• Discurso de Lula não mira o voto, mas acende a militância
- Valor Econômico
Acertou quem viu, no virulento discurso de Lula em que cunhou a onda negativa que cerca sua candidata à reeleição como de ódio ao PT, um recado à militância. A promessa - "a esperança vai vencer o ódio"-, não tem o objetivo de conquistar votos nem atacar adversários com eficácia. O apelo, também ideológico, não chama às falas o eleitor que já está na sua banda. É diferente, ainda, do discurso do medo da volta ao passado, destinado a reter o eleitorado que namorou, em determinado momento, com as alternativas de mudança.
Portanto, o discurso de Lula, neste momento, é para dentro. A militância petista, a quem se atribui a característica única de vencer eleições na reta final, está apática. E a candidata à reeleição não está ajudando. No momento a insatisfação no partido chegou aos píncaros do auge do topo.
Não se trata mais de tentativas de reanimar o movimento Volta, Lula, hoje quase que exclusivo da liderança da ministra Marta Suplicy, mas que sempre pode voltar a qualquer tempo, como tudo pode. Nada especial como alternativa. Trata-se, de verdade, da insatisfação com o momento da campanha e com fatos bem definidos.
O fato número 1: Dilma Rousseff não foi à convenção que lançou Alexandre Padilha (PT) à disputa do governo de São Paulo, e o partido viu contradições nas justificativas da ausência. Segundo alguns portadores dos recados, como o chefe da Casa Civil, Aluizio Mercadante, não foi porque ela estava doente, com bronquite, e segundo outros porque iria jantar naquele dia com a chefe do governo alemão, Angela Merkel. O encontro diplomático seria à noite, e a prevalecer a doença, pergunta-se como pode prever o mal estar ao ponto de formular, preparar e gravar um video com mensagem à convenção?
O fato número 2: Dilma Rousseff, no jantar que o PT registrou como sendo de sua aproximação com o líder do PMDB, Eduardo Cunha, adulou muito o candidato Paulo Skaf, que disputa com Padilha o governo de São Paulo.
O fato número 3 foi a declaração dada por ela, no dia seguinte ao afetuoso encontro, de que em São Paulo a presidente candidata teria dois palanques. Tudo na mesma semana em que, coincidência negativa, saiu uma pesquisa de intenção de voto que dava 20% a Skaff e 3% a Padilha.
Como fato número 4 registrou-se que, diante da escalada no discurso da oposição, tendo o candidato do PSDB, Aécio Neves, subido o tom para vaticinar a chegada de um tsunami a varrer o PT da política, e o candidato do PSB, Eduardo Campos, ter visto no projeto da continuidade a manutenção de raposas que já roubaram o suficiente, Dilma ficou quieta. No máximo, mandou Mercadante dar entrevista, tardia, para responder aos seus adversários.
O fato número 5 se deu com aquele que o PT elegeu como seu inimigo número um: Joaquim Barbosa, o presidente do Supremo Tribunal Federal. A presidente o convidou para acompanhá-la à cerimônia de abertura da Copa do Mundo, ele aceitou mas esnobou o convite, optando por avião de carreira, em lugar do jato presidencial, e cadeira em outro lugar longe da presidente.
Falta jeito, manha, perspicácia à presidente para perceber coisas como essa: já tendo se reunido com Skaf e declarado que terá dois palanques em São Paulo, teria obrigatoriamente que comparecer à convenção do PT. Até porque, quem vai sustentar sua campanha à reeleição, em todos os sentidos, do financeiro ao político, é o mesmo motor que inventou a candidatura Padilha e está precisando de força.
O PT se vê engolindo sapos, tanto maiores porque também se vê trabalhando por Dilma, arrecadando, financiando a propaganda, promovendo alianças, pavimentando a campanha. Se vê disciplinado, com foco. "Mas querer que a gente goste, já é demais".
E por que está engajado nesta campanha e não no Volta, Lula? Porque, respondem, esse movimento está agonizante, o próprio Lula o desestimula, e também por causa do projeto político nacional do partido, que quer manter.
O grupo da reeleição passa por fortes divergências internas e não consegue dar o rumo da campanha, é a avaliação. O PT não é ouvido para nada. As quedas de índice de intenção de voto, a cada pesquisa de opinião, aumentam o stress, as discordâncias e o desejo de afastamento da campanha.
Por tudo isso a militância estaria anestesiada, lenta. Com base na constatação de que sem ela não se vence uma campanha desse tipo é que Lula começou a falar mais diretamente ao grupo. O Lula está dando, em todas as intervenções que faz, combustível para a militância do PT agir, discursar.
Muitos têm dito a ele que, agora, ainda trabalharão por ela, mas depois não adianta inventar um novo poste. "Em 2018 é você", dizem a Lula, como a criança que concorda em comer salada desde que mais tarde lhe permitam um chocolate.
Lula está fazendo seu papel com prazer. O tom melífluo de outras épocas, fica para depois, quando tiver que formar maioria no Congresso com os políticos da direita no seu colo. Agora não é candidato e, portanto, pode aposentar temporariamente o modelo paz e amor. A militância quer "bateu, levou", e Lula vai dar.
O PT consegue localizar o ponto exato, naquele Itaquerão de 68 mil lugares, onde começou a vaia e os insultos à presidente Dilma Rousseff. Dizem os analistas de campanha que o zum-zum surgiu "na área vip da esquerda do camarote da Dilma".
Exatamente ali teriam assento os integrantes do grupo que Lula definiu como "elite interiorana". Quem são, exatamente? Ah, fazendeiros, industriais, ricaços do interior de São Paulo em geral, dizem vagamente.
Tamanha precisão tem ares de investigação já concluída e transitada em julgado para servir de motivo, o único em meses de campanha, a mobilizar a defesa generalizada de Dilma.
Porém, sobre esse óbvio acontecimento, recomenda-se a leitura da análise e antológica compilação de insultos em estádios feita por Renato Maurício Prado, em 'O Globo' de segunda-feira.
Vaias e insultos estão no ar que se respira em volta da bola.