segunda-feira, 19 de novembro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Joaquim Barbosa: a quadrilha e democracia

Como a quadrilha alcançou um dos seus objetivos, a compra de apoio político de parlamentares, José Dirceu colocou em risco o próprio sistema democrático, a independência dos poderes e o sistema republicano, em flagrante contrariedade à Constituição Federal. Restaram diminuídos e enxovalhados pilares importantíssimos da nossa institucionalidade.

Joaquim Barbosa, Ministro do STF.

Manchetes dos principais jornais do País

O GLOBO
Israel ataca alvos civis na Faixa de Gaza
Mensalão: Dilma diz que acata sentença
A hora da paz no Supremo
Seguro de carro sobe 10% no ano

FOLHA DE S. PAULO
No dia mais letal em Gaza, ataque de Israel mata 12 civis
Dilma diz, sobre o Supremo, que ‘ninguém está acima dos erros’
Matrícula em escola de até R$ 500 cresce 147% em dez anos

O ESTADO DE S. PAULO
Reforma agrária perde força no governo Dilma
Presidente fala do mensalão
SP deve testar kit antiviolência
Térmicas não cumprem metas

VALOR ECONÔMICO
Empresas deixam lá fora 70% dos dólares captados
Atividade melhorou em outubro
Ministro fala em 'surpresas' nas concessões
Nova safra de prefeitos é a mais instruída

BRASIL ECONÔMICO
Defasagem no preço do diesel cai e prejuízos da Petrobras diminuem
Eletrobras terá de se reinventar
Exportações já têm perda de 5%
Criação de PME é escudo contra crise
Alavancagem

CORREIO BRAZILIENSE
Civis são massacrados na Palestina
Negócios: Compras pela internet produzem desequilíbrio
Mensalão: STF pode decidir sobre mandatos de parlamentar?
O pré-sal e o Supremo

ESTADO DE MINAS
Greve na Receita: Alta de preços no Natal pode chegar a 5%
Bombas: Mil brasileiros correm risco em Israel
Contas: Lentidão do Tribunal deixa 144 mil processos parados

ZERO HORA (RS)
Corrupção policial "escolta" bicheiros
Conta de luz mais barata está ameaçada
Não pode! Número de crianças trabalhando chegará a 190 milhões até 2020

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Parentes fazem denúncias sobre Funase no Cabo
Em dia violento, mais 29 palestinos mortos
Sem água e sem comunicação

O que pensa a mídia - Editoriais dos principais jornais do País

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Mensalão: Dilma diz que acata sentença

Em entrevista ao jornal espanhol "El País" a presidente afirmou que não discute as sentenças do STF no julgamento do mensalão, mas ressaltou que isso não significa "que ninguém neste mundo de Deus está acima dos erros e das paixões humanas". Dilma se disse "radicalmente" favorável ao combate à corrupção por "questão ética" e "critério político".

"Ninguém está acima dos erros e das paixões"

Dilma fala sobre julgamento do mensalão, diz que acata decisão do STF, mas faz ressalvas

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

A presidente Dilma Rousseff falou pela primeira vez sobre o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que já condenou petistas como o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o ex-presidente do partido José Genoino, entre outros. Em entrevista ao jornal espanhol "El País", publicada ontem, Dilma afirmou que acata e não discute as decisões do STF, mas ressaltou que "ninguém está acima dos erros e das paixões humanas", sobretudo as relacionadas à política.

A entrevista foi concedida pela presidente no último dia 12, quando foram anunciadas as penas para Dirceu e Genoino pela participação no mensalão. Apontado como o chefe do esquema, Dirceu foi condenado a dez anos e dez meses de prisão, além do pagamento de R$ 676 mil.

- Como presidente da República, não posso me manifestar sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal. Acato suas sentenças, não as discuto. O que não significa que ninguém neste mundo de Deus está acima de erros e das paixões humanas - afirmou Dilma, que foi questionada na entrevista se a política não estaria entre as paixões citadas por ela. - Talvez estas sejam as maiores - acrescentou.

Presidente cita combate à corrupção

Durante a entrevista ao "El País", a presidente Dilma fez questão de ressaltar o combate à corrupção no Brasil e o controle dos gastos públicos por parte do governo federal. Citou ações que foram implantadas na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

- Poucos governos fizeram tanto pelo controle dos gastos públicos, como o do presidente Lula. Abrimos o Portal da Transparência, com todas as contas públicas disponíveis para quem quiser consultá-las. Nós também fizemos uma lei de acesso à informação que obriga a divulgação dos salários dos dirigentes. Estou radicalmente a favor do combate à corrupção, não só por uma questão ética, mas por um critério político.

Dilma ressaltou estar tratando da corrupção dos governos e não das empresas:

- Um governo é 10.000 vezes mais eficiente quanto mais controla, mais fiscaliza e mais impede.

Na entrevista, concedida a Juan Luis Cebrián, fundador do "El País", foi abordado que, quatro décadas depois do "Maio de 1968", muitos líderes dos movimentos de resistência em todo o mundo passaram a ocupar posições de poder estratégicas e importantes na economia, na política e na cultura, e hoje são objetos de protestos semelhantes aos que encabeçaram no passado. O jornal questionou se valeu a pena tudo aquilo.

- Necessariamente a gente evolui. Em dezembro de 1968, eu não estava envolvida com a política e nem havia me incorporado à clandestinidade. Então, aconteceu o que se conhece no Brasil como o golpe dentro do golpe, um endurecimento da ditadura militar - afirmou a presidente, referindo-se à instituição do AI-5. - A partir disso, qualquer pessoa da minha geração que tivesse a menor vontade democrática era violentamente perseguida. De modo que, desde o meu ponto de vista, sim, valeu a pena e muito - respondeu.

A presidente considerou que uma parte da juventude brasileira foi generosa ao lutar em favor do país, mesmo que alguns erros tenham sido cometidos.

- Pode ser que aqueles métodos não conduzissem a nada, não tivessem futuro e constituíssem uma visão equivocada sobre a saída da ditadura. Mas nas pessoas havia um sentimento de urgência, acreditavam que no Brasil não poderia haver uma reforma democrática. Com os anos, comprovei nosso excesso de ingenuidade e romantismo e nossa falta de compreensão da realidade. Não percebíamos que esta era muito mais complexa, que podiam haver diferentes soluções de futuro - defendeu.

- Meu tempo na prisão me ajudou a entender que o regime militar não sobreviveria porque não podia deter, torturar e matar todos os jovens - ressaltou.

Indagada se junto às transformações econômicas o Brasil manterá seu sistema político, Dilma respondeu que um dos trunfos da democracia brasileira é sempre ser rica em termos de debate:

- Estamos acostumados a discutir em torno de uma mesa, é um hábito nosso. Isso chamou a atenção de Bill Clinton ( ex-presidente dos Estados Unidos). Em alguns países pode causar estranheza ou pavor que a presidente da República converse com as centrais sindicais. Para nós, é normal. Às vezes estamos de acordo, às vezes, não.

Ainda ao abordar temas ligados à política, Dilma citou o presidente do Uruguai, José Mujica, que lutou contra a ditadura em seu país. A presidente contou que, durante um encontro com ele, Mujica afirmou que ambos são representantes de uma "geração que lutou muito e cometeu alguns atos estúpidos". Nesse encontro, Mujica disse que ele teve a época da política, a da paixão, e, quando se tornou presidente, estava na época das flores (que gosta de plantar).

- Essa é também a minha época, estou na época das flores - disse Dilma ao encerrar a entrevista.

Dilma viajou à Espanha para participar da 22ª Cúpula Ibero-Americana, em Cádiz, encerrada no último sábado. Sem compromissos oficiais ontem, a presidente aproveitou a manhã de domingo para visitar o Museu de Arte Thyssen-Bornemisza. Dilma estava acompanhada do ministro da Educação, Aloizio Mercadante; da secretária de Comunicação Social, Helena Chagas; e do embaixador do Brasil na Espanha, Paulo César de Oliveira Campos. Após a visita, Dilma foi a Toledo, onde almoçou. A presidente retornou à tarde para Madri e passou o restante do domingo descansando no hotel.

A presidente Dilma abre sua agenda oficial de hoje com um encontro na Casa do Brasil com estudantes que integram o programa "Ciência sem Fonteiras" e que participam do ProUni. Em seguida, se reúne com o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy, no Palácio de Moncloa.

Após a reunião, Dilma participa de um almoço oferecido pelo rei Juan Carlos I e a rainha Sofia, na sala de banquetes do Palácio Real. A presidente ainda participará da abertura do seminário "Brasil no caminho do crescimento", promovido pelos jornais "El País" e "Valor Econômico". O evento vai analisar o crescimento econômico do país e os rumos escolhidos no enfrentamento da crise que atingiu o mundo todo. De acordo com a Presidência, Dilma retorna hoje para Brasília.

Fonte: O Globo

A hora da paz no Supremo

Futuros presidente e vice, Barbosa e Lewandowski ensaiam trégua.

Depois de mais de três meses de brigas, hora de colaborar

Barbosa e Lewandowski acertam ponteiros para dividir funções que ocuparão pelos próximos dois anos

Carolina Brígido

Se nas sessões de julgamento do mensalão os dois discutem asperamente e trocam olhares de reprovação, nos bastidores Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski ensaiam uma trégua em nome da administração do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje eles assumem interinamente, por dois dias, a presidência e a vice da Corte. A posse oficial é na quinta-feira. A disposição de ambos é deixar as brigas em torno da Ação Penal 470 restritas às divergências do julgamento. Os assessores dos ministros começaram a conversar sobre a gestão. Os próprios ministros também já se falaram sobre o assunto de forma pacífica. A intenção de ambos é evitar que as pesadas discussões em torno de temas jurídicos azedem a condução do tribunal pelos próximos dois anos, quando estarão à frente da Corte.

O primeiro entendimento terá de ser em dezembro. Normalmente, no recesso, o presidente e o vice precisam combinar quem ficará no plantão do STF, com a responsabilidade de tomar decisões urgentes, que não podem esperar o retorno das atividades, em fevereiro. Por exemplo, a concessão de habeas corpus a réu preso. A praxe é o presidente e o vice dividirem o tempo do recesso. Lewandowski garante que está disposto a hastear a bandeira branca. Embora não tenha dado declaração sobre o assunto, o ânimo de Barbosa é o mesmo. A intenção do novo presidente do STF é de não carregar nem prolongar discussões e divergências que teve com os colegas. As desavenças existiram, afirmam assessores de Barbosa, mas foram pontuais, restritas ao julgamento.

- Temos conversado, nossas equipes também. Como não estamos tendo muito tempo, os assessores estão cuidando dessa colaboração futura. Da minha parte, não tem nenhum problema, a colaboração é total. Minha preocupação é com a preservação da instituição - disse Lewandowski.

O revisor do mensalão atesta que, mesmo depois das brigas mais acirradas, os dois conversam normalmente durante os intervalos das sessões, na sala de café do STF:

- Saímos da briga e fica tudo numa boa.

Barbosa não acredita que sua gestão possa ser dificultada pelos colegas que discordaram dele no julgamento do mensalão. Para ele, as diferenças em posições jurídicas ficam restritas ao plenário. O julgamento do mensalão foi responsável por expor a quase completa cisão entre as posições de Lewandowski e Barbosa em Direito Penal.

Deixando as diferenças jurídicas de lado, Lewandowski declarou que concorda com a prioridade eleita por Barbosa para o próximo biênio: dar maior atenção aos processos com repercussão geral. Essa classificação é dada àqueles que, uma vez decididos pelo STF, determinam como outros tribunais julgarão o mesmo assunto. Existem hoje 613 processos desse tipo aguardando julgamento no Supremo.

Fonte: O Globo

Próximas sessões do mensalão irão definir penas de deputados

Pauta do julgamento de quarta no Supremo ainda não foi decidida

Matheus Leitão

BRASÍLIA - O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma depois de amanhã o julgamento do mensalão, com a 47ª sessão, mas sem pauta definida.

O cenário mais provável é a definição das penas dos réus condenados por corrupção passiva devido à participação no esquema de compra de votos no início do governo Lula (2003-2005).

A discussão sobre a cassação dos mandatos dos três deputados condenados -o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP)- também deve dominar o plenário.

Os ministros do Supremo estão divididos sobre o tema. Há dúvidas se a perda de mandato deveria ser decidida pelo tribunal ou se tem que ser tratada pelo plenário da Câmara dos Deputados.

Um dos que deve ter a pena definida em breve é o delator do mensalão, Roberto Jefferson (PTB-RJ).

O ex-deputado federal pode ser beneficiado com a diminuição da punição, como indicou no final de setembro o ministro Luiz Fux.

Jefferson foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele revelou o esquema do mensalão em entrevista à Folha, em 2005.

O tribunal já concluiu as penas de dez condenados e iniciou, mas ainda não terminou a definição da punição a Rogério Tolentino, advogado do operador do mensalão, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza.

Na quinta-feira, o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, assume definitivamente a presidência da corte. Na quarta, ele acumulará a função de presidente interino e relator do mensalão.

Primeiro negro a comandar o Supremo, Barbosa terá mandato de dois anos.

Ele foi indicado para uma vaga no Supremo pelo ex-presidente Lula, em 2003.

Julgamento já teve 46 sessões

O que já aconteceu

Os ministros do Supremo já definiram as penas dos réus condenados que integravam os núcleos operacional, político e financeiro.

Quarta

Ainda não foi definida a pauta da próxima sessão. Mas a corte deve dar início à discussão das penas de deputados envolvidos no esquema.

Fonte: Folha de S. Paulo

Barbosa põe Supremo em rota de colisão com Congresso

Felipe Recondo, Ricardo Brito

 BRASÍLIA - A perda de mandato dos deputados condenados por envolvimento no mensalão, que começam a receber suas penas nesta semana, deve deflagrar a primeira crise entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal na gestão do ministro Joaquim Barbosa, que assume a presidência nesta quinta-feira.

Barbosa defende, por exemplo, que a condenação pelos crimes do mensalão gera a perda automática de mandato dos deputados federais envolvidos: Valdemar Costa Neto (PR-SP), Pedro Henry (PP-MT), João Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoino (PT-SP) - se este assumir como suplente. Com Barbosa à frente, a proposta de alguns ministros é determinar a perda do mandato como decorrência da condenação. No Congresso, deputados afirmam que a cassação exigiria aprovação do plenário da Casa.

Barbosa pretende ainda acabar com o sigilo prévio de investigações e inquéritos que chegam ao STF - hoje a regra determina que os inquéritos tragam apenas as iniciais dos investigados.

Apesar das críticas ao sistema, Barbosa promete uma gestão sem grandes inovações: "Não haverá turbulências nem grandes inovações. Vocês já devem ter percebido, eu gosto de agir by the books (conforme as regras). Nada além disso".Prestes a assumir o comando do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ele diz temer uma reação do Congresso ao mensalão: a edição de uma PEC para dar fim ao foro para parlamentares - pois este passou a "assustar" depois da rapidez das condenações. Antes crítico do privilégio, o novo presidente não quer ser alvo de manobras parlamentares que retardariam a condenação de réus.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Radicais do PT fazem pressão por mais atos pró-condenados

Fernando Gallo, Roldão Arruda

A direção do PT está sendo pressionada por setores mais à esquerda do partido e pelos filiados condenados no mensalão para que haja novas manifestações oficiais contra o julgamento do Supremo. Movimentos sociais próximos dos petistas também se articulam nessa direção.

A Consulta Popular, organização política que reúne representantes de movimentos sociais de 17 Estados, lançou ontem uma convocação à "sociedade brasileira", para que una suas forças e lute "pela revogação das condenações e das penas ilegalmente impostas". A nota, definida ao final de uma reunião plenária de três dias, comparou os ministros do STF a feitores de escravos e a agentes da ditadura militar.

A cúpula petista, porém, trata o assunto como encerrado. Acredita que prolongar a discussão significa "prolongar a sangria".

Mesmo que sejam instados, na próxima reunião do diretório nacional, em dezembro, a promover atos para se contrapor ao Supremo, os dirigentes definiram que a nota divulgada na quarta-feira, na qual o partido afirmou que o STF tentou criminalizar o PT, foi sua última manifestação.

O mensalão deve aparecer na reunião do diretório, mesmo que vocalizado por pequena parte dos seus 84 integrantes, como ocorreu na reunião anterior, quando o ex-ministro José Dirceu, que acabara de ser condenado, propôs que o debate ficasse para depois das eleições municipais. O ex-deputado José Genoino defendeu na ocasião que o PT deveria fazer frente às decisões do STF. Tanto ele quanto Dirceu são membros do diretório.

Outro integrante do diretório, o radical Markus Sokol, vê "insatisfação na base do partido" com a condução da discussão. Ele defende a realização de atos públicos para "manifestar repúdio à sentença". Segundo o militante, "para além do apenamento, há uma agressão ao PT. Se ficar sem resposta, outras organizações que incomodam a elite dominante não poderão se sentir garantidas".

Ex-secretário sindical do PT, João Felício entende que o PT deve fazer uma campanha nacional em defesa do julgamento do valerioduto tucano.

Dois atos já foram convocados. Um terá a presença de Genoino, que comporá no próximo sábado uma mesa com Sokol e outros petistas à esquerda do partido, como o deputado Fernando Ferro (PT-PE) e o presidente da CUT, Vagner Freitas.

O outro ato foi convocado pelo deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que fará uma plenária de seu mandato na sexta-feira.

"Já foi julgado, vamos em frente. O partido não tem mais o que fazer", diz o deputado Devanir Ribeiro, defensor da ideia de que o assunto já se esgotou.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Mensalão: STF pode decidir sobre mandatos de parlamentar?

Quem é do Legislativo e for condenado na Ação Penal 470 perderá imediatamente o cargo? Ou a decisão caberá à Câmara? Essa questão dividirá o quase sempre dividido plenário do Supremo Tribunal Federal, que retoma o julgamento nesta semana.

Quem determina a perda dos mandatos?

Após estipular as penas de deputados, STF terá que decidir se as cassações serão automáticas e pode esbarrar nas prerrogativas da Câmara. Dilma faz crítica velada à atuação de ministros

Karla Correia

A retomada do julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana vai turbinar a controvérsia em torno das cassações dos mandatos de parlamentares condenados no processo. Com apenas uma sessão prevista para o mensalão esta semana, a Corte deve concluir, na quarta-feira, a punição ao advogado de Marcos Valério e, em seguida, começa a analisar as penas de integrantes da base aliada do governo Lula, incluindo o delator do mensalão e presidente do PTB, Roberto Jefferson, e os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT).

A prerrogativa sobre a cassação dos mandatos de parlamentares condenados no processo divide o plenário do STF, que terá de decidir se cabe à Corte estabelecer a perda imediata ou se a decisão deverá ser tomada pela Câmara. Na semana passada, o relator da ação penal, Joaquim Barbosa, tentou iniciar a discussão antes de encerrar a aplicação das penas para o núcleo financeiro, aproveitando a última sessão presidida por Carlos Ayres Britto. Os colegas de plenário, contudo, argumentaram que o tema exigiria mais tempo de análise e decidiram adiar o debate.

O clima tenso que tem marcado as discussões na Corte foi alvo de uma crítica velada da presidente Dilma Rousseff, que ontem comentou pela primeira vez o julgamento. "Como presidente da República, não posso me manifestar sobre as decisões do STF. Acato suas sentenças, não as discuto. O que não significa que ninguém neste mundo de Deus esteja acima dos erros e das paixões humanas", afirmou Dilma em entrevista ao jornal espanhol El País.

A questão dos mandatos atinge os deputados João Paulo Cunha, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto, além do ex-presidente do PT José Genoino, que espera assumir uma cadeira na Câmara no lugar do deputado Carlinhos Almeida (PT-SP), eleito para a prefeitura de São José dos Campos (SP).

A expectativa é que o STF defina o assunto apenas no fim do julgamento. Parte dos ministros entende que, uma vez encerrada a condenação criminal, os direitos políticos do condenado são automaticamente suspensos. Mas, na Câmara, ganha força o entendimento de que cabe ao Legislativo a última palavra, com base no parágrafo segundo do artigo 55 da Constituição: "(...) a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa". Nesse caso, o processo de cassação se daria por votação secreta no plenário da Câmara, sendo necessários 257 deputados para determinar a perda do mandato de um colega.

Nove titulares

Com a aposentadoria de Carlos Ayres Britto e a saída de Cezar Peluso no fim de agosto, as penas dos 14 condenados que ainda aguardam a análise da dosimetria no julgamento do mensalão serão definidas por apenas nove ministros. Teori Zavascki, que tomará posse no dia 29, não participará dessa fase do processo por não ter votado durante a condenação dos réus. Da mesma forma, ainda que seja indicado até o fim do julgamento, o substituto de Ayres Britto não deve influenciar na dosimetria das penas.

Os novos ministros, entretanto, poderão participar da análise dos recursos apresentados pelas defesas dos réus. Ao menos 15 dos condenados pelo processo terão a possibilidade de utilizar instrumentos jurídicos na tentativa de adiar o cumprimento das penas.

Eles poderão se beneficiar dos chamados embargos infringentes, brecha aberta para aqueles que receberam ao menos quatro votos contrários à condenação. Os recursos poderão protelar a conclusão do julgamento, que, se não for encerrado até 19 de dezembro — quando se inicia o recesso do Judiciário — ficará para 2013.

O ministro e a cantora

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, que toma posse como presidente da mais alta Corte do país na quinta-feira, foi recebido pela cantora Marisa Monte em seu camarim após show realizado na noite de sábado, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Os dois conversaram durante aproximadamente meia hora, mas não foi revelado o assunto. A cantora publicou no Facebook uma foto ao lado do magistrado. Até o início da noite de ontem, havia recebido mais de 10 mil curtidas e 766 compartilhamentos.

"(...) a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa"

Trecho do artigo 55, parágrafo 2º, da Constituição Federal

Fonte: Correio Braziliense

Fez-se justiça

Como os juízes do Supremo salvaram o julgamento do mensalão - e o que muda no país depois da sentença de prisão para José Dirceu

Diego Escosteguy

Joaquim Barbosa sabia que falaria para a história. E, assim que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, passou-lhe a palavra, às 15 horas do dia 12 de novembro de 2012, uma segunda-feira nublada em Brasília, ele falou. Perto dali, no bosque que ladeia a corte, assim como nos demais jardins e muitos recantos verdes de Brasília, as cigarras cantavam incessantemente, com a estridência usual, a melancólica ária que domina as primaveras da capital da República. O barulho das cigarras, porém, não penetrava o Tribunal. Lá dentro, nos primeiros minutos da 45â sessão de julgamento do mensalão, havia apenas a voz de Joaquim Barbosa, o ministro relator do caso. Joaquim - costume gris, empertigado na cadeira ortopédica preta, rosto contrito - era inevitavelmente a imagem da abnegação. A dor revelava-se ao Brasil em cada espasmo muscular que lhe acometia, amiúde, como a sugerir que ele não fosse senhor do próprio corpo. Sobrava-lhe a voz, e com ela preencheu o plenário:

- Passo a examinar o chamado núcleo político. José Dirceu colocou em risco o próprio regime democrático, a independência dos Poderes e o sistema republicano, em flagrante contrariedade à Constituição Federal. Restaram diminuídos e enxovalhados pilares importantíssimos da nossa institucionalidade - disse, com os olhos miúdos cravados no voto. - Fixo a ele a pena-base em dois anos e seis meses de reclusão, tal como fizera com o réu Marcos Valério. Considerado o fato de José Dirceu ter desempenhado um papel proeminente nas atividades de todos os réus, especialmente os do núcleo político, aumento a pena em um sexto: pena que torno definitiva em dois anos e 11 meses de reclusão.

Aproximava-se o fim. Nos quase quatro meses do julgamento mais importante da história do Supremo, os 11 ministros - ou dez, a partir da aposentadoria compulsória do ministro Cezar Peluso, por idade, em setembro - já haviam reconhecido, por maioria e com base nas abundantes provas dos autos, que uma quadrilha liderada pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu estabelecera um esquema de suborno para que parlamentares apoiassem o governo do Partido dos Trabalhadores, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva - um esquema que se convencionou chamar de mensalão. Os ministros entenderam que 25 dos 38 réus (13 foram absolvidos) deveriam ser condenados por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Faltava apenas definir o tamanho das penas de cada um, no complicado processo da dosimetria, repleto de números e nuances jurídicas. Era o que começava a fazer Joaquim em relação a Dirceu. No fim da dosimetria, sua pena atingiria o total de dez anos e dez meses, acrescida de multa de R$ 676 mil. Pela primeira vez na história do Brasil, ao menos desde a redemocratização de 1988, um político poderoso era condenado por corrupção - e, salvo reviravolta cada vez mais improvável, cumprirá parte da pena na cadeia. Condenado, assim como os demais réus, num julgamento feito à luz do dia, transparente e com o mais amplo direito à defesa.

Dadas a estatura dos envolvidos - protagonistas de um partido político que ocupa o poder até hoje - e a natureza do crime central - a compra de um poder por outro, o que constitui por si só um atentado contra a democracia -, o julgamento do mensalão provocou questionamentos apaixonados. Teria sido um julgamento político? Seu resultado deixará um legado para o país? Ou foi apenas consequência de uma conjunção de fatores muito especial - um “julgamento de exceção”, na avaliação de alguns juristas?

Os fatos que respondem a essas perguntas mostram que o país assistiu pela televisão, nos últimos meses, a um julgamento que só se tornou possível graças aos lentos avanços institucionais do país e, em especial, do STF (leia mais na página 46). Um julgamento, também, que só veio a bom termo, ao menos até agora, pelas virtudes apresentadas por seus protagonistas nos momentos mais críticos do caso - aqueles momentos nos quais a discórdia bordejou o conflito, nos quais as diferenças transbordaram as ideias e adernaram os homens. Um desses momentos viria a acontecer naquela segunda-feira, quando se definiam as penas de José Dirceu, assim que a voz de Joaquim Barbosa cedesse lugar às demais.

Vias de fato

O voto de Joaquim Barbosa durou exatamente cinco minutos. Mas surpreendeu muitos ministros. A maioria esperava que ele prosseguisse definindo a pena do núcleo financeiro. Houve estratégia no movimento surpreendente de Joaquim. Ele queria votar as penas de Dirceu, do ex-presidente do PT José Genoino e do ex-tesoureiro Delúbio Soares antes que o ministro Ayres Britto se aposentasse, fato que aconteceria na quinta-feira seguinte, dia 15 de novembro. Àquela altura, após tantos meses de julgamento, era conhecida a posição de cada ministro - e Ayres Britto votava quase sempre em sintonia com Joaquim. Joaquim, portanto, não queria arriscar ter um voto a menos na última votação mais importante do julgamento. É uma prerrogativa do relator estabelecer a ordem do que será votado. Essa prerrogativa não impede que outros ministros se sintam incomodados com o truco -nenhum mais do que Ricardo Lewandowski, o revisor do processo e nêmese de Joaquim Barbosa. “Pelo que entendi, inclusive os jornais anunciaram, a votação de hoje seria do núcleo bancário. Não estou entendendo por que estamos iniciando com o núcleo político. Inclusive, o advogado não está presente”, disse Lewandowski. “A qualquer momento, Vossa Excelência surpreende a corte, surpreende o revisor. Eu vim de São Paulo nesse instante, saí de uma banca de mestrado, se eu soubesse...” Joaquim Barbosa o cortou: “Não nos interessa de onde Vossa Excelência veio”.

Seguiu-se mais uma das altercações entre os dois:

- A surpresa, ministro, é a lentidão ao proferir os votos. Esse joguinho, ministro - disse Joaquim.

- Que joguinho? Vossa Excelência, por favor, se explique - reagiu Lewandowski.

- Vossa Excelência não tem voto neste caso. Vossa Excelência não tem voto - disse Joaquim. Como Lewandowski absolvera Dirceu, não teria direito a participar da definição da pena dele.

- Eu terei em seguida. Não é possível procedermos dessa forma. A metodologia tem de ser combinada com o revisor também - disse Lewandowski, dirigindo-se a Ayres Britto. - Toda hora estou sendo surpreendido, senhor presidente. É o fatiamento, são sessões extraordinárias, é o cancelamento das turmas, não é possível!

A discussão prosseguiu. E piorou:

- Eu é que estou surpreendido com a ação de obstrução de Vossa Excelência - afirmou Joaquim, tremendo de dor e nervosismo na cadeira ortopédica.

- Senhor presidente, Vossa Excelência, por favor, consigne isso em ata, porque eu considero isso algo muito grave - respondeu Lewandowski.

- Mas eu estou falando a verdade - disse Joaquim.

- Então, eu me retiro do plenário - disse Lewandowski, levantando-se sem olhar para trás.

Foi uma das cenas mais dramáticas do julgamento. Todos estavam perplexos. Como revisor, Lewandowski desempenha um papel fundamental no julgamento. Sem ele, não há julgamento: tudo tem de parar. “Ele está a fim de obstruir mesmo, olha aí”, disse Joaquim. “Estou cansado, senhor presidente, desse jogo de empurra-empurra.” Na sala do cafezinho, perto do plenário, Lewandowski não se conformava. “Isso é um desrespeito! Custava me avisar?”, dizia ele aos assessores. “Assim eu vou embora.” Enquanto Lewandowski cogitava abandonar o julgamento, a dosimetria de Joaquim para Dirceu prevalecia nos dois crimes a que ele foi condenado. Chegou aos dez anos e dez meses de prisão. Em seguida, Genoino recebeu pena de seis anos e 11 meses. Para definir a pena de Delúbio, a corte precisava de Lewandowski - Joaquim precisava de Lewandowski. Como o revisor condenara Delúbio, ele teria de votar em seguida. Os ministros, portanto, precisavam de Lewandowski imediatamente. Alguém precisaria ceder. Coube a Ayres Britto conversar com Lewandowski no intervalo da sessão. Sempre Britto: desde o começo do julgamento, a diplomacia e a lhaneza de Britto estavam de plantão, serviço extra provocado pelos excessos verbais, sobretudo do mercurial relator Joaquim Barbosa.

Essas virtudes de Britto provaram-se essenciais para que o julgamento não fosse interrompido - e o Supremo desmoralizado - logo na 1 lâ sessão, em 16 de agosto. Irado com uma questão de ordem, Lewandowski foi ter com Joaquim no intervalo da sessão. Era possível ouvir os berros de ambos na sala contígua. Joaquim e Lewandowski foram se aproximando um do outro, trocando impropérios - até que quase saíram no tapa. O ministro Luiz Fux, lutador de jiu-jítsu, segurou Joaquim, enquanto Britto puxava Lewandowski para um canto. “Eu abdico da revisão! Não participo mais desse processo!” gritava Lewandowski.

Ele sabia, contudo, que não apenas seu legado como a história do Supremo estavam em jogo nesse julgamento. Em muitos momentos, Lewandowski poderia ter impedido o julgamento. Poderia não ter entregue seu voto em julho, como determinara a corte; poderia ter abandonado a revisão depois de quase “ir às vias de fato” com Joaquim Barbosa, como veio a definir o episódio a amigos; e poderia, finalmente, não voltar ao plenário após o intervalo daquela sessão em que os ministros precisavam imediatamente dele. Mas ele voltou. Graças, em parte, aos dons diplomáticos de Britto. Mas, sobretudo, graças a sua própria capacidade de ceder quando outros não o fariam - como Joaquim. Nisso, e ao verbalizar críticas aos procedimentos do julgamento que encontravam algum eco fora do Supremo, Lewandowski encontrou seu lugar na história que será escrita sobre o mensalão.

Justiça, simplesmente justiça

O julgamento do mensalão foi justo até aqui? Fiz essa elementar pergunta aos ministros do Supremo - e, nenhum, mesmo que reservadamente, mesmo os que foram vencidos em muitos pontos do julgamento, expressou qualquer reserva quanto à correção do processo. Alguns têm críticas, duras até, mas sempre críticas a questões relativamente periféricas no julgamento (como o tamanho das penas ou como se redigirá o acórdão com a decisão final dos ministros). Na essência, a maioria concorda: houve crimes no mensalão, e as pessoas que participaram desses crimes são responsáveis, em maior ou menor grau, pelo que fizeram - por isso têm de ser condenadas. Todos puderam apresentar provas e argumentos de sua inocência. A maior corte do país parou por um semestre para debater, aos olhos de todos, quem era inocente e quem era culpado. Fez-se justiça, até o momento, não porque o Supremo tenha condenado Dirceu e outros líderes políticos à cadeia. Se Dirceu for de fato preso, o país não terá mudado do dia para noite. Nem essa eventual prisão deve ser observada com triunfalismo ou aplauso.

Primeiro, porque, como observou o ministro Cezar Peluso em sua última sessão no Supremo, depois de votar pela condenação do ex-deputado João Paulo Cunha, do PT, “nenhum juiz verdadeiramente digno de sua vocação condena ninguém por ódio. Nada mais constrange o magistrado do que ter que infelizmente condenar um réu em matéria penal”. E, segundo, porque os avanços na Justiça são lentos, caminham devagar, ao sabor de pequenas conquistas que mudam o campo de ação dos homens - como quando se consegue aprovar uma lei como a da Ficha Limpa, ou quando, meio que por acaso, a Suprema corte do país consegue criar uma TV própria, que, com o tempo, levou a lida dos ministros diretamente à casa dos cidadãos. “Alguns ainda criticam a TV, dizem que serve sobremaneira para aguçar a vaidade dos ministros”, afirma o ministro Marco Aurélio Melo, em cuja presidência, há dez anos, criou-se a TV. “Mas não podemos nos esquecer de que o direito rege a vida em sociedade, e de que a sociedade ganha ao acompanhar o direito em ação. É o que ocorre na transmissão ao vivo das sessões do Supremo. Ficamos mais próximos da sociedade e, assim, nossos semelhantes podem nos acompanhar - e cobrar.”

Poucos lembram-se da construção institucional que permitiu esse julgamento. Uma vitória veio em dezembro de 2001, quando o Congresso promulgou emenda à Constituição que permitiu ao Supremo processar criminalmente deputados e senadores sem autorização prévia da Câmara dos Deputados e do Senado. Autor de um dos projetos que resultaram na emenda, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) lembra que, desde o final dos anos 1970, havia a intenção de aprová-la, mas os parlamentares resistiam. “Era um poder que os parlamentares não queriam perder. Corporativismo mesmo”, afirma. “A lei só saiu depois de muita pressão popular.”

Os avanços também aconteceram no domínio das leis. A já famosa teoria do domínio do fato, que ajudou a condenar José Dirceu, nasceu no final dos anos 1930 na Alemanha, a partir dos estudos do jurista e filósofo do Direito Hanz Welzel. Surgiu - e evoluiu - pela necessidade de processar os crimes cometidos por Estados totalitários ou por organizações criminosas complexas. Na América do Sul, em meados dos anos 1980, a teoria foi aplicada em processos contra militares acusados de crimes políticos, como observam os professores Francisco Munhoz Conde, da Universidade Pablo Olavide, na Espanha, e Hector Olasolo, da Universidade de Utrecht (na Holanda), autores de um artigo sobre o assunto. Em 19 de março do ano passado, José Dirceu comemorou em seu blog uma decisão baseada na teoria que o condenaria um ano depois. A Justiça chilena ratificara a condenação do general Manuel Contreras a cinco anos de prisão. Contreras foi o chefe da Dina, a cruel polícia política da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990) no Chile. “Faz justiça, simplesmente justiça”, afirmou Dirceu.

Em 24 de agosto de 2012, outra vez em seu blog, Dirceu elogiou a Justiça argentina por julgar o ex-presidente Reynaldo Bignone e outros militares acusados de prender, torturar e matar combatentes da ditadura argentina (1976-1983). Talvez Dirceu não saiba, mas a condenação de Contreras e a de Bignone também se devem à aplicação da teoria do domínio do fato. Mas José Dirceu, apesar do que dizem seus defensores, não foi condenado por uma teoria. Foi condenado pelas provas.

Baú de mágoas

Naquela tarde de segunda-feira, a última sob a suave Presidência de Britto, a última em que seus talentos de conciliação seriam necessários para salvar, mais uma vez, o julgamento, os ministros não estavam preocupados com a teoria do domínio do fato ou com as invectivas dos advogados dos réus. Estavam ocupados demais em garantir que Lewandowski voltasse, mais uma vez, do intervalo. Para os brasileiros que acompanham com interesse o julgamento, mas necessariamente de longe, pode ser difícil compreender por que há tantos embates entre os ministros - a maioria aparentemente envolvendo questiúnculas, detalhes irrelevantes. Eles sabem por quê. Naquele momento, Britto sabia - vira, acompanhara durante meses - que as dores de Joaquim são um tormento de tal gravidade que, em alguns momentos, ele poderia desistir do caso. Britto, portanto, via sob outra luz os rompantes coléricos de Joaquim. E se lembrava de quando perguntou o que ele, Britto, poderia fazer para lhe ajudar a tocar o caso. Joaquim pediu apenas uma maca - e um massagista para os intervalos. Num desses intervalos, Britto foi ter com Joaquim. Encontrou o colega com os dois pés imersos num balde de gelo, tentando não gemer de dor.

Foi lembrando os sacrifícios - uns maiores, físicos; outros menores, ideológicos - dos ministros durante o julgamento que Britto conquistou, mais uma vez, Lewandowski. “Mas eu só volto com um desagravo, Britto”, disse Lewandowski. Ele, como os demais, acumulara mágoas demais no percurso de tantas sessões. “As pessoas de fora não entendem, e às vezes até ridicularizam, mas todos os data venia e ‘Vossas Excelências’ têm a função de garantir e, às vezes, restabelecer a concórdia entre os ministros”, diz um dos mais antigos integrantes da corte. “Todos precisam de afagos, ainda mais diante de debates duríssimos. Senão sobram muitas mágoas.” O presidente da corte tem o dever de manter as inevitáveis mágoas num nível civilizado e passageiro. Por isso Britto aquiesceu, e daria a Lewandowski o desagravo que ele queria. Quando os ministros retomaram a sessão, Britto disse: “Tenho de cumprimentar o retorno de Sua Excelência, o ministro Ricardo Lewandowski, que reassume seu indispensável e altaneiro papel de revisor desse processo. Vossa Excelência e o ministro Joaquim Barbosa, para mim, só merecem aplausos e elogios”.

Deu certo. O julgamento estava, mais uma vez, salvo. Delúbio recebeu uma pena de oito anos e 11 meses e R$ 325 mil de multa. Joaquim, aquele que ainda não cedeu, assume a presidência na quinta-feira. Ele conseguirá controlar seus excessos e pacificar os demais ministros? Antes de sair do Supremo, Britto deixou, em seu discurso, um recado - suave, como sempre - ao sucessor: “Não temos direito a mau humor. Entendo que nossas rugas aumentam para que nossas rusgas diminuam. Aprendi com meu pai. E dele também a frase que diz que o juiz não deve impor respeito. O juiz deve impor-se ao respeito. Eu sempre disse para mim que derramamento de bílis e produção de neurônios não combinam”. Para continuar fazendo história, não bastará mais a Joaquim apenas falar.

Com Flávia Tavares, Marcelo Rocha, Murilo Ramos e Leandro Loyola

Fonte: Revista Época

O preço do poder

Os petistas nunca hesitaram em apontar o caminho da cadeia aos corruptos. Com a condenação dos mensaleiros, porém, a prisão agora deixa de ser o lugar adequado para quem comprou políticos com dinheiro público roubado

Daniel Pereira e Hugo Marques

O PT já defendeu de forma intransigente a ética e a moralidade pública, apresentando-se como a única vestal naquilo que considerava um grande bordel de partidos. O PT já chamou de ladrões os ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor, entre outros poderosos, para em seguida bradar que lugar de corrupto é na cadeia. O PT já considerou a imprensa e o Ministério Público personagens centrais nos esforços empregados para acabar com a impunidade de colarinho branco no Brasil. Isso, obviamente, nos tempos em que o partido comandava a oposição. Ao chegar ao poder com a eleição de Lula, o PT abandonou uma a uma essas bandeiras, reescrevendo o roteiro e o personagem que encenava em público. Os baluartes da ética saíram de cena. No lugar, assumiu um grupo que acreditava que podia se perpetuar no poder comprando tudo e todos. Comprou deputados, comprou partidos, comprou consciências. Patrocinou o maior escândalo de corrupção da história — e. se nada de insólito acontecer, também vai pagar caro por isso.

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu as penas dos petistas José Dirceu. José Genoino e Delúbio Soares, condenados por formação de quadrilha e corrupção ativa no processo do mensalão. Os ministros impuseram a Dirceu, considerado pela corte o chefe da organização criminosa, uma pena de dez anos e dez meses de prisão. Ele terá de passar quase dois anos na cadeia, em regime fechado, até reivindicar a progressão da pena para o regime semiaberto, no qual o condenado trabalha durante o dia e dorme atrás das grades. Uma situação parecida com a de Delúbio, o tesoureiro responsável pelo caixa clandestino que subornou parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. Já a punição imposta a Genoino, presidente petista à época do escândalo, foi de seis anos e onze meses e terá de ser cumprida inicialmente no regime semiaberto. Toda a antiga cúpula petista, portanto, mantidas as punições até agora fixadas, expiará pelo menos parte dos pecados na prisão. Um desfecho inimaginável para réus que apostaram na promessa do ex-presidente Lula de desmontar o que ele chamava de a "farsa" do mensalão.

Depois de aliar-se a adversários que tachava de bandidos, de adotar o fisiologismo como prática de governo e de usar recursos públicos para comprar votos no Congresso, o combativo PT, que durante mais de duas décadas pregou nas ruas o combate à corrupção e a punição dos corruptos, também mudou o discurso para defender a tese de que cadeia não é lugar para banqueiros, empresários bem-sucedidos e políticos preeminentes. Para o partido que se diz do povo, a prisão deve ser reservada tão somente ao próprio povo, ao ladrão de galinha, ao pé-rapado. Essa nova contraofensiva começou quando o ministro da Justiça, o petista José Eduardo Cardozo, qualificou de "medieval" a situação das cadeias brasileiras.

