famílias ribeirinhas, que sofrem ano após ano com as enchentes, é irrelevante para Bolsonaro diante de sua necessidade de impor um revés político para alguém que ele trata não como um governador de Estado que lhe faz oposição, e sim como um inimigo figadal. A obra está orçada em R$ 300 milhões e seria financiada pela Caixa, de acordo com o secretário estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, Marcos Penido. Mas, de uma hora para outra, a linha de crédito foi “congelada”. A fim de concluir a obra, o governo paulista vai buscar recursos no Tesouro do Estado.

A construção de uma ponte entre Santos e Guarujá é mais uma obra atrasada em função das disputas políticas entre o governo federal e o Estado de São Paulo. Não há desembolso de dinheiro público na obra, que será custeada pela concessionária Ecovias, mas a ponte precisa passar por uma área do Porto de Santos, que está sob responsabilidade federal. Sem a autorização do Palácio do Planalto, a obra não anda.

Música | Caetano Veloso, Gilberto Gil - Sampa

 

Poesia | Vinicius de Moraes - Soneto sentimental à cidade de São Paulo

Ó cidade tão lírica e tão fria!
Mercenária, que importa - basta! - importa
Que à noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agonia

Não te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e frígida.

Sinto como a tua íris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal há se o lar onde se espera

Traz saudade de alguma Baviera
Se a poesia é tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza?