O Estado de S. Paulo
É boa hora para pensar a ideia de Ocidente,
da política democrática que nele afinal nasceu por causa de duras lutas
sociais, e dos múltiplos desafios que hoje o ameaçam
Há verdade nas análises segundo as quais a
chave para a compreensão da estrutura do mundo, aqui e agora, é o antagonismo
entre democracia e autocracia. E convém acrescentar que as democracias parecem
inseguras, sofrendo um assédio comparável àquele de um século atrás, quando a
afirmação do fascismo e do nazismo, por um lado, e a do comunismo stalinista,
por outro, pressupunham a obsolescência do mundo liberal, antes que este viesse
a se refazer progressivamente com o New Deal e as experiências incipientes de
algumas sociais-democracias já nos anos 1930.
Agora, como antes, o assédio não vem só de
fora, dos “bárbaros à porta”, se é que de bárbaros invariavelmente se trata.
Com desfaçatez e desassombro, a barbárie tem germinado dentro dos próprios
muros das cidadelas democráticas. Pode-se discutir a partir de quando começaram
a se desfazer o delicado compromisso social-democrático do pósguerra e a
efetiva coesão social que o tornava atraente dentro e fora das muralhas.
Há poucos dias desapareceu Berlusconi, um político para quem a exibição acintosa dos vícios privados era um recurso de poder como qualquer outro. Antes dele, austera e inflexível, Thatcher garantia que a sociedade não existe a não ser como couto reservado a indivíduos possessivos de um capitalismo novamente “conquistador”. São apenas duas figuras emblemáticas, e outras mais agressivas, como Trump e avatares, se afirmaram com o tempo. Mas quando mesmo teve início a onda atual de “desdemocratização”, para usar o léxico de Huntington?