Numa palestra a empresários, o ministro disse que preferiria morrer a cumprir pena em certos presídios do país. Uma declaração, segundo ele, que nada teve a ver com os veredictos do mensalão, mas o fato é que ela motivou petistas a repetir o mesmo argumento em defesa de Dirceu, Genoino e Delúbio. Durante o julgamento, por exemplo, o ministro do STF Dias Toffoli afirmou que as penas impostas aos mensaleiros eram excessivamente rigorosas, comparáveis às fogueiras da Inquisição. Ex-advogado do PT e subalterno de Dirceu nos tempos em que este comandava a Casa Civil, Toffoli propôs a substituição da pena de cadeia pela cobrança de multas pesadas dos condenados. Recebeu o apoio imediato do revisor do processo, Ricardo Lewandowski. "Prisão, medida restritiva de liberdade, combina com o período medieval", afirmou Toffoli, reproduzindo até o termo usado pelo ministro da Justiça.

Em seguida, Toffoli declarou que a aplicação de multas e a recuperação dos recursos desviados dos cofres públicos teriam efeito mais pedagógico. O ministro teve seu momento irretorquível, ao mandar às favas a própria coerência. Em 2010, como revisor de um processo no qual o deputado Natan Donadon era acusado de desviar recursos públicos, Toffolli foi decisivo na fixação de uma pena de treze anos de prisão. Donadon não é petista nem chefe de Toffolli. No caso do mensalão, no entanto, o ministro não conseguiu convencer a maioria do plenário. Os ministros do STF defenderam condenações e as penas aplicadas aos mensaleiros, que seriam condizentes com um esquema que provocou "lesão gravíssima à democracia", segundo o relator Joaquim Barbosa. Ao comprar o apoio de congressistas, o governo Lula tentou subjugar o Legislativo, ferindo o princípio constitucional da independência dos poderes. "Restaram diminuídos e enxovalhados pilares importantíssimos da nossa institucionalidade", disse Barbosa.

Os magistrados também cobraram do governo a melhoria das condições das cadeias brasileiras, para que possam ser respeitados os direitos humanos de todos os condenados, sejam ex-ministros de estado, ex-líderes de partido ou cidadãos comuns. "Eu também louvo as palavras do ministro da Justiça, preocupado agora com o sistema prisional. Eu só lamento que ele tenha falado isso só agora", ironizou o ministro Gilmar Mendes. A previsão é que Dirceu e Delúbio cumpram a pena na penitenciária de Tremembé, unidade prisional no interior paulista que recebe condenados em casos de grande repercussão. Na carceragem, grande parte dos presos tem ensino superior, e não há atuação de facções criminosas como o PCC. Mas há problema de superlotação: são 409 presos, ante uma capacidade para 239 detentos. Em média, cada cela de 12 metros quadrados é ocupada por três pessoas, que têm direito a televisão e rádio. Dois presos dormem em um beliche, enquanto o novato encarcerado descansa num colchonete. Os detentos têm à disposição uma biblioteca com mais de 5000 livros, um campo de futebol e um templo ecumênico. Nos primeiros quinze dias de prisão, os novatos ficam isolados dos demais presos.

Tremembé — que serve de cárcere, entre outros, ao jornalista Pimenta Neves, assassino confesso da namorada, e a Alexandre Nardoni, acusado de matar a própria filha — também poderá ser o destino do petista José Genoino. Só que Genoino ficaria no setor de regime semiaberto, onde há 119 presos, pouco mais do que a capacidade do lugar (108 detentos). Os integrantes do chamado núcleo financeiro do mensalão também cumprirão pena em regime fechado. O STF condenou à cadeia três executivos do Banco Rural, a instituição que engendrou o esquema de corrupção por meio de empréstimos fraudulentos em troca da obtenção de facilidades no governo. Falta ainda decidir o futuro dos parlamentares corrompidos, como o deputado Valdemar Costa Neto e Roberto Jefferson, delator do mensalão.

Na semana passada, o PT divulgou uma nota criticando o rigor das penas impostas aos réus e atacando o Supremo, que teria se curvado à pressão da mídia, ignorado aspectos técnicos e realizado um julgamento político a fim de criminalizar o partido. Reclamar é um direito dos petistas. Faz parte do jogo democrático, mas não muda o resultado do julgamento. A ampla maioria dos juizes do STF concluiu que o mensalão existiu, surrupiou recursos públicos, comprou votos de parlamentares e representou uma tentativa do PT de se perpetuar no poder. Nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, o relator do processo, a quadrilha alcançou seus objetivos. Restou demonstrado que, no Brasil, o dinheiro até compra a consciência de certos parlamentares, mas ainda é incapaz de corromper as instituições. Ao determinar a prisão aos mensaleiros, o Supremo deixou claro que a República não está à venda.

Publicação do acórdão

Depois do fim do julgamento, o relator do processo, Joaquim Barbosa, vai redigir o acórdão, a decisão completa sobre o julgamento, e publicá-lo no Diário Oficial. Em tese, o prazo é de sessenta dias, mas ele quase nunca é respeitado. Ministros do STF estimam que isso ocorra no primeiro semestre de 2013

Prisão

Depois de julgados os recursos, a decisão se tomará definitiva, o que deve ocorrer no segundo semestre de 2013. Nesse momento, Dirceu irá para a prisão. Como foi condenado a dez anos e dez meses, terá de passar ao menos um ano e nove meses (um sexto da pena) em regime fechado. Depois desse tempo, poderá pedir progressão para o regime semiaberto.

Semiaberto

Se tiver bom comportamento, Dirceu poderá sair da prisão no primeiro semestre de 2015. Em tese, deverá cumprir sua pena numa colônia penal ou em um presídio com ala especial. Trabalhará de dia na própria instituição, ou fora, mas dormirá lá. Como praticamente não há locais desse tipo no sistema penitenciário brasileiro, o preso acaba indo para a rua, como se estivesse livre. Muitos juizes têm autorizado o benefício desde que o preso use uma tornozeleira eletrônica.

Aberto

No regime aberto, o condenado pode trabalhar na rua, mas deve dormir em uma instituição chamada casa do albergado. Como também praticamente não existem casas desse tipo no Brasil, na prática, ele fica livre. As restrições são poucas, como ter de comparecer ao fórum mensalmente para confirmar seu endereço e não poder deixar a cidade onde mora sem informar a Justiça.

Com reportagem de Carolina Rangel

Fonte: Revista Veja

O furacão Joaquim - Ricardo Noblat

“Não achei [nada], porque não vi, meu filho.” (Lula, sobre a condenação dos mensaleiros do PT)

Por ora não convidem para a mesma mesa o ministro Joaquim Barbosa, que esta semana assume a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), e Ricardo Lewandowski, que será seu vice. Os dois brigam desde que teve início em agosto o julgamento do mensalão. Recomenda-se também que não convidem para a mesma mesa Joaquim e Dias Toffoli, Joaquim e Rosa Weber , Joaquim e qualquer um dos advogados dos réus.

TOFFOLI FOI advogado das campanhas presidenciais de Lula, empregado de José Dirceu na Casa Civil e Advogado Geral da União. Joaquim votou em Lula para presidente mesmo depois de Roberto Jefferson ter denunciado o escândalo do mensalão. A restrição que Joaquim faz a Toffoli é a mesma que faz a quase todos os seus pares no STF: falta-lhes independência. Genuína independência.

ROSA WEBER é ministra da cota pessoal de Dilma, amiga do ex-marido dela. Dá sinais de que tem votado como quer . Mas Joaquim faria gosto se ela votasse como ele quer . Faria gosto se todos votassem como ele quer . A lei autoriza que ministros do STF recebam representantes de partes interessadas num julgamento. Joaquim é o único que se recusa a receber . Os advogados o detestam.

FOI DO PAI que Joaquim herdou o temperamento belicoso. A trajetória profissional de Joaquim também contribuiu para que ele fosse do jeito que é. No STF não há um único ministro para o qual seja estranha a arte de fazer política. E todos fizeram para chegar onde estão. Joaquim, não. Submeteu-se a concursos para conquistar cargos. E não pediu a ajuda de ninguém para ser promovido a ministro do STF .

ESTAVA NO canto dele quando uma pessoa ligada a Lula o procurou ainda em 2003. Num espaço curto de tempo, Lula seria obrigado a indicar quatro ministros do STF . Queria que um deles fosse negro. O outro, mulher . O outro nordestino. E o outro paulista. O STF virou uma espécie de parque temático. Nenhum jurista negro tinha currículo superior ao de Joaquim. Nada deve a Lula, portanto. Nem se sente devedor .

QUANDO OLHA em torno, mesmo levando em conta o conhecimento jurídico de cada um dos seus colegas, Joaquim se vê cercado por ministros em dívida com muita gente que os empurrou ladeira acima. Não só presidentes, mas amigos de presidentes e amigos de amigos deles. Na hora de votar certos assuntos, como podem fazê-lo sem se sentir no mínimo constrangidos? Lula peitou alguns para adiar o julgamento do mensalão.

O ANTÍDOTO contra a ação de Lula misturou Joaquim, a pressão da opinião pública e a extensa cobertura do julgamento feita pela mídia que o PT chama de golpista. Deu certo. Só que o julga-mento ainda não terminou. Chegará ao fim com Joaquim acumulando sua relatoria e as presidências do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em breve, haverá questões delicadas a definir .

A PRIMEIRA: a data da prisão dos réus condenados. O Procurador Geral da República defende que eles sejam presos sem que se espere o julga-mento de futuros recursos impetrados em seu favor . O STF jamais admitiu a prisão antecipada. A segunda questão: são três os deputados federais condenados. Caberá à Câmara decretar a perda do mandato deles? Ou ao STF? Joaquim ainda não adiantou o que pensa a respeito.

TEM UMA bomba de elevado poder de destruição que Joaquim deverá detonar no CNJ. Hoje, advogados não podem atuar em processos cujo destino dependa de juízes que sejam seus parentes. Joaquim quer apertar mais o torniquete. Advogados ficariam proibidos de atuar nas cortes onde tivessem parentes juízes. Se Joaquim for bem-sucedido, a quantidade de advogados condenados à orfandade será absurda!

A ERA Joaquim Barbosa no Judiciário promete fortes emoções.

Fonte: O Globo

De candidatos e eleição - Wilson Figueiredo

Por mais que o mensalão ainda ocupe tempo, por falta de melhor   assunto no cardápio do brasileiro que se considera da classe média, já é hora de investir mais atenção no esporte político que,  de quatro em quatro anos, como a Copa do Mundo de Futebol, monopoliza a atenção popular.  Não que um tenha a ver com o outro, ao contrário, mas para distanciá-los antes que os clubes venham a ser peças eleitorais indispensáveis à democracia, a suprema razão de ser da boca para fora do brasileiro.

A última sucessão presidencial salvou o PT e o ex-presidente Lula de irem longe demais e ficarem sem volta no desvio fatal chamado terceiro mandato, a que um e outro se consideravam com direito líquido e certo. Lula deu tratos à bola  e, para não bater de frente com o partido que se considera de esquerda (e não sabe a  diferença que o fez dobrar à direita), optou pela saída que ainda não superou o impasse com a candidatura de Dilma Rousseff (que não fazia arte do jogo).

Entre a falta de resultados convincentes e obras que não saíram do papel nos dois mandatos  de Lula, sobressaiam as previsíveis dificuldades de encaminhar uma candidatura condizente com o presidente que se recusava a ser ex-presidente. A solução que ocorreu a Lula, e não chegou a ser discutida senão por ele com ele próprio, foi confundir adversários e petistas com uma candidatura feminina valorizada pela surpresa e dispensada de ouvir o PT na tomada de decisão. Lula lançou Dilma Rousseff, no tranco, para sucedê-lo e ficar lhe devendo a gentileza. Havia razões que o tempo apontaria e outras que até hoje não interferiram. É como se não existissem.

A partir daí ninguém mais seguraria o ex-presidente, cujo cálculo  relativo à candidatura Dilma incluiu a dependência eleitoral dela a ele, que esbanja voto como novo rico num país de classe média politicamente ainda canhestra. Assim foi e continua, mas sem a garantia do que sucederá, considerando que o mensalão vive os últimos estertores. A sucessão se fará no mesmo espaço social. Para não sucumbir à nostalgia do poder, Lula preveniu-se, primeiro, com o comando da campanha eleitoral, para manter o PT afastado.  E, sem olhar para trás no tempo, onde estão sepultadas candidaturas que não faturaram proveito eleitoral.

A presidente não passou recibo e fez que não ouvia o que se dizia,  até que a necessidade lhe propôs a questão ética, à qual nada deve. Mas Lula se intrometia na seara do governo e falava por ela, sem que uma voz ponderada o advertisse. O presidencialismo não comporta ventríloquos no exercício do poder. O dueto dos dois desafinou pelas razões a que a razão fecha os olhos para não piorar a situação.

Lula gosta de falar, e fala mais do que o indispensável quando se sente presidente por conta própria. A sucessora de Lula encontrou a saída do impasse doméstico graças ao pendor moralista revelado no exercício do poder presidencial, no país em que acaba de desembarcar a nova classe média diplomada às carreiras

Por enquanto, equilibram-se em expectativa duas candidaturas à próxima oportunidade: Lula espera como retribuição a  desistência de Dilma Rousseff a seu favor, mediante troca do segundo mandato dela pelo terceiro dele. Claro, dependendo das variáveis e dos imprevistos. Mas, Lula repete com freqüência   que a segunda candidatura é direito natural de Dilma Rousseff.  É aí que a suspeita assina o ponto. Se não for para reeleger Dilma, a oportunidade será dele. É só, por enquanto, fazer por onde. Da contradição fez um método que explica o ex presidente melhor do que qualquer concepção científica dentre as que valorizaram o Século 20. Morder e soprar é remédio antigo.  

Pelo lado de Lula, a sucessão está definida: a candidata é Dilma Rousseff, ele fica de suplente. Ela guarda o lugar para ele. Se  não agüentar os trancos, ele se apresentará porque a segunda oportunidade lhe reserva, como alternativa, o terceiro mandato. Se a situação econômica e seu reflexo social pedirem mobilização de opinião pública, ele conta certo com a nova classe média que, a seu ver, cede prioridade ao voto e, pelo terceiro mandato, deixa o consumo para depois.

Fonte: Jornal do Brasil