Fonte: Agência Senado
A Lei da Anistia completa, hoje, 42 anos.
Quando assinou a histórica norma, em 28 de agosto de 1979, o presidente João
Baptista Figueiredo concedeu o perdão aos perseguidos políticos (que a ditadura
militar chamava de subversivos) e, dessa forma, pavimentou o caminho para a
redemocratização do Brasil.
Foram anistiados tanto os que haviam
pegado em armas contra o regime quanto os que simplesmente haviam feito
críticas públicas aos militares. Graças à lei, exilados e banidos voltaram para
o Brasil, clandestinos deixaram de se esconder da polícia, réus tiveram os
processos nos tribunais militares anulados, presos foram libertados de
presídios e delegacias.
O projeto que deu origem à Lei da
Anistia foi redigido pela equipe do general Figueiredo. O Congresso Nacional o
discutiu e aprovou em apenas três semanas.
Documentos de 1979 sob a guarda do
Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que os senadores e deputados da Arena
(partido governista) ficaram satisfeitos com a anistia aprovada. O Congresso
fez modificações na proposta original, mas nada que chegasse a
descaracterizá-la.
— Repetidas vezes afirmou o presidente
Figueiredo: “Lugar de brasileiro é no Brasil”. Com a anistia, aquela sentença
deixou de ser uma frase para se transformar numa realidade palpitante —
comemorou o senador Henrique de la Rocque (Arena-MA). — Maridos, pais, filhos,
irmãos, noivos e entes queridos que se encontravam apartados do convívio
familiar passaram a ter a oportunidade de retornar aos seus lares e reinaugurar
as suas vidas, sem lugar para ódio e desejo de vindita [vingança]. A anistia é
o bálsamo que cicatriza feridas.
— Com suas mãos estendidas no sentido
da pacificação, o senhor presidente da República demonstrou a sua formação
cívica e espiritual e praticou um gesto de grandeza e coragem. Ninguém em sã
consciência poderá negar que a autoridade principal do país agiu com obstinação
para atender aos anseios da população brasileira — discursou o senador Milton
Brandão (Arena-PI).
Os mesmos papéis históricos do Arquivo
do Senado indicam, contudo, que a Lei da Anistia não foi tão benevolente quanto
os congressistas da Arena quiseram fazer crer. Na avaliação dos perseguidos
políticos, de organizações civis e religiosas e dos parlamentares do MDB (único
partido de oposição), o projeto aprovado tinha dois problemas graves.
O primeiro era que a anistia era restritiva.
A lei negava o perdão aos “terroristas” que tivessem sido condenados de forma
definitiva. Eles não poderiam sair da cadeia. Eram qualificados como
terroristas os que, em ataque ao regime, haviam sido condenados por crimes como
homicídio e sequestro. Contraditoriamente, aqueles que respondessem a processos
iguais, mas ainda com possibilidade de apelar a tribunais superiores, ganhariam
a anistia.
Durante as discussões do projeto no
Congresso, os parlamentares do MDB apresentaram inúmeras emendas para derrubar
essa exclusão e garantir uma anistia “ampla, geral e irrestrita”, conforme o
slogan que se popularizou na época.
— Trata-se de uma discriminação odiosa
e injustificada, uma aberração jurídica — criticou o deputado Alceu Collares
(MDB-RS). — Quem enfrentou a justiça excepcional, foi condenado à prisão de 20,
30, 40 ou mais anos e encontra-se cumprindo a sua pena não é anistiado,
enquanto quem conseguiu escapar do processo, tendo praticado o mesmo
delito, será contemplado com os benefícios da anistia. É uma injustiça
para os condenados.
— Anistia é esquecimento, olvido
perpétuo. É medida de oportunidade política para começar, com os espíritos
desarmados, uma nova marcha para o futuro. Para isso, é preciso a reintegração
de todos na vida pública, sem exceção — acrescentou o deputado Marcos Freire
(MDB-PE).
— Não há razão para excluir os
condenados por terrorismo. Tiradentes era terrorista e subversivo. Hoje, é
herói — comparou o deputado José Frejat (MDB-RJ).
Um grupo de deputados do MDB, tentando
retirar a exclusão, apelou aos sentimentos familiares do general Figueiredo. Na
justificativa de uma emenda coletiva, lembraram que o pai dele, após lutar na
Revolução Constitucionalista de 1932, foi anistiado pelo presidente Getúlio
Vargas em 1934.
Figueiredo apresentou sua razão para
não perdoar os terroristas condenados. Segundo o presidente, o crime deles não
era “estritamente político”, mas sim “contra a humanidade, repelido pela
comunidade universal”. Quanto aos terroristas ainda apenas processados, que
teriam direito ao perdão, ele escreveu numa mensagem remetida ao Congresso:
“O projeto paralisa os processos em
curso até dos que, a rigor, não estão a merecer o benefício. Ao fazê-lo, o
governo tem em vista evitar que se prolonguem processos que, com certeza e por
muito tempo, vão traumatizar a sociedade com o conhecimento de eventos que
devem ser sepultados em nome da paz”